domingo, 12 de setembro de 2010

Os Mongóis - Gengis Khan.

Genghis Khan
       
“A Águia e a Serpente”

“Quando o mundo era jovem, o rei de todos os seres voadores ordenou para a vespa e para a andorinha que provassem o sabor da carne de todos os seres vivos. Os dois súditos deviam regressar pela noite e informar qual a carne mais doce, mais adequada à dieta de um rei. Como fazia um dia radiante e precioso, a andorinha se perdeu, cheia de alegria, cantando e voando pelo azul céu. Por sua vez a vespa cumpriu rigorosamente a ordem e passou o dia picando a quantos encontrava para provar o gosto de seus cálidos sangues. Quando se reuniram os dois animais ao anoitecer, e antes de ir à presença de seu rei a andorinha perguntou a opinião da vespa. Esta prontamente respondeu:”Sem dúvida alguma, a comida mais doce é a carne humana”. Temendo que tal veredicto criasse problemas futuros, a andorinha com seu bico arrancou a língua da vespa, e quando o rei perguntou aquela noite, a única coisa que podia fazer o pobre inseto era zumbir incoerentemente”.
“Majestade, chegamos a conclusão que a melhor carne para um rei é uma serpente”, respondeu a andorinha, dissimulada. “E até hoje a águia e o falcão, descendentes daquele rei ancestral de todos os seres voadores, adoram comer as serpentes”.
(Fábula Mongol – Extraído e traduzido de Mitologia del Mundo – Roy Willis)


Todos os povos montados que abriram uma trilha de conquistas das estepes até as terras civilizadas travavam “guerras verdadeiras”, segundo todos os aspectos: falta de limites no uso da força, singularidade de objetivo, e nenhuma disposição para aceitar outra coisa senão a vitória total. Como ocorre entre os povos nômades, no início não tinham objetivos de ganhos territoriais imediatos a não ser adquirir riquezas para manter seu sistema de vida nomade.

Entre 1190, quando Temujin que seria chamado mais tarde de Gengis Khan empreendeu a unificação das tribos mongóis, e 1258, quando seu neto tomou de assalto Bagdá, este povo já dominava todo o norte da China, a Coréia, o Tibet, a Ásia central, a Pérsia, o Cáucaso, a Anatólia e os principados russos. Faziam incursões constantes no norte da Índia; em 1237-41, fizeram campanhas de profundidade na Polônia, Hungria, Prússia oriental e Boêmia e mandaram forças de vanguarda em direção de Viena e Veneza. Só se retiraram da Europa quando receberam a notícia da morte do filho, que deveria ser sucessor de Gengis Khan. Sob o comando de seus herdeiros os mongóis ampliaram ainda mais seus domínios até conquistar toda a China onde Kublai Khan, neto de Gengis, fundou a dinastia Yuan, que reinaria até o final do século XIV. Impuseram também controle sobre a Birmânia e o Vietnã, tentaram desembarcar no Japão onde sua imensa frota foi colhida por um tufão, que os japoneses denominaram Kamikaze (Vento Divino) e foram os sobreviventes do grande naufrágio deste exército invasor passados a fio de espada pelos samurais. Permitiram que quatro deles sobrevivessem ao massacre e forneceram condições para seu retorno com o objetivo de alertar o Khan sobre seu grave erro. Em 1526, Babur, um descendente de Gengis, dominou a Índia e fundou lá a dinastia de seu império.

A moral sexual mongol era rígida: o adultério era punido com a morte de ambos os parceiros e fazer mulheres cativas era desaprovado. Esse código de conduta eliminava as disputas antes freqüentes causada pelo seqüestro de esposas. O próprio soberano mongol quando jovem teve a esposa, Borte seqüestrada por uma tribo inimiga, os merkitas, e com o auxilio de Togril Khan em troca de um casaco de zibelina ganho de presente de núpcias ofertado como prenda ao monarca, este forneceu-lhe seus melhores guerreiros e junto a outras tribos aliadas preparou a vingança com cuidado. Após vencer os merkitas encontra grávida sua esposa. Este filho foi chamado Gutsei (o inesperado) e foi aceito desde nascido como seu legitimo herdeiro. Os mongóis, como guerreiros nômades possuíam os próprios códigos de relações entre os indivíduos, as tribos e como tratar os inimigos estrangeiros. No geral sua relação de amizade determinava rituais de comportamento bem definidos, onde qualquer ofensa era motivo para uma cruel vingança.

