domingo, 14 de julho de 2013

Ideologia - A Mais Valia e o Processo Antropofágico





Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia, várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes?
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma esta cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio tinha somente palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida, os que se afogavam gritaram por seus escravos na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele? 
Cada pagina uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.

Bertold Brecht (Tradução: Paulo César de Souza).



Desde o fim da pré-história povos indo-arianos invadiram a península européia vindos da Ásia profunda. A expansão territorial desses pastores nômades ocorreu em ondas sucessivas e garantiu seu domínio sobre os caçadores coletores e tribos agrárias na Europa e no Oriente Próximo. Após a colonização da península européia e norte da África nos últimos quatro milênios, esses povos difundiram-se para os demais continentes de forma constante até o séc. XIX de nossa era. O refluxo dessa expansão com o surgimento dos processos de independência nacionais das ex-colonias na segunda metade do séc. XX não permitiu estabelecer uma nova ordem social a partir das ex-colonias. A cultura indo-européia transformada em eficiente processo de dominação econômica se manteve presente nos quatro quadrantes do mundo absorvendo os recursos necessários para desenvolver o boom de industrialização do hemisfério norte. O sistema social, que em sua origem primeva foi estabelecido em castas de sacerdotes, guerreiros, e escravos agricultores evoluiu desse modelo arcaico, por fim, para o sistema social da Revolução Industrial com o empobrecimento do homem do campo, descendente dos servos da gleba, e seu êxodo forçado para os grandes centros urbanos para trabalhar nas plantas industriais dos capitalistas enriquecidos pela exploração colonial.





A multiplicidade de mitos culturais de base indo-ariana, europeizados a partir da hegemonia cristã no continente, uma perversão óbvia de seu conteúdo evangelizador adaptado aos anseios beligerantes dos povos germânicos e latinos cristianizados deram origem as ideias cavalheirescas do medievo, na crença preponderante na retidão exclusiva da religião dominante que levou à consolidação das tradições hierarquizadas dos povos bárbaros invasores como classe dominante e na observância da acomodação desses costumes na estrutura religiosa da Igreja Católica europeia, bem como suas consequências insidiosas e desvios posteriores, como as perseguições religiosas que resultaram na Inquisição, o antissemitismo intrínseco, o conceito de paganismo ligado às outras religiões exógenas, a teoria do direito divino dos reis e em extensão do clero, e a promoção de Cruzadas. Na América, os mitos do destino manifesto e do homem que se fez por si, e o conceito de predestinação de origem calvinista, bem como a fatalista tradição católica quando associados posteriormente às concepções darwinianas europeias de seleção natural justificaram e chancelaram a conquista de povos autóctones indígenas, a repressão aos trabalhadores pobres e a destruição da natureza. Uma ideia de cunho antropofágico velado de superioridade racial europeia ou branca foi utilizada para justificar o colonialismo europeu e a escravização literal ou virtual de populações não brancas através de um mito ariano pré-cristão recorrente, de origem germânica, até chegar aos extremos dos horrores genocidas do nazismo. Pode-se dizer que o milenarismo cristão e as crenças messiânicas no sacrifício do salvador se constituíram em terreno fértil para o florescer do utopismo totalitário que se estabeleceu na Europa do séc. XX, como filho bastardo da religião baseada na figura do herói mítico europeu.

Essas são as bases ideológicas de onde a expansão indo-ariana evoluiu de uma economia de pastoreio para a exploração do trabalho nas metrópoles e colônias, partindo do principio ou do viés cultural que o controle social parte da questão econômica da produção e da troca de produtos que constitui a raiz de toda a ordem social. A hierarquia social de classes e ordens portanto é consequência da exploração da mão de obra e repartição de produtos, da forma de produção e da forma da troca das coisas produzidas. O modo de produção portanto determina as ideias e os comportamentos dos homens de forma complexa e embora existam em um sistema social tantas visões da realidade quantas forem as divisões sociais, a ideologia dominante é sempre a ideologia da classe dominante. No modo de produção capitalista ariano atual, a ideologia dominante é sempre a ideologia burguesa, que apascenta a criação de mão de obra, e organiza seu abate numa concepção própria de cultura..
            
Um sistema social tem dois níveis de percepção da realidade: um essencial e um de aparência, quer dizer, um profundo e um superficial, um não visível e um fenomênico. Para se ter uma compreensão desses dois níveis de percepção da realidade, podemos inferir da análise que Marx fez sobre o salário: "No plano da aparência, o salário apresenta-se como o pagamento de um trabalho realizado. Nesse patamar de entendimento, a relação de trabalho é uma troca entre indivíduos livres e iguais. Eles são livres. por que não estão sujeitos a outros homens por laços de dependência como no modo de produção escravista, mas são livres para vender seu trabalho a quem quiserem. São iguais, pois todos detêm uma mercadoria e, portanto, podem estabelecer uma troca: uns vendem seu trabalho e outros o compram.

No entanto, se ultrapassarmos o nível da aparência, da circulação dos bens, um dos axiomas sagrados do capitalismo, e atingirmos o essencial, da produção observarão que não há uma troca igualitária e que o operário não vende seu trabalho, mas, na verdade, sua força de trabalho. O trabalho é o dispêndio da força laboral, o ato de produzir, enquanto a força de trabalho é a capacidade de trabalhar, de produzir. O operário que labora oito horas por dia, não recebe, todo o valor que produziu, mas apenas uma pequena parte dele. Se ele produziu cem e recebe como pagamento apenas vinte, ele não vendeu o seu trabalho, mas sua força de trabalho. Dessa forma existe um tempo que o operário leva para produzir o seu salário e um tempo de trabalho excedente, não pago, ou seja, aquele em que o operário produz um sobrevalor que o capitalista se apropria. Se o salário não é a retribuição integral do trabalho, mas da força de trabalho, então podemos inferir que ele é o mínimo historicamente necessário para a reprodução da mão- de-obra, ou seja, o indispensável para que o trabalhador sobreviva e continue a produzir.

O salário, como aparência do pagamento do trabalho e não da força do trabalho, dissimula a distinção entre tempo de trabalho necessário e tempo não-pago, estabelecendo nas relações laborais, no nível superficial ou fenomênico, uma troca igualitária. Isso mostra, do ponto de vista ideológico e portanto cultural, que o capitalismo engendra, mimetiza, cria formas de mascarar sua essência, para poder apropriar-se do valor não-pago, pois é dessa mais valia que se origina o capital.

É o processo cultural com sua dinâmica histórica, entre outras coisas, que estabelece como normal essa ambiguidade nas trocas capital x força do trabalho. Esse somatório de ideias que compõem o processo cultural que se destinam a justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que mantem com outros homens é que denominamos ideologia. É o caso, por exemplo, dos antigos conceitos antropológicos, segundo os quais havia raças inferiores e superiores, e que estas deveriam civilizar aquelas. Essas teorias foram difundidas desde sempre pelos povos europeus para justificarem o colonialismo e a xenofobia. Como esses conceitos são elaborados a partir de formas fenomênicas da realidade, que tornam velada a verdadeira essência da ordem social, a ideologia é a apoderação da falsa consciência.



Servidão Humana -

Quando os mongóis invadiram e conquistaram a China mantiveram os antigos administradores chineses e se tornaram a classe dominante. O confucionismo regia a ideologia dos administradores que estavam ansiosos para colaborar com a dinastia instaurada pelos conquistadores, mesmo que muitos chineses considerassem os mongóis estrangeiros bárbaros que fediam a carne de ovelha. Os sucessivos mandatários aos poucos foram absorvendo a cultura superior dos dominados.  Ao fim da dinastia mongol na China o imperador vivia enclausurado em seu palácio e dedicava-se as suas práticas esotéricas que envolviam sacrifícios humanos, onde corações e fígados eram oferecidos aos deuses, e praticava cerimônias tântricas orgiásticas em total decadência de costumes, longe de suas planícies, totalmente civilizado.

Confúcio fez do amor natural e das obrigações familiares a base da sua moralidade. As duas relações mais importantes dentro da família são aquelas entre pai e filho e entre irmão mais velho e irmão mais novo. A ideia do confucionismo era se um homem é um bom filho e um bom irmão em seu ambiente familiar, pode-se esperar que se comportasse bem em sociedade. Tzu-yu, discípulo de Confúcio, disse: “É raro um homem que é bom como filho e obediente como jovem ter a inclinação de transgredir contra seus superiores; não se sabe de alguém que, não tendo tal tendência, tenha iniciado uma rebelião”.

E concluí: “ser um bom filho e um jovem obediente é, talvez, a raiz do caráter de um homem. Dentro deste pensamento se um bom filho faz um bom súdito, um bom pai também fará um bom governante. Assim o amor de um homem pelas pessoas externas à sua moradia era visto como uma extensão do amor do homem pelos membros de sua família. Gradualmente conforme se projeta para fora da família a obrigação de amar diminui. Socialmente, uma pessoa amaria os membros de sua classe social mais do que os de outras classes. De modo que a benevolência ficava restrita aos semelhantes dessa pessoa na antiga concepção confuciana.

