sábado, 24 de setembro de 2016

O Sacrifício de Reis

"Em todas as civilizações, até o presente momento, os sacrifícios humanos têm sido praticados sob a forma de guerras e, desde a invenção da aviação, as vitimas das operações militares não se restringem aos soldados mortos em batalhas e à população civil das cidades assoladas pela tormenta da guerra. Entretanto, muitos dos povos que exultam com a guerra ficam, ilogicamente, chocados com o sacrifício de civis em tempo de paz, quer sejam as vitimas servos de um rei, destinados a acompanhá-lo ao mundo inferior dos mortos, quer sejam os filhos primogênitos de um devoto que tem esperança, em virtude de ter oferecido este supremo sacrifício, de forçar um deus a responder favoravelmente as suas preces. Parece não haver evidência nenhuma dessas formas não militares de sacrificio humano no Egito Faraônico, e o massacre dos servos do rei morto parece ter sido abandonado na Suméria, após a Primeira Dinastia de Ur. No Velho Mundo, no último milênio a.C., a prática de queimar vivas as crianças parece ter sido peculiar à Síria e sua colônias ultramarinas. O rei Mesha de Moab sacrificou um filho quando sua capital estava sendo sitiada por uma coalizão inimiga em +ou- 850 a.C.. O rei Acab de Judá, em circunstâncias semelhantes em +ou- 735 a.C., sacrificou seu filho a Javé, queimando-o vivo, e assim fez também um dos seus sucessores, Manassés, que reinou de 687 a 642 a.C. aproximadamente." (A Humanidade e a Mãe Terra - Um História Narrativa do Mundo - Arnold J. Toynbee - Ed. Zahar - 1976 - 2° Ed. - pág. 171 )

"Os mais cínicos chegaram a dizer que o homem moderno, na realidade, representa o longamente buscado 'elo perdido', que ele, de fato, é o 'elo perdido' entre o macaco e o verdadeiro homem" ( Introdução à Antropologia - Ashley Montagu - Ed. Cultrix -1972)

Este texto foi escrito em 2010 quando iniciei os ensaios que deram origem a "Odisseia Antropofágica" e estava inserido no material inicial denominado "Ser Onívoro". Resolvi destacar o presente texto do corpo inicial da introdução para auxilio daqueles que acharam-no muito extenso e portanto deixaram de -lo até o final. Acrescentei alguns novos dados e corrigi alguns erros de ortografia e sintaxe para dar melhor compreensão ao conjunto. Ele entretanto faz parte inseparável da obra e do nexo dinâmico que pretendi desde o início com esta série de comentários à luz dos maiores antropólogos, psicólogos e sociólogos do mundo contemporâneo e seus estudos em relação à condição humana, sua violência, seu sectarismo, sua sociabilidade seletiva, condicionada aos seus aspectos alimentares enquanto ser onívoro e portanto antropófago e como isso condiciona a forma como a humanidade, travestida de sua cultura particular, observa e explora ainda hoje o mundo ao redor, cria cultos e ideologias próprias para velar sua verdadeira condição animal. Acredito que ao fazermos esta catarse coletiva poderemos talvez em algum futuro distante alcançar uma verdadeira evolução. 




Com o desenvolvimento dos estudos da mitologia, sua exegese conheceu nova fase de conhecimento. Pensou-se em surpreender o nascimento dos mitos no presente e sob nossos olhos. A pesquisa voltou-se para as sociedades que conservaram sua identidade mitológica e que ainda produzem mitos todos os dias. Assim nasceu o “método comparativo” nas mãos de Mannhardt e Frazer. Ele repousa sobre o postulado de que as ações do espírito humano são idênticas, seja qual for a civilização, seja qual for o grupo étnico. Pensando assim mitos dos polinésios ou dos bantos africanos podem explicar um mito grego ou romano. Tais mitos sempre serviram de resposta às exigências profundas do pensamento humano sobre as crenças na imortalidade e a negação da morte, segundo Frazer questões recorrentes essenciais ao pensamento humano.