Alguns analistas pretendem que a este ingrediente se somava um paganismo impiedoso e inculto, não perturbado por preocupações morais monoteístas e budistas com misericórdia para com estranhos ou com perfeição pessoal, e que tais povos “primitivos” tinham predileção pelo terror. Este tipo de pensamento ainda permanece no inconsciente coletivo do ocidente e se infiltrou como análise parcial xenófoba e antropocêntrica destes povos das estepes vistos pelo ângulo europeu católico. É mais que evidente que os mongóis diferiam dos francos em um só elemento, não estavam fanatizados por padres e lutavam suas guerras de forma pragmática, sem heroísmos, razão da invencibilidade militar deste povo que difundiu o terror por vastas regiões do planeta e até hoje ecoam na memória dos povos humilhados da Europa e Ásia seus feitos de sangue.


“É preciso arrasar todas as cidades”, dizia Gengis Khan, “para que o mundo inteiro se transforme numa imensa estepe onde mães mongóis amamentarão crianças livres e felizes”. De fato, cidades prestigiosas como Bukara, Samarcanda ou Herat  foram destruídas, e suas populações dizimadas. Após sua morte em 1227 aos 67 anos, o mundo civilizado do Oriente teve afrouxada a pressão por alguns poucos anos. Na Síria o flagelo se manifestou de forma indireta. Entre as numerosas dinastias derrotadas pelos mongóis havia a dos turcos khawarezmianos, que durante os anos posteriores, do Iraque a Índia tinham substituído os seldjúcidas no poder. O esmagamento desse império muçulmano obrigou seus exércitos a fugirem para bem longe dos vencedores. Assim dez mil cavaleiros se abateram na Síria, saqueando e espoliando as cidades que encontravam pelo caminho e formando facções nas lutas internas dos aiúbidas, governantes da época. Em junho de 1244 se lançaram ao assalto de Damasco. Saquearam e pilharam as aldeias vizinhas. Após tentarem com insucesso o assédio da metrópole síria e impossibilitados de manterem um cerco prolongado se voltaram para Jerusalém, que ocuparam sem grande dificuldade a 11 de julho. A cidade é mais uma vez saqueada e incendiada, mas a população franca é poupada. Quando mais uma vez tentaram aventurar-se a conquistar Damasco são dizimados por uma aliança dos príncipes aiúbidas.

O início do processo de conquista mongol desencadeou, segundo os historiadores, uma espantosa destruição entre as comunidades urbanas que se situavam na área entre Samarcanta, até Bagdá e Deli. Era para eles um prazer destroçar as culturas superiores dos povos sedentários, só pelo fato de o ser; sem parecer ser importante para eles o desmoronar da economia e que as receitas dos impostos rareassem, devido à destruição dos sistemas de irrigação e comércio. Degolavam populações inteiras até o ultimo homem, e construíam as macabras pirâmides de cabeças cortadas, que putrificadas, com  suas fluorescências fantasmagóricas iluminavam as noites e advertiam a seus inimigos e aos povos submetidos o perigo da rebeldia.       

Desde a morte do grande conquistador Mongol, seu império se viu enfraquecido pelos conflitos de sucessão. A partir de 1251 os cavaleiros mongóis estão mais uma vez unidos sob o comando de três irmãos, netos de Gengis Khan: Mongkla, Kubilai e Hulagu. O primeiro reinou como soberano incontestável do império, e estabeleceu sua capital em Karakorum, na Mongólia; o segundo reinou em Pequim; o terceiro se instalou na Pérsia. Ambicioso, pretendia conquistar todo o Oriente muçulmano, até as margens do Mediterrâneo. Personalidade complexa estava longe de representar o personagem primitivo que alguns historiadores gostariam de retratar os povos das estepes. Apaixonado pela filosofia e pelas ciências, procurando a sociedade dos letrados, se transformava, nas campanhas militares, em uma besta sanguinária sedenta de sangue e de destruição. Deixou-se influenciar pelo cristianismo, sua mãe e sua mulher preferida e vários colaboradores que dele se aproximaram pertenciam à Igreja nestoriana. Ele, entretanto jamais renunciou ao xamanismo, religião milenar dos povos das estepes.

