sábado, 20 de novembro de 2010

Kamikaze - O Vento Divino



No Japão as tradições relacionadas com a morte voluntária remontam desde seus primórdios numa sociedade completamente hierarquizada e podem ser classificadas em vários tipos, com diversos significados conforme seus objetivos primários. O suicídio de vassalos ou guerreiros pode significar uma reprimenda ao senhor que por algum motivo demonstrou fraqueza perante seus subordinados. Ou pode servir para cumprir uma sentença recebida de seu senhor por alguma falta cometida, através do sepuku o faltoso tranquilamente se entregava ao suplício para cumprir seu papel de homem honrado.

Mas foi no início do séc. XX, com o surgimento de várias sociedades secretas de cunho nacionalista, que as ações de suicídios seriam precedidas de violentos atentados contra dignitários, que por alguma razão tinham despertado a ira dos nacionalistas. O Japão atravessava uma difícil fase, pois seus interesses nacionais estavam sendo confrontados pelas potencias emergentes como os EUA e pelos europeus que detinham já uma antiga hegemonia no Oriente e os militares nipônicos que integravam estas sociedades viam com desagrado o imobilismo das instituições em modificar ou estabelecer uma estratégia de domínio coerente com seus interesses armamentistas que imaginavam corresponder com o inexorável destino glorioso de sua pátria.
Da censura sacrifical imposta aos superiores até o terrorismo, impuro eticamente, mas eficaz como estratégia dissuasória e eficiente como arma política foram evoluindo os acontecimentos, o atentado político causava mais impacto junto à opinião pública quando acontecia contra um homem ilustre e possuía mais divulgação dos meios de comunicação que um mero suicídio de um subalterno, assim as ações desses oficiais fanáticos e descontentes foram se especializando.
Muitos ainda seguiram as tradições pagando com a própria vida seus atentados. Em 1898, após ter explodido a caleche do marquês Okuma, o culpado, Kurushima Tsuneki, membro da Sociedade do Sombrio Oceano, cortou o próprio pescoço. Alguns anos mais tarde, em 1913, as boas maneiras ainda não tinham sido esquecidas: julgando tíbia a atitude oficial para com a China, um jovem adepto da Sociedade do Dragão Negro matou o diretor do Escritório de Assuntos Políticos do Ministério das Relações Exteriores. Depois resolutamente estendeu no chão um mapa da China, sentou-se na posição de descanso e aí abriu seu ventre da forma ritual. Assim vítima e assassino seguem, o couvade desse guerreiro é sublimado através da própria vitimação, tradição perseguida em toda a história do nacionalismo japonês. Como no amok das tribos malasianas, quando num frenesi mortal o homem em transe enlouquecido cumpre sua função num ataque sangrento e sem sentido, no caso japonês, perpetra seu crime cego pelo ódio chauvinista nascido de seus ideais. Assim repetiu a ação em 1921 Asahi Heigo, jovem dirigente de uma “Liga da Virtude do País dos Deuses”(Shinshu gidan): apunhalou o banqueiro Yasuda Zenjiro, que tinha cometido o grande erro de ficar conhecido como o homem mais rico do Japão, depois cometeu suicídio para purificar seu ato e dar um valor moral de exemplo, como arma política. Ele se insurgia contra a classe dominante como um anarquista, mas com claras influencias do extremismo nacionalista de direita.
As ligas patrióticas pretendiam ressuscitar os antigos valores num mundo em franca mudança onde o capital ocupava o espaço deixado pelos antigos oligarcas, os ricos industriais ocupavam as funções do poder e mantinham uma política oficial muito tímida no exterior, segundo imaginavam os extremistas, e submissa aos mais ricos no interior do país. Corrupção e covardia, duplo aspecto de um mesmo vício complacente das elites, fazia o Estado se afastar das antigas tradições guerreiras de onde se originara.
Tinham absoluta fé em sua virtude ancestral que lhes dava o direito de matar, mantinham as mesmas motivações antropofágicas dos antepassados, as vitimas atingidas não tinham o direito de viver. Não tinham particularmente muito interesse pelos programas sociopolíticos, em geral o culto a utopia monárquica da imagem imperial ocupava todo o seu escopo de objetivo nacional. Seus atos tinham o moto de despertar a nação, os maus conselheiros seriam dissipados pelo vento do sacrifício, como nuvens, enfim deixariam brilhar o sol da perfeição soberana ofuscada pelos novos tempos. Seus golpes desfechados contra o sistema e seu sacrifício posterior era uma demonstração de seu coração puro, uma justificativa para eles mesmos de sua intenção reta. Assim demonstravam seu desinteresse pessoal pelas conseqüências que haviam servido ao projeto pessoal de limpeza da sua sociedade. Com tais atitudes, seu martírio desculpava o que de odioso tinha sido o atentado contra a ordem que pretendiam reformar, sem esperar julgamento divino ou da posteridade.
Os terroristas souberam aproveitar o prestigio secular da morte voluntária. Os componentes das ligas de extrema direita usavam como artifício esta medida extrema para afastar seus inimigos. Permitiam-se admoestar suas vítimas para que reconhecessem suas “culpas”, assumissem suas responsabilidades, se imolassem para manter a honra. Sabiam que seus “conselhos” não seriam seguidos, mas estavam convencidos do prejuízo moral sofrido por suas vitimas, denunciando finalmente sua covardia e corrupção. Com a morte do imperador Meiji, um dos fundadores da Sociedade do Dragão Negro, Toyama Mitsuru injuriou os ministros de Estado do império por não terem aconselhado devidamente ao monarca para cuidar melhor de sua saúde. Questionou publicamente porque não haviam pedido demissão ou até mesmo se sacrificado pela falta cometida. Toyama não pretendia que atendessem às suas sugestões, mas pretendia colocá-los na sua dimensão de liberais ausentes de fibra moral e longe dos ideais da antiga tradição de governança. E o convite ao suicídio passou a ser o prelúdio ritual, a desculpa antecipada para o assassinato do faltoso com a honra. Utilizava-se assim a tradição como arma para conferir dignidade à intimidação política. Antes de ser vitima de um atentado organizado em 1932 pela Liga do Juramento pelo Sangue (Ketsumeidan), Inoue Junnosuke, ministro das finanças que havia atraído sobre si o ódio dos militaristas pela sua política de austeridade orçamentária, recebeu pelo correio, à guisa de mensagem, um estojo de laca que continha uma adaga. Quando, a 18 de maio de 1930, voltando de uma conferencia naval de Londres, onde o Japão tinha firmado um acordo de redução de tonelagem embarcada, o almirante Takarabe quando desembarcou em Yokohama, recebeu de um jovem adepto da extrema direita igual lembrança como um convite ao seppuku.
A usurpação do Estado pelo militarismo foi forjada desde o início do século XX, pois a partir de 1889 a legislação constitucional já garantia que o imperador era o comandante supremo do exército que não prestava contas ao governo estabelecido. O exército crescia então dentro do Estado, como força autônoma, ainda presa nominalmente ao poder sagrado do mandatário. O soberano em sua função divina não se rebaixava a controles e sanções. Seu papel era manter-se intocável, imutável e silencioso, transcendente de toda decisão mundana. Com o objetivo de torná-lo impermeável aos acasos e sortes do poder político secular através dessa estrutura legal, o exército tornou-se irresponsável com esta proteção da influencia da política civil que provocou como conseqüência o efeito contrário, a supremacia do exército que tinha vínculo direto com o poder supremo imperial.
As ligas de extrema direita, múltiplas, sectárias, fracionadas e há muito corrompidas pelos subsídios secretos recebidos desses mesmos grupos financeiros que odiavam e pretendiam reformar, não eram o maior de todos os perigos. Alguns de seus ideólogos pretendiam restaurar um socialismo nacional, como Kita Ikki, esboçavam planos de reconstrução do país a partir do nivelamento de fortunas, apelando para um segundo renascimento, batizado como Showa Ishin, a Restauração da Era Showa. Nada demais haveria de muito inquietante nesta ideologia nascente enquanto o exército mantivesse suas tradições de lealdade ao Estado. Mas paulatinamente tudo se degradou na linha de comando: tenentes, coronéis, generais aos poucos foram esquecendo seus princípios de submissão ao Estado constitucional.
Nos escalões mais baixos os tenentes com emoção patriótica davam ouvidos às ligas nacionalistas e passaram a fomentar complôs e atentados. Em 1927, duzentos jovens oficiais formaram uma sociedade secreta para velar pela salvação do Império. Em 1931, outro grupo fundou a Sociedade das Cerejeiras ( Sakurakai ) e planejaram um complô logo descoberto e abafado. Meses mais tarde planejaram um bombardeio de avião a uma sessão do governo e assim aniquilar de um só golpe seus ministros. Era o tempo dos assassinos. Na noite de 15 de maio de 1932, nove oficiais comandados pelo tenente Koga penetram na residência oficial do Primeiro Ministro. O velho ministro Inukai, de setenta e cinco anos, acende um cigarro e os convida a se explicarem. Um segundo grupo chefiado pelo tenente Yamagishi irrompe na sala e o oficial ordena- “não conversem, atirem”. Desta vez nada de suicídio. Seu desprezo pela vida se resume ao assassinato puro e simples disfarçado de ato político. Bastou-lhes se entregar a policia. São condenados a apenas quatro anos de prisão graças a complacência de seus pares que justificam a ação pela “sinceridade” deles. A vida de um Primeiro Ministro valia pouco no Japão da época.
São soldados dirá em 1934 o barão Kikuchi, ele mesmo general de patente, num discurso à Camara dos Pares, eles tem direito a nossa indulgencia: aqueles que estão convencidos de estarem agindo por patriotismo devem poder fazer o que acreditam dever fazer. Se o apego à doutrina imperial inocentava o frenesi de alguns com certeza ela servia à estratégia de outros. Pois esses atos de terror cometidos pelos subalternos serviam aos interesses dos generais mais sábios. Lamentavam-se os arroubos juvenis, mas usavam desses cometimentos para mais intervir nas decisões do Estado e aumentar seus orçamentos de armas. O exército subia ao poder de ano a ano, como outrora, no fim de Heian, quando se tinha fortificado os clãs Taira e Minamoto.
E como a história se repetia, esse exército não era menos dividido. Uma facção dita da Via Imperial (Kodoha), que contava com oficiais vindos dos antigos clãs do sul e dos quais se poderia traçar a origem até Saigo Takamori, distinguia-se pelos seu radicalismo: suas idéias de profundas reformas, uma nova Restauração, o imperialismo justificando o dever de expansão e de renovação. A facção rival, Toseiha, queria controlar este ardor meridional e pretendia viver em paz com o Estado, com a condição precípua de controlá-lo. Estrategicamente, Kodoha pregava a guerra contra a União Soviética, Toseiha queria dirigi-la contra a China e a Ásia do Sul.
O fracasso de uma intentona favorecida por certos generais da Kodoha (Araki, Mazaki, Honjo) permitiu a vitória dos adversários ainda mais conservadores e chauvinistas. Na noite de 26 de fevereiro de 1936, vinte e um jovens oficiais da primeira divisão, tenentes e capitães se amotinaram. Em nome do imperador e da salvação nacional, ordenaram aos seus subordinados, uns mil e quinhentos soldados que ocupassem o bairro dos ministérios. De forma coordenada, equipes de matadores partiram para assassinar ainda na cama seis personagens mais importantes do Estado. Ao acreditarem em sua boa causa, sentiam justificadas suas ações e se consideravam juízes das vidas dos outros. Aliás após os crimes cometidos, acreditando na vitória de sua causa, eles beberam, puseram-se a cantar e a festejar. As velhas tradições do Bushido, o Caminho do Samurai tinham se perdido.
Eles se alegraram cedo demais. De forma inusitada o jovem imperador, saindo de sua costumeira reserva ritual opôs firme resistência a qualquer compromisso com a quartelada. Ele percebia que usavam seu nome para cometer esses abusos sangrentos. Sua divinização tinha por objetivo anulá-lo de vez mantendo-o como um símbolo inerte do Estado. O imperador não permitiu então que o mais violento se apropriasse de sua autoridade. A suposta pureza invocada pelos rebeldes não lhe parecia justificar tais atos brutais. Os rebeldes, cercados de arame farpado, montaram seus acampamentos nas ruas, onde derretia a neve do inverno. As negociações se prolongavam sem que os jovens oficiais terem conseguido nenhuma de suas reivindicações. Em meio ao murmúrio dos soldados já descontentes, cercados pelas tropas fiéis ao Estado, em 28 de fevereiro fizeram saber que se renderiam e se matariam, com a condição de que um mensageiro do imperador (chokushi) viesse lhes trazer a ordem. Até mesmo essa satisfação lhes foi recusada. O imperador contestou que se eles quisessem podiam se matar, mas que em função da revolta e das mortes eles tinham deixado de serem soldados e, portanto, nenhuma ordem podia esperar do Estado. Então como ultima demonstração, voltando os olhos cheios de lágrimas para o Palácio Imperial, cujas muralhas avistavam dentro da noite, os rebeldes cantaram o hino nacional, Kimigayo, da forma mais lenta e pungente.
A alguns quilômetros dali, em sua casa de Setagaya, o tenente Aoshima comete o seppuku. Não tinha feito parte da rebelião, mas estava ligado aos companheiros por laços de amizade e não queria combatê-los caso fossem considerados rebeldes. A morte voluntária resolveria seu conflito interior. Com ele matou-se sua jovem esposa. Ainda nesse caso brilhava a chama da tradição pura.
Dos vinte e um oficiais da rebelião, somente dez se mataram no momento da derrota. Se o jovem tenente Aoshima tinha a certeza de preceder seus amigos e incentivá-los com esse ato de honra enganou-se profundamente. Após a rendição, na manhã de 29 de fevereiro foram conduzidos todos à residência oficial do ministro da Guerra e foi-lhes perguntado se desejavam também se matar. No primeiro momento concordaram e lhes foram propiciados os lençóis brancos e as armas necessárias para cumprirem o ritual. Eles então se reuniram e mudaram de opinião. Uma morte tão rápida não trairia a causa? Por que em vez disso não deviam encarar o tribunal, denunciar os abusos que eles tinham pretendido combater, a miséria do campo, a escassez dos recursos militares, a inércia do governo, a corrupção dos políticos civis? Samurais que pretendiam ser, tinham virado em oradores, advogados: o Ocidente que tanto contestavam tinha marcado bastante os novos tempos e os costumes da caserna. Aliás seus generais que eram cúmplices, nem sequer foram detidos. Logo ficaram desiludidos: o processo em recinto fechado correu célere em maio e junho de 1936. A maioria, treze sobre dezenove, foi condenada à morte por fuzilamento. A vergonha não lhes foi poupada, foram lembrados da desonra de uma morte por condenação, não tinham sabido morrer, como homens de armas tinham se mostrado indignos do Bushido. Não se tendo matado, mereciam viver? O argumento utilizado até então pelos terroristas para difamar suas vítimas tinha se virado contra eles. Nenhum oficial de escalão mais alto foi condenado. Toseiha, a facção junto ao poder mais uma vez tomava as rédeas do exército. Havia assim interesse em apresentar o caso como desvario de jovens. Mas os ideólogos sofreram a maior impiedade: Kita Ikki e Nishida Zei, que tinham querido introduzir idéias socialistas nas ações dos militares e tentar formular em palavras o resultado dessas agitações como fruto direto da insatisfação da sociedade, foram acusados, como Sócrates, de tentar corromper os jovens. Eles foram prontamente presos, condenados e executados.
Apesar da derrota dos jovens oficiais, o desenrolar dos acontecimentos levou a um maior poder dos militares que usaram as agitações como motivo para controlar ainda mais a política do Estado com a justificativa de impedir que novas perturbações voltassem a ocorrer no país. Por um acordo tácito os dirigentes civis deram para o exército mais liberdade nas ações externas, e com isso evitariam que novas revoltas ou até mesmo um golpe militar eclodissem garantindo assim seus interesses agrários sobre os camponeses desfavorecidos. A política externa foi dominada pelos coronéis nas fronteiras do Império. No continente suas ações eram no sentido de criar um fato consumado que pudesse sabotar a diplomacia oficial e levar o governo de qualquer maneira para o caminho do expansionismo territorial. A 7 de Julho de 1937, mais uma provocação perto de Pequim desencadeia à escalada do conflito na China. A Segunda Guerra Mundial garantia para os militares, ocupação certa para os anos vindouros.
A tradição de honra do Bushido já não influenciava o militarismo japonês como antes. Soldados e oficiais levados pelo frenesi da violência, de 14 de dezembro de 1937 a 14 de janeiro de 1938, durante quatro sangrentas semanas massacraram as populações civis em Nanquim. A falta de controle das tropas de infantaria incentivada pelos oficiais demonstra o lado mais cruel do militarismo, como em qualquer época, piores que quaisquer animais enlouquecidos, deliciavam-se com as atrocidades contra os vencidos: pessoas indefesas, velhos, mulheres e crianças que sem culpa foram caçadas porta a porta e chacinadas ou brutalizadas pelos invasores. Em 1941 e 1942, as mesmas crueldades se repetiram em Hong Kong, nas Filipinas, na Indonésia, na Malásia, na Birmânia. A antropofagia xenófoba embriagava de sangue homens que se consideravam letrados, profissionais liberais, camponeses, intelectuais que ao envergarem seus uniformes militares agiram como bestas assassinas contra populações que consideravam inferiores racialmente por motivações outras que transcendem as simples condições de garantir interesses de Estado.
Desde 20 de novembro de 1937 que as operações militares e até mesmo os assuntos civis nos territórios dominados tinham escapado do controle do governo, eram comandadas diretamente por um quartel general que só prestava contas, em tese, ao imperador. Os interesses em relação ao continente não eram mais tratados pelo ministério das Relações Exteriores, passando em agosto de 1938 a um “Escritório de desenvolvimento da Ásia” criado e controlado pelos generais.
Enquanto isso no Japão o ufanismo dominava, o país todo foi requisitado por uma lei de Mobilização Nacional promulgada em 16 de março de 1938. Uma brochura com dois milhões de exemplares foi distribuída reafirmando a unanimidade da nação: bastava esquecer-se de si próprio, elevar-se acima dos interesses privados para banhar-se nas graças do Tenno. O novo ministro da Educação, general Araki, apreciava divulgar um slogan: ichioku isshin, cem milhões de homens, um só pensamento. No front das idéias, pretendia-se colocar de lado os conceitos de luta de classes e de individualismo burguês por uma nova ordem que se assemelhava ao conceito étnico tribal dos antepassados da época da revolução agrícola numa estranha nostalgia de uma época de ouro inexistente que vivia no imaginário dos poderosos. Todo o mal provém do egoísmo: do individuo, da família, do clã, das classes laborais. Todo o bem provém da abnegação para construir um projeto nacional de um país pobre de recursos naturais e por isso mesmo faminto para crescer além de suas fronteiras nacionais e saquear as riquezas incomensuráveis dos povos inferiores que acreditavam habitar alhures. A verdade para o individuo era saber morrer para esse eu de ilusão, eco profundo dos ensinamentos búdicos desviado, distorcido, alterado pelos interesses dos poderosos que exigiam de seu povo o sacrifício supremo da imolação ao deus canibal da guerra. Oposto ao espírito do Buda, esta utopia unanimista servia para negar os conflitos internos que dilaceravam uma sociedade e justificar o expansionismo que subjugava as nações vizinhas, resultado do militarismo exacerbado ao máximo. Em 1940 os partidos políticos foram dissolvidos pelos autoritarismo e foi criado em seu lugar uma “Associação Nacional para o Serviço do Império” (Taisei yokusankai) onde as divisões foram camufladas em doces discursos. Os súditos do imperador foram exortados a se anularem unindo-se a uma alma coletiva. A dissolução do eu induzida pelo programa ideológico da classe dominante como ferramenta de dominação impõe uma totalidade sem contradições e sempre serviu em todos os tempos para mover as massas em um determinado sentido. Mas o Japão não era exceção. Multidões hipnotizadas nos quatro cantos da terra escutavam os discursos magnéticos desses líderes nacionalistas que brotaram numa mesma época, colheita farta, verdadeira maldição mortal que prosperou nas nações mais civilizadas e deixou uma herança de morte e destruição de milhões.
O príncipe Konoe, jovem e brilhante representante da nobreza, rodeado de nacionais socialistas, estava inebriado pelas primeiras vitórias que pareciam anunciar um resultado positivo afinal. O supremo sacrifício estava sendo preparado pelos generais que viam no ato da confrontação a possibilidade de garantir um futuro de prosperidade ao país e só uma ação audaciosa poderia elevar a nação ao seu destino merecido de império milenar. Pearl Harbor representava este ato insano de ousadia que só os jogadores acostumados com a sorte e o azar podem apostar. O general Tojo, o homem da guerra, se considerava herdeiro de Yamagata, o grande fundador do exército japonês. Mas os princípios que haviam dado renome ao estadista escapavam-lhe: o aventureirismo deve servir e não pode nada decidir – toda a audácia na tática, toda a prudência na estratégia. Neste ponto de reflexão também a tradição foi esquecida, pior ainda, não foi reconhecida. O almirante Yamamoto, enquanto elaborava os planos para atacar Pearl Harbor, durante o verão de 1941, já sabia que a frota não agüentaria mais de um ano em combate. Mas naqueles tempos tinha se tornado doutrina entre os militaristas que a vontade é a única medida da força e obedecer a verdade era injuriar a vontade. Concluía-se assim que era importante atacar sem demora, para intimidar o adversário. Um país com recursos escassos como o Japão, para continuar a guerra necessitava ampliar a guerra, para terminar a conquista da China, necessitava conquistar o sul da Ásia e garantir assim o fornecimento do petróleo. A expansão sempre é seguida pela retração ensinam as mais antigas doutrinas.
Até 1931, a expansão do Império tinha sido lenta, prudente, regular. Depois impulsionada por dez anos de vitórias assumiu um crescimento temerário. Subitamente, foi a explosão em alguns meses, até os confins da Austrália e da Índia. Mas em junho de 1942 começa a derrocada com a batalha perdida de Midway. E o refluxo confirmou-se nos primeiros dias de 1943, em Guadalcanal, depois de ilha em ilha foram minguando os recursos e os contingentes de veteranos até a batalha de Okinawa em abril, maio, junho de 1945. As baixas cresciam, mas eram poucos os que se rendiam. Vencer ou morrer era a divisa levada a sério pelos soldados japoneses. Quando uma posição tornava-se insustentável a carga derradeira contra os lança-chamas e metralhadoras do inimigo aos gritos de banzai, acabava o combate. Os feridos arrancavam o pino de uma granada ou pediam a morte ao melhor amigo. Os oficiais que carregavam o sabre, instrumento da tradição do comando, anacrônico numa guerra na era da pólvora, utilizavam seus préstimos para não sofrer a desonra de cair em mãos do inimigo seguindo o velho ritual da morte voluntária. Os inimigos viam com horror e até certa repugnância o ato acusando o fanatismo desse estranho povo oriental. Não esperavam com isso vencer moralmente nem muito menos convencer os adversários, tinham plena consciência de seguir a antiga tradição do suicídio de derrota.
Aos milhares, os civis também jogaram-se para a morte, por fatalismo e por temor pela derrocada que se aproximava quando teriam que enfrentar uma nova realidade incerta e ficar nas mãos do vencedor vingativo. Em julho de 1944, a pequena ilha de Saipan sofreu o assédio do inimigo e acabou por sucumbir ao fogo intenso das forças americanas. O almirante Nagumo, que tão bem tinha organizado e executado o golpe de Pearl Harbor, preferiu o seppuku, e o velho general Saito matou-se diante de seus oficiais, após ter ordenado o ultimo assalto das forças remanescentes. A população civil japonesa estava refugiada nas grutas que dominavam o mar. Muitos foram os pais e mães que se precipitaram com os filhos no colo dessas falésias. Em Tóquio a imprensa controlada aproveitou para ampliar os acontecimentos, em celebrar o sacrifício dessas vítimas, como exemplos de patriotismo. De batalha em batalha, de uma ilha para outra em Okinawa os obstinados defensores já não tem nenhuma esperança de mudar o curso da guerra, a 22 de junho de 1945 os generais Ushijima e Cho realizam um duplo ritual de seppuku, doze mil americanos e cento e trinta mil japoneses jaziam no campo de batalha. Com a guerra se aproximando do solo nacional, a resistência se tornava mais áspera, mais sangrenta. O general Tojo não estava mais no poder desde a queda de Saipan e o cerco se fechava sobre o país. Mas como parar o sangrento sacrifício? O grande deus canibal da guerra cada vez exigia mais vítimas. Quanto mais mortos mais os sobreviventes se apressavam em seguir o mesmo caminho, envergonhados pela própria existência. Em 1869, o imperador Meiji tinha fundado em Tókio, sua nova capital, um templo dedicado ao repouso das almas dos guerreiros que morriam em combate, Yasukuni jinja, o Santuário da Nação em Paz. “Nós nos encontraremos em Yasukuni”, diziam os soldados antes do ataque. Um armistício nesta altura da guerra parecia uma afronta contra tantas vidas já sacrificadas. O argumento dos mortos servia como motivo para não parar o combate que alimentava o ciclo vicioso de cada vez mais vítimas. A guerra virou um fim em si. Reinava a penúria, a fome já ameaçava as populações e os bombardeios aéreos não davam trégua. Bombas incendiárias caíam nos centros urbanos fazendo vitimas entre os civis. Mas por toda a parte só se clamava para multiplicar os sacrifícios, a inércia do deus devorador de vidas não concebia outra saída.
Após os militaristas terem dissipado toda a resistência interna contra seus atos belicosos, assassinado uns, intimidando outros, sabotando toda a diplomacia e partido para uma guerra de agressão, como suportar a vergonha de uma capitulação perante os olhares da nação ferida e seu imóvel rei deus? Na guerra do Pacifico o exército tinha apostado todas as fichas, a derrota representava sua morte e de seu modo de vida, o fim do sonho antropofágico arrojado pelos ancestrais ao destino nacional de dominação de  outros povos para eles sempre inferiores. Enquanto isso no front europeu, outra nação tentava afirmar seus valores de superioridade racial, levando multidões ao sacrifício baseados no sofisma de que ao vencedor tudo é permitido e que só a derrota é a culpa cabal no tribunal da história, idéia que sempre é perseguida pelos sistemas imperialistas de todos os tempos. A tradição militar japonesa sugeria a saída para a contradição da derrota: morrendo fica-se invencível. Cada combatente tinha essa alternativa em mãos, no século das ideologias que consagraram o espírito de liberdade, a morte voluntária era a suprema libertação ao jugo do vencedor vingativo. Tinham os japoneses, plena consciência que depois de tudo feito não podiam esperar maior complacência do vitorioso.
Enquanto nos EUA a casta de cientistas, muitos deles fugidos do nazismo na Alemanha, trabalhava incansavelmente em armamentos de destruição de massa, no projeto Manhattan, e na Alemanha seus cientistas criavam e lançavam suas V1 e V2, os japoneses se gabavam de possuir a arma absoluta, terror do inimigo, segredo espiritual da raça nipônica. Esta receita de invencibilidade, que não requeria novas descobertas científicas, se prendia ao arquétipo de criação da nacionalidade, os antigos costumes de sacrifício tribal oriundos de um passado antropofágico, tradição longínqua, identidade da nação que pela profunda falta de recursos tornou-se rica de abnegação dos seus jovens mais promissores. Para vencer era requerido deles a força de vontade suprema ao ponto de querer vencer até a morte. Bastava organizar a vontade do ponto de vista estratégico para fazer bom uso do sacrifício consentido. Quando os americanos desembarcaram em Saipan, alguns pilotos, conscientes do estado precário das forças japonesas, e da iminência do bombardeamento do solo pátrio tomaram a extrema decisão de se jogarem com seus aviões sobre os navios inimigos: a 20 de junho de 1944, uma esquadrilha decolou da base de IwoJima. A maior parte das aeronaves foi abatida, nenhum alvo foi atingido, de dezessete pilotos, cinco se perderam e acabaram por voltar à base, estavam decididos a tentar a sorte do ataque mais uma segunda vez. A idéia foi bem vinda pelo comando, não era a primeira vez que um projeto de uma ação suicida era concebido. Jibaku eram denominados esses suicídios ofensivos por auto-explosão e todos conheciam os três heróis que, a 20 de fevereiro de 1932, durante os combates de Xangai, tinham rompido as defesas inimigas, munidos com longos bambus carregados de TNT, abrindo uma brecha nas cercas de arame farpado chinesas. Mas com a antevisão da derrota, as façanhas perderam o sentido de improvisação, já não traduziam à emoção de um momento, para se tornarem estratégias sistemáticas, maciças, regulares de quem pretende uma defesa desesperada.