A tradição confucionista na administração dos interesses dos governantes chineses atravessou séculos e várias dinastias chinesas. Os Han (250 a. C.) preocupados em recrutar os melhores funcionários do reino obrigavam os candidatos a passar em exames, os escolhidos eram contratados por um ano de experiência e submetidos a inspeção a cada três anos. Os exames testavam os conhecimentos dos candidatos nas obras clássicas atribuídas a Confúcio, que seriam obrigatórios para a formação dos servidores públicos chineses até os primórdios do século XX. Apesar de prevalecer a seleção através da indicação de velhos funcionários, o objetivo era selecionar jovens de conhecida inteligência e integridade. As relações familiares ajudavam. Funcionários podiam indicar seus filhos, ou filhos de amigos, e os parentes das concubinas do imperador não encontravam dificuldades em conseguir promoções. Para os que pacientemente aguardavam as promoções de escalão em escalão a recompensa era compensadora, salários vinte vezes maiores nos cargos mais altos, isenção de serviço militar e do trabalho forçado, uma folga a cada cinco dias e, às vezes, uma pensão. Para coibir a corrupção o funcionário não podia exercer seu trabalho no seu distrito natal.

Enquanto isso na península européia os valores greco-romanos se mesclavam aos dos povos nomades que invadiam seu território. Na verdade, gregos e romanos também são em larga medida repositório cultural recente dessas invasões indo arianas sobre povos autóctones desde a Idade do Bronze, pois possuem origem comum com os povos que vieram posteriormente do Oriente em épocas mais recentes.

Nosso conhecimento sobre a escravidão na Idade do Ferro Antiga é muito mais preciso do que sobre as instituições nos tempos micênicos da Idade do Bronze, quando ocorreram as grandes invasões vindas do Leste e por mar, e toda a região mergulhou em uma prolongada Idade das Trevas. A Ilíada e a Odisseia esclarecem-nos que a pirataria e o saque de territórios inimigos da Hélade ou de países "bárbaros", assim como o rapto de crianças e mulheres, eram a fonte do mercado de cativos, e atividade bastante rendosa para os traficantes. Nesse contexto pouco havia mudado em relação às eras anteriores. A Ilíada, principalmente, sugere que era comum executarem os homens prisioneiros de forma ritual ou não, e reduzir as mulheres e crianças ao cativeiro. Isso deve-se provavelmente ao perigo para os captores em manter embarcados e alimentar grandes contingentes de homens inimigos em situação saudável, e da dificuldade de sua posterior inserção e controle na atividade produtiva.
   
Platão, como pensavam seus contemporâneos, dava por certo que os gregos escravizaram aos bárbaros por serem estes seus “inimigos naturais”. E mesmo  não tendo chegado a formular nunca de maneira explícita o que seria a “escravidão natural”, essa formulação está implícita em suas ideias. Mas o primeiro autor grego que chega a uma exposição em regra da teoria da “escravidão natural” é Aristóteles.

Aristóteles define em sua obra "A Politica" as formas como na Antiguidade o homem poderia se tornar escravo de outro homem. Ele declara o escravo sujeito ao homem livre, como a matéria ao espírito. Para ele o escravo é uma “ferramenta animada” (empsychon organon) A guerra é o principal fato gerador, o povo dominado se torna escravo do dominador e lhe deve trabalho ou tributo. Os antigos Estados dirigiam seus esforços para conquistas visando garantir o suprimento da força de trabalho. Ou então, na paz, o individuo devedor passa a ser tributário a quem deve, sendo a dívida uma obrigação hereditária e que deve ser ressarcida por seus descendentes. Essa era a ideologia dominante que pautou as relações de trabalho, onde quem conquista cativa o trabalho de outrem. Essa visão também é recorrente dos povos pré-colombianos. Os Aztecas exigiam dos povos dominados tributos inclusive em guerreiros para serem sacrificados aos deuses para seus rituais antropofágicos e nos mitos da Grécia Antiga vamos encontrar costumes semelhantes como é o caso da obrigatoriedade dos atenienses derrotados na guerra contra Creta enviarem jovens para serem sacrificados ao minotauro no labirinto, que segundo o mito acaba sendo morto por Teseu, reminiscências de um costume antropofágico velado entre os egeus. São esses ecos do período Neolítico europeu que ficaram marcados como fábula dos costumes da ideologia dos antigos e que davam a base do seu pensamento de usurpação do vencido. Chegou-se então, com a evolução dos costumes, ao acordo tácito do vencido de fornecer sua força braçal para satisfazer e enriquecer o vencedor e assim evitar o devoramento de si e dos seus.

Em Atenas, nos primeiros anos da república, só os senhores proprietários de terras eram reconhecidos como cidadãos. As famílias dos eupátridas ( os "bem nascidos") conseguiram, até 507 a. C., dominar a Corte de Julgamento que ficava situada no alto, na Acrópole e era responsável em formular as politicas e escolher os arcontes que administravam o estado.

No séc VII a. C. com esse sistema semifeudal de governo, os camponeses da Ática oprimidos iniciaram uma resistência parecida com a dos camponeses franceses 2500 anos depois, pois uns poucos proprietários de terras detinham quase todo o solo segundo Aristóteles, e os agricultores com suas esposas e filhos, podiam ser vendidos como escravos caso deixassem de pagar os juros de suas dívidas. Muitos camponeses enfrentavam dificuldades porque hipotecavam suas terras a juros altos; quando se viam em dificuldades de saldar suas dívidas buscavam refúgio nas cidades e iam trabalhar como servos dos agiotas ricos que nada produziam. A incúria com a terra e a miséria no campo tornou-se tão grave que, para muitos camponeses a guerra parecia ser uma benção secreta, pois era a chance de conquistar mais terras para colonizar e menos bocas para alimentar.

Quando o séc. VII a. C. estava a findar, a diferença entre ricos e pobres tinha chegado em seu apogeu, e Atenas estava a beira de uma rebelião popular, sem meios de se livrar dos distúrbios constantes e a classe dominante apostava em um governo despótico para controlar a situação, como afirma Plutarco. Os mais necessitados começaram a promover uma revolta violenta que tinha o objetivo de redistribuir a riqueza. Os ricos desafiados em seu poder , com suas propriedades ameaçadas e incapazes de cobrar as quantias devidas, invocaram antigas leis, apoiaram a dura legislação de Drácon (620 a.C.) e se prepararam para enfrentar a rebelião que ameaçava o "status quo" daquela ordem e a supremacia da ideologia dominante.

Foi quando surgiu Sólon, um eupátrida de origem pobre, mas que tinha enriquecido no comércio e era conhecido pela sua integridade. Em 594 a. C. ainda não completara 45 anos quando foi eleito arconte epônimo pelo Conselho e com a aprovação de todas as classes e regiões, recebeu poderes ditatoriais para acabar com o conflito entre as classes, elaborar uma nova constituição e restabelecer a estabilidade do estado.

Sólon decepcionou os que apostavam na mudança radical e na reforma agrária, segundo se afirma, essa tentativa teria resultado na guerra civil, no caos para uma geração e na volta da desigualdade ao final. Com sua famosa Seisachteia (Eliminação dos Encargos) Sólon cancelou, segundo Aristóteles, "todas as dívidas existentes, para com pessoas e para com o estado" e, de uma só vez, extinguiu todas as dívidas da terra, as hipotecas, que oneravam as terra da Ática. Todas as pessoas escravizadas ou presas por dívidas foram libertadas. As pessoas vendidas para o exterior como servas foram repatriadas e libertadas; esse tipo de escravidão foi proibido entre os atenienses daí para adiante. Os ricos protestaram contra o que acreditavam ser um confisco de direitos, mas em uma década tornou-se pensamento comum que essas medidas salvaram Atenas de uma revolta sangrenta.

Os radicais criticaram Sólon por deixar de estabelecer igualdade de bens e poder enquanto os conservadores o denunciaram por permitir que os comuns tivessem direito de votar, uma das medidas tomadas em sua constituição, e de comparecer aos tribunais; e seu amigo Anacharse, um excêntrico sábio cita, riu da nova constituição, dizendo que a partir de então os sábios precisariam pleitear e os loucos decidiriam. Além disso, acrescentou, não se pode estabelecer justiça duradoura para os homens, uma vez que os mais fortes ou os mais espertos distorcerão qualquer lei em seu próprio benefício. A lei é como uma teia de aranha: pega as pequenas moscas e deixa escapar os grandes insetos.

Na época áurea de Atenas, dos 315 mil habitantes da Ática, só 43 mil eram cidadãos emancipados, Havia 115 mil escravos. Estes eram cativos entre os prisioneiros de guerra não resgatados pelos seus concidadãos, através de ataques em estados não gregos, e entre criminosos comuns. Os negociantes gregos  os compravam e revendiam como mercadorias em Atenas, Corinto, onde houvesse demanda. Em Atenas (como nos Estados Unidos até 1863 d. C.), havia mercados onde a escravaria, todos nus, eram examinados pelos compradores e adquiridos como animais de criação. Até o mais pobre cidadão tinha um escravo; Esquines, para provar sua pobreza, reclamou que a sua família tinha apenas sete. Todos os mineiros eram escravos, inclusive os superintendentes e os engenheiros, e todas as minas e os mineiros da Ática eram propriedade do estado.
    
A influência da constituição ateniense na Grécia Antiga foi fundamental para estabelecer as bases de alguns dos direitos de cidadania ainda existentes hoje. Na época alguns fizeram queixas contra aqueles que faziam escravos seus concidadãos; diziam que os deuses haviam se irritado contra os habitantes de Quios, por terem sido esses povos os primeiros a violar pela pirataria os direitos recíprocos da raça helênica; os lacedemônios incorreram em censura, por haverem oprimido os messênios, também helenos: porém nenhum povo os admoestou por haverem aviltado ainda mais cruelmente os ilotas, antiga etnia pelásgica por eles subjugada. Aquele que não é forte acaba oprimido.