Contava a lenda sobre seu povo e sua dinastia: Um guerreiro valoroso ao retornar após dois anos de ausência encontrou sua mulher grávida. Interrogada, ela afirmou: “Uma noite, quando eu estava dentro da iurta (tenda) sem conseguir dormir, um raio de luz penetrou pela abertura superior e tomou a forma de um jovem de cabelos louros e olhos azuis, que tocou por várias vezes em meu seio. É dele o filho que trago no ventre”.

Esta antiga tradição que tem precedentes em várias culturas estabeleceu a origem divina de um dos ramos do povo mongol, os niroune, “os filhos da luz”. Uma das tribos que deles afirmavam descender era a dos kiyata, chefiada até 1175, por Iasugai, o Valente, nobre descendente do clã borgigin.

Ser descendente dos “filhos da luz” não era o único atributo glorioso de Iasugai. Seus antepassados “terrenos” possuíam uma tradição de heróis entre o povo mongol. Kabul é um deles. Conseguiu a união de várias tribos sob seu comando. A soldo dos Chin Combateu vitoriosamente os tártaros e manchus. Depois, em 1135, Kabul mudou de lado e passou a servir como mercenário dos Sung ( a dinastia que deu forma aos primórdios do império chinês, senhora do sul do país e em eterno conflito com os usurpadores Chin que conquistaram o norte). Após quatro anos de lutas derrotou seus antigos aliados Chin, impondo-lhes tributo em cereais e gado. Sua maior façanha, anos antes a serviço dos Chin foi quando totalmente embriagado, teve a suprema ousadia de puxar a barba do imperador sem nada lhe suceder. Iasugai é sobrinho-neto de Kabul. Guerreiro valoroso e hábil consegue reunir 20000 homens sob a bandeira do falcão, o gênio tutelar dos kiyata-borgigin. Ele conseguiu estabelecer uma importante aliança com o poderoso senhor do Gobi, Togril, Khan dos keraitas. Em sua aliança militar os dois chefes fazem correr seu sangue, “sede da alma”, unindo para sempre as duas confederações de tribos.


A morte prematura de Iasugai, envenenado em um banquete traiçoeiro oferecido por uma tribo tártara, põe por terra naquele momento o sonho de unidade entre os mongóis. O sucessor do grande Kabul nesta época só tinha treze anos, era chamado Temujin, filho mais velho de Iasugai. Os cavaleiros de seu pai negando-se a ficar subordinados a um simples menino debandam para o clã dos taitchutas, também composto por descendentes de Kabul.

O chefe taitchuta sabia que enquanto vivesse, o filho de Iasugai seria uma ameaça constante a sua liderança. Mandou atacar o pequeno acampamento onde vivia Temujin com a mãe e algumas crianças. Ele foi obrigado a abandonar às pressas as terras de seus antepassados e se abrigou no inacessível monte Burkan Kal, onde reuniu o que restara da família. Suas posses se resumiam a nove cavalos e dois carneiros.
Passou a ser caçado pelas montanhas como um animal. Sua condição de nobreza não tinha  mais valor. Aos poucos  enquanto crescia surgiram histórias sobre este jovem indomável que tinha a coragem do pai e a ousadia de Kabul. Outros jovens guerreiros foram aos poucos se agregando ao bando que fazia incursões, pequenas surtidas contra os taitchutas, poupando a vida dos que se uniam a ele.