A 19 de Outubro de 1944, o vice-almirante Onishi, comandante das forças aeronavais das Filipinas, na base de Mabalacat dirigiu-se aos seus subordinados e comunicou suas conclusões aos pilotos reunidos. Os americanos tinham acabado de realizar seu desembarque, ia travar-se uma batalha naval decisiva, mas havia a possibilidade de grandes danos ao inimigo se caças do tipo Zero, carregados com uma única bomba de duzentos e cinqüenta quilos, fossem explodir contra os porta-aviões inimigos. Solicitou o comandante, voluntários para a missão, entre seus comandados. Não havia a mínima chance de sobreviver a ação, diferente de outras missões onde uma ínfima possibilidade de retorno ainda é possível, segurança ilusória que em condições normais dá forças aos soldados. Nem a decisão foi tomada no calor da batalha, quando exemplos de heroísmo ocorrem em meio ao fragor dos canhões e um herói sucumbe para destruir um alvo e preservar seus companheiros da morte.
Os pilotos de Mabalacat silenciosos ouviram as palavras de Onishi, pesaram os argumentos, depois deram seu assentimento unânime. A 20 de outubro de 1944, três dias após o desembarque norte americano nas Filipinas, três dias antes da terrível batalha naval de Leyte, “Unidades especiais de ataque por choque corporal”, Taiatari tokubetsu kogekitai, abreviado Tokkotai, foram criadas, a principio quatro esquadrilhas. Na manhã de 25 de outubro, uma primeira vitória, dos cinco aparelhos da esquadrilha Shikishima, quatro conseguiram atingir o alvo e o porta-aviões Saint-lo foi afundado. Quando foi informado do acontecido o imperador formulou uma aprovação reservada, ambígua: “Seria indispensável chegar até aí? Enfim, é uma bela ação”. Seriam chamados shimpu, ou kamikaze, o vento dos deuses, como o tufão que se abateu sobre a frota mongol em 1281, salvando o Japão da invasão. Os mais graduados não tinham ilusões, mas era a ultima esperança de um país em vias de sofrer uma invasão e evitava demonstrar imobilidade ante a opinião do povo já no limite da resistência.


O voluntarismo foi expressivo, havia listas de espera. Essa idéia repercutiu como uma solução inaudita entre os militares e civis. Não era o clímax espiritual de uma iniciativa de sacrifício do individual em função do coletivo? Em vez de fanatismo a vontade de vencer ocupava o imaginário desses voluntários, uma correlação de forças que tinham condições de estabelecer com o inimigo que dispunha recursos ilimitáveis, mas não tinham a disposição o moral para o sacrifício supremo. Os pilotos sabiam que mais cedo ou mais tarde seriam abatidos pelos inimigos que possuíam melhores aeronaves e profusão de equipamento, então mais valia escolher uma morte mais rápida porém mais eficaz em termos de danos contra a frota do invasor. Esses homens não se prometiam nenhuma recompensa, nenhum paraíso, logo não se prometiam nem mesmo a vitória. Nada iludia para eles o fio da morte. A tradição marcial do Japão sempre tratou com desprezo as ilusões, diferente de outros sistemas de crença existentes. Assim o coração desses combatentes se forjava pela simples necessidade.