A constituição espartana, que era atribuída ao seu legislador Licurgo, dispunha sobre o governo que mantivesse as tradições dos seus antepassados indo-arianos, os invasores dórios que impuseram sua presença no Peloponeso. Em lugar de um rei, tinham dois como mandava a tradição, que representavam diferentes clãs de antiguidade reconhecida. Esses monarcas entretanto gozavam de poderes limitados pelos seus pares, de caráter exclusivamente marcial ou religioso. Constituíam o verdadeiro poder com os dois reis, um conselho de vinte e oito anciões, com mais de sessenta anos. Esse conselho de nobres administrava e supervisionava os assuntos que eram levados para deliberação pela assembleia e funcionava como tribunal supremo nos processo criminais. O terceiro órgão, a assembleia, aprovava ou rejeitava as propostas do conselho e elegia todos os funcionários, com exceção dos reis. A mais alta autoridade de poder entretanto era composta por um conselho de cinco membros denominado éforos que exerciam efetivamente o governo. Eles presidiam o conselho e a assembleia e controlavam o sistema educacional e a distribuição das propriedades, censuravam as vidas dos cidadãos, e exerciam direito de veto sobre toda a legislação. Tinham poder para determinar o destino dos nascituros, iniciar ações judiciais junto ao conselho e até depor os reis, se os prognósticos religiosos fossem desfavoráveis. Devemos lembrar que na antiguidade um rei que perdia sua "fortuna" poderia ser imolado para entronização de outro mais jovem. Assim a estrutura de governo espartano mantinha a tradição oligárquica comum dos povos tribais indo-arianos em relação a sucessão no poder. Apesar de gozarem de um mandato curto de um ano, poderiam ser eleitos indefinidamente e desfrutavam de pleno controle de todos as ramificações do sistema e da ideologia vigente. Além disso sequer a assembleia possuía uma estrutura democrática. Somente uma pequena parcela dos cidadãos tinha o direito de participar de suas deliberações. Só aqueles que tivessem condições de renda para possuir equipamento de infantaria para preencher as fileiras de hoplitas podiam participar das decisões em uma sociedade absolutamente militarista.

A população da Lacedemônia, como era conhecida a nação espartana, ao atingir o seu principal crescimento contava com mais ou menos 400.000 habitantes divididos em três classes. A classe dominante era formada pelos esparciatas, descendentes diretos dos primeiros conquistadores. Embora nunca excedessem 20% do total da população detinham todos os privilégios políticos. Em seguida vinham os periecos, isto é, "os que habitavam ao redor". Sua origem é incerta, mas é provável que compunham povos que em determinada época tinham sido aliados dos espartanos, ou a eles tinham se submetido espontaneamente. Em retribuição tinham o direito de comerciar e dedicar-se à manufatura de produtos necessários à sociedade. No ponto mais baixo da escala social estavam os ilotas ou servos da gleba, desprezados e perseguidos pelos seus amos.

Das classes mencionadas só os periecos gozavam de apreciável liberdade e algum conforto. Apesar dos ilotas não viverem em absoluta miséria, pois detinham os meios de produção agrária e conseguiam conservar boa parte da colheita que produziam nas terras dos amos, eram tratados de maneira vergonhosa e mantinham os espartanos sufocada de forma permanente a revolta. Em certos festejos obrigavam-nos a fazer cenas de bebedeiras e comportamentos libidinosos a vista de todos, em danças lascivas, para servirem de exemplo aos jovens das classes dominantes para evitarem tais comportamentos. No começo de cada ano, conforme registrou Aristóteles, os éforos declaravam guerra aos ilotas, como um ritual antropofágico sazonal velado, quando aproveitavam para dar fim a qualquer integrante dessa etnia que pudesse vir ameaçar a estrutura ideológica vigente da sociedade na pretensão da legalidade ao assassinato imposto, no vestígio da suspeita de qualquer deslealdade.

Já os espartanos viviam desde a mais tenra idade em regime de absoluta disciplina marcial. Eram condicionados a abrirem mão de seus interesses individuais em prol da máquina de guerra e sua educação restringia-se quase que exclusivamente aos exercícios e às manobras militares, e eram enrijecidos para a guerra por açoites disciplinares, caso descumprissem suas obrigações, o que forjava uma classe talhada pela vida da caserna. Entre os vinte aos sessenta anos ficavam os cidadãos à disposição da nação espartana. Embora o casamento fosse obrigatório, não era permitida a vida familiar.
      
A instituição da escravidão, na sua evolução da tribo para a cidade-estado na Antiguidade se deve antes de tudo a um acomodamento entre vencedor e vencido sendo que esse devia proporcionar para aquele  a mão de obra cativa para preencher as fileiras na guerra e plantio visando a garantia precária da sobrevivência do servo e de sua família, e a subsistência e logística de seus senhores e assim evitar que ele ou os seus acabarem servindo de repasto para o vencedor ou serem imolados em sacrifício aos deuses dominantes. É o excedente de sua produção agrícola que garante a existência dele na terra conquistada pelos estrangeiros e a apropriação da sua produção pelo vencedor serve para garantir a manutenção dos exércitos conquistadores em funcionamento e a abastança da cidade-estado, que nada produz de alimento, num ciclo interminável de saque e apresamento de mais mãos.

De acordo com os dados históricos existentes, após a morte de Alexandre Magno (323 a.C.) , o império herdado por seus generais atravessou um período de prosperidade no seu início de pelo menos dois séculos. Os ideais gregos de cidadania foram suplantados pela ideologia Oriental baseada na tradição do despotismo monárquico, afirmam os estudiosos, no mandato divino e na deificação do monarca. Sérias crises sucessivas se seguiram pelo colapso da falsa prosperidade obtida pela especulação desmedida e o excesso de circulação do meio circulante metálico: verdadeira enxurrada de moedas de ouro e prata do tesouro persa que inundaram o mercado. O resultado final do incremento dos negócios em larga escala no comércio e indústria foi o desenvolvimento das finanças, sendo o estado o principal capitalista e empresário. Os lucros auferidos pelo governo, e até mesmo por alguns comerciantes, alcançaram às vezes 20 a 30%

A  agricultura também sofreu com a concentração da propriedade agrária e a degradação da população agrícola. Uma das primeiras medidas adotadas pelos sucessores de Alexandre foi confiscar as fazendas dos grandes proprietários e adicioná-las ao domínio real. A terra adquirida desse modo era concedida aos favoritos do rei ou arrendada em condições extremamente favoráveis à coroa. Aos rendeiros, em geral, era vedado abandonar as terras antes de finda a colheita e não podiam vender a safra até que o rei tivesse tido oportunidade de vender a parte que recebera pelo arrendamento , ao mais alto preço que o mercado poderia oferecer. Quando alguns rendeiros entravam em greve ou tentavam fugir, eram adstringidos à gleba como servos hereditários. Muitos pequenos lavradores independentes tornaram-se também servos ao se atolarem em dívidas, dada a incapacidade de competir com a produção em larga escala da força cativa.

A real prosperidade se restringia primordialmente aos monarcas e às classes dominantes e mercadores. O mesmo não aconteceu aos camponeses e operários das cidades. O salário diário de especialistas ou não caiu no séc III a. C. a um terço e a metade do que todos os operários na época de Péricles ganhavam. Por outro lado o custo de vida subiu consideravelmente. Para agravar ainda mais o quadro o desemprego nas grandes cidades  tornou-se um problema tão sério  que o governo teve que distribuir trigo gratuitamente a muitos habitantes. A escravidão aos poucos declinou no mundo helenístico, em parte devido a influência da filosofia estóica, mas principalmente por serem os salários tão baixos que era mais barato contratar um operário livre do que comprar e manter um escravo.

O êxodo para as grandes metrópoles foi uma das consequências desse período. A despeito da maioria da população residir no campo, as condições de vida nas cidades atraíram grandes contingentes, onde, se não era mais fácil a vida, poderia ser pelo menos mais interessante. A expansão da indústria e comércio, o aumento da administração estatal, e o desejo do trabalhador braçal em fugir da servidão causou esse afluxo. As cidades multiplicaram-se e cresceram nos impérios helenísticos, quase tão rapidamente quanto na América no séc. XIX. Algumas delas se transformaram em metrópoles da noite para o dia. Antioquia, na Síria, quadruplicou sua população em um século. Selêucia, no Tigre, surgiu do nada e atingiu o tamanho de uma grande cidade com muitas centenas de milhares de habitantes em menos de dois séculos. A maior e mais famosa de todas as cidades helenísticas foi Alexandria, no Egito com muito mais de 500.000 habitantes, possivelmente com quase 1.000.000. Nenhuma outra cidade do mundo Antigo, nem mesmo Roma suplantou seu tamanho e esplendor. Suas ruas eram bem pavimentadas e traçadas regularmente. Possuía esplendidos prédios e parques públicos, um museu e uma biblioteca com 750.000 volumes. Foi o mais importante centro da cultura helenística, principalmente no campo da pesquisa científica. No entanto a grande massa formava uma multidão infeliz, sem nenhuma participação efetiva na vida brilhante e luxuosa levada pela classe dominante à sua volta, muito embora fossem as elites custeadas pelo trabalho da maioria.

Por fim, entre 146 e 30 a. C. quase todo o território helenístico passou para o domínio romano.            