Depois de anos de lutas intertribais e alianças de interesse com chefes mais poderosos sua reputação estava consolidada. Reafirmou o pacto com Togril Khan que seu pai havia firmado no passado mandando-lhe como presente um casaco de Zibeline que tinha recebido como prenda de casamento. Sua mãe para garantir o sucesso de sua trajetória casou com um poderoso xamã que tinha fama de ser um interlocutor direto com os deuses. Daí para diante referencias às origens sobrenaturais do chefe guerreiro serão mais freqüentes. Muitas vezes foi ferido em combate pelas flechas inimigas. Sua indulgencia com os vencidos e a divisão igual entre os guerreiros sobre o botim, que passaria ser lei entre os mongóis, fez dele um chefe admirado.


Em 1189 foi reconhecido como Khan por uma parte das tribos da Mongólia oriental. Ainda não dispunha do poder necessário para enfrentar seus antigos inimigos. Cinco anos mais tarde vai servir com seus cavaleiros ao lado dos Chin contra os tártaros. Lutou ao lado dos chineses e keraitas e recebeu sua recompensa em armas, dinheiro e o título correspondente a capitão. Suas vitórias o tornaram cada vez mais poderoso.
Temujin voltou-se então contra os taitchutas e Giamuca, antigo aliado seu que tinha passado para o inimigo por não concordar com o fim da liberdade das tribos das estepes que ele queria unificar. Num desses combates uma flecha lhe atravessa o pescoço, sufocando-o. Um de seus guerreiros passa a noite  inteira sugando-lhe o sangue da ferida para evitar que morresse. No dia seguinte novamente montado desbaratou as forças dos inimigos. Entre os prisioneiros estava o causador do ferimento. O jovem guerreiro se apresenta a ele e diz: “Se me matares, sujarás um palmo de terra; mas se me tomares ao seu serviço, terás um arqueiro que conquistará a terra, até onde sua flecha – que bem conheces – puder chegar”. Temujin tomou-o a seu serviço e o guerreiro cumpriu sua promessa. Adquiriu com a façanha, a partir daí, o nome de Gebe, a Flecha.

Contra os tártaros, que decide atacar para prevenir-se de qualquer ameaça a leste, antes da batalha, disse aos comandantes de seu exército: “Se a vitória for nossa, que ninguém se ponha a saquear nem reúna butim, pois este será dividido em partes iguais. O combatente que tiver que recuar, volte assim que possível a seu posto. Aquele que não voltar será decapitado”. Com esta medida sábia evitou a dispersão natural da horda que movida pela tradição ancestral perdia com facilidade o foco no combate por medo ou volúpia pelo saque, quando sorria ou não a vitória.

No fim do dia os tártaros deixaram de existir como grupo independente. Os prisioneiros sobreviventes foram distribuídos como escravos entre os clãs aliados. Sua horda crescia sob a sombra do estandarte do falcão que incluía um número cada vez maior de tribos.

No final do séc. XII duas confederações lideradas por Togril e Temujin unem grande parcela das tribos mongóis. Por um longo tempo Temujin aceitou o papel de vassalo de Togril. Enviou-lhe caros presentes, atendeu quando solicitado para ajudar no auxilio contra os inimigos. Várias vezes ele abriu mão de sua parte nas pilhagens para o aliado. Até o momento que conhecendo seu poderio propôs uma aliança em iguais condições para ambos. Envia um mensageiro para pedir a mão da princesa keriata para seu filho Gutsci, como era costume entre as tribos para selar acordos políticos. Togril recusa. Teme ficar em desvantagem no futuro em relação ao clã de Temujin ao aceitar o filho dele como cunhado. Giamuca refugiado em sua corte predispõe o príncipe herdeiro keraita que também teme esta aliança.

Temujin não esperou ser surpreendido. Atacou primeiro e depois recuou como era costume entre esses cavaleiros  fazer quando a sorte não estava ao seu lado, pois avaliou a superioridade numérica do inimigo e não pretendia pôr a perder seu exército numa batalha decisiva. Logo enviou emissários à Togril, lembrando a antiga aliança e acenando com a paz.

Sua posição ficou enfraquecida e ocorreu a dispersão de suas hostes motivada pelo desacordo das tribos, muitas decidiram abandoná-lo. Até mesmo alguns parentes voltaram-se contra ele. Temujin seguiu com o que restou de suas forças para o norte, e estacionou-as próximo a fronteira da Manchúria. Ali passou o verão de 1203, pacientemente preparando suas forças e firmando alianças, até sentir-se forte o suficiente para empreender nova campanha.  Quando achou que tinha refeito seu exército seus cavaleiros seguiram para o sul e caíram sobre os keraitas que foram surpreendidos em meio a um banquete tribal.