Sobre tais princípios foram convocados os candidatos ao sacrifício. A batalha das Filipinas estava perdida, mas a instituição da morte voluntária tinha se tornado regular. A exemplo das forças aeronavais, o exército do ar organizou suas unidades especiais. Só eram escolhidos indivíduos da elite no começo, dissuadindo-se todos aqueles que não eram excelentes pilotos. O principio do voluntariado sempre foi respeitado. O comandante de uma base aérea reunia uns trinta alunos oficiais, discursava sobre a angústia da nação ameaçada, a necessidade do sacrifício, e dava um prazo até a noite seguinte para receber a resposta de um por um. Raros eram os que declinavam da honra recebida. O companheirismo criado no treinamento motivava a aceitação de um destino comum forjado na caserna. Como os antigos guerreiros hoplitas cada um servia ao lado do companheiro de armas e adquiria o fatalismo necessário de uma sorte comum. O sentimento de solidariedade e de emulação, tão forte aos vinte anos, reunia a vontade de todos num mesmo impulso. Iam então todos para o escritório do comandante, recebiam as felicitações, assinavam um engajamento e o treinamento começava, na medida em que os escassos recursos permitiam, pois o estrangulamento das capacidades militares japonesas já era visível, até mesmo o combustível de aviação sofria racionamento. Tudo faltava menos vidas humanas. Tinham cadastrados duas vezes mais voluntários que aviões disponíveis. Os pilotos de carreira, cada vez mais raros, eram reservados para as missões de cobertura, para os combates aéreos onde poderiam usar sua destreza, e os novatos para o mergulho em direção ao alvo. As recomendações eram para manterem a calma e sentirem-se responsáveis pelo uso eficaz do precioso avião que lhes foi confiado. Era preciso escolher a presa, e voar rente às ondas, ou se precipitar a pique sobre a embarcação, esquivando-se do fogo inimigo. Manter a mente desperta, o coração calmo, os olhos bem abertos, para atingir com eficiência o objetivo. Era preciso resistir à pressa, à ansiedade, ao impulso, ao desencorajamento, enfim levar seu suicídio a bom termo, sem nenhuma comoção, e de incorporar, morrendo, o autodomínio de um arqueiro zen à perfeição.

Estes jovens de vinte anos viram-se então diante da morte com algumas semanas, alguns meses de antecipação e preparo. Sua escolha lhes obrigavam a manter à altura do compromisso supremo. A maioria dos candidatos vinha das universidades, das disciplinas jurídicas e literárias, pois se consideravam os cientistas primordiais para o futuro do país para serem desperdiçados assim. Muitos de seus camaradas tinham já desaparecido. Uma noite recebiam a notícia de que no dia seguinte seria a ultima manhã das suas vidas. Escreviam suas ultimas cartas, um ou dois poemas, e dormiam sabe-se lá como. Ao nascer do sol, aprontava-se uma mesa em pleno campo de aterrissagem, a esquadrilha se reunia junto com o comandante da base para uma ultima taça de saque enquanto era retirada as camuflagens de galhos e folhas que cobriam as aeronaves. As fotos e filmes registraram seus rostos sorridentes nas cabines dos aviões, agitando uma saudação com a mão, com a testa cingida por uma faixa branca de algodão impresso um sol vermelho ao centro. Não pareciam estar seguindo para a morte certa. Nem eram as doutrinas nacionalistas que nessa altura da guerra motivavam seus atos, mas sim uma certeza da agonia de sua pátria que lhes davam forças para prosseguir. Após romperem as amarras da vida estavam livres para cumprir seu destino. Suas dúvidas estavam resumidas na capacidade de atingir com sucesso objetivo. Fechariam os olhos no momento do impacto? Teriam o sangue frio necessário para atingir seu alvo?


Suas ações foram temíveis. O inimigo num primeiro momento não sabia como reagir, o navio visado deveria tentar uma rota em ziguezague ou ajustar o alvo com os canhões antiaéreos? Com o tempo aprenderam a se defender, o efeito surpresa foi desgastado e as perdas de navios foram aos poucos minimizadas. Os tokkotai atingiam o alvo em menos de um caso por oito, não eram a arma cem por cento eficaz, mas seu baixo custo justificava pelos resultados, seu rendimento era superior que outros métodos ordinários em termos de estratégia de ataque. A batalha de Okinawa foi a mais encarniçada, estava em jogo o orgulho de uma nação já quase derrotada, trezentos navios foram atingidos, trinta e quatro afundaram. Não era mais o bastante para salvar o Império. Os pilotos experientes já na sua maioria tinham desaparecido. A instrução ficou ainda mais prejudicada pela falta de combustível de aviação. Usavam-se antigos aviões que não podiam sustentar um combate aéreo. A cota de combustível não compreendia a volta. Inventou-se um torpedo voador, de fabricação sumária, largado do avião como um planador, o piloto do engenho ia sentado sobre uma tonelada de explosivos, acendia três foguetes que o propulsavam em velocidade sobre o alvo escolhido. Essas unidades de elite foram batizadas solenemente de Jinrai oka, Flores de Cerejeira do Trovão dos Deuses.  Em 21 de março de 1945 tentou-se utilizar a nova estratégia, mas nessa altura do conflito, o domínio aéreo dos norte americano era esmagador, os bombardeiros portáteis foram interceptados, abatidos. Durante outro ataque, a 12 de Abril, conseguiram afundar apenas um contratorpedeiro. Seus esforços minguavam mas não a criatividade dos inventores que focou-se na questão dos batalhões suicidas: botes leves carregados de explosivos, homens-rã, submarinos-torpedos. Nos testes nenhum deles demonstrou-se eficiente. Ritualmente, até o fim, cinco mil pilotos kamikazes na idade de uns vinte anos se sacrificaram em alguns meses. Ninguém mais imaginava deter o desembarque do inimigo, mas era necessário que o sacrifício persistisse para honrar a glória do Grande Japão agora em mortal agonia. O grande deus canibal incorporado na imagem do sol nascente, da mesma forma, como entre os Astecas exigia o sacrifício mortal dos guerreiros. O endocanibalismo ritualizado nessa forma de combate desesperado iria afirmar a vocação nipônica com esse sacrifício extremo. Como na lenda de Teseu e o Minotauro o Japão entregava seus jovens em holocausto ao inimigo. Eficazes ou não, dizia o almirante Onishi, esses ataques dão ao mundo e a nós mesmos o espetáculo do heroísmo e do orgulho, garantem, aconteça o que acontecer, a sobrevivência de nosso patrimônio espiritual. Assim como entre os ameríndios ocorria, o sacrifício do guerreiro é um fim em si, é vazio e vão, mas repercute no distante passado da humanidade, nesse processo sem sentido aparente que é a guerra dos homens e retorna à sua trilha primordial, sua verdadeira dimensão de evidente ritual antropofágico. As máscaras orgulhosas das marchas e ufanismos nesse caso caíram e despojaram o feio monstro da guerra de seus disfarces, discursos e flâmulas ondulantes. 


A última semana do Grande Japão começou com dois golpes terríveis: Hiroshima a 06 de Agosto e Nagasaki a 09 de Agosto. Para causar o efeito desejado perante o mundo , os Estados Unidos da América atacou seu inimigo com um novo armamento principalmente visando barrar as ambições expansionistas de Stálin. Essa terrível hecatombe no seu sentido mais amplo  iria mudar para sempre o equilíbrio das forças no mundo todo e inaugurar um novo termo estratégico: “o terror atômico". Com seu ataque mortal contra alvos civis os EUA se tornaram o único país do mundo que utilizou tais armas de forma ofensiva contra pessoas desarmadas. O imperador Hiroíto, até então uma figura simbólica do poder no Japão tomou o rumo da situação e de forma inesperada para sua função intercedeu junto aos principais comandantes e usando de seu mandato divino  pela primeira vez na história do Japão permitiu seus súditos escutarem a voz do mandatário através de uma transmissão radiofônica. Falou ao povo sobre a derrota iminente em um discurso memorável. Os novos ventos da Era Atômica sopravam sobre a humanidade. 

Bibliografia: Texto extraído e adaptado 
1) "A Morte Voluntária no Japão" - Maurice Pinguet - 1987 

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

SS - A Solução Final



“Quando comparo a sociedade alemã com as matilhas de lobos e os sentimentos, desejos e impulsos do individuo alemão com os do lobo ou cão, não o faço com a intenção de usar uma analogia vaga, mas sim para chamar a atenção sobre uma identidade real e notável... a necessidade psíquica que faz bravo o lobo em um ataque em massa é igual a que faz bravo o alemão em um ataque em massa; a necessidade psíquica que faz um cão submeter-se ao látego de seu dono beneficiando-se com isso, faz o soldado alemão submeter-se ao látego de seus oficiais, beneficiando-se com isso”.  (Trotter, 1916 – PP 191-2, 203)


A afirmação da Reforma na Alemanha no séc. XVI com a institucionalização da fé protestante e o estabelecimento de uma rígida doutrina, constituiu uma Igreja Oficial, do Estado, baseada na fórmula “cuius régio, eius religio”, isto é, “a quem governa o país cabe impor a religião”, princípio que obriga todos os súditos a seguir o culto. Lutero argumentava que a fé diz respeito a vida interior, e que em relação às autoridades constituídas o homem deve obediência e submissão.

Nota-se que no final do século XVIII e início do século XIX, a terminologia "Kultur "aparece pela primeira vez na Alemanha, a qual não se encontrava ainda unificada e buscava a formação de um Estado-nação. Era nítida a necessidade de um resgate de sua identidade nacionalista, o que distinguiu sensivelmente o sentido semântico da palavra na antítese cultura/civilização presente na França. Já em em 1774 na Alemanha, indo em sentido contrário aos princípios universalistas do iluminismo francês, surge Herder que defende a particularidade de cada cultura nacional. A consciência alemã passa a adquirir uma visão de superioridade, ligando cada vez mais a cultura ao nacionalismo, traduzida numa civilização que enfoca os progressos materiais, ligados ao desenvolvimento econômico e técnico.

O conceito de “Kultur” cunhado pelos alemães em busca de sua identidade nacional, a partir dos ideais filosóficos de Kant, endeusados por Nietszche, cantados por Wagner e codificados nos poemas de Goethe, em particular no seu Fausto, culminou no séc XX num frenesi de busca de raízes primevas oriundas da mais baixa concepção ideológica de uma classe burguesa permissiva e burocrática associada a uma nobreza decadente que sublimou suas frustrações na exaltação de mitos guerreiros ancestrais e resultaram na carnificina e no canibalismo ritual da “solução final” com a total complacência do mundo moderno.

Pouco antes da eclosão da II Guerra Mundial, Carl Jung ficou fascinado com o súbito aparecimento de material arquetípico relacionado aos mitos teutões entre os nazistas, que notou possuir uma associação direta no inconsciente coletivo do povo alemão. Acreditava o sábio que o movimento nazista recorria aos atributos de Wotan, o deus teutônico da tempestade e da cólera. Citando o fenômeno “a volta dos reprimidos”, típico de pacientes psicóticos, teorizou Jung que Wotan voltara através do inconsciente coletivo dos nazistas porque eles haviam reprimido a própria espiritualidade pelo puritanismo imposto até então. Um compromisso transpessoal com a morte e a destruição substituiu a imagem de Deus no inconsciente alemão. Jung acreditava que a imagem de Deus era o único Outro Transpessoal psicologicamente adequado. Os nazistas sofreram a tendência da mitologização do seu ideal pangermânico e fizeram milhões de pessoas sofrerem com eles. O Estado nazista impôs sua ideologia da mesma forma que antes na Alemanha se impunha o culto puritano.

A burguesia ascendente alemã, em larga medida puritana, via com desgosto os maneirismos de sua corte que buscava assemelhar-se aos nobres franceses da época. Buscavam no seu passado guerreiro pagão e nos valores e tradições uma identidade de sua cultura que nos séculos subsequentes iriam transformar em ideologia e motivar suas ações militaristas e expansionistas.

As guerras franco-prussianas na época de Napoleão e depois contra seus sucessores  no séc.  XIX determinaram um primeiro experimento do militarismo alemão em tentar instaurar um império continental, aspiração que foi atingir seu auge beligerante ainda enquanto monarquia  nos primórdios do séc. XX na I Guerra Mundial (1914-1918). As lutas nas trincheiras em grande medida estavam influenciadas pelas idéias estratégicas do séc. XVIII, quando contingentes de infantaria e artilharia se defrontavam numa batalha decisiva para definir que exército sairia vitorioso do confronto, dentro dos exemplos táticos consagrados pelos especialistas e baseados na tradição milenar de choque frontal dos europeus, numa batalha onde as normas estavam estabelecidas de antemão entre os beligerantes pela tradição marcial. Ao invés de definir o vitorioso, a guerra de trincheiras, com avanços tecnológicos evidentes que iriam revolucionar a arte da matança nos anos vindouros, prolongou o impasse estratégico e instaurou a carnificina pelo seu alto poder de fogo, sem ficar claro quem havia de fato conseguido atingir o objetivo final da vitória.

O patriotismo alemão superexcitado pela guerra de 1870, lançou o anátema sobre a "raça semítica", julgada inferior à "raça germânica", como se a palavra "raça", aplicada a sub-variedades da raça branca, pudesse ser defensável do ponto de vista científico. Este novo alento do anti-semitismo na Europa, que, fazia pouco tempo, havia emancipado os judeus, coberto com a máscara patriótica, foi primeiramente propagado em Berlim, com a conivência de Bismarck, pelo pastor da corte Stoecker (1878); em Viena encontrou um representante enérgico em Lueger, morto em 1910, que se proclamava um socialista cristão que pretendia defender a classe dos pequenos comerciantes e trabalhadores contra a usura judaica. Da Alemanha o movimento difundiu-se para a França (até o ano de 1885), de onde, com o incentivo  dos jesuítas e assuncionistas, triunfou sobre toda esperança de igualdade pelo espaço de dez anos. Na Argélia, onde a população local judaica havia recebido cidadania francesa em profusão pelo então ministro judeu Crémieux ( novembro de 1870) por um projeto executado ainda no tempo do império, ocorreram perseguições anti judaicas, foram saqueadas lojas, mulheres foram agredidas e até assassinatos ocorreram. Na França, o caso Dreyfus que tinha servido de propaganda do partido  nacionalista anti-semita, abriram os olhos finalmente dos republicanos sobre o verdadeiro objetivo da questão, a tolerância, uma das principais bandeiras da revolução, se cingindo o antisemitismo como uma idéia nefasta contra a mesma. Mesmo com a reabilitação do capitão Dreyfus (1906), a campanha deflagrada pelos detratores dos judeus surtiu o efeito desejado, a ponto de nessa época um judeu para alcançar qualquer posição dentro da sociedade européia necessitasse muito mais talento e esforço que os demais cidadãos de outras religiôes, como testemunhou Salomon Reinach em sua obra: "História Geral das Religiões" (1910).


O militarismo e o sentimento de superioridade estava profundamente enraizados no pensamento alemão. Treitschke e Nietzsche, os mais importantes filósofos do pensamento intelectual germânico do séc. XIX endossaram em suas teorias, tudo o que o credo nazista pregava e que seria largamente utilizadas como doutrina pelas tropas de assalto de Hitler, na corporificação do "super homem", que ambos haviam dado uma existência literária. "A guerra não só é uma necessidade prática como também uma necessidade teórica, uma exigência lógica - escreveu Treitschke. O conceito do estado subentende o conceito de guerra, pois a essência do estado é o poder. Que a guerra deve ser banida no mundo é uma esperança não só absurda, como profundamente imoral. Isto implicaria na atrofia de muitas das formas essenciais e sublimes da alma humana. Um povo que se apegou à quimérica esperança da paz eterna acaba irremediavelmente em decadência no seu orgulhoso isolamento". Nietzsche mostrou sua aprovação a tais idéias numa exortação ainda mais direta: "Amareis a paz como um meio para uma nova guerra, e amareis mais a paz breve do que a prolongada. Aconselho-vos, não a trabalhar mas a lutar. Aconselho-vos, não a paz, mas a vitória. Dizeis que a boa causa santifica até mesmo a guerra? Eu vos digo: é a boa guerra que santifica toda a causa. A guerra e a coragem tem realizado mais que a caridade". Sua filosofia se assemelhava ao dos guerreiros das estepes de Gengis Khan que empilhavam crânios à passagem de suas hordas sem piedade. "Os homens fortes, os Senhores, recuperam a consciência pura de um animal de rapina; monstros repletos de alegria podem voltar de uma terrível sucessão de assassínios, incêndios premeditados, estupros e tortura, com a mesma alegria no coração, com o mesmo contentamento na alma, como se tivessem participado de uma algazarra estudantil. Quando um homem é capaz de comandar, quando é por natureza um "Senhor", quando é violento nos atos e gestos, que importância tem os tratados para ele? Para julgar adequadamente a moralidade, ela deve ser substituída por dois conceitos tomados da zoologia: a domação de um animal e a procriação de uma espécie". Assim pregava o ideologista travestido de filósofo. Essa é a essência do pensamento ariano primordial tão bem traduzida pelos seus emuladores doentios que é sufocada e reprimida, mas de tempos em tempos, sempre ressurge com outras vestimentas. Segundo os filósofos oficiais do regime o termo "cultura" volta outra vez ao seu contexto agrário primordial de "criação animal", para designar os anseios de pequena parcela da humanidade que se pretendiam eleitos ao panteão divino pelos próprios falsos conceitos de superioridade racial.            