    
A cunhagem de metais para estabelecer trocas já era conhecida entre os antigos celtas, conforme as referências históricas registradas por Julio Cezar. Na ilha da Grã- Bretanha os senhores utilizavam-se de lingotes de ouro de peso fixo como unidades de valor, assim como moedas de ouro e de bronze. Tem sido confirmados os registros pela descoberta de "barras pecuniárias" de ferro. Estas longas tiras de ferro, com uma ponta dobrada ao meio sobre o eixo maior, lembram folhas de espada e podem de fato considerar-se como lâminas de espada ainda em bruto. Essas barras pecuniárias obedecem a uma distribuição seletiva na Grã Bretanha, e não há dúvida de que, fora das áreas das moedas e barras pecuniárias e em tempos mais antigos (pois nenhuma delas é anterior a fins do séc. II a.C.), a unidade de valor era ainda de outro gênero. Sobre esse ponto, a filologia e os textos irlandeses fornecem informações úteis, como base universal da cultura indo-ariana do pastoreio, o padrão de valor mais antigo era constituído pelo gado (res). Na Irlanda utilizaram como padrão unidades de valor referidas a seis vitelas ou três vacas leiteiras, a que veio a equivaler, a uma escrava (cumal). O termo cumal generalizou-se muito para avaliar um carro ou um lote de terras. A escolha de escravas para este efeito leva a pensar que, em determinada altura, elas tenham constituído fundos por si mesmas, diretamente negociáveis, e acredita-se que a influencia externa do dominador romano e seu mercado de escravos esteja na origem da evolução dessa transação.

Roma dependia do trabalho escravo e os mantinha em grande quantidade. Uma parte era resultado das muitas guerras, havia alguns que se vendiam pessoalmente, outros eram vendidos pelos seus credores, ou em virtude da lei (servi poenai) ; outros era nascidos na casa (vernae), ou eram recolhidos ainda pequenos. Quando as conquistas da república se estenderam pela Europa, pela Grécia e Sicília, trouxeram também cativos instruídos. O número ampliou-se com as guerra contra Cartago, com a Ilíria e contra os gauleses. A lei romana calculava com precisão o valor de um escravo e as indenizações a pagar pela sua perda ou deterioração. A legislação determinava: (210) "Nos termos do primeiro capitulo da lei Aquilia, aquele que sem direito mata um homem ou um quadrupede doméstico, pertencente a outros, pagará ao dono o maior valor desse objeto num ano.- (212) Não se deve só atender o valor corporal, mas também ao prejuízo sofrido pelo proprietário, perdendo o seu escravo, se este prejuízo for maior que o valor deste. Se o meu escravo for instituído herdeiro, e for morto antes de ter, por minha ordem, aceitado a herança, é preciso alem do valor, pagar-me a herança perdida. Assim como, no caso, em que dois gêmeos, de dois músicos, ou de dois cômicos, viessem a matar um, deve avaliar-se não só o valor da sua morte, mas também a depreciação, que sua morte trás para o sobrevivente, como quando se mata uma mula de um tiro, ou um cavalo de uma quadriga (213) Aquele, a quem tiverem morto o escravo, pode escolher entre a ação pela via criminal ou aquela em repetição de indenização, em virtude da lei Aquilia."

Compravam-se os escravos nos mercados, onde eram trazidos por piratas, ou negociantes especuladores, que os tornavam cativos por todos os meios. Delos foi um dos principais mercados, onde debaixo da proteção dos deuses vendiam-se milhares de seres humanos de várias origens. No seu mercado em um só dia foram vendidos 10 mil. Em 177 a. C. , 40 mil sardos, e, em 167 a. C., 150 mil epirotas foram capturados pelos exércitos romanos e vendidos por um dólar cada. A Frígia, na Capadócia fornecia o maior número. Os raptados a uma nação independente eram preferidos, visto que os costumes de liberdade conservavam neles uma vivacidade que se extinguia na escravidão. Os celtiberos, naturais da Espanha, tinham menos valor, porque costumavam livrar-se do cativeiro pela morte. Na Sicília um copeiro valia menos que uma taça. Os frígios lascivos e as engraçadas milesianas vendiam-se, ao contrário, por altos valores podendo custar até dois mil e oitocentos francos enquanto na Gália, na Trácia, ou na África comprava-se uma jovem por sal ou vinho. Os escravos estavam expostos no mercado numa grande barraca (catasta) de muitos compartimentos, semelhantes a gaiolas, onde ficavam nus e com as mãos atadas e com um rótulo na fronte onde ficavam escritas as suas boas ou más qualidades. Distinguiam-se os que provinham da Ásia pelas marcas de giz nos pés. Como uma mercadoria ficavam expostos em galerias interiores. Os escravos estrangeiros, de quem não se podia garantir a docilidade eram oferecidos com os pés e as mãos atadas.


O comprador interessado dirigia-se até a praça e declarava ao negociante o tipo de escravo que necessitava, para os trabalhos nos campos, moinhos, para realizar os registros, para uso doméstico ou sexual ou para educar aos filhos. Ele olha os homens e mulheres expostos, os toca, examina a força e a inteligência enquanto o vendedor destaca as qualidades ou menciona os defeitos do escolhido, se é dado a fugas, se não é preguiçoso ou violento. Estabeleceu-se com o tempo uma tabela conforme a idade e a profissão: um médico custava sessenta soldos de ouro, trinta, um eunuco de menos de dez anos de idade e cinquenta acima dessa idade.

Os ilustres cidadãos romanos os tinham aos milhares para diferentes usos e especulação. Catão comprava os débeis e ignorantes e depois tornava a vende-los depois de torná-los robustos e hábeis. Pompônio Atico tinha predileção de torná-los literatos. Alguns se tornavam conselheiros dos amos, pois o sistema escravista era a ideologia dominante que criava uma dependência mútua, mas na maioria das vezes eram tratados de forma ignóbil e ocupavam as funções que os libertos se negavam a cumprir. Caso o amo fosse assassinado pelo escravo todos os demais da casa eram supliciados para dar o exemplo. Eram obrigados a satisfazer todos os prazeres dos seus donos. Fechavam-nos no ergastulum, prisão onde homens e mulheres eram confinados para dormir sobre a palha ou no chão. Promoviam lutas entre os mais fortes e quando acabava a disputa mandavam embora dizendo-lhes: "Afasta-te, miserável, para que teu sangue não manche minha túnica".




Os escravos velhos ou com alguma doença incurável eram levados para a ilha de Esculápio onde eram abandonados e deixados morrer sem socorro. O imperador Claudio mandou declarar livre o escravo nessas condições. Então os senhores os mataram, mas tiveram posteriormente que responder pelos seus crimes.

A classe ativa era composta inteiramente por escravos, sem direito algum, excluídos da lei civil e humana. Os escritores e os homens de estado da época consideravam o trabalho e a indústria como coisas ignóbeis e desonrosas. Xenofonte diz que o homem, condenado ao trabalho, não tem tempo para fazer alguma coisa para sí, ou para a República e torna-se um mau cidadão e um mau defensor da pátria. Cícero acha vergonhosas e indignas de um homem livre todas as profissões trabalhosas; excetua com dificuldade, as mais elevadas, como a medicina e a arquitetura; ele só tolera o comércio se esse produz lucros consideráveis. Nem mesmo a agricultura, a arte dos Cônsules e Ditadores da antiga Roma proporcionava prestigio aos envolvidos na tarefa.

Varrão classifica os instrumentos da agricultura em vocais, semivocais e mudos, isto é, os escravos, os animais e as coisas inanimadas. Aristóteles diz que o boi serve de escravos para os pobres; Catão, que para cultivar quarenta jeiras de terras plantadas de oliveiras, é preciso três escravos, três bois e quatro burros. Os escravos exploram as minas, trabalham nas oficinas, são alugados para as construções; são propriedade dos templos, das cidades e das corporações. Executam as ordens dos magistrados, limpam os aquedutos, reparam as estradas, os prédios, remam nas galés, são empregados no apoio dos exércitos como máquinas para o socorro mecânico, instrumentos necessários, mas de pouco valor individual. Cada pedra, calçamento, viga ou capitéu ainda existente na Roma contemporânea é um testemunho silencioso do trabalho dessas pessoas arrancadas do seio da família, sem direitos, sem compaixão e sem glória      

A ideologia dominante no Império Romano, portanto foi a de apropriação da mais valia do trabalho escravo e da promoção do ideal do ócio como condição respeitável da classe dominante. Nesse quadro do cotidiano na época podemos estabelecer uma confrontação entre a figura histórica de Spartacus, tal qual ela chegou até nossa época e o personagem histriônico do Satiricon, o escravo liberto Trimalchio, que se refestela em portentoso banquete em sua habitação onde os inúmeros convivas comem as mais exóticas iguarias por conta dele enquanto são obrigados a escutá-lo declamar "poesias" de sua pretensa autoria para garantir a boca livre.

Alguns autores contemporâneos pretendem desmistificar o aspecto de luta de classes na revolta dos escravos romanos chefiada por Spartacus. Mergulhado em um mundo de violência absoluta, onde o pater familias tinha direito de vida e morte sobre seus escravos não é de espantar que o gladiador em pouco tempo conseguisse reunir a sua volta um verdadeiro exército. Mas ele só encontrou receptividade em sua luta desesperada de libertação entre os escravos que trabalhavam nos campos e nas minas e muito pouco dos escravos "de dentro", segundo dizem, sem nunca obter apoio daqueles que viviam nas urbes em proximidade com seus amos com quem dividiam o poder e a administração de suas riquezas, onde a figura caricata de Trimalchio, do Satiricon expressa no personagem os anseios dessa casta que buscava se identificar com seus amos com precisão. Nas cidades, a sorte do escravo era mitigada pelo contato com o patrão, seu "proprietário", mas, nos latifúndios, o escravo raramente tinha contato com o "dono", e as recompensas do feitor dependiam do lucro que obtinha com o trabalho dos cativos, que não recebiam incentivo algum fora as sevicias e chibatadas regulares no lombo ou o medo cotidiano de ser enclausurado no ergastulum, prisão subterrânea comum nas grandes plantações.  