A batalha durou três dias, o céu se encheu de flechas, combates corpo a corpo ocorreram enchendo de corpos mutilados a estepe, muitos esmagados pelas patas dos cavalos guerreiros. Ao fim do embate os keraitas sobreviventes se renderam. Pouco depois chegou um presente macabro: a cabeça de Togril Khan, assassinado pelos seus quando tentava a fuga em direção ao reino vizinho dos naimanos. Para homenagear sua bravura em combate e o longo relacionamento com o antigo chefe, Temujin manda que de seu crânio seja feita uma rica taça engastada em prata que passou a utilizar nos festins como era costume entre os vencedores desde os tempos que comiam os inimigos.

Ao consolidar sua posição como chefe de uma poderosa confederação tribal, seus domínios passaram a cobrir todo o leste da Mongólia. Seu reino fazia neste momento fronteira com o poderoso reino dos naimanos, herdeiros da cultura de turcos e uigures. É nesta corte que seus inimigos vencidos foram se refugiar, seu monarca era denominado pelos chineses, na época, Grande Rei (Gengis Khan), enquanto eles consideravam Temujin apenas um comandante tribal menor. Os tambores da guerra voltaram então a soar e seus guerreiros seguiram sem deixar de sentir algum receio, pois teriam que enfrentar um exército de 80.000 cavaleiros bem treinados e experientes.

Quando os naimanos e seus aliados confrontaram os cavaleiros de Temujin, homens magros e doentes montados em cavalos decrépitos, atacaram em total desordem, certos da vitória e clamando aos seus deuses que naquele dia teriam muitos prisioneiros para o sacrifício. Diziam: “Reuniremos todos e os conduziremos ao matadouro como carneiros e ovelhas”.

Ao chegar a noite, Temugin caiu sobre eles com o grosso do exército em perfeita ordem contra inimigos afoitos cuja ordem tinha sido desfeita e que se entregava a matança das tropas que foram usadas como isca, Temujin demonstrava sua superioridade estratégica numa manobra diversionista genial. Conta a “História Secreta dos Mongóis!”, obra de autor desconhecido do séc. XIII, que o rei  naimano perguntou a Giamuca: “Quem são aqueles que nos perseguem como lobos?”. “São os quatro cães de Temujin”, teria sido a resposta. “Nutrem-se de carne humana e ficam presos a uma cadeia de ferro. Agora estão soltos, sua baba escorre, estão cheios de alegria. Chamam-se Gebe,Kublai,Gelmé,Subotai – os fiéis comandantes de Temujin”.

Terminado o combate, o rei naimano morto, suas forças completamente desbaratadas, Giamuca foi obrigado a fugir novamente e posteriormente foi aprisionado e morto. Mais um grupo das estepes se incorporou ao reino de Temujin, sua liderança era inconteste em toda a Mongólia. Os funcionários do rei morto por ordens do novo senhor preocupado com organizar seu reino confeccionaram um alfabeto mongol baseado no uigur.
Na primavera de 1206 foi convocada a grande assembléia (Kurultai) com todos os habitantes de todas as classes dos mongóis quando seriam informados os desígnios dos deuses em relação às tribos.

A assembléia foi realizada no território ancestral dos borgigin, perto das montanhas sagradas. Os sacrifícios de garanhões e éguas foram propiciados perante uma assistência devota. Xamãs interpretaram  os auspícios e proclamaram a vontade do Céu. Ao centro, encimado solitário tremulava o estandarte do gavião. O vencedor de tantos Khans deveria ser proclamado soberano supremo (Gengis Khan).