Foi só na II Guerra Mundial que os alemães “inovaram” suas estratégias de combate causando uma surpresa mortal aos demais exércitos do continente pelas táticas de guerra adotadas, copiadas dos antigos guerreiros nômades das estepes, com seus movimentos repentinos, avanços e recuos premeditados, alta mobilidade das tropas apoiadas por brigadas de blindados que substituíram a cavalaria montada e apoio aéreo de artilharia coordenados que tornavam suas ofensivas altamente eficientes e destrutivas. Uma velha estratégia dos guerreiros citas e mongóis com novas roupagens, o conceito de guerra total recriado, seria utilizado com sucesso pelos alemães, que subjugaram os maiores exércitos europeus então existentes, e após a surpresa inicial os países vencidos tiveram que também copiar essas táticas para poder fazer frente à máquina de guerra nazista. Estava criada a “Guerra Relâmpago”, a Blitzgrieg alemã. Como mandava a antiga tradição indo ariana a guerra total assumia sua verdadeira identidade de etnocídio e antropofagia que vivia antes disfarçada nos mandamentos das antigas táticas de guerra estratificadas pelos impérios europeus já decadentes.


Os alemães como os japoneses sempre tiveram em mente criar um grande projeto nacional de dominação dos outros povos para garantir o fornecimento ininterrupto das matérias primas e assim manter a expansão da exploração dos recursos naturais que suas nações empobrecidas careciam para manter seus parques industriais em funcionamento e suas classes trabalhadoras disciplinadas e ocupadas. Saindo de uma profunda crise econômica após a I Guerra, a Alemanha encontrou no nacional socialismo e na questão da identidade racial uma força motora para empreender o assalto da Europa. Seus lideres nacionais foram selecionados pela classe dominante, que detinha o dinheiro e poder, e esta elite nacional os elevaram até os picos mais altos do poder e da glória, perdendo o controle o criador da criatura.


O fator determinante que originou a tempestade que se abateu sobre o mundo e cobrou um holocausto sangrento, muito maior que a morte dos seis milhões de judeus nos campos de extermínio, teve início nas famosas cervejarias da Baviera onde homens desencantados com os caminhos que seu país adotara após a I Guerra Mundial, sonhavam ainda com o desfile das armas e com o renascimento dos valores guerreiros dos povos teutões dos quais acreditavam descender.
Para atingir seus objetivos esses políticos saídos das tabernas necessitavam criar grupos paramilitares em que pudessem confiar. Em novembro de 1923, ano em que os nazistas causaram sua primeira aparição, nessa época a “Stosstrupp Hilter” possuía cinqüenta membros, e integrava uma subunidade especial das Sturmabteilungen (SA – tropas de assalto), um exército particular de dois mil indivíduos que Röhm, um ex-militar convocara para assegurar a tomada de poder do partido nazista.

O abortado “putsch” da cervejaria em Munique no dia 9 de Novembro de 1923 custou doze perdas fatais às Stosstrupp, e a prisão de seu líder, Hitler, durante certo tempo. Libertado em dezembro de 1924, Hitler reestruturou o partido e em abril do mesmo ano fundou uma nova “guarda de elite” logo rebatizada de Schutzstaffeln, ou como passou a ser mais conhecida como SS. Himmler, que desde sempre trabalhara para o partido, entre outras coisas como inspetor dos arsenais secretos, logo ingressou nas SS e recebeu o número de inscrição 168. De empasteladores de jornais que lhes faziam oposição, passaram a vendedores de anúncios e assinaturas do principal órgão oficial de divulgação do Partido ( Der Völkische Beobachter ).

Em janeiro de 1929, quando Himmler seu fiel colaborador tinha vinte e nove anos, Hitler nomeou-o como Reichsführer SS. O novo e grandioso cargo de comando escondia o fato de que o quartel da SS em Munique controlava apenas trezentos homens, enquanto em Berlim existia outro comando SS ligado diretamente a Goebbels, e continuava sendo as SS uma subunidade das muito maiores SA de Röhm.

Apesar disso, estas unidades compunham uma elite, com seus distintos uniformes pretos tinham primazia sobre os camisas-parda de Röhm, e como uma guarda pretoriana só admitia a filiação de pessoas selecionadas. No jargão nazista “selecionado” representava alguém escolhido a dedo pelos altos valores políticos e pela “pureza racial” o dogma básico de seu credo discricionário. Não chegava a surpreender que seus alto-sacerdotes tivessem feito seu aprendizado criando animais de corte. Walther Darré, que pretendia transformar os agricultores alemães em “uma nova nobreza de sangue e terra”, fora criador de suínos. Himmler, seu mais profundo admirador e discípulo da idéia de superioridade racial, antes era criador de galinhas nos arredores de Munique até assumir seu comando nas SS.

Oriundo da pequena burguesia alemã, Himmler desde pequeno recebeu de seus pais uma educação conservadora como era de se esperar de um pai professor puritano e de uma mãe dona de casa. Aos vinte e quatro anos ainda era virgem e foi completar seus estudos no curso de agricultura de três anos na Universidade de Munique. No meio acadêmico ingressou numa associação de duelistas, onde praticava a esgrima e o tiro ao alvo junto com exercícios atléticos para o aperfeiçoamento físico, enquanto participava de serviços burocráticos para a comissão de estudantes e tomava lições de dança para exercitar o desembaraço social mantendo relações platônicas com o sexo oposto. Sua inadequação social e física nem mesmo no auge de sua carreira política seria vencida. Em 1928 casou-se com Margarete Concerzowo, sete anos mais velha do que ele e dona de uma pequena clínica em Berlim, onde residia já há um ano em função dos negócios do Partido. Sua formação de enfermeira levava-a a compartilhar os interesses de Heinrich pela homeopatia e cura por ervas. O casal se esforçava para manter sua pequena propriedade que havia comprado com recursos de Marga a dezesseis quilômetros de Munique onde criavam cinqüenta galinhas. Em 1929 nasceu Gudrun, sua primeira filha, condenando Marga a uma vida de viúva em sua fazenda, pois Himmler vivia cada vez mais ocupado pela política e pelos seus problemas emocionais.

No mesmo ano, na esteira da crise de Wall Street, enquanto o valor dos títulos despencava, as ações políticas dos nazistas subiam numa taxa ainda mais rápida que o crescente desemprego na Alemanha. Nas eleições de 1930 de doze deputados no Reichstag passou para cento e sete indivíduos a representação nazista.

Em 1931 a filiação na SS chegou em pouco tempo a casa dos cinco algarismos, ano em que a “Ordem da Caveira”, assim denominada pela insígnia que encimava seus quepes pontiagudos, assumiu sua verdadeira identidade ideológica racista. O ideólogo do sangue-e-terra, Darré, fundou o Departamento de Raça e Colonização das SS (Rasse-und Siedlungd-Hauptamt, o abreviadamente RUSHA), que aliava a promoção de casamentos eugênicos com pesquisas sobre antigas raças arianas e povos que poderiam ser germanizados no futuro.

Uma das primeiras medidas adotadas pelo Departamento de Raça e Colonização foi a criação do código de casamento das SS, segundo o qual a aprovação do matrimonio de um membro da organização era oficializada na prova de ascendência ariana da noiva, retroativa a 1750, análise sobre seu caráter, sanidade mental, saúde física e fecundidade comprovada. O RUSHA detinha um registro de linhagem de todos os membros da SS, e todos eles receberam um Sippenbuch (Livro do Clã), contendo o código matrimonial, no qual deveriam ser registrados os dados estatísticos da esposa e filhos.

Por volta de abril de 1932, os efetivos das SS chegam a trinta mil, enquanto os camisas-pardas chegavam a dez vezes mais. Os novos contingentes das SA permaneciam ociosos, a camaradagem, as refeições e uniformes gratuitos ocupavam as classes mais baixas da população pobre do interior e da cidade que engrossavam as suas fileiras em busca de uma nova ordem. Já as elitistas SS abrigavam profissionais liberais, professores universitários, ex-oficiais do exército e até mesmo membros da nobreza, como o Príncipe Waldeck-Pyrmont e o Príncipe de Mencklenburg. 
    
Reafirmando o principio da seletividade racial como dogma do espírito das SS, Himmler ordenou, em princípios de 1934, que fossem excluídas cinqüenta mil uniformizadas “violetas de março”. Esta limpeza de suas fileiras constituiu um breve aperitivo em comparação ao rito canibal de purificação realizada pelas SS na sociedade alemã em geral e após 1939 na maior parte da Europa “civilizada”.


Duas novas palavras foram cunhadas pelos nazistas nesta época que seriam conhecidas no mundo todo e tinham o sentido da “purificação” que eles pretendiam. KZ (sigla de Konzen-trationslager, ou campo de concentração) e Gestapo (sigla de Geheime Staatspolizei, ou policia secreta estatal).
Quando tomaram o poder as prisões, maltratos e torturas passaram a ser a norma mortal do novo regime que firmava suas garras sobre a Alemanha. Milhares de opositores foram presos pela Gestapo e seus auxiliares que mantinham na policia, e as cadeias convencionais passaram a ser insuficientes para manter as multidões que foram então enviadas aos campos de concentração. Em 1933 sua organização era precária e a Gestapo ainda carecia da eficiência que teria anos mais tarde. Cada organização queria ter a prioridade de administrar tais campos gerando verdadeiros atritos entre as SA e SS. Campos clandestinos chamados “selvagens” eram comuns.

Em março de 1933, Himmler tornou-se Presidente da Policia de Munique, tendo Heydrich, um atlético ex-oficial expulso do exército alemão e seu fiel braço direito, como assistente. Em junho foi criado o campo de concentração de Dachau, que seria o modelo de todos os outros infernos criados pelos nazistas na terra.

A rotina do campo, a cargo de homens das SS e das SA, consistia num militarismo pervertido que obrigava os prisioneiros a uma sádica instrução marcial. Os detentos eram obrigados a responder à chamada, fazer continência, ficar em posição de sentido, acusar presença, marchar em acelerado e suportar as mais vis formas de insultos dos guardas e oficiais. Por infringir os regulamentos podiam sofrer, de acordo com o código disciplinar, as seguintes penalidades: trabalho forçado, ordem unida punitiva, chamadas prolongadas, confisco de correspondência, redução das rações, prisão em solitária, prisão no escuro, encarceramento em pé em cela, vinte cinco açoites nas nádegas (cobertas ou nuas), suspensão pelos punhos em um mastro, transferência para um batalhão de castigo, e morte por fuzilamento ou enforcamento.


Crianças nos KZ

Coube o primeiro comando de Dachau a Theodor Eicke, que Himmler tirara pouco antes de um asilo de loucos em Würzburg, onde tinha sido internado numa camisa-de-força pela justiça como uma ameaça pública. Ele realizou notável carreira nas SS, sendo promovido em pouco mais de um ano do comando do primeiro KZ do Terceiro Reich para o controle de todo o sistema de campos de concentração que, no outono de 1934, incluía oito grandes instituições.

Os guardas de Dachau procediam das camadas mais baixas da sociedade bávara, camponeses embrutecidos e atrasados que consideravam integrar as SS uma honra e uma forma conveniente de evitar um trabalho honesto. Doutrinados pelos oficiais em suas idéias raciais odiosas e na medieval tradição provinciana do interior da Alemanha, esses guardas nutriam ódio especial contra os intelectuais e os judeus. Prisioneiros que tinham diplomas universitários, ou usavam óculos despertavam reações brutais dos guardas e sofriam todas as perversidades imagináveis. Os guardas eram também mantidos em estado de fadiga e stress contínuo, o que os mantinha em constante estado de raiva. O condicionamento de banalização da violência imposto entre os guardas, integrantes das unidades da Caveira, consistia de três semanas de exercícios militares exaustivos com uma semana de guarda no campo, onde eram obrigados a presenciar os açoitamentos e enforcamentos junto com os prisioneiros.

Para a opinião pública alemã as SS utilizaram a estratégia da difusão de boatos. Embora todos conhecessem sua existência, os campos eram assunto tabu, cercados de sigilo e medo. Mas como o sigilo absoluto também não servia aos interesses da política repressiva do regime, permitiu-se que um número mínimo de informações sobre o que na verdade acontecia por trás das cercas eletrificadas, holofotes e torres com metralhadoras, vazasse para o mundo externo. Assim o termo oficial “morto ao tentar escapar”, que ocorriam nas páginas internas dos jornais e nos comunicados oficiais às famílias das vitimas camuflava os acontecimentos das mortes premeditadas pelos carrascos, virando logo um termo popular para designar de forma mortalmente cínica as execuções universalmente compreendidas por todos os alemães.

A diversidade entre os prisioneiros dos campos era incentivada por Himmler e Heydrich, pois a tática romana “Divide et Impera” utilizada mostrou-se eficiente para manter a sua organização interna.  Assim floresceu o “Estado escravo dentro do estado”. O organograma de poder dos KZ era dividido entre o poder disciplinar, repressivo, e o administrativo proveniente das SS, e assim era mantido o correto enquadramento dos internos e deportados proveniente da população de prisioneiros. No topo deste encontrava-se o Lagerälteste, o deão dos campos, escolhido pelas SS. Depois o Schreibstube, o secretariado, encarregado da administração interna do campo. No topo de cada bloco de habitação havia o Blockälteste, secundado pelo Stubendienste, serviço de caserna. Por fim vinham os Kapos, responsáveis perante o chefe SS de cada comando de trabalho. Antigos SA caídos em desgraça, criminosos de direito comum, ladrões, assassinos, proxenetas, prostitutas, delatores, homossexuais, testemunhas de jeová e por fim prisioneiros políticos, ciganos e judeus compunham essas populações ficando os últimos a mercê dos primeiros. Nos vários campos uma luta surda pelo poder opunha criminosos de direito comum (triângulo verde) e deportados políticos, especialmente comunistas e socialistas (triângulo vermelho), para a obtenção de tais postos de comando. A vitória dos últimos minimizava a violência em alguns graus contra as etnias perseguidas.

Este poder atingia um caráter tão absoluto de vida ou morte sobre os internos de cabeças raspadas e uniformes de zebra que o poeta socialista Erich Mühsam, por exemplo, obediente- mente enforcou-se ao expirar o prazo máximo de três dias que lhe impusera o comandante de Sachsenhausen.

O fundador da Gestapo no entanto não foi Himmler, mas Hermann Göring, que na qualidade de Primeiro-Ministro da Prússia “cedeu” esquadrões SA e SS à polícia prussiana durante o reinado de terror que se seguiu ao incêndio do Reichstag em 27 de fevereiro de 1933. Himmler e Heydrich fundiram todas as forças de polícia política em um só corpo assumindo controle total do instrumento repressivo em abril de 1934, tornando-o mais eficiente como é mister entre o povo germânico.

Após a liquidação das SA de Röhm pelas SS na “Noite dos Longos Punhais”, Himmler assumiu a direção de todo o aparelho de terror nazista. As SA formavam o pretenso “Exército Popular do Nazismo”, e seus oficiais imaginavam que sua força iria compor o novo exército alemão. Röhm imaginava absorver os cem mil efetivos do exército regular e criar uma nova força que estivesse livre das antigas tradições prussianas e da nobreza decadente. Seu excesso de ambição provocou a ira de seus companheiros de partido e o medo da burguesia dominante resultando na perseguição e fuzilamento de todos os seus lideres.

A “Noite dos Longos Punhais” completou a fase de crisálida das SS. Desse dia em diante, a personalidade coletiva da Ordem Negra permaneceu sempre a mesma a despeito da evolução de seus subgrupos e sua transformação em serviço de espionagem, policia política, sociedade de criação de gado humano, agência de trabalho escravo e corpo de janízaros. 
      