De vez em quando ocorriam revoltas de escravos nos campos, como na primeira guerra servil de 139 a.C., que não foi a primeira, e depois em 73-71 a.C. comandada por Espártacus, que não foi o último escravo a morrer numa revolta. Quando sua memorável rebelião foi vencida pelos seus algozes, o maior poder da época, 6 mil prisioneiros foram crucificados ao longo da Via Ápia, de Roma a Cápua. Os corpos dos cativos ficaram pendurados para apodrecer durante meses, como advertência, para aliviar os senhores e admoestar os escravos. Mas enquanto Spartacus viveu sua saga na revolta dos escravos nos primórdios da expansão da república, quando o escravismo se encontrava em expansão, a obra de Petrônio foi criada no período imperial sob a égide de Nero, onde o escravismo estava em plena crise e para desonerar o estado o mandatário havia mandado libertar milhares de escravos e tinha promovido a libertação de outros, de particulares, o que retrata de forma magistral o Satiricon.

A revolta comandada por Espártacus marcou o fim dos grandes movimentos de escravos conhecido por Roma. Os senhores romanos, no período imperial, desenvolveram verdadeiro programa repressivo e ideologico, a fim de prevenir grandes insurreições dos cativos. O que, de nenhum modo, impediu que pequenas e médias conspirações tenham ocorrido nos primeiros séculos de nossa era. 

Ainda no período republicano de Roma a efervescência social e politica era grande graças a numerosa quantidade de plebeus que não dispunham de bens e terras e que não tinham trabalho já que os escravos cativos nas campanhas militares preenchiam as ocupações existentes. Alguns fatores fomentaram a revolução. A importação de grãos a preço inferior, produzidos por escravos nas províncias, arruinou os agricultores livres da Itália, forçando-os a vender sua produção abaixo do valor de custo. A substituição de propriedades familiares por grandes plantações com mão de obra escrava de proprietários que eram senadores e homens de negócio da elite romana provocou o êxodo de grandes contingentes de homens livres dos campos para se juntarem ao proletariado da cidade. Ali ele assistia aos jogos por conta do Estado, recebia do governo um donativo de milho, vendia seu voto para quem oferecesse um lance maior e se misturava ao povo anônimo da cidade onde a vida ociosa era mais vantajosa do que competir com o trabalho dos escravos cada vez mais importante e menos dispendioso para os ricos senhores.

O primeiro período da luta de classes iniciou-se com a revolta dos Graco. Os dois irmãos eram os principais campeões dos lavradores sem terra contra a aristocracia senatorial, mas tinham também conseguido adeptos entre a classe média de Roma. Educados numa atmosfera de literatura e filosofia, Tibério e Caio Graco, de origem patrícia, conheciam as especulações do pensamento grego e os problemas do governo romano. Tibério Semprônio Graco (162?-133 a.C.) era personagem destinado à grandeza. Viajando pela península Tibério pode perceber a penúria em que viviam os camponeses livres. Eleito tribuno da plebe em 133 a.C. persuadiu a assembleia para sua proposta de reforma agrária: 1) que nenhum cidadão tivesse mais de 333 acres de terra, ou, se tivesse dois filhos, 667 comprados ou alugados do estado;2) que todas as outras terras públicas que haviam sido vendidas ou arrendadas a indivíduos particulares fossem devolvidas ao Estado pelo preço de compra ou aluguel, acrescidos de uma bonificação pelas melhorias feitas;3) que as terras devolvidas fossem divididas em lotes de vinte acres entre os cidadãos pobres, com a condição que não pudessem ser vendidos e que pagassem um imposto anual ao Tesouro. Diante da assembleia composta por plebeus empobrecidos defendeu os interesses da classe:

“Os animais do campo e os pássaros do ar tem a suas tocas e os seus esconderijos, porem os homens que lutam e morrem pela Itália desfrutam apenas da luz e do ar. Os nossos generais conclamam os soldados a lutarem em defesa dos túmulos e santuários dos seus antepassados . O apelo é inútil e vão. Não podeis apontar um altar paterno. Não tendes um túmulo ancestral. Lutais e morreis para propiciar a outros riqueza e luxo. Sois chamados de senhores do mundo, mas não tendes um pedaço de chão que seja vosso”.

O senado tentou vetar a lei e usou Otávio, outro tribuno, para vetar as propostas para que não fossem submetidas à Assembleia. Tibério percebeu que qualquer tribuno que impedisse a votação seria deposto. A Assembleia aprovou a medida e Otávio foi retirado a força do banco dos tribunos pelos lictores de Tibério. As propostas foram transformadas em lei e Tibério foi conduzido a sua casa por uma escolta, já que temiam pela sua segurança.

A forma ilegal que ele utilizou para derrotar o veto tribunício serviu de argumento para seus inimigos. Declararam a ilegalidade de seus atos e denunciaram suas intenções como tentativa de se perpetuar no poder. Antes que a lei pudesse ser executada expirou o mandato de Tibério como tribuno. Portanto resolveu candidatar-se à reeleição o que contrariava a legislação romana que limitava o mandato dos magistrados a um ano. Esse ato ilegal serviu de pretexto ao uso da violência por parte do senado.

Quando chegou o dia da eleição, Tibério apareceu no Fórum com guardas armados e vestido de luto, querendo fazer crer aos demais que a derrota no pleito significaria seu impedimento e também seu funeral. No decorrer da votação a violência irrompeu dos dois lados. Cipião Nasica, gritando que Tibério queria coroar-se rei liderou um grupo de senadores armados com porretes Fórum adentro. Os defensores de Tibério recuaram com medo das vestes patrícias. Ele foi morto com um golpe na cabeça e trezentos dos seus seguidores foram chacinados por clientes e escravos da aristocracia. Quando seu irmão mais jovem, Caio, pediu permissão para enterrá-lo, recebeu a recusa e os corpos dos rebeldes mortos foram todos lançados no Tibre.

Nove anos depois, Caio Graco, o irmão mais jovem de Tibério, renovou a luta pelos desprotegidos. Eleito tribuno em 124 a. C., fez passar uma lei que determinava a distribuição mensal de trigo ao povo da cidade, pela metade do preço do mercado. Suas propostas visavam obter o apoio de diversas classes: o campesinato, ao tentar ressuscitar as ideias de distribuição de terras estatais do irmão; a classe média, ao estabelecer novas colônias – em Narbo, Cápua, Tarento e Caratago e torná-las prósperos centros de comércio e as massas urbanas com a distribuição de trigo barato. Enriqueceu os construtores de obras públicas e reduziu o desemprego com um programa de construção de estradas em toda a Itália.

Com esses apoios variados conseguiu reeleger-se para o mandato em 124 a.C. Mas quando propôs estender esses privilégios a todos os homens livres do Lácio, estado do qual Roma era a capital, e privilégios  parciais a todos os homens livres da península itálica, a Assembleia, ciosa de suas prerrogativas, contestou. Quando um ano depois tentou reeleger-se para um terceiro mandato, fazendo pouco da tradição, foi derrotado. Alguns dos seus seguidores acusaram a fraude da eleição. Caio desaconselhou a violência e retirou-se para a vida privada.

O senado, que tinha até então ficado impotente pelo clamor da população, reassumiu suas prerrogativas e reconquistou parte do poder. No ano 121 a.C. propôs o abandono da colônia de Cartago; todas as facções interpretaram esse movimento como uma forma de desgastar as leis dos Graco. Alguns partidários de Caio foram à Assembleia armados: um deles matou um conservador enviado para prender Caio. Como se recusasse submeter-se ao julgamento do senado foi proclamado contra ele o estado de guerra. No dia seguinte, os senadores apareceram vestidos para a guerra, cada qual com dois escravos armados, e atacaram os representantes da plebe, entrincheirados no monte Aventino. Caio tentou evitar a violência. Ao fracassar fugiu pelo rio Tibre; alcançado ordenou ao seu escravo que o matasse; o escravo obedeceu e depois se matou. Um amigo decepou a cabeça de Caio, encheu-a de chumbo derretido e entregou-a ao senado que havia prometido pagar o seu peso em ouro. Dos partidários de Caio, 250 morreram na luta, trezentos outros foram condenados à morte pelo senado. A multidão não protestou quando seu corpo e dos seus seguidores foram lançados ao rio; estavam ocupados em saquear-lhe a casa. Os senadores proibiram que Cornélia, sua mãe, vestisse o luto.

A dificuldade do Império Romano em aplicar as ideias dos irmãos Graco, seu conservadorismo em adotar políticas de reforma agrária e incentivo a produção do homem livre, em longo prazo, iriam determinar a sua queda. Não foram, como se ensina nas escolas, as hostes de bárbaros que destruíram o império, mas a dificuldade de seus dirigentes em reformar as estruturas da sociedade escravista. A chegada dos povos do leste europeu trouxeram vantagens econômicas de curto prazo. A dificuldade em atrair novos contingentes de escravos de baixo custo e o alto custo na sua procriação dentro da economia. Para compreender esse processo devemos recordar que a criação implicava grandes perdas de trabalho: 1) O processo de criação determina melhores condições de vida dos trabalhadores em seu conjunto; 2) As matrizes trabalhavam menos em seus períodos de gestação e lactância; 3) Na época existiam altas taxas de mortalidade materna e infantil.