Neste momento, ao ser elevado pelos guerreiros na manta de feltro, concedeu como honra o título de mongóis, a todas as tribos ali presentes. Para eles as palavras possuem poder mágico.  Com este ritual de inspiração xamanica onde o nome de um pequeno grupo foi estendido aos demais povos ele reafirmou a unidade das tribos que passaram a incorporar uma nova alma, uma nova nação. Sua capital foi estabelecida em Karakorum, antigo centro do império turco. Seu poder se exerceu nesta época sobre 32 povos, divididos conforme sua ordem entre “os do centro, os da mão esquerda e os da mão direita”. Esta ordem foi doravante mantida na disposição das tropas que eles forneceram nas campanhas vindouras. Os povos sedentários muçulmanos e europeus passaram a correr extremo perigo com esta ultima grande invasão de cavaleiros das estepes.

Em 1226, durante uma campanha militar contra o último enclave remanescente mongol, os tangout, Gengis Khan adoeceu. Sentindo o fim próximo, chama seus generais e mostra-lhes o plano completo da conquista da China. Ordena aos filhos que vivam em paz entre si. Sua última ordem aos soldados: “Exterminem a população tangout sobre minha tumba. Suas últimas palavras dizem respeito ao respeito às leis das estepes. Os nômades devem permanecer “puros e claros como o cristal”, para concluírem a conquista do mundo.

Diz a lenda que o carro que levava o corpo de Genghis Khan, com destino a Karakorum, recusou-se a tomar essa direção – as rodas se viravam para nordeste em direção às estepes, a terra natal do grande soberano.

Em local indeterminado seu corpo foi sepultado, junto às montanhas sagradas dos borgigin. Todos os súditos encontrados ao longo do caminho foram sacrificados, conforme a tradição fúnebre ancestral, a antropofagia ritual, tradição cerimonial dos grandes senhores da Ásia, deviam os mortos servi-lo no além túmulo. Junto com ele seguem também sua tenda e seu cavalo favorito. Seu nome não deve ser mencionado, para que assim os espíritos não o perturbem.


As táticas de combate dos mongóis eram o resultado de uma tradição milenar de caça de sobrevivência e guerra entre tribos para resolver vendetas intermináveis de motivação antropofágica herdadas pelos povos das estepes desde a mais longínqua antiguidade. Seus antepassados desenvolveram e aprimoraram essas técnicas desde que puderam cavalgar animais com capacidade de tiro, velozes e com resistência para suportar longas jornadas. Cada guerreiro podia levar até cinco cavalos para percorrer grandes distancias com velocidade na época assombrosa, o que garantia a sua força grande mobilidade.

Os  Citas na antiguidade já tinham utilizado táticas diversionistas contra os persas de Dario infligindo grande derrota ao seu poderoso exército que ousou conquistar o território que estes exímios cavaleiros habitavam. Obrigando-os a longas marchas e assim promovendo o desgaste do exército inimigo, os citas recuavam para o interior sem opor resistência direta, ou tentar uma batalha decisiva, tão ao gosto de Clausewitz, que poderia ser desvantajosa. Quanto mais o exército persa adentrava no país inimigo pioravam as condições de logística do invasor em uma terra estranha. Ao procederem a uma retirada desesperada, já sem mantimentos, os cavaleiros citas partiram para a ofensiva e fizeram incursões mortais na retaguarda da coluna persa, onde seguiam os mais lentos e os mais fracos, causando a desagregação total do antes poderoso exército. Segundo conta Heródoto, Dario salvou-se por pouco de ser morto ou feito prisioneiro deixando para trás suas bestas e seus feridos. Assim também cavaleiros tártaros, turcos e outros povos da Ásia central desenvolveram e aprimoraram estes recursos e manobras a partir da observação e da assimilação dos hábitos de predadores, animais que admiravam e adoravam como seus gênios tutelares. A etologia era praticada através da tradição e do método empírico de caçadores milenares, sobreviventes que conheciam e sabiam observar a natureza selvagem das estepes.

Na observação atenta da natureza em seu confronto mortal pela sobrevivência das espécies estabeleceram suas táticas de combate herdadas e aperfeiçoadas de geração em geração. Como analogia dos movimentos da luta pela vida, os povos das estepes praticavam suas manobras de cavalaria como na luta entre o pássaro e a serpente: cada vez que o pássaro avança e ataca com o bico, a serpente desliza para trás, avançando de novo quando a ave se retira, até o pássaro chegar a exaustão pelo esforço contínuo e então ela o vence com facilidade. Assim ensinavam os mestres para os jovens guerreiros em suas caçadas equestres.