Os alemães, e depois de 1939, os não alemães que passaram pelos porões da Gestapo conheceram a tortura sob todas as formas: açoites com chicotes de couro de boi; afogamentos e ressuscitação alternados em banheiras cheias de água fria; choques elétricos com fios presos aos pés, mãos, ouvidos, pênis e ânus; esmagamento dos testículos numa prensa especial; enforcamento com os punhos algemados por trás das costas; queimaduras com fósforo ou ferro de soldar. Um requinte especial consistia em torturar uma mulher colocada ao alcance do ouvido do prisioneiro e em informá-lo que era sua esposa, o que, de acordo com as circunstancias poderia realmente ser.

A primeira divisão de exército que tornou-se finalmente as Waffen SS foi formada e aceita por um relutante Reichswehr, agora rebatizado de Wehrmacht, como parte da política de alistamento, que entrou em vigor em março de 1935. Este núcleo do futuro exército das SS ganhou seus centros de treinamento, na forma de escolas de preparação de oficiais situadas em Bad Tölz e Brunswick, criadas por Paul Hauser, um oficial aposentado do exército, como Tenente-General, a patente mais alta a usar o uniforme preto.


Em abril de 1935, Himmler e Heydrich incluíram um jornal como parte de suas aquisições para as SS, o Schwarze Korps (Guarda Preta) cujo estilo de magazine com figuras lascivas, pouco depois atraía grande massa de leitores. Sua linha editorial era de adulação ao Fuhrer e de insultos sistemáticos aos judeus, a base de informação do jornalismo nazista. O veículo incentivava também o crescimento populacional, desfechava ataques contra a riqueza e aos privilégios da minoria abastada e estabelecia diretrizes à “violência espontânea das massas”.

Com o objetivo de aumentar a taxa de nascimentos entre os arianos, o jornal exaltava a maternidade e incentivava o amor livre entre os iguais. Lançava campanha de serviços de fornecimento de fraldas e servia imagens sensuais sob a forma de fotografias de corpos bronzeados de sol entre ondulantes espigas de milho.

Atacavam a religião e a moral burguesa, contrárias à vida. Durante toda a campanha contra o catolicismo políticos dos Sociais Democratas, o Schwarze Korps publicava violentas denuncias de escândalos sexuais e financeiros nas instituições monásticas. Ao criticar empresários e empregadores sobre condições adversas de trabalho conseguiam vender o silencio do jornal e o financiamento dos seus anúncios através da chantagem implícita.

O jornal fornecia um serviço gratuito de denúncias às multidões de linchadores amadores. Divulgava os nomes de cidadãos e endereços e até mesmo fotografias, em todo o país, dos inculpados de não contribuir com alguma obra de socorro de inverno, ou de quebra do boicote às loja de judeus ou recusa de fazer a saudação hitlerista.

A eugenia entre os integrantes das SS era assunto tratado pessoalmente por Himmler que era fascinado pelo assunto e pretendia manter a “pureza racial” de seus comandados, mesmo com o aumento em dois anos do contingente de 52 mil para 165 mil dos efetivos. As fichas das noivas dos SS era escrupulosamente analisadas uma a uma pelo comandante nazista. A imensa preocupação do Reichsführer com o mito ariano levou-o a criar uma “Ahnenerbe” (Herança Ancestral), uma instituição encarregada de escavações arqueológicas para investigar os remanescentes do passado germânico. A instituição era chefiada por um professor de arqueologia, com a patente honorária de capitão das SS e recursos doados por um “Círculo de Amizade do Reichsführer SS” entre grandes empresas nacionais.  Até mesmo no Tibet foram enviados pesquisadores para encontrar o antigo elo indo-ariano dos povos germânicos.

Mantinha com seus comandados uma seita esotérica espiritualista que cultuava antigos personagens históricos germânicos, pelo menos um monarca que ele imaginava ser a sua reencarnação viva. Para equiparar-se aos antigos mandou reformar com grandes despesas o arruinado Castelo Wewelsburg, na Vesfália, e periodicamente realizava rituais com os doze mais graduados Obergruppenführer das SS em torno de uma mesa de carvalho assemelhada a famosa távola do rei Arthur em uma alta e abobadada sala de jantar. Por ordem de Himmler traziam um escudo de armas cada e durante sua estada ocupavam acomodações com mobiliário medieval dedicada a um herói alemão especifico. O sítio mais sagrado era um santuário subterrâneo. Uma peça quadrangular servia de base para cada urna de cremação dos Obergruppenführer formando um círculo em torno de um poço: por ocasião da morte de cada “cavaleiro”, seu brasão era queimado em cima de um pilar escavado na pedra, formando a fumaça, graças a um sistema de ventilação engenhoso, uma coluna vertical sobre o poço.

Rituais semelhantes eram incentivados e formavam a base da crença que se esperava fosse praticada pelos membros das SS. Seu sistema de crenças era baseado na adoração dos ancestrais e o culto à natureza, uma recriação dos antigos costumes teutões que atendia às necessidades espirituais da elite nazista. A característica mais destacada deste Novo Paganismo era a rejeição de todos os dogmas judaico-cristãos e negação dos princípios de bondade e humildade referidos pelo Cristo definidos como débeis pelos nazistas e típicos de povos escravos.

O mistério da ressurreição foi substituído pelas antigas cerimônias de solstício dos ancestrais no culto à eterna renovação da raça, ao mito do herói, e o Natal cristão foi suplantado pelo Natal teutônico do culto à árvore da vida e da floresta sagrada. Dizia um manual das SS: “No dia do solstício do inverno, o sol ergue-se de sua sepultura invernal. Este evento era celebrado como o maior dos festivais pelos nossos antepassados. Avançavam eles na noite conduzindo tochas para libertar o sol da servidão da morte invernosa e consideravam-no um jovem herói que vinha despertá-los e libertá-los do sono quase mortal...Na véspera do Natal, os principais ingredientes do cardápio noturno devem ser a carpa, o ganso assado e o javali – retirados respectivamente dos domínios da água, do ar e da terra. Ao fim da ceia, o pai usa o candelabro de Natal para acender as luzes da árvore, deixando apagadas três velas. Os demais membros da família e do clã são chamados. O pai acende as três velas restantes, dizendo: Esta vela queimará em memória de nossos ancestrais que estão hoje conosco. Esta vela queimará pelos meus falecidos camaradas durante a guerra e as épocas de luta, e esta queimará para recordar-nos de todos os nossos irmãos alemães, em todo o globo, que celebram hoje conosco o Natal!”

As festividades compreendiam o uso de utensílios de consagração ritual como pratos, coroas de flores e rodas. Os pratos de zinco, madeira ou pó de pedra tinham entalhados símbolos rúnicos em forma de árvore e eram utilizados para todas as finalidades, para colocar presentes no Natal, ovos coloridos na Páscoa, que correspondia ao equinócio da primavera, outra festividade pagã revitalizada, maçãs nas ações de graça durante a colheita e pão e sal nos casamentos. Coroas de ramos de figueira com guirlandas eram penduradas verticalmente como coroas do advento ou suspensas horizontalmente de mastros de madeira enfiados no cubo da roda de Natal (Simbolizando os seus seis raios simétricos a intersecção do horizonte com as diagonais formadas pelos pontos terminais da órbita solar nos solstícios de inverno e verão nas latitudes germânicas). 

Continuava o manual: “Após a troca de presentes, a família escuta a irradiação de Natal a cargo do substituto do Führer. Em seguida, tendo em vista que o Natal constitui o maior festival do clã está se tornando costumeiro rever velhas fotografias de família, recontar velhas histórias familiares e trocar idéias sobre o sucesso da pesquisa, sempre mais profunda, das genealogias familiares”.

O culto da morte também era prestigiado nos manuais das SS, mais uma vez olhando o passado pagão para ilustrar seus ritos de falecimento e pompas fúnebres, que graças a II Guerra tornaram-se corriqueiros entre os alemães:

“Da mesma forma que a ressurreição invernal é parte da vida, o mesmo acontece com a morte outonal. Nascer e morrer fazem parte da vida. Uma vez que toda a vida para nós é sagrada, nascimento e morte são também inevitáveis – e daí estarem incluídos os ritos fúnebres ao ciclo anual de nossos festivais...O transporte ao cemitério exige uma carreta plana, puxada a cavalo, que permite uma visão desimpedida do caixão, envolvido na bandeira das SS e encimado pela adaga e pelo quepe pontiagudo do falecido. (A carreta devia ser adornada com galhos de figueira e em hipótese alguma os cavalos deviam ser cobertos com mantas pretas) Após os discursos à beira da sepultura, o comandante da unidade do falecido troca a adaga depositada na parte superior do caixão pelo seu parente mais próximo – simbolizando isto a aceitação por este ultimo da obrigação do seu falecido camarada de esforçar-se e de lutar. Ao ver baixado o caixão à sepultura, os membros das SS presentes formavam um círculo em torno da sepultura e – em posição de sentido – entoam o Treuelied (Hino da Lealdade) das SS”.

Himmler se considerava uma reencarnação de um antigo rei ariano e suas hostes se assemelhavam a um Conselho de Sangue misturado com uma ordem monástica defensora da verdadeira fé. Suas idéias incluíam a formação dos jovens, preferencialmente com mais de dez anos de idade. Controlavam duas redes escolares de internos denominadas Instituições Nacionais Políticas Educacionais, para o treinamento de oficiais e funcionários do governo, e a Adolf Hitler Schulen, nas quais deviam ser educados a próxima geração de lideres do Partido e das SS, ambas entidades controladas parcialmente e totalmente pelas SS respectivamente.

A seleção de alunos ocorria aos dez anos de acordo com critérios de eugenia que incluíam exames médicos e aparência física para definir o tipo idealizado de ariano padrão. Eram excluídos os que não atendiam tais prerrogativas raciais, tais como os que usavam óculos, ou de aparência insuficientemente nórdica. Os pedidos de admissão eram feitos pela juventude hitlerista, independente do desejo dos pais, que analisava o “potencial de liderança” do futuro aluno em campos de seleção especiais que deviam freqüentar durante uma quinzena. Nestes locais os esportes tinham papel fundamental para a formação do candidato e ocupavam dois quintos dos horários. Os meios para avaliação dos estudantes colocavam testes e exames de conhecimento em segundo plano em detrimento do “potencial de liderança” do aluno. As atividades eram dirigidas à militarização, sendo as turmas chamadas de “pelotões”  e fora das salas de aula eram comandados pelos sargentos da juventude hitlerista.

Politicos, altos funcionários do governo, ilustres cientistas e professores universitários eram agraciados com as honrarias das SS que eram disputadas pela Bildungebürgetum (a classe burguesa educada). Nada menos de 12.000 profissionais liberais ( a metade constituída de advogados e médicos) engrossaram as fileira da Ordem Negra. Suas origens que no início incluíam membros do campesinato, como Himmler que no inicio de suas atividades era um simples  engenheiro agrícola, criador de galinhas, e também líder de um movimento da juventude camponesa. Para afirmar suas idéias de seleção forçada como as utilizadas entre animais de criação e assim depurar determinadas característica raciais que acreditavam superiores desenvolveram uma filosofia perversa que vinha ao encontro do pensamento de médicos organicistas, racistas e higienistas que auxiliaram para compor essa sociologia macabra. A corporação médica era a mais representativa no núcleo das instâncias do partido nazista. 45% dos médicos filiaram-se ao partido contra 22% do professorado. 7,3% dos médicos foram membros da SS enquanto que a Ordem Negra representava apenas 1% da população alemã. “O médico deve voltar ao ponto do qual partiram os médicos de outrora; deve tornar-se um sacerdote, deve tornar-se um sacerdote-médico”, proclamava o Dr. Wagner, führer dos médicos alemães em 1937. E Himmler afirmava: “temos necessidade de práticos dotados de um olhar de criadores” (de gado).

Além disso, tantos nobres vestiam o uniforme da caveira que as listas de oficiais das SS mais pareciam um livro de ilustres nobiliárquicos. Embora um entre 134 alemães usasse o aristocrático prefixo Von, a proporção de sangue nobre entre os SS Obergruppenführer, cargo que correspondia a um general de quatro estrelas era de um em cinco, entre os SS Gruppenführer, que correspondia a patente de tenente-general, era de um em dez e entre os SS Brigaderführer, que correspondia a patente de major-general, era de um em sete.

Antes da anexação da Áustria, a mão de obra dos campos era utilizada principalmente na construção das instalações dos próprios campos e dos edifícios adjacentes que abrigavam e acomodavam as SS. Após o Anschluss Himmler percebeu o potencial de lucro que poderia conseguir com essa mão de obra cativa e decidiu utilizá-la. Nova fonte inesgotável de recursos financeiros e poder econômico que incluía o confisco de riquezas dos prisioneiros judeus que eram feitos abertamente ou de forma velada através de chantagem ou suborno para facilitação de fugas, foi acrescentado o recrutamento forçado da mão de obra dos campos em trabalhos de mineração, construção de estradas e outros tipos de obras civis, horticultura, artesanato, e posteriormente fabricação de armamentos.


Camara de Gás

Mesmo sendo a horticultura um tipo de trabalho inócuo ainda assim os guardas tinham pronta sua caixa de torpes sutilezas e torturas preparadas para os cativos. Os “horticultores” que empurravam pesados carrinhos de mão em condições de alimentação subumana poderiam ser surrados caso tropeçassem ou eram arrojados em poços de esterco líquido por qualquer pequena falta cometida. A designação para trabalho de mineração ou construção equivalia a uma sentença de morte em andamento. Os trabalhos de artesanato, especialmente aos que atendiam às necessidades do pessoal das SS nos campos, podiam resultar de privilégio para alguns prisioneiros isolados que detinham alguma aptidão especial.

O material e os recursos de mão de obra confiscados durante o biênio 1938-1939 ocasionaram uma mudança na escala e natureza dos KZ. Com o aprisionamento de austríacos, judeus e tchecos, que provocou um aumento instantâneo das populações confinadas nos campos, a rede foi expandida a quase cem novos centros de diferentes tamanhos por volta de meados de 1939. Além do campo modelo padrão de Dachau, que alojou durante a guerra um máximo de 25.000 a 60.000 cativos em suas instalações auxiliares, havia ainda Sachsenhausen-Oranienburg, com quinze campos de trabalho ancilares e 20.000-35.000 cativos, Buchenwald, com oitenta e 20.000-50.000 cativos, Flossenburg, com quinze e 30.000-40.000 cativos, o campo feminino (Frauslager) em Ravensbruck, com vinte e 30.000-40.000 cativas e o de Mauthausen, com quinze e 40.000-70.000 cativos.

A classificação informal de tarefas de acordo com sua periculosidade entre os organizados alemães tinha uma contrapartida oficial. A administração dos KZ classificava os campos de acordo com sua crescente severidade com uma escala tripla: I eram os campos “suaves”, II eram os “médios” e III os “duros”. Na concepção dos seus artífices Dachau representava a extremidade suave do espectro, enquanto a categoria III era atribuída a Maulthausen, o campo da morte na Alta Áustria, construído após o Anschluss para conter judeus vienenses. Entretanto eles ainda diferiam dos campos de extermínio racionalizados, instalados posteriormente na Polônia ocupada, onde a morte alcançava o padrão de processamento industrial.

Maulthausen que fora uma pedreira situada próxima da pitoresca região lacustre de Salzkammeergut nas imediações de Salzburg foi convertida num KZ o que exigiu o nivelamento de uma arborizada vertente de colina e a construção de imensos muros de granito. Dentro do círculo de megalitos a morte era provocada segundo ainda meios pré-industriais: os guardas tangiam correntes humanas de cativos sobre as altas bordas da pedreira, costume que abalou tanto os trabalhadores civis remanescentes no local que eles reclamaram à administração do campo do feio espetáculo de restos humanos salpicando a superfície da rocha.