Temos algumas informações sobre o grande latifúndio agrícola que trabalhava com centenas de escravos acorrentados. Os teóricos romanos do agronegócio geralmente relacionavam suas desvantagens: era necessário grande número de feitores para organizar o trabalho dos cativos e mantê-los submissos. Estavam também de acordo sobre a baixa produtividade e rentabilidade destas atividades. A exploração do plantio de cereais com mão de obra escrava não exigem um trabalho continuo. Era, portanto, indispensável manter alimentados os escravos nos periodos entre uma safra e outra. A adoção do latifúndio escravista levou à decadência do modelo agrícola do Império que, na sua decadência, viu-se obrigado a reformular a exploração da mão de obra do campo. 

A imensa maioria dos bárbaros que chegaram ao Império, depois de terem se rendido aos generais romanos, ou de haverem sido capturados por eles, depois foram estabelecer assentamentos em zonas despovoadas ou fazendas imperiais na condição de colonos, por contratos, voluntariamente, como proprietários ou por enfiteuse. Provavelmente quando se concedia terras a um rei ou chefe tribal, a condição dos indivíduos poderia variar muito: o chefe e alguns dos seus seguidores próximos se convertiam em proprietários e arrendariam parcelas aos mais humildes. É de supor que as terras ficavam sujeitas aos impostos imperiais e que esses contingentes ficavam a disposição para o serviço militar quando necessário. Todos esses assentamentos, aonde os recém-chegados passavam a serem colonos proporcionavam recrutas para o exército, como força de trabalho adulta, cujos custos de produção não recaiam na economia interna do Império.

Muito tem se discutido sobre as defecções de populações do Império Romano que passaram para o lado dos invasores bárbaros. É sabido que uma grande quantidade de bárbaros, principalmente germanos, alcançaram posições elevadas no Império Romano, graças aos serviços prestados ao exército durante o séc. IV e ainda depois dessa época. A imensa maioria destes generais “bárbaros” se mostrou completamente leal a Roma. Conhecem-se poucos casos de traição e muitos deles se consideravam romanos e aceitavam os pontos de vista da classe dominante romana.

Mas existem suficientes testemunhos (desde o séc. II ao VII), tanto nas regiões ocidentais quanto nas orientais do Império evidenciando que a atitude das classes baixas ante os bárbaros não foi nunca, em absoluto, de temor ou hostilidade. Pelo contrário: as incursões de povos do além Reno, por mais destrutivas que fossem principalmente para os proprietários e residentes nas cidades enriquecidas pelo comércio, foram recebidas muitas vezes com indiferença e em mais de uma ocasião com complacência e cooperação, especialmente por parte do proletariado pobre, desesperadamente sufocado pelos impostos. Existem testemunhos inclusive de pequenos proprietários que eram vítimas da injustiça e da corrupção do sistema imperial que declararam como se passaram para o lado dos invasores.

Esta situação deve ser relacionada com as revoltas camponesas que se produziram paralelamente na Galia e Hispania. Com exceção das disputas pelo poder imperial onde as lutas de classe não desempenharam papel importante, tendo sido promovidas pela classe governante e se decidiram com o poderio armado através da ameaça ou utilização efetiva. Outra diferença a ser ressaltada é entre revoltas efetivas e bandoleirismo contumaz.

Existem documentos em relação ao comportamento dos escravos do Império passando para o campo dos bárbaros. Durante o primeiro assédio de Roma pelo visigodo Alarico, no inverno de 408  a 409 d.C., praticamente todos os  escravos  de Roma (40.000) evadiram-se ao campo dos godos. Existem fontes tanto gregas quanto latinas que afirmam que os habitantes do Império Romano desejavam efetivamente a chegada dos bárbaros como principal fator da alta carga tributária.

Existem, por outro lado, pouquíssimas pistas de resistência espontânea às incursões bárbaras por parte dos camponeses e dos habitantes das cidades, ou de defesa entusiasta das cidades pelos seus habitantes.

Valendo por todos os registros da época referente a corrupção desenfreada do Império o testemunho do historiador e diplomata Prisco que coloca na boca de um personagem anônimo, mas procedente da Grécia, o qual se passou para os “bárbaros”, ficando a viver entre eles e estava acantonado no acampamento de Átila, pelo ano de 449 d.C.:

“Homens sem princípios agora cometem todos os tipos de iniquidades, pois as leis não valem iguais para todos (...) Quem as transgride não recebe nenhum castigo pela injustiça cometida, mas se é pobre e não entende de negócios tem que pagar pelo delito; isso se não morre antes que se produza o juízo, pois o processo legal se arrasta indefinidamente e se gastará nele grandes quantias de dinheiro. O cumulo dessa situação miserável é ter que pagar para conseguir satisfação, pois ninguém celebrará uma audiência em favor de uma vitima da iniquidade sem a paga dos juízes.”                            
Quando os hunos invadiram o Ocidente em 376 d.C. conquistaram os mais terríveis inimigos dos romanos. Essa tribo de selvagens cavaleiros vindos da Ásia derrotaram os temíveis godos e alanos que viviam do outro lado do Danúbio. Roma que vivia então na época uma decadência do seu poderio militar temia em particular o Reino Ostrogodo, uma confederação de tribos germânicas que se estendia do rio Don até o Deniester e do Mar Negro até os pântanos Pripet. Para surpresa do Império Romano chegaram notícias que os godos haviam sido aniquilados e que seu rei, Ermanarich, havia cometido suicídio. A vitória dos hunos sobre os alanos foi ainda mais arrasadora. Tendo subjugado os godos orientais (ostrogodos), os hunos passaram a atacar seus parentes ocidentais, os visigodos. Empurrados pelos invasores, os visigodos atravessaram o Danúbio em grande quantidade. Cerca de 200 mil, conforme informam os registros da época, atingiram Adrianópolis, desbarataram um exército romano e devastaram a província da Panônia.

Os hunos eram pastores nômades, praticavam a caça e não exerciam a agricultura. Cada família ocupava uma barraca, entre seis e dez barracas formavam um acampamento, vários deles formavam um clã. Havia dez clãs para cada tribo, portanto cada tribo tinha talvez cinco mil pessoas que correspondia a 1200 guerreiros aproximadamente divididos em pequenos grupos, acampamentos com trinta pessoas, o que permitia mais mobilidade  para sair à caça de forragem para os animais de tiro, ou alimento para os combatentes e seus familiares. Seus movimentos militares eram autônomos e pouco dependiam de um governo central. Estavam em constante busca de subsistência, a fome era uma parceira frequente em suas andanças desde os primórdios e não existia um excedente de produção para a formação de uma classe privilegiada ou desocupada nobre. Dizia-se que sacrificavam os idosos, até mesmo os pais, para os deuses para não ter bocas inúteis para alimentar. Nem havia escravos domésticos; seus únicos escravos eram os capturados em campanhas. Suas lideranças só eram efetivas nos períodos de guerras, onde valia a experiência e reputação guerreira para garantir o comando. Seus conselhos de chefes tinham uma particularidade, faziam as discussões e deliberações sempre montados em seus cavalos.

A grande confederação que derrotou os alanos e os godos se desfez logo depois, como era costume entre os povos das estepes. Mas o feito militar deu inicio a um processo importante na história dos hunos, pois obrigou os ostrogodos a tornarem-se seus tributários. Foi decisiva sua mudança dos mares Aral e Cáspio para as terras a oeste do Mar Negro; antes haviam derrotado os alanos ao leste, mas desde o inicio do séc V, os ostrogodos da Ucrânia eram seus subalternos. Outro acontecimento decisivo foi quando deixaram essas regiões e fizeram suas bases nas planícies da atual Hungria, onde as pastagens para suas montarias eram fartas. Como eram bons combatentes e exímios agricultores, os ostrogodos garantiam os excedentes de produção necessários para os hunos poderem manter a logística de suas campanhas militares contra Roma e Bizâncio. Nos combates os ostrogodos preenchiam as fileiras como eficientes combatentes de infantaria, estrategicamente  articulados com os invencíveis arqueiros montados hunos que desfechavam o ataque decisivo para a vitória final. No início da década de 420, com suas forças consolidadas, formavam uma confederação poderosa, com uma classe dominante de chefes hunos poderosos que enriqueciam com a mais valia produzida pelos povos conquistados e que deram origem ao mito das hordas invencíveis que aterrorizaram a Europa desde então.

A maioria dos registros sobre a vida econômica da baixa Idade Média apresentam relatos de volta à primitividade e miséria indigente. Foi particularmente rápido o declínio da península itálica, na segunda metade do séc. V. Atingiram o apogeu as forças postas em jogo pela degradação econômica dos dois séculos precedentes. O comércio e a indústria foram extintos rapidamente; terras antes produtivas viraram mato novamente e a população declinou de maneira assustadora a ponto de criar-se uma lei proibindo a toda mulher entrar para o convento antes dos 40 anos de idade. Enquanto os grandes proprietários ampliavam seu controle sobre as áreas cultiváveis e assumiam as funções de governo, um número cada vez maior das massas populares se transformava em servos. Durante o reinado de Teodorico, o rei germano que conquistou a Itália, houve uma tentativa de reativar o comércio e a agricultura reduzindo impostos, mas o processo feudal continuou seu caminho irreversível de servidão e de concentração da renda agrária, pois ele necessitava o apoio militar da aristocracia dominante. Após a sua morte, mais uma vez o processo da decadência tornou-se evidente. A tentativa de reconquista da península itálica pelo imperador bizantino Justiniano levou a região à beira do barbarismo. A peste e a fome completaram a destruição causada pelas marchas dos exércitos inimigos. Os campos foram abandonados sem cultivo, ao mesmo tempo em que declinavam as atividades urbanas. Os lobos vagavam livres pelo território devorando os cadáveres insepultos. Era tão grande o desespero das populações que, como sempre, em certas regiões apareceu a prática do canibalismo. Somente nas cidades maiores a civilização permaneceu preservada, mas em condições de pleno abandono das conquistas intelectuais e técnicas do período anterior.  