Na sua obra "As Máscaras de Deus", Joseph Campbell define o plano onde atua o mito: "... vale a pena recordar o axioma, porque a mitologia foi historicamente a mãe das artes e, no entanto, como tantas mães mitológicas, igualmente a filha nascida de si mesma. A mitologia não é inventada racionalmente; a mitologia não pode ser entendida racionalmente. As interpretações teológicas a tornam ridícula. A crítica literária a reduz a metáfora. Entretanto, uma abordagem nova e muito promissora se abre quando é vista à luz da psicologia biológica como uma função do sistema nervoso humano, exatamente homóloga aos estímulos sinais inatos e aprendidos, que libertam e dirigem as energias da natureza - das quais nosso próprio cérebro é apenas a flor mais fascinante".

Há também evidências de um parentesco genérico, por difusão, entre vários povos que habitaram o Oriente Próximo e a Europa e seus cultos clássicos de mistérios, não apenas com o complexo mítico egípcio do deus ressuscitado Osíris e o 
mesopotâmico Tammuz, mas também em conformidade com os mitos e ritos primitivos, com raízes no neolítico e na Idade do Bronze, amplamente difundidos do sacrifício do jovem ou da jovem donzela imolada, ou, mais vividamente do jovem casal numa cerimonia sacramental de amor e morte, cuja carne era consumida em comunhão canibal, simbolizando o mistério daquele Ser além da dualidade, de algum modo partilhado no interior de cada um de nós. A mesma ideia é expressa mitologicamente na versão indiana da Criação sobre o dilaceramento da criatura primordial, o Si-próprio, que, após expandir-se, criou por divisão o homem e a mulher e assim formando todas as criaturas acabou tornando-se esse mundo.    

No antigo Egito entre toda a profusão de deidades adoradas pelo seu povo está como um rei o  deus Osíris, herói civilizador primordial das mais remota antiguidade, de seu trono assegurou paz e riqueza e segundo contam os historiadores acabou com a antropofagia como prática ritual entre os egípcios. Conforme o mito, seu malvado irmão Set, ou Tifón lhe assassinou usando falsa estratagema, por inveja, e dividiu seu corpo em quatorze pedaços. Sua irmã e esposa Ísis saiu em busca das partes de seu amado esposo e recolheu-os um a um e erigiu para cada parte majestosa tumba. Seu filho Hórus, quando maior, vingou seu pai, e mediante magia sagrada lhe devolveu a vida. Osíris passou então a reinar no Mundo dos Mortos.

Como Adonis, Action, Hipólito, Dioniso Zagreu e Orfeu, é um herói que sofre, um herói pranteado que ressuscita, seu mito envolve um antigo ritual antropofágico que foi transformado em sacrifício de um touro sagrado, cortado em quatorze pedaços e comido em comunhão pelos fiéis, e posteriormente substituído por outro novilho sagrado como símbolo do seu renascimento. Os gregos se surpreendiam com a semelhança, a analogia da lenda de Osíris com a de Dioniso Zagreu, o novilho devorado pelos titãs, que Zeus faz renascer para a vida. Como Osíris foi habitar o mundo dos mortos onde os acolhia e auxiliava-os em sua purificação. Por difusão esses cultos atravessaram fronteiras imensas, mantidas através da tradição oral de povos pré-históricos, que marcharam até os confins da terra com seus ritos e lendas. Da mesma forma o ritual órfico deu um sentido místico a esses sofrimentos e a essa ressurreição. 