Enquanto a carnificina seguia seu curso, sem uma voz sequer para levantar-se contra o genocídio de nenhuma nação “civilizada” do mundo, já que, as prisões de comunistas e socialistas, bem como, a de judeus e ciganos eram vistas por alguns governantes estrangeiros até mesmo com simpatia, os lideres das SS seguiam seus rituais que tudo tinham em comum com as seitas maçônicas que freqüentavam e os cultos esotéricos que praticavam secretamente entre seus pares agalonados. Certa vez, por exemplo, durante o julgamento do General Fritsch por um tribunal de honra militar, Himmler reuniu doze dignatários das SS numa sala lateral e mandou-os concentrar a mente para influenciar o general e através da força mental focalizada convencê-lo a que falasse a verdade.

Eram admiradores das ciências ocultas e tinham Madame Blavatsky e outros autores de ocultismo sua leitura de cabeceira preferencial de onde cunharam seus símbolos de propaganda para impressionar as massas incultas. As doutrinas esotéricas e o orientalismo causavam furor sobre esses homens que se acreditavam descendentes diretos dos antigos guerreiros arianos.

Acreditavam que Thule teria sido o centro mágico de uma civilização desaparecida. Muitos ocultistas alemães acreditavam que nem todos os segredos de Thule haviam perecido. Criaturas intermediárias entre o Homem e outros seres inteligentes do além colocariam à disposição dos Iniciados, ou seja, os membros da Sociedade Thule uma série de forças que podiam ser reunidas para tornar possível que a Alemanha dominasse o mundo. Seus líderes seriam homens que sabem tudo, obtendo sua força da própria fonte de energia e guiados pelos Grandiosos do Mundo Antigo. Era sobre esses mitos que a doutrina ariana de Eckardt e Rosenberg se fundamentava e que esses "profetas" instilaram na mente receptiva de Hitler. A Sociedade de Thule logo se tornaria um instrumento na transformação da própria natureza da realidade. Sob a influência de Karl Haushofer, o grupo assumiu sua verdadeira característica como uma sociedade de Iniciados em comunhão com o Invisível e se tornou o centro mágico do movimento nazista.

Haushofer era membro do Pavilhão Luminoso, uma sociedade secreta budista no Japão, e da Sociedade Thule. Haushofer certamente veio a conhecer em 1905 a versão que René Guénon apresentou em seu livro, Le Roi du Monde, que imagina um passado místico da humanidade após o cataclismo de Gobi, os lordes e mestres desse grande centro de civilização, os Oniscientes, os filhos das Inteligências do Além, levaram sua vasta morada para o assentamento subterrâneo sob o Himalaia. Ali, no coração dessas cavernas, eles se dividiram em dois grupos, um que seguia o “Caminho da Mão Direita”, e outro que seguia o “Caminho da Mão Esquerda”. Os primeiros concentravam-se em Agartha, um local de meditação, uma cidade oculta de bondade, um templo de não-participação nos assuntos deste mundo. Os outros se dirigiram a Shamballah, uma cidade de violência e poder, cujas forças comandam  os elementos e as massas da humanidade e apressam a chegada da raça humana no “momento decisivo do tempo”.

Assim, foi mais como um iniciado da teocracia oriental que como um geopolítico que Haushofer supostamente proclamou a Hitler a necessidade de “retornar às origens” da raça humana na Ásia Central. Ele estava, portanto, defendendo a conquista nazista do Turquistão, Pamir, Gobi e Tibet para assegurar o acesso da Alemanha a esses centros ocultos de poder do Oriente.


Thule

Sobre a suástica o símbolo principal que  hipnotizava as massas nazistas podemos transcrever o que acreditava Blavatsky: “A suástica é o símbolo mais sagrado e místico da Índia, a ‘Cruz Jaina’, como a chamam agora os Maçons; é também o mais filosófico e cientifico de todos; em resumo, é o símbolo da obra da criação ou da evolução. É o martelo do Operário no Livro dos Números (Caldeu) que arranca chispas do pedernal(Espaço), as quais se transformam em mundos”.

“É o martelo de Thor, a arma mágica forjada pelos anões contra os gigantes (Forças titânicas pré-cósmicas da Natureza)”.

“As duas linhas que se cruzam indicam o Espírito e a Matéria enlaçados na obra da evolução, sempre em movimento. Seus braços assimilam o Céu e a Terra (solve e coagula). É um símbolo alquímico, cosmogônico, antropológico e mágico. Nascido dos conceitos místicos dos primeiros ários é o Alfa e o Omega da Força Criadora Universal, desenvolvendo-se do Espírito puro e terminando na matéria densa”.

“Aplicado ao Microcosmo, o Homem mostra-o como um elo entre o Céu e a Terra, a mão direita levantada ao extremo de um braço horizontal, a esquerda assinalando a Terra. Na Tábua Esmeraldina de Hermes está como signo alquímico”.

“E diz o comentário”:

“Os filhos de Mahat são os vivificadores da Planta Humana. São eles as águas que caem no árido solo da vida latente e a chispa que vivifica o animal humano. São os Senhores da Vida Espiritual Eterna. No princípio alguns só exalaram parte de sua essência nos Manushya (Homens), e alguns tomaram o homem como morada”.

“Isto mostra que nem todos os homens foram encarnações dos Divinos Rebeldes, somente uns poucos dentre eles”.

“O resto só teve o quinto princípio avivado pela chispa arrojada nele, o que significa a grande diferença entre a capacidade intelectual dos homens e raças”.

“A esta rebelião da vida intelectual contra a mórbida inatividade do Espírito puro, devemos o que somos, homens conscientes de si mesmos e pensantes, com as possibilidades e atributos dos deuses em nós, tanto para o Bem como para o Mal. Portanto, os Rebeldes são os nossos Salvadores”.

Existem similaridades culturais inegáveis entre os descendentes dos povos indo arianos em todos os quadrantes do mundo, com suas elites triunfalistas das guerras de exterminio, buscam no passado, como eleitos oriundos das classes dominantes em suas confrarias patronais, onde cultuam arquétipos de heróis no sentido clássico mais estrito, personagens míticos que buscam resgatar o fogo dos deuses. Enquanto nos Estados Unidos da América muitos viam com simpatia as idéias sectárias dos nazistas, na Universidade de Yale por exemplo, uma organização nascida em 1832, como um ramo da maçonaria integrada pelas elites norte americanas denominada Skull and Bones (Crânio e tíbias) integrava a fina flor da sociedade branca. Ela fazia parte de um sistema conhecido como "A Irmandade da Morte", a Thule, confraria ocultista alemã, a mesma que teria também iniciado Adolf Hitler nos mistérios do satanismo e na Alemanha já usavam na sua simbologia, a suástica invertida de forma estilizada e corrompida. 


Simbolo da Skull and Bones

A Skull and Bones teve e tem políticos famosos em seu quadros, bem como integrantes dos sistemas de informação e espionagem norte americano potencialmente em ação nos altos escalões do governo ainda hoje. Dizem que até os Bush - pai e filho - e outros empresários de ponta, como os Rockefellers fizeram parte de seus cultos satânicos, o que explicaria muitas das guerras deflagradas por aquele povo até recentemente. A Ordem da Caveira, da mesma forma, como haveria de ser chamada na Alemanha foi a espinha dorsal da criação das tropas de choque SS, cujo símbolo possui uma similaridade macabra com a imagem da seita de Yale e remonta sua origem ao canibalismo das antigas tribos teutônicas disfarçada de esoterismo.


A Ordem da Caveira

Crânios humanos sempre foram cultuados entre as tribos sul americanas e nas estepes asiáticas. As vítimas dos banquetes antropofágicos tinham seus crânios arrancados e devidamente tratados para servirem aos rituais de apaziguamento dos espíritos mortos, pois eram tratados com atenção e respeito pelos seus captores. Eram encimados na frente das malocas como simbolo de prestigio dos guerreiros, ou como já vimos antes tranformados em canecas pelos  guerreiros das estepes  para beberem nos festins. Este retrocesso do puritanismo alemão em ideologia canibal demonstra que diferente do que pensavam os sábios da psicologia no início do séc. XX e como de fato passaram a perceber os mitos do passado primitivo da europa dita cristã possuíam no intimo de suas instituições uma raiz  bem mais profunda de  cunho absolutamente antropofágico que  remonta ao culto da árvore sagrada dos povos indo europeus e a capa da civilização era uma tênue casca mal compreendida e interpretada.   

Uma ideologia antropofágica nunca foi tão bem explicitada como nas palavras de Blavatsky que infelizmente despojadas da moral espiritual soam como uma liberação dos instintos mais baixos do ser humano travestidos nos mais altos princípios filosóficos e esotéricos que pontuaram e ainda pontuam os ideais das seitas das elites. A chama vivificadora é atributo de alguns não de todos e por tal magnitude e alta razão positivista é a justificativa para homens considerados “inferiores” serem transformados em escravos e carne morta sem direito sequer de dispor a própria vida. Era este tipo de “Cultura” que impregnava a mente destes jovens garbosos em seus uniformes negros.

Como divindades olímpicas, os homens das SS exsudavam vigor físico e mocidade. Heydrich representou o Reich em campeonatos  internacionais de esgrima e cavaleiros das SS ganharam vários troféus de equitação na Alemanha. D’Alquem, editor do Schwarze Korps, não chegara ainda aos trinta anos quando a circulação de seu semanário, cuja edição inicial tinha sido de setenta mil exemplares, alcançou a marca dos 750 mil exemplares.

Nos quartéis das SS os armários dos soldados não dispunham de cadeados, a fim de instilar a camaradagem nos jovens recrutas, mas estes eram simultaneamente obrigados a denunciar qualquer desvio político ou comportamental de seus pares. Nos campos advertiam os soldados a evitar o uso de armas de fogo, pois cada bala custava ao Reich três pfennings, portanto segundo seu cruel raciocínio, mais que a vida dos cativos. Durante os exaustivos treinamentos das tropas, se um recruta deixava cair os cartuchos que estava colocando no carregador era obrigado a apanhá-los com os dentes; pelos menores erros cometidos eram forçados a fazer cinqüenta flexões de joelhos com os fuzis estendidos à altura dos braços, pretendiam com essas técnicas milenares de condicionamento forjar seus corpos e sua mente à condição de senhores da morte e da criação.

Não pretendiam a admiração, nem a popularidade, mas sim o temor da população. Já em 1934 Himmler declarou com inusitada franqueza: “Sabemos que alguns alemães ficam doentes à vista do uniforme preto, mas não esperamos ser amados”.

Durante a “Noite dos Cristais” quando propriedades de judeus foram vandalizadas e incendiadas pelos nazistas e seus simpatizantes em novembro de 1938, multidões de observadores entre fascinadas e horrorizadas não puderam deixar de admirar-se com a extrema eficiência com que os dirigentes do massacre, homens das SS, impediam que a destruição das propriedades judaicas afetasse propriedades alemãs adjacentes.

Mas não só os alemães se surpreenderam com a máxima eficiência da máquina nazista e sua capacidade de previsão. As SS em abril de 1944 deram instruções aos poloneses que residiam num raio de mil e seiscentos metros do gueto de Varsóvia para deixar abertas as janelas a fim de evitar a quebra de vidraças enquanto as tropas de choque do Brigaderführer dinamitavam as últimas ruínas das moradias dos judeus.

Além da fleumática eficiência e espírito de previsão, a Ordem Negra dava grande importância à boa apresentação, tanto no sentido marcial quanto na elegância dos uniformes. Nenhuma cerimônia oficial estava completa sem uma guarda de honra das SS em capacetes de aço, lustrosas botas e uniformes agalonados pretos com insígnias e debruns brancos. Faziam parte em todas as atividades sociais nazistas com suas luvas brancas e quepes pontiagudos. Eram vistos com estrelas de cinema nos festivais patrocinados pelo Reich, que Hitler honrava com sua entusiástica presença ou os subalternos eram vistos prestando serviços como garçons junto aos nobres aristocratas nos encontros festivos.

Pretendiam, fiéis a uma profunda ambivalência e uma visão bucólica da sociedade, instalar seus membros como fazendeiros soldados (Wehr-bauern) na Europa Oriental e fomentavam um culto de simplicidade camponesa nas mobílias e construções que imaginavam despojadas, o que constratava firmemente com a vida cosmopolita de seus lideres.

A decoração da casa ideal, construída com vigas a vista no teto com detalhes em metal, deveria consistir de mobília rústica natural, cortinas, tecidas a mão de lã frísia, candelabros de ferro trabalhado, jarros de pó de pedra, utensílios de mesa de peltre, e um berço de madeira rusticamente entalhado, de preferência a mão pelo próprio chefe da família.

O crescimento demográfico era oficialmente chamado de Geburtenschlacht ( batalha de nascimentos). Himmler, como seu principal estrategista deplorava a baixa fertilidade no casamento e o tabu existente, tanto social como religioso, contra a maternidade de solteiras. A guerra proporcionou-lhe o campo ideal para praticar suas idéias graças ao Eindeutschung, ou germanização forçada dos eslavos de aparência nórdica, descendentes dos arianos que colonizaram aquelas paragens, através do rapto biológico. Mas, antes mesmo, suas tropas de choque haviam fornecido “assistentes de procriação” voluntários a mulheres solteiras que ansiavam ter filhos.

Nesse projeto eugênico de expansão populacional forçada e extermínio de etnias consideradas inferiores, casais estéreis, eslavas germanizadas, assistentes de procriação e mães solteiras foram, como num quebra-cabeça, acondicionados pela “Lebensborn”(Fonte da Vida), uma maternidade-centro de adoção fundada em 1936. Lá mães solteiras iriam realizar o supremo sacrifício de presentear a nação com um filho. Ao fim de certo período milhares de crianças da Lebensborn seriam entregues nas casas de casais nazistas sem filhos, e na guerra, afirmaram seus préstimos para cometer a espoliação genética da Europa Oriental junto às populações eslavas.

Quando de sua primeira viagem a Polônia ocupada Himmler já havia percebido a aparência nórdica de numerosas crianças eslavas. Crianças foram então seqüestradas, arrancadas de orfanatos e confiscadas de supostas famílias envolvidas com a Resistência e levadas para os lares da Lebensborn em toda a Europa ocupada, e após um período de adaptação, durante o qual os confusos pequenos aprendiam rudimentos do idioma alemão e eram privados de contatos com seus compatriotas, seguiam para o Reich, já com os nomes dos designados pais de criação.

Da mesma forma foi dada cidadania do Reich para poloneses descendentes de alemães. Duas agencias especiais das SS, o Escritório Volksdeutsche de Ligação e o Departamento de Raça e Colonização passaram um pente fino na Europa visando a seleção de espécimes humanos considerados aptos para a germanização. Além da orquestração dos seqüestros, as missões do Departamento de Raça e Colonização compreendiam que europeus orientais não tivessem intimidades com mulheres alemãs, o que poderia custar ao faltoso a escravização ou pena de morte, e a remoção dos eslavos das regiões destinadas à colonização dos “puros arianos”.

As transferências forçadas de população promovidas pelas SS lembravam, de forma sombria, a Migração dos Povos no séc. IV. Como naquele período na Idade Média foi caracterizado esse movimento forçado de populações em grande medida por barbaridades e caos. Em 1942, alemães da antiga Iugoslávia chegaram às áreas da Polônia Oriental de onde o Volksdeutsche havia saído anos antes para ocupar Warthegau, na Polônia Ocidental, o que havia exigido a remoção de um milhão e meio de poloneses e judeus que foi realizada durante o ártico inverno de 1939-40, provocando milhares de baixas. Também da Romênia e Estados Bálticos vieram engrossar ao meio milhão de descendentes alemães para ocupar as zonas tampão e promover a colonização ariana na Polônia.

Os migrantes atendiam os caprichos dos seus governantes, abandonando as antigas residências e permanecendo em acomodações improvisadas em campos de transito, sem nunca serem consultados se queriam ou não mudar. Os “beneficiários” na verdade eram também vitimas das transferências e serviam ao grande plano de consolidar a presença germânica na Europa. 

Outro massacre macabro transcorria em silencio na sociedade alemã da época nos porões das instituições de saúde e visava, conforme a versão oficial, exclusivamente “purificar o reservatório de genes da raça alemã”. Em setembro de 1939, Hitler ordenou a “morte misericordiosa” dos doentes mentais e doentes incuráveis em todo o Reich. A Campanha da Eutanásia transcorreu de 1940 a 1944, sob fundamentos eugênicos e de economia de alimentos, acomodações e pessoal médico. O primeiro centro de extermínio entrou em funcionamento no fim do ano. Outros cinco, um deles situado na conhecida clínica psiquiátrica de Hadamar, começaram suas atividades em princípios de 1940. Como encarregado geral do programa foi nomeado Christian Wirth, antigo superintendente do Departamento de Investigações Criminais de Stuttgart.