A Idade Média iniciava seus dias absorvendo o que restara da cultura ideológica romana e de sua organização social e revestindo velhos conceitos legais de germanos e romanos com as novas roupas do feudalismo de forma lenta e gradual. Na história conhecida da humanidade não existem fatos estanques, mas sim uma sucessão de causas econômicas em evolução contínua.  A baixa Idade Média foi com certeza um prolongamento da manutenção de antigas instituições romanas. Entre estas está a clientela. Desde os mais remotos tempos, os cidadãos romanos que passavam por dificuldades ou os escravos libertos procuravam a proteção de patronos ricos, tornando-se seus clientes ou dependentes. No caos que acompanhou o declínio do Império, a clientela se expandiu. Outra dessas instituições romanas foi o sistema de colonato. Numa tentativa desesperada de manter a produção agrícola decrescente durante os séc. III e IV, a administração do Império ligou, de forma indissociável, ao solo, numerosos camponeses e rendeiros agrícolas como colonos ou servos, colocando-os na verdade sob controle dos proprietários dos grandes latifúndios. O precarium  foi outra instituição que se desenvolveu na época da decadência do Império Romano. Originalmente constituía um empréstimo de terra a um rendeiro que a cultivaria e pagaria a renda ao proprietário. Caso o rendeiro deixasse de pagar a renda, o proprietário tinha o direito de tomar-lhe a posse. Mais tarde o precarium passou para a forma da entrega da terra por um pequeno proprietário a um poderoso latifundiário, motivada por insolvência ou por necessidade de proteção. Ao mesmo tempo que fazia isso se comprometia a cultivar a terra e pagar renda pelo seu uso. As duas últimas instituições, o colonato e o precarium, muito contribuíram para a origem do feudalismo, e se adaptavam aos costumes e hierarquia das nobrezas tribais dos germanos invasores. Foram eles que forneceram os ideais de honra, de lealdade, e de liberdade, que passaram a ocupar na classe dominante um lugar de considerável importância. A instituição germânica do comitatus era a fonteprincipal da teoria e da prática feudal de hierarquização da sociedade. O comitatus era uma assembleia formada pelos guerreiros e pelo seu chefe, com obrigações mútuas de serviços e de lealdade. Embora os guerreiros prestassem um juramento pessoal de proteger seu chefe, e ele em retribuição devia armá-los e equipá-los para combate, a relação entre as duas partes era totalmente diferente da que existira entre os clientes romanos e seus protetores. Nela não havia qualquer elemento de servilismo; os guerreiros eram iguais aos seus chefes, pois que todos estavam envolvidos e empenhados nas mesmas atividades belicosas, cujo único objetivo era o saque e a glória. Esse ideal tribal, originado nos primórdios dos tempos, existente na instituição do comitatus, entre os participante do regime feudalista, se fixou na relação entre reis e nobres, suseranos e vassalos, a classe dominante que sujeitou os povos latinos dominados. A prática feudal da homenagem, através da qual os vassalos juravam fidelidade numa cerimonia de submissão ao seu suserano também provavelmente era originado na tradição do comitatus, cerimonia que legitimava o poder do chefe guerreiro.  Assim poder e a riqueza dos grandes latifundiários, senhores da guerra que subjugaram pelas armas a força de trabalho, aumentaram consideravelmente. Com o passar do tempo, essa classe dominante passou a desafiar o governo central, e arrogar-se direitos de senhores absolutos das suas propriedades. Tributavam seus servos, faziam leis que regulavam os negócios e os direitos destes, e impunham sua própria justiça e a lealdade.

Incluso ao conceito grego de barbárie, a teoria aristotélica da “escravidão natural” teve enorme difusão no mundo greco-romano. O cristianismo herdou tais conceitos, através dos reinos francos e germanos e do direito romano, e fundamentou seu pensamento a partir de estudiosos compiladores dos clássicos gregos como Alberto Magno, o fundador da escolástica, que reintroduziu as categorias antropocêntricas de Aristóteles, e através de seu pupilo, Tomás de Aquino, que escreveu um comentário canônico da “Política” de Aristóteles. Esta doutrina ideológica voltaria a revigorar-se, no séc. XVI, a partir das discussões que tiveram lugar em Castela sobre a natureza dos autóctones da América e foi violentamente combatida por homens como o Frei Bartolomé de Las Casas.



Coação Estatal e Colonialismo –

A decadência do feudalismo motivada pela ascensão da monarquia na Europa originou o fortalecimento do estado nação. O rei passa a representar o poder do estado e a centralizar os tributos permitindo a manutenção de forças militares poderosas e expedições ultramarinas de conquista. As cidades passaram a ter fundamental importância para o desenvolvimento econômico da Europa Ocidental a partir do séc XIII, através das corporações de ofício que se estabeleciam e produziam os produtos manufaturados a partir das matérias primas locais. O contato com as civilizações bizantina e sarracena revigorou o comércio com o Oriente e estimulou o progresso da cultura.    

O Estado proíbe a guerra intergrupal dentro das suas fronteiras mantendo seus súditos amedrontados pela força da lei, impedindo que façam justiça com as próprias mãos e assim mantém a pax e ainda detém o poder de romper seus próprios liames legais quando declara a guerra contra outro povo ou pune seus cidadãos. O Estado pretende diferenciar civilização de sociedade tribal. Entretanto a diferenciação entre Estado e Tribo pode se tornar complexa. É provado como ineficaz procurar uma divisão a partir de uma invenção decisiva para a evolução de sociedade tribal para civilização. A escrita, por exemplo, não determina um processo civilizatório. Povos “primitivos” são denominados erroneamente de “pré-letrados”, mas a ausência de escrita não determina a inexistência de civilização como podem provar os povos do Peru ou da Costa da África que atingiram grande complexidade e possuíam um razoável controle estatal. Também não é o processo de urbanização, no sentido literal da existência de cidades, a prova contundente da existência de civilização. O recurso a tais critérios de balizamento da civilização é baseado na suposição de que povos fora da esfera Ocidental europeia devam ser necessariamente rústicos.

O Estado e suas colônias estão organizados enquanto territórios – entidades territoriais  controladas pelo poder estatal – em oposição a entidades de parentesco sob chefe de linhagem natural da tribo. Sir Henry Summer Maine, quando argumentava contra a antiguidade da soberania territorial da Europa apropriadamente descreveu seu desenvolvimento fora das concepções tribais através de algumas mudanças do título nobiliárquico assumido pelos reis da França: desde o merovíngio “Rei dos Francos” ao capeto “Rei de França”

 O direito do controle da força saiu da sociedade, antes clanica, para ficar com um soberano descendente da classe dominante e conquistadora. Ninguém mais tem o direito de usar a força sem um mandato direto do soberano ou de seus acólitos. É o Estado que decide as regras da ordem social, quase sempre baseadas em aspectos étnicos e de nascimento, mesmo em sociedades ditas democráticas. Todas as pessoas e grupos do território são como tal súditos da soberania, de sua jurisdição e coerção. É a partir do processo civilizatório que determinada cultura é difundida e em seu bojo carrega uma determinada ideologia homogeneizadora de vários grupos étnicos. A herança dos povos pastores indo-arianos para o Ocidente foi estabelecer seu regime de centralização de poder a partir de eleitos entre a classe dominante de conquistadores através do sufrágio ou da batalha singular pura e simples.

Com a expansão da ideologia europeia pelo mundo, as ideias de subjugação e apresamento da mão de obra evoluíram do processo escravista nas Américas, para o sistema de exploração tributário entre os autóctones, que já conheciam o conceito de tributação a partir de um poder central, com produtos em espécie. Mas isso não impediu que uma grande massa de africanos fosse tangida do continente negro para lá e tratada como semovente pelos donos de engenhos e pela classe dominante que repassava os tributos auferidos da mais valia do trabalho escravo para a Coroa. Ainda o ideal aristotélico chancelava o uso do cativo para o trabalho braçal como justificativa cristã do salvamento de sua alma pagã e sua inteligência dita inferior.
   
A tributação no estabelecimento das relações de trabalho, em substituição ao apresamento puro e simples de mão de obra, obrigava os índios ao pagamento de taxas à Coroa Espanhola. Como o tributo era exigido em dinheiro, mesmo àqueles que dispunham de áreas agricultáveis suficientes à subsistência eram obrigados, a cada estação, sair do âmbito comunal e trabalhar para os senhores de terras espanhóis até juntar a quantia suficiente para pagar o imposto. Este era um dos mecanismos que garantiam a mão de obra indígena nas colônias espanholas.

Na América Hispânica a tributação do estado servia para reforçar mecanismos privados que visavam prender os trabalhadores às fazendas pelo endividamento Não só o dono de terras substituía aos índios no pagamento dos tributos e das taxas paroquiais (batizados, casamentos ou enterros), ou então nos tributos ocasionais, que vinham onerar ainda mais as dívidas ordinárias. Era ainda a guerra o fato motivador de ônus extras, em 1781, por exemplo, uma contribuição para despesas com essa finalidade imposta à população colonial pelo Estado espanhol tornou-se um elemento a mais para prender por dívidas os trabalhadores às fazendas na região mexicana de Michoacán ( Claude Morin, Michoácan en la Nueva España del Siglo XVIII, México, Fondo de Cultura Econômica, 1979, pág 264 ).