Para os povos “primitivos” a morte é sempre um acidente evitável, resultante de uma “força maléfica” externa que se infiltra no corpo do individuo e corrompe o ser. Em função desta crença ritos foram criados com a finalidade de desenvolver e conservar as forças vitais e inibir as forças antagônicas, muitos deles de evocação antropofágica. Um exemplo deste pensamento invocado por Frazer é uma antiga prática latina: existia em Nemi, perto de Roma, uma floresta consagrada a Diana. O sacerdote deste santuário natural tinha o nome de Rei da Floresta e a tradição permitia a qualquer um que chegasse até lá, o matasse e assumisse seu lugar. Para Frazer, o Rei da Floresta personificava Júpiter, “divindade do carvalho e do trovão”, e se alguém o matava evitava assim a decrepitude do Rei decorrente de sua velhice, a decadência de sua energia vital, que poderia comprometer a vitalidade da própria natureza. De predador a presa ambos garantiam a sucessão periódica de um novo sacerdote mais jovem desde que este tivesse condição real de enfrentar e vencer o oponente mais velho para assim manter o equilíbrio do movimento do universo, pois caso tal não ocorresse seria um perigo para todos. Em sua obra, aos poucos, Frazer demonstra que este ou aquele relato lendário sobre sacrifícios humanos falam dos costumes dos antigos (por exemplo o esquartejamento do rei Licurgo por ordem do deus Dionisio ou então o castigo de Astidamia, cortada aos pedaços, que foi desmembrada e teve suas partes espalhadas pela cidade de Iolco) ou mesmo remonta às suas origens antropofágicas, como nos mitemas de Tiestes e de Pelóps, que conservam ainda hoje as lembranças de práticas bem reais. Todas as lendas de crianças que foram abandonadas possuem semelhantes na América e África, onde o primogênito é sempre marcado com uma condenação. Se ele viver comprometerá o poder do pai, sobretudo se ele for o chefe, sendo um perigo real à existência de toda a tribo. Este é o núcleo de muitos mitemas, práticas de sangue do passado que foram registradas cujo conteúdo se perdeu e se transformou com o tempo. Só a tradição ancestral justificava para os antigos os sangrentos procedimentos de infanticídio que aos poucos eram ritualizados pelos sacerdotes e se transformavam em culto alegórico para sobreviver hoje como lembrança coletiva. Édipo ilustra bem como pensavam os antigos, quando o adivinho vaticinou para seu pai, o rei Laio, que um dia iria ser assassinado pelo próprio filho, e o soberano de Tebas intentou matar o recém nascido, o fracasso do seu crime anos após resultaria na morte do Rei pelas mãos do filho e na calamidade que se abateu sobre seu reino. Da mesma forma explica Frazer são os mitos sobre Frixo e Hele, onde é recorrente o enredo sobre sacrifícios de primogênitos das famílias reais, conforme conta a lenda: a fome se abatia sobre uma região da Tessália e só terminaria com o sacrifício dos dois irmãos, filhos do rei Atamas. As duas crianças conseguem se salvar graças ao carneiro, o “velocino de ouro”. Mais tarde, acometido pela loucura, Atamas mata Learco, seu filho de outro casamento, enquanto sua mulher, Melicerta, mata seu segundo filho se precipitando nas ondas do mar. Segundo o relato na Tessália era vetado ao primogênito, sob pena de morte, de ingressar no “Pritaneu”, palácio onde ocorriam os banquetes dos magistrados e se hospedavam os visitantes ilustres. Todas estas evidencias históricas reunidas nas lendas reafirmam a tradição de como pesava uma ameaça sobre os filhos mais velhos e que naquele cantão existia de fato um rito sacrificatório que pode ser observado em várias outras civilizações. Na Grécia não houve exceção, os mesmos processos antropofágicos foram deflagrados semelhantes ao dos demais povos de sua época, seguindo como se poderia esperar o mesmo padrão humano de outras culturas próximas e distantes.

Entre os semitas encontramos costumes semelhantes associados à sucessão real. Camos ou Chemos (Kemoch = o subjugador) era adorado pelos moabitas, povo que habitava a parte oriental do Mar Morto e que vivia em constante guerra com os hebreus pelo domínio destes territórios. Certa vez, o rei de Moab, sitiado na cidade de Quir Jaraset, se viu numa situação tão crítica que ante a iminente derrota, imolou seu filho primogênito, que segundo a bíblia, iria reinar depois dele, sobre a muralha em honra a Camos, causando consternação e horror aos atacantes que retornaram para sua terra. (II Reis III, 27) Até o reinado de Salomão este deus era adorado livremente em Jerusalém (I Reis XI,7)

O sacrifício dos primeiros filhos masculinos era prática corrente entre os antigos cananeus; os fenícios mantiveram esses costumes até épocas avançadas da antiguidade. Refere Filon que a prática religiosa era costume em ocasiões de grande calamidade pública; sacrificavam-se as crianças mais queridas para afastar as desgraças; nos tempos mais amenos substituía-se a vítima humana por um animal; nas fundações dos templos sacrificavam-se vítimas humanas, como se verifica no templo de Tânita, em Cartago e nas escavações de Kafer-Djarra, velho sítio cananeu.