Wirth ao iniciar suas funções preferiu liquidar suas vitimas com um tiro na nuca. Após algum tempo, visando aprimorar o processo, passou a gaseá-las em câmaras especialmente construídas, podendo  ser considerado o inspirador dos métodos posteriormente utilizados de extermínios em massa naquilo que foi denominado “Solução Final da Questão Judaica”.

Em todos os estabelecimentos destinados a aplicar a eutanásia existia um quarto hermeticamente fechado disfarçado de chuveiro que se ligava a um encanamento e a cilindros de monóxido de carbono, um gás inodoro e mortal. Os pacientes eram levados em grupos de dez ou quinze, previamente sedados com a ajuda de injeções de morfina, escopolamina ou soporíficos. Todos os centros possuíam crematórios. As famílias eram informadas dos falecimentos através de impressos que atribuíam a morte a um colapso cardíaco ou à pneumonia.

O aumento significativo das mortes que ultrapassava qualquer estatística padrão, as comunicações padronizadas e sob condições de sigilo mal disfarçado, as colunas de fumaça freqüentes eram visíveis em um raio de quilômetros. Em Hadamar as crianças da aldeia recebiam os “ônibus hospitalares” aos gritos de “Lá vem mais gente para ser gaseada”. Os acontecimentos começaram a inquietar o país. Entre os boatos que circulavam, um deles afirmava que até mesmo os soldados seriamente feridos estavam sendo submetidos à “morte misericordiosa” nos hospitais militares. 

Em agosto de 1941, o bispo católico Galen denunciou tais crimes do púlpito de sua catedral em Münster, Vestfália. A partir da corajosa ação do prelado, o assassinato dos doentes cessou por completo após ter custado aproximadamente cem mil vidas. Não foi tomada nenhuma ação de represália contra o bispo, muito embora pouco depois a Gestapo tenha decapitado três párocos que haviam distribuído o sermão em forma de volantes. Assim faziam os nazistas para não chamar atenção executando pessoas sem projeção que desapareceram como outras tantas no turbilhão de assassinatos cometidos pela repressão feroz.

Durante a guerra as SS criaram seu próprio corpo de exército, as Waffen SS. Aos olhos dos alemães essas forças emergiram da guerra no Oeste como uma raça de modernos Siegfried. Impelidos pela fúria ideológica, de peito aberto, varreram os Países Baixos e a França com total desprezo pelas baixas. A primeira Cruz de Ferro da campanha foi concedida a um soldado da Leibstandarte, uma unidade cujas honrarias divisionárias de batalha incluíam as ocupações de Rotterdam e Boulogne.

Em outubro de 1940 foram admitidos nas forças da SS voluntários da Escandinávia, Países Baixos e França. Pretendiam assim recrutar “reservas de sangue valioso para a luta da raça nórdica” uma força européia anticomunista, antecipando em alguns anos a idéia de uma força pan européia para fazer frente ao comunismo, na época em franca expansão. A Rússia aproveitando o caos que reinava na Europa havia anexado estratégicamente pela força ou ameaças territórios finlandeses e romenos. 

Mesmo assim, as SS européias eram mais um símbolo do que uma força efetiva de combate, e ainda tinha problemas de pessoal. Para contornar as restrições impostas pelo exército regular no recrutamento de novos soldados, foi graças a Gottlob Berger, um ex-professor de ginástica na casa dos quarenta que após algumas peripécias militares tornara-se chefe do SS führungsamt (Departamento de Liderança).

O atlético e romântico Berger, alpinista que gostava de filmar águias e abutres em vôo, tinha um genro que era líder do grupo minoritário alemão na Romênia. Foi o parentesco que lhe inspirou a sugestão de resolver em definitivo o problema de pessoal da Ordem Negra e das Waffen SS: o recrutamento massivo entre os milhões de Volksdeutsche, cuja residência fora do Reich tornava-os inelegíveis para alistamento na Wehrmacht.

O plano de Berger serviu como uma luva para resolver os problemas de recrutamento da Waffen SS, e veio em auxilio das ambições militares de Himmler, com a profunda vantagem ideológica de que a maioria dos alemães balcânicos nutria profundo ódio pelos vizinhos eslavos.

Essa questão ficou clara na violenta ação desses grupos militares como a Divisão Prinz Eugen, da Volksdeustsche que durante a campanha contra os partisans iugoslavos executou reféns civis e cometeu genocídios de comunidades inteiras de aldeias como Kosutica, em agosto de 1943.


Croatas SS

Não que os naturais da Alemanha agissem de forma muito diferente. No dia em que as unidades SS que seguiam na vanguarda, após os primeiros reveses de inverno na Rússia, encontraram os corpos de seis companheiros mutilados no pátio do quartel general da OGPU (Policia Secreta Soviética), o comandante da Leibenstandarte, Sepp Dietrich, ordenou o massacre de quatro mil prisioneiros de guerra russos, verdadeiro banho de sangue que durou três dias e três noites.

As divisões das SS foram lançadas em algumas das mais cruciais batalhas da Frente Oriental. As estatísticas de baixas entre esses combatentes e sua propensão natural explicam por que as perdas das Waffen SS superavam todos os demais nos relatórios semanais do Oberkommando der Wehrmacht (Alto Comando das Forças Armadas) na proporção entre a Wehrmacht e as Waffen SS de dez para um.


Os combates no leste europeu cobraram muitas baixas desses fanáticos guerreiros políticos. No entanto haviam recompensas valiosas à espera das Waffen SS para os veteranos em batalha, assim atesta uma nota do Administrador Econômico Chefe das SS, Osvald Pohl, intitulada:“Diretrizes para a Distribuição de Relógios a Membros das Waffen SS: armazenados no campo de concentração  de Oranienburg existem atualmente 24.000 relógios de algibeira, 5.000 canetas tinteiro, 4.000 relógios de pulso, 3.000 despertadores e 80 cronômetros. Esses presentes são, em nosso nome, oferecidos aos membros mais valorosos da divisão”.



O som da voz de Hitler escutado em rádios de campanha no meio do território inimigo e um relógio de ouro saqueado de algum judeu como incentivo indicam como pensavam as SS, que tinham sentimentos que iam da total devassidão ao espírito de total sacrifício fanático até a total falta de sentimento de compaixão ao próximo. Eram as tropas ideais para matar e destruir populações inteiras sem nenhum remorso.

O espírito das SS era a quintessência do racismo nazista, para orientar os soldados das SS no Leste, o departamento de Gottlob Berger publicou em 1941, um panfleto de instruções, intitulado “O Subumano”, onde os povos da antiga União Soviética eram chamados de “secundinas da humanidade, vivendo espiritualmente em nível mais baixo que os animais”.

A sua notoriedade maligna surgiu de repente em meio aos horrores da guerra e atingiu o ponto máximo na ação punitiva contra Lidice, uma aldeia nas proximidades de Praga. Heydrich, desde setembro de 1941 protetor da Boêmia e da Morávia, foi assassinado numa rua de Praga por patriotas tchecos, que se dizia serem naturais de Lidice. No dia 9 de junho de 1942, em represália ao atentado, a aldeia foi nivelada até o chão, fuzilados todos os habitantes masculinos com mais de quinze anos, enviadas as mulheres para os campos de concentração, e arrastadas as crianças para os centros Lebensborn, de onde os inapropriados para a germanização eram despachados para os KZs. Esta chacina foi amplamente divulgada nos meios de propaganda nazista com a finalidade de acabar com a vontade de resistir da Europa ocupada.

A vingança incluiu suspeitos políticos na Tchecoslováquia e entre os prisioneiros judeus em toda a parte, como se um banho de sangue apagasse o fato de que no auge do poder nazista, Heydrich, o segundo mais alto líder das SS havia caído pela bala de um patriota. 
             
Em outubro de 1938, Hitler já havia cunhado o conceito nazista de legalidade: “Todos os meios, mesmo que não estejam de conformidade com as leis e precedentes, são legais se servem a vontade do Führer”. O decreto Nachtund Nebel de 7 de dezembro de 1941 organizou a colaboração entre o exército, a Wermacht, e os SS. Os resistentes de todos os países dominados seriam enviados aos campos. A partir de 1942, o conjunto de KZs compreende vinte e dois campos principais  e uma centena de campos anexos, além de pequenos campos provisórios. Eles fornecem à industria alemã, principalmente do esforço de guerra, mão de obra indispensável em troca de compensações pagas às SS, são milhares de escravos com prazo de validade: “até que a morte lhes suceda”.

“Arbeit macht frei” (O trabalho liberta), a célebre máxima da entrada de Auschwitz já era conhecida há anos no frontão das usinas da I.G. Farben. Muitas outras empresas tiraram proveito dos KZs e de sua mão de obra escrava: Krupp, BMW, Wolkswagen, Siemens, Daimler Benz, entre as mais conhecidas. Os caminhões de gás carbônico para envenenamento por inalação, as câmaras de gás e os crematórios, o Zyklon B, todos foram produzidos graças a grande engenhosidade da indústria alemã. A Bayer contava com as pesquisas “médicas”. As fábricas alemãs do americano Ford e da General Motors forneceram à Wermacht veículos blindados e de transporte de tropas, e foi nos bancos suíços que o Reichsbank depositou os lingotes de ouro obtidos pela fundição dos dentes de suas vitimas. Um monstro multiforme da ganância, lucro, dever burocrata e violência inclemente apoderou-se dos valores e da cultura desfigurando e conspurcando cada individuo de uma nação pretensamente civilizada transformada em gens canibal.


Experiências dos "Cientistas das SS"

O ex-tesoureiro naval Pohl foi chefe econômico de Himmler no Departamento Central de Administração Econômica, desde a decisão do Reichsführer, em 1938, de fundar um império baseado na mão de obra dos campos de concentração. Sob a égide de Pohl, empresas de produção de armas, manufaturas de têxteis e artigos de couro, processamento de alimentos e destilação de bebidas não-alcoólicas haviam crescido por volta de meados da guerra e alcançavam um movimento anual de cinqüenta milhões de marcos.

A indústria de armamentos demonstrou a mais rápida taxa de crescimento entre todas as das SS. O seu diretor, Dr. Hans Kammler, um tecnocrata de imensa ambição, dirigiu também a construção das câmaras de gás, quartéis, hangares e fábricas subterrâneas. Construiu também as bases de lançamento e rampas das bombas voadoras e foguetes V2, como missões de alta prioridade para a qual requisitou em 1942, uma força de trabalho escravo de 175.000 prisioneiros de guerra e dos campos de concentração.

Nos últimos doze meses da guerra, o exército de trabalho escravo de Pohl chegava a 600.000 pessoas: 250.000 trabalhavam em fábricas de armas de propriedade privada como a Krupp, 170.000 em empresas estatais, 130.000 na agricultura e indústria de serviços e o restante em canteiros de obras.

Uma declaração preparada pelo Departamento de Contabilidade de Custos (WVHA) na época estimava o valor da antropofagia oficial sob a forma ordenada dos números:“A contratação, por empréstimo, de prisioneiros dos campos de concentração a empresas industriais rende, em média, um retorno diário de 6 a 8 marcos, dos quais 70 pfennings devem ser deduzidos para alimentação e vestuário. Supondo-se uma esperança de vida de 9 meses dos prisioneiros dos campos, multiplicamos essa soma por 270 e obtemos um total de 1.431 marcos. Este lucro pode ser aumentado por utilização racional do cadáver, isto é, mediante uso das obturações de ouro, roupas, artigos de valor, etc..., mas, por outro lado, cada cadáver representa um prejuízo de dois marcos, que é o custo da cremação”.

Em teoria esse lucro pertencia ao Reich. Na prática, quase sempre serviram aos interesses dos favoritos do Reichsführer, como por exemplo o comandante de Buchenwald, o Oberführer Hermann Pister, que acumulou uma fabulosa fortuna fornecendo mão de obra dos KZ aos industriais do Ruhr. Negociava com Mannesmann, Krupp e os demais interessados, atuava como um colega de negócios e fazia parte de algumas de suas diretorias além de comandar com mão de ferro o campo.

Pister, contudo ficou aquém de seu predecessor, o Lagerkommandant Koch, de Buchenwald, que após arrabanhar milhares de judeus na Kristallnacht  de novembro de 1938, desviara grande parte das riquezas confiscadas das vitimas do Reich para seus bolsos. A pretensa austeridade dos oficiais das SS era uma camuflagem tanto quanto sua aversão ao capitalismo. Na verdade a única aversão das SS era em relação ao trabalho honesto e apesar das declarações no sentido da retidão foram poucos os que não se fartaram com sua colheita sangrenta de almas. 
       
Sem a efetiva participação de parcelas inteiras das mais altas classes e autoridades da sociedade civil européia que simpatizavam com os ideais pan-europeus propostos por Hitler nada disso teria sido possível. As SS recrutaram voluntários na Letonia, Ucrania, Croácia para atuar em seus corpos de tropas e policia. Acolheram em suas fileiras, voluntários estrangeiros, nas divisões Charlemagne, Flandre, Nordland, brigada Wallonia. Mas foi a colaboração das instituições dos países ocupados que lhes foram mais úteis. Foi a policia que recenseou os judeus residentes na França, efetuou as prisões em massa em Paris (16-17 de julho de 1942) e entregou aos nazistas para serem deportados para Dachau, incluindo resistentes gaullistas e comunistas que já estavam presos, e por excesso de zelo servil, crianças, por sugestão das próprias autoridades francesas.

Apesar das tentativas de insuflar grupos nacionais contra o governo central russo para estabelecer uma nova estratégia num conflito fadado ao fracasso, a ponto de Himmler criar a brigada russa Kaminsnki incluída aos efetivos das SS, Hitler manteve até o fim seu obstinado pensamento racista em relação ao povo eslavo. Na sua escala particular de subumanidade, o eslavismo ficava apenas um grau acima dos ciganos e judeus. O Führer permaneceria até o fim fiel à visão de eslavos como escravos, úteis apenas para servir aos seus senhores alemães, e desta forma desestimulou qualquer tentativa do seu Estado Maior de mudar sua estratégia segregacionista de dominação.

Entretanto o anti-semitismo ultrapassava ideologicamente a qualquer outra relação racial dos nazistas com outras etnias. A guerra até a morte aos judeus constituía o credo principal que ocupou as SS ao longo da ascensão e queda do III Reich.

Desde 1933 os judeus do Reich haviam sofrido perseguições, obrigando um número cada vez maior à emigração. Em discurso no Reichstag em 30  de janeiro de 1939, Hitler publicamente reconheceu suas intenções ao afirmar: “uma guerra futura presenciará a destruição da raça judaica na Europa”, mas nem a comunidade judaica nem o mundo adivinharam o real sentido da ameaça implícita nessas palavras.

Com o início da guerra as rotas de fuga para os judeus foram bloqueadas e a maioria dos países procurou esquivar-se de qualquer responsabilidade de acolher os fugitivos. A suspensão das comunicações para o exterior dos países ocupados pelos nazistas em sua zona de influencia facilitou, sem dúvida alguma, a implementação da “Solução Final”.

Em setembro de 1939, as chefias da Gestapo, do SD e da Kriminalpolizei foram fundidas no Reichssicherheitshauptamt (RSHA ou Departamento Central de Segurança do Reich) que iria monopolizar o terror de Estado de um lado a outro do continente. Como primeiro chefe do RSHA, Heydrich nomeu o Untersturmführer Adolf Eichmann que, em janeiro de 1940, assumiu a chefia do Departamento Judaico,a notória subseção IV B, localizada em uma casa na elegante Kurfürstenstrasse de Berlim, com arquivos, teletipos e outros equipamentos a disposição para executar sua sinistra missão.

Na Polonia ocupada, entre 1940-1941, três milhões de judeus poloneses foram arrebanhados em uns poucos guetos em uma densidade populacional inimaginável. Em Varsóvia, Cracóvia, Lodz, Bialystock, as péssimas condições de vida naturalmente liquidou com meio milhão de moradores até a escalada final de Hitler na guerra, quando preparava seu ataque à Russia. Três meses antes do lançamento da Operação Barbarossa, o Führer em pessoa ordenou a Himmler na famigerada “Ordem do Comissário”, para que criasse as Einsatzgruppen (unidades de extermínio), que deviam buscar e promover a “liquidação inexorável de todos os agitadores bolcheviques, partisans, sabotadores e judeus encontrados atrás das fronteiras russas invadidas.