Os Estados europeus colonizadores dispunham então de meios coercitivos através de seus agentes nas Colônias que detinham por outorga seus poderes militar e judiciário, que na prática usavam dessas forças disponíveis para impor as decisões dos mandatários e senhores de terras, a classe dominante, e sufocar a desobediência dos nativos e dos negros africanos.

O uso dessas ferramentas institucionais foi, nas áreas da escravidão negra, um dos elementos fundamentais contra as sedições e estabelecimento de quilombos, como extensão da repressão privada dos senhores para preservar o "status quo" da exploração da mão de obra escrava e garantir as instituições onde se baseava essa ideologia escravista.


Capitalismo e Neoliberalismo -

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, na Inglaterra grande parte da população carcerária não era só de criminosos comuns, eram vítimas das injustiças sociais e desigualdades econômicas, eram devedores que não haviam conseguido pagar suas dívidas e que expiavam na cadeia a amargura da insolvência, ou simplesmente da mora. Em 1779, nas prisões da Inglaterra e País de Gales, dentre 4.379 prisioneiros, havia 2.078 homens e mulheres "devedores". Na Irlanda, em 1788, havia 550 "devedores", num total de 1.572 prisioneiros. Mesmo aqueles que já tinham saldado suas dívidas continuavam presos até que saldassem os impostos reclamados pelo clero e a coroa, ou pagassem propina para o Sheriff e o carcereiro. Mesmo crianças quase nuas, na idade de doze anos, ficavam presas, muitas vezes, um ou dois anos, por causa desses emolumentos, que, frequentemente não excediam de uns quarenta shillings (John Howard, The State of the Prisons, Ed. Everyman's Library Londres 1929 - 1ª ed. saiu em 1777; as edições sucessivas saíram com o autor ainda em vida, que faleceu em 1790)

Desde a vitória da revolução protestante de 1688, os católicos irlandeses, defensores dos Stuarts, tiveram sua situação politica e econômica agravada por numerosas leis opressoras, que lhes vedavam o exercício do magistério, das funções públicas, dos cargos eclesiásticos e até mesmo das profissões liberais, com exceção da medicina. Suas rendas eram limitadas por lei: o irlandês católico que tivesse lucros superiores a um terço do valor das suas terras estava sujeito ao confisco da propriedade em favor do primeiro protestante que provasse tais lucros. As leis introduzidas pelos ingleses serviam para abafar a economia irlandesa. A criação de gado e a agricultura, as duas principais fontes de riqueza no país, não podiam ter mercados, por que a Inglaterra não os importava, nem permitia que navios irlandeses atracassem nos portos coloniais britânicos. As terras irlandesas passavam em grandes lotes para as mãos dos ingleses e privilégios eram concedidos para a exploração das riquezas do país subjugado. A população irlandesa guardou de tudo isso lembranças hereditárias, a tradição de ódio aos dominadores e da opressão religiosa que nunca conseguiu erradicar o catolicismo que marcou para sempre e se tornou base do pensamento políticos das gerações sucessivas até nossos dias.

Em 1729, um dos maiores críticos da dominação Jonathan Swift propõe em "Modesta Proposta para evitar que os Filhos dos Irlandeses Pobres sobrecarreguem os Pais ou a Nação e para torná-los Benéficos ao Público" - onde aponta a miséria e a fome que se abatia sobre o povo da Irlanda e propõe, com ferina ironia, que os irlandeses façam engordar os filhos e os comam depois como alimento, do que resultariam "diversas vantagens" para uns e outros.

Assim o espírito puritano da época baseado num escravismo velado davam os primeiros passos para o assentamento da exploração da mão de obra característica do capitalismo que vai ser difundido pelo mundo nos anos subsequentes pela influência de fatores culturais bem caracterizados: o individualismo, a crença dos direitos naturais dos povos brancos de origem europeia sobre os demais e o espírito capitalista da economia de exploração a partir da ascensão da burguesia e do declínio do poder da monarquia principalmente no Novo Mundo, onde os excedentes de população irlandesa foram atrás de prosperidade e segurança na América do Norte, longe da exploração e tirania inglesa. Ao chegar ao Novo Mundo impuseram sua ideologia xenófoba e etnocêntrica que iria criar as bases para a criação de uma das maiores e mais fortes nações do planeta, os Estados Unidos da América.

Alex de Tocqueville, famoso magistrado francês do século XIX, ficou impressionado com a inversão de valores do povo norte americano em sua visita aos Estados Unidos entre os anos de 1831 e 1832. Naquela época, ainda não havia sinais das grandes fortunas privadas adquiridas pelo país em virtude de políticas bélico-expansionistas do século XX, mas Tocqueville afirmara que desconhecida um país “em que o amor pelo dinheiro ocupe um lugar mais amplo no coração do homem, e onde se professasse um desprezo mais profundo pela igualdade”. . Por fim, Tocqueville acreditava que, se surgissem déspotas nas sociedades democráticas, eles seriam tentados a fazer guerra, para reforçar seu poder e ao mesmo tempo para satisfazer seus exércitos.

A partir do século XX, à medida que o neoliberalismo avançou, as desigualdades sociais acentuaram-se. Prova disso é que em 1960, os 20% mais ricos do mundo possuíam uma renda 30 vezes superior a dos 20% mais pobres. Já em 1997, essa proporção subiu para 74 vezes, sendo que, na primeira década do século XXI, esse número atingiu 80 vezes.

Destaque-se também que a onda neoliberal que avassalou o mundo após 1970, elevou a desigualdade social dentro dos próprios Estados Unidos, pois, segundo o Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento da UNCTAD, nas últimas décadas do século XX, o quociente que mede o grau de desigualdade socioeconômica aumentou em 16% entre os americanos.

Percebe-se então, que a desigualdade social mundial vem aumentando consideravelmente após a Segunda Guerra Mundial, com a expansão bélica do neoliberalismo norte-americano, que, diga-se de passagem, participou diretamente de todas as carnificinas humanas dos séculos XX e XXI.

Também vale mencionar que o capitalismo não é apenas um sistema econômico, mas uma forma global de vida em sociedade, pois está dentro de seu próprio conceito a globalização favorecedora das grandes empresas mundiais, com suas sedes localizadas no hemisfério norte em detrimento do desenvolvimento e da liberdade dos mais fracos, tendo como seus pilares conhecidos o individualismo competitivo, excludente e dominador. Essa ideologia de caráter puritano e raiz ariana antiga tem como premissa básica a manutenção de excedentes e reservas de toda a ordem para exploração de uns poucos favorecidos que manteriam seus lucros em detrimento das grandes massas confinadas nas metrópoles do hemisfério sul, mercado cativo que nada produz e tudo consome.

A subversão da valorização da pessoa humana é tamanha que um dos teóricos mais respeitados do neoliberalismo (Richard Posner), ressuscitando as antigas teses antropofágicas de Swift, propõe com seriedade a venda de crianças para a adoção, o que faz harmonizar as relações de família com a lógica do capitalismo, pois somente aquilo que tem preço de mercado possui valor na vida social.

Richard Posner propõe que os bebês mais desejáveis tenham preços mais altos que os outros, levantando uma bandeira política ao defender que o livre mercado de preços de crianças funciona melhor do que o atual sistema de adoção. (Fonte: Texto disponível na internet intitulado “Adoption and market theory: The Regulation of the Market in Adoptions”). Logo essas crianças poderão não só estar disponíveis para quem possuir melhores condições econômicas como também, em futuro próximo, poderão ser utilizadas para finalidades especificas definidas pelas leis de mercado.

A implantação do neoliberalismo faz a humanidade retroagir em pelo menos 200 anos na história de conquistas dos direitos humanos, pois acarreta a preterição dos direitos individuais perante a liberdade do empreendedor, sendo que o Estado serviria somente para proteger e dar legalidade ao contrato e a propriedade privada, regredindo dois séculos na história da humanidade, época em que não existiam constituições sociais, não existia direitos trabalhistas (coisa que o capitalismo despreza) e que imperava ensinamentos de doutrinadores do século XVII, com raízes ainda mais profundas nas antigas sociedades dos povos nômades, no escravismo e na antropofagia do excedente populacional concentrado nos grandes centros urbanos, resgatados, de forma velada, com empolgação pelos atuais defensores do neoliberalismo econômico em seu viés ideológico sub-reptício de lobos em pele de ovelha.

O que é civilização ? Como pode ser recuperada ? O mundo contemporâneo, mergulhado em sua tecnologia própria e individualista, na realidade não é um mundo civilizado, é uma epigonia, cujo significado mais próximo seria o de “herdeiros” de qualquer tipo de bens positivos do que criadores desses bens. As civilizações greco-romanas e as invasões germanicas subsequentes deram forma a atual conjuntura civilizatória, que o homem comum não consegue visualizar em função de sua vida exígua em relação as transformações ocorridas. Entretando a velocidade dessas transformações está hoje em escala cada vez mais vertiginosa. Conforme a visão crítica do individuo se dilui nessa estrutura radial ideológica que proporciona a ferramenta informática, menos controle se tem da manutenção das liberdades e dos direitos civis, agora em nova fase de decadência nesse lado do mundo. O rebanho humano já foi tangido para o cercado do matadouro.