Seu treinamento militar incluia o que denominavam a "Grande Caçada", um exercício de coordenação de massa e coragem individual. O exército inteiro organizado em sua formação de batalha, cercava uma área determinada da planície escolhida. Então pouco a pouco o círculo se fechava empurrando lobos e outros animais selvagens para o centro da formação. Só quando o círculo estava bem fechado é que era dado o sinal e os guerreiros podiam usar suas azagaias e flechas para matar os animais enlouquecidos.

Os mongóis utilizavam-se amplamente do poder de fogo de seu poderoso arco composto construído com perícia por artesãos, elaborado de madeiras especiais hoje desconhecidas e fibras de animais, tinham ainda suas hostes a habilidade de moverem-se rapidamente e em silencio, e uma reputação de crueldade que os precedia, pois eram especialistas na guerra psicológica.

Todos os seus oponentes na época, europeus  e muçulmanos que utilizavam cavalaria pesada com armaduras e lanças, possuíam movimentos lentos e manobras que prestigiavam as cargas de lanceiros e preferiam o ataque frontal, e para tanto precisavam alinhar-se antes de partir para carga e marchavam mais vagarosa e deliberadamente para o campo de batalha deixando os flancos sem proteção.

Os cavaleiros medievais europeus criaram convenções de combate semelhantes aos astecas, um tipo de batalha floreada que se assemelhava às justas e competições que só os nobres participavam já que a atividade militar de cavalaria ficava restrita a eles e suas estratégias só eram eficientes quando seus pares, outros nobres também compunham o exército adversário. Combates singulares eram então comuns em meio às batalhas campais. 


Os mongóis utilizavam as estratégias de caça e procuravam criar oportunidades em dividir uma força inimiga como faziam com suas presas quando empreendiam a caçada a cavalo com o arco composto e aniquilavam a resistência dos grupos inimigos divididos com rápidas flechadas certeiras antes de tentar o corpo a corpo. Suas flechas podiam varar armaduras com relativa precisão.

Eles buscavam encurralar ou cercar os inimigos como na caçada de rebanhos de renas e alcançar uma superioridade de números pelo envolvimento do inimigo que já nessa altura do combate se comportava como uma presa ferida.

Ao enfrentar cavaleiros armados com armaduras pesadas  miravam  os cavalos dos inimigos que assim eram feridos, fazendo o cavaleiro cair e tornando-o incapaz de defesa uma presa fácil e mais vulnerável com os movimentos tolhidos pelos pesados adereços.

A cavalaria leve mongol não suportaria uma investida contra cavalaria pesada, então eles fingiam a fuga, tornando os perseguidores exaustos, e quando os guerreiros percebiam essa condição do inimigo os mongóis viravam subitamente, e de caça passavam a condição de caçador. Eram excelentes em planejar emboscadas e ataques-surpresa.

Os comandantes do exército mongol colocavam na inteligência e informação o peso maior de suas decisões e buscavam com esta tática a antecipação das estratégias dos oponentes, observando os movimentos do inimigo para empreender os próprios.  Fizeram extensivo uso de batedores e movimentos de força sincronizada para surpreender o inimigo, colocando-o sempre em desvantagem no campo.

Faziam uso pleno também do terror que foi tão intenso a ponto de ser lembrado até nossos dias pelos povos que subjugaram; se a população de uma cidade inteira que havia lhes resistido fosse massacrada, era mais provável que a próxima cidade desistisse sem sequer lutar Fato esse comprovado, pela conquista de vários territórios, sem uma única morte.


Quando faziam o sítio de uma cidade murada utilizavam especialistas estrangeiros para o manuseio das máquinas de guerra e a construção das torres de assalto. Suas hostes que incorporaram cavalaria pesada e infantaria posteriormente congregavam muitos povos que viam na guerra uma possibilidade de ganhos, uma carreira profissional lucrativa e vantajosa.

Esses eram os segredos da invencibilidade do exército mongol.

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