Varsóvia

Três mil comandos das Einsatz, unidades móveis de extermínio, seguiam no rastro da Wehrmacht e passaram em revista as comunidades judaicas em uma vasta área compreendida entre o Golfo da Finlândia e o Mar Negro. Os Estados Bálticos, a Rússia Branca e a Ucrânia possuíam densa colonização judaica. Os avanços relâmpagos dos exércitos alemães em 1941 engolfaram comunidades inteiras que desconheciam pela censura da guerra o destino de seus vizinhos judeus que já se encontravam sob o jugo mortal dos nazistas.

Assim a missão dos Einsatzgruppen se resumia a um simples problema de logística. Atrair as comunidades numa aldeia ou praça pública, transportá-los para um local discreto, cortado por uma profunda vala, com dimensões adequadas, estabelecer a formação das vitimas ante a mira das armas e sua execução. A melhor solução, racionalizada pelos assassinos, era a qual sucessivas filas eram executadas, camada após camada, bem alinhadas de corpos na vala que posteriormente era coberta com areia.

Antes de cada execução, as vitimas eram obrigadas a despirem-se e colocar as roupas, sapatos, objetos de valor e outras posses em pilhas separadas para posterior utilização refletindo sua racional noção de economia inerente à sua máquina de morte nazista.

Em conjunto, os Einsatzgruppen assassinaram cerca de 1.300.000 judeus, numa proporção de 1 comando para cada 430 vitimas, entre caçadores e caçados, demonstrando a profunda eficiência e dedicação desses fanáticos racistas. Entre seus comandantes havia um verdadeiro espírito competitivo e buscavam aumentar seus placares de mortes para melhor impressionar os superiores do RSHA em Berlim.

Esses modernos Genghis Khans eram na maioria oficiais com alta formação acadêmica e não faziam o comum perfil de psicopatas ou seriais killers. Walter Stahlecker, líder do Einsatzgruppe A, que atingiu sua meta de “primeiro lugar” ao comunicar a limpeza étnica de todos os judeus da Estônia em tempo recorde, era originário de um alto posto administrativo. O Dr Stahlecker era uma espécie de intelectual envolvido com o serviço secreto, como também seu colega de posto Otto Ohlendorf, responsável pelo Einsatzgruppe D, na Ucrânia e Criméia. Da mesma forma, as patentes intermediárias eram formados em universidades  e compunham a elite da sociedade alemã. O Standartenführer Paul Blopel, responsável pelo massacre de trinta mil judeus em Baby Yar, era um fracassado arquiteto alcoólatra, seu colega de farda Bieberstein era formado em teologia.

Ao serem confrontados por seus crimes em Nuremberg, foi perguntado por um juiz ao “pastor” se nunca havia passado por sua cabeça confortar espiritualmente suas vitimas e ele respondeu: “Eles eram bolchevistas. Não devemos lançar pérolas aos porcos. Se falo aos ateus sobre a palavra de Deus, corro o risco de torná-los irônicos. Essas coisas são sagradas demais para mim para pô-las em risco em situações como essas”. Blobel também acreditava cumprir uma missão sagrada, graças a imaginada superioridade cultural alemã e seu profundo subjetivismo filosófico externado na afirmação perante o tribunal desse carrasco: “A vida humana não era tão valiosa para eles, isto é, para os russos e judeus, como para nós. Os nossos homens que tomaram parte nessas execuções sofreram mais do que os que deviam ser fuzilados”.

A preocupação desses oficiais de baixa patente era com a moral de seus subordinados e pelo seu bem-estar segundo relatos de outros acusados nos terríveis crimes: “Pela manhã, eu levava meus homens para praticar esportes à beira do lago e, à noite, cantávamos em volta das fogueiras do acampamento”.

A única questão discordante entre esses oficiais submetidos a julgamento dizia respeito a forma do extermínio. Alguns julgavam o fuzilamento “mais honroso” do que a execução a gás, enquanto outros, entre eles Bieberstein, expressavam preferência pelo segundo método que julgavam “mais agradável para ambas as partes interessadas”.

Em janeiro de 1942 foi estabelecida uma conferencia entre os principais dignatários nazistas. Estavam presentes Heydrich, seu presidente, Eichmann com secretário e todos os chefes da RSHA e secretários de Estado de uma dezena de ministérios. Lá conceberam o plano-diretor para o extermínio dos judeus em todo o continente. Nos meses seguintes, quatro complexos de câmaras de gás: Belcez, Sobibor, Majdanek e Treblinka surgiram na região de Lublin, que era uma enorme área de recepção de judeus deportados controlada pelo Gruppenführer Odilo Globocnik. Ele tinha como seu principal auxiliar e organizador do campo de extermínio o mesmo Christian Wirth que chefiara a campanha de eutanásia. Sua ascenção meteórica tinha atraído a atenção e gerado inimizades entre seus pares, alguns presentes em Belcez no dia de agosto de 1942 quando ocorreu a seguinte cena:

“Às 7:20 da manhã chegou procedente de Lemberg uma composição de 45 vagões, transportando mais de 6.000 pessoas. Entre elas, 1.450 já estavam mortas por ocasião da chegada. Por trás das pequenas janelas fechadas com arame farpado, crianças, jovens, homens e mulheres tremiam apavoradas até a morte. Ao parar o trem, 200 ucranianos designados para a tarefa abriram violentamente as portas e, tocando os judeus com chicotes de couro, esvaziaram os vagões. Instruções foram berradas de um alto-falante, ordenando-lhes que tirassem toda a roupa, membros artificiais e óculos. Usando pequenos pedaços de barbante entregues por um menino judeu, deviam amarrar os pares de sapato. Todos os artigos de valor e dinheiro deviam ser entregues num balcão, embora nenhum recibo tenha sido dado. As mulheres e moças deveriam cortar os cabelos na tenda do cabelereiro”.

“A um canto postou-se um corpulento membro das SS, individuo de voz forte e untosa de padre: ‘Coisa alguma de horrível vai acontecer-lhes. Tudo o que vocês tem a fazer é respirar fundo. Isso fortalece os pulmões. A respiração é um meio de prevenir doenças infecciosas’. Os prisioneiros perguntavam a si mesmos o que lhes ia acontecer. ‘Os homens terão de trabalhar na construção de casas e estradas. As mulheres, porém, não serão obrigadas a fazê-lo: farão trabalho caseiro ou ajudarão na cozinha’. Para alguns, isto constituiu um pequeno raio de esperança, suficiente para levá-los, sem resistência, até as câmaras da morte. A maioria conhecia a verdade. O cheiro disse-lhes qual seria seu destino. Subiram um pequeno lance de degraus e entraram nas câmaras, a maioria seu uma palavra, empurrados pelos que vinham atrás”.

“No interior, homens das SS espremiam-nos, uns contra os outros. ‘Encha-as bem’, ordenou Wirth, ‘700 ou 800 deles para cada 270 pés quadrados’. Em seguida as portas foram fechadas. Enquanto isso, esperava nu o resto do pessoal desembarcado”.

“Um sargento das SS, motorista de um caminhão diesel, cujos gases de escapamento seriam usados, lutava para ligar o motor, que se recusava a pegar. Cinquenta, setenta minutos escoaram-se lentamente, mas o diesel não queria funcionar. Podia-se ouvir gente chorando dentro da câmara de gás. Furioso com a demora, Wirth chicoteou o ucraniano que ajudava o sargento”.

“Passaram-se 2 horas e 49 minutos antes que o diesel pegasse. Ao fim de mais 32 minutos, estavam todos mortos. Alguns trabalhadores judeus no lado oposto abriram as portas de madeira. No lado de dentro, as pessoas estavam ainda eretas como pilares de basalto, já que não havia um centímetro de espaço onde pudessem cair ou mesmo inclinar-se. Os corpos foram lançados para fora, azulados, úmidos de suor e urina, pernas sujas de fezes e sangue menstrual. Umas duas dúzias de trabalhadores examinaram as bocas dos mortos, que abriram com ganchos de ferro. Outros inspecionaram ânus e órgãos genitais em busca de dinheiro, brilhantes, ouro, enquanto dentistas andavam em volta tirando a golpes de martelo dentes de ouro, pontes e coroas. Em meio a eles, via-se a figura do Hauptsturmführer Wirth, espojando-se no seu elemento”.

Em função do longo tempo perdido para acionar o mecanismo mortal concebido por Wirth seus tempos de glória estavam contatos. Naquele momento os seus superiores chegaram a conclusão que o monóxido de carbono deveria ser substituído pelo ácido prússico, pela sua eficiência superior como gás asfixiante. O Zyklon B substituiu o antigo método em todos os campos jogando Wirth no ostracismo e colocando em seu lugar o Hauptsturmführer Karl Fritzsch, defensor da nova metodologia mortal.

Fritzsch era oficial do quadro da SS de Auschwitz, o campo denominado pelos nazistas de “anus mundi”, para definir como era desagradável prestar serviço naquela unidade. Diziam: “Aqui os ainda vivos invejavam os mortos: prisioneiros russos enlouquecidos pela fome despendiam a última gota de energia para subir nas carroças que, todas as tardes, levavam os cadáveres do dia para os braseiros”.

Auschwitz era o maior dos campos e possuía quatro crematórios, compreendendo quarenta e seis fornos que podiam abrigar a quinhentos cadáveres por hora, e ainda precisava suplementação de enormes fornalhas abertas de incineração. Em quinze milhas quadradas entre os rios Vístula e Sola, entre câmaras de gás e crematórios ainda mantinha um enorme complexo industrial de oficinas de armeiros, fábricas químicas, usinas de petróleo e borracha sintética, oficinas de reparo de vagões e locomotivas, pedreiras, e empreendimentos florestais e agrícolas, todos eles servidos por trabalho escravo. Entretanto seu maior produto era a morte com uma produção média anual de mais de um milhão durante seus três anos de existência.

Por ocasião do desembarque no campo os prisioneiros eram submetidos à seleção para envio imediato às câmaras de gás ou entregues aos trabalhos forçados. Durante os poucos meses que lhes restavam de vida eram levados à total degradação e desamparo. Só os artesões com alguma utilidade especial sobreviviam. O trauma profundo de serem lançados nesse inferno transformava-os da noite para o dia, de seres humanos para animais que respondiam aos reflexos básicos ao meio ambiente hostil. Transformados em indivíduos anônimos, reduzidos a um número tatuado no antebraço direito, podiam ser exterminados em qualquer momento por um dos Kapos ou um guarda SS por qualquer ninharia.

Todos os tipos de torturas os Gentlemen das SS inventaram para atormentar as pobres almas. Suas crenças, em particular o judaísmo eram ridicularizadas pelos oficiais SS que ordenavam suas sádicas expiações aos prisioneiros como se a dureza da vida nos campos não fosse suficiente para causar a morte de milhares. Foram poucas as manifestações de misericórdia, o auxilio foi comedido, uma mínima parcela de vitimas conseguiu escapar das mãos de seus algozes graças a uns poucos heróis anônimos. 
         
O biênio 1947-1948 assistiu ao julgamento dos oficiais do Einsatzgruppen em Nuremberg, bem como as denúncias contra a Administração Economica das SS e dos “Médicos da Morte”, acusados de experimentos nos KZ. A intensificação da Guerra Fria, o avanço do poderio soviético, o golpe comunista na Tcheco-Eslováquia, a Guerra da Coréia, incentivaram os EUA e as demais nações européias a relaxar as punições aos crimes de guerra cometidos pelos oficiais nazistas subalternos e disso resultou geral comutação de penas de morte e drásticas reduções de penas de prisão. 

Oswald Pohl e Otto Ohlendorf comportaram-se de modo extraordinário no tribunal. Pohl, assassino de judeus comparou o julgamento ao famoso caso Dreyfus, no qual um oficial francês de origem judaica foi incriminado e injustamente acusado por um tribunal militar na França. Descreveu-se como bode expiatório de outros tantos SS com patentes superiores que ainda estavam em liberdade.

Ohlendorf foi ainda mais extravagante. Ao ser confrontado com a inclemente execução de ciganos cometida por seus comandados, alegou medidas de “contra espionagem” e citou o teatrólogo Schiller do séc. XVIII, sobre o papel dos espiões ciganos na Guerra dos Trinta Anos. Ao ser questionado por que a lista de resultados do Einsatzgruppe D, noventa mil vítimas, era muito inferior a média das demais unidades, replicou: “Considerei indigno de mim apresentar resultados que não correspondessem a verdade!”

Muitos desses homens foram integrar cargos nas administrações governamentais da Alemanha Ocidental ou para a iniciativa privada, outros foram servir como agentes de espionagem para as potências do ocidente ou prestar consultoria a ditadores na América do Sul apoiados pelos Norte Americanos. Impedir o avanço do comunismo parecia mais importante que punir criminosos de guerra pelos seus crimes hediondos contra populações indefesas.


Na imprensa recentemente a notícia melancólica, uma pequena nota apareceu nos jornais do ocidente: "um relatório secreto sobre a perseguição de ex-nazistas pelas autoridades americanas após a Segunda Guerra Mundial afirma que a CIA recrutou nazistas para trabalhar na inteligência americana. O jornal New York Times afirmou, baseado em um relatório de 600 páginas, que em 1954 funcionários da CIA recrutaram Otto Von Bolschwing, um homem ligado ao criminoso nazista Adolph Eichmann.

"Von Bolschwing, envolvido nos planos nazistas para 'libertar a Alemanha dos judeust' atuou na CIA durante vários anos, vivendo e trabalhando nos Estados Unidos, revelou o jornal".


"O relatório traz uma série de memorandos internos nos quais funcionários da agência de inteligência dos EUA debatem sobre como Von Bolschwing deve agir se for interrogado sobre seu passado, e determinam que ele precisa negar qualquer vínculo com os nazistas ou alegar circunstâncias atenuantes. Após descobrir os vínculos de Bolschwing com o nazismo, o departamento de Justiça tentou expulsá-lo do país, em 1981, mas ele morreu no  mesmo ano, aos 72, revelou o jornal".


Com seu suicídio e posterior cremação quando acossado pelas tropas soviéticas em seu bunker protegido em Berlim Hitler pretendia ingressar no panteão dos heróis arianos. O culto antropofágico que foi recriado pelos nazistas, e deveria ter sido sepultado definitivamente ao fim da II Guerra, permanece insepulto graças ao flagelo suicida de seu líder que de personagem da politica demente de uma Alemanha puritana transformou-se num mito para as mentes inferiores que sempre infestam as sociedades do mundo. A guerra fria só facilitou a incubação dormente. Seus ideais racistas infelizmente sobreviveram nem sempre nas sombras e até hoje são uma ameaça às liberdades e direitos humanos das populações e seus admiradores continuam atuando na surdina, espalhados pelo mundo, infiltrados nas redes de comunicação, se preparando para um novo evento que lhes proporcione o ambiente de cultura necessário como pode ser a crise econômica e a superpopulação para o ressurgimento de suas idéias de genocídio e sectarismo em algum país de origem indo ariana não muito longe. Devemos nos manter alertas.  

Os judeus denominaram Schoá (Extermínio) para designar as agruras que suas populações foram expostas pela aventura nazista. Ao fim da II Guerra Mundial quase 73 milhões de vitimas se contavam entre os países que estiveram envolvidos no conflito. Exocanibalismo exercitado pelos povos mais “civilizados” do planeta tinha gerado a maior hecatombe provocada pelo próprio ser humano. A guerra total demonstrou todo o seu potencial de carnificina e ao final do conflito era difícil distinguir entre “mocinhos” e “bandidos”. Inaugurava-se uma nova época onde até mesmo o átomo serviu para oferecer em holocausto seres humanos indefesos ao grande deus canibal. 


URSS toma Berlim


Bibliografia: 
1) "A História da SS" - Richard Grunberger - Ed. Record - 1970
2) "Schoá - Sepultos nas Nuvens" - Gérard Rabinovitch - Ed. Perspectiva - 2004
3) "Sintese da Doutrina Secreta" - Helena P. Blavatsky - Ed. Pensamento - 1999