Refere Diodoro que após a vitória dos cartagineses sobre Agátocles (307 a.C.), os prisioneiros vencidos foram imolados no altar dos deuses; é ainda ele quem nos revela a imolação de dois meninos na Sicília, provavelmente quando na ilha foi introduzido o culto de Moloch (512 a. C) . O deus era representado como um homem com cabeça de touro, divindade também adorada pelos amonitas e moabitas. Era identificado com o Baal semita e com Cronos entre os gregos. Pensa-se que o famoso touro de Faláris era uma representação desse ídolo, com o qual o Minotauro das lendas gregas tem afinidade.

O touro, criação de Faláris, tirano de Agrigento, cidade da Sicília, no séc VI a. C., era uma esfinge de bronze oca na forma de um touro mugindo, com duas aberturas, no dorso e na parte frontal localizada na boca. No interior havia um canal desenvolvido semelhante à válvula móvel do instrumento musical trompete, que ligava da boca ao interior do Touro. Após colocar a vítima a ser punida ou imolada na esfinge, era então fechada a entrada colocando-se sobre uma fogueira. À medida que a temperatura aumentava no interior do Touro, o ar ficava escasso, e o executado procuraria meios para respirar, recorrendo ao orifício na extremidade do canal. Os gritos exaustivos do executado saíam pela boca do Touro, fazendo parecer que a esfinge estava viva. Até o séc. III d. C. , assegura-nos Tertuliano, se cometiam, em segredo, sacrifícios humanos na Sicília. 

A seguinte lenda talmúdica relacionada ao costume do infanticídio remete ao oferecimento de Abraão para imolação à Javé de seu filho Isaac e mostra  como pensavam esses povos em relação ao sacrifício do primogênito: “E eu”, exclamou o patriarca, “juro que não descerei do altar antes que me tenhas atendido: Quando me ordenaste que não sacrificasse meu filho Isaac, violaste de novo a palavra que disseste: ‘É de Isaac que sairá a tua posteridade’. Mas eu me calei. Se, porém, meus descendentes um dia procederem contra Ti e Tu quiseres castigá-los por causa disso, lembra-te de que Tu não estás inocente, e perdoa-lhes”. “Vamos então”, respondeu o Senhor, “eis ali um carneiro na sebe, preso pelos chifres; oferece-o em sacrifício, em lugar de teu filho Isaac. E se teus descendentes um dia pecarem e Eu me sentar no dia do ano novo para julgá-los, então eles devem tocar uma corneta de chifre de carneiro para que eu me lembre de tuas palavras e faça prevalecer a misericórdia sobre a justiça”. (Fromer e Schnitzer, Legenden aus dem Talmud, 1922, pág 34s)

Nesta época, na Mesopotâmia, os eclipses do Sol e da Lua eram considerados extremamente perigosos para os reis, e prediziam muitas vezes sua morte. A astrologia estava já suficientemente avançada e as previsões dos astrólogos eram bastante precisas sobre os movimentos dos astros. Se Jupiter era visível, o rei estava a salvo; se um eclipse escurecia a parte superior da Lua, o soberano de Amurru ou do Oeste morreria; se escurecia um dos quadrantes inferiores, era o destino do rei Assírio que estava em perigo. No entanto o monarca podia recorrer a um estratagema para enganar os deuses, colocando no trono um substituto, para transferir os maus augúrios para esta pessoa, que era assassinado cem dias após o eclipse e enterrado com honras de rei. Os hititas, povos invasores de origem ariana, influenciados pelos costumes da Mesopotâmia tinham ritual semelhante.

Na Babilônia e na Pérsia ocorria a festa chamada dos sacaea, quando era organizada uma procissão em triunfo com um condenado investido de rei. Os papeis entre escravos e senhores eram então invertidos, os últimos servindo os primeiros numa subversão total da ordem regada a farta bebida e comida. Ao final das festividades o rei substituto era despojado das ricas vestes, açoitado, enforcado ou crucificado para o restabelecimento do equilíbrio universal. A origem do folguedo macabro está relacionada às festas equinociais, de passagem  do ano, realizadas em Março, período que marca o fim da trajetória solar no firmamento, onde o sacrificado era o próprio simulacro do soberano e sua figura se assemelhava ao rei momo das atuais festas carnavalescas na Europa e América do Sul, personagem que reina hoje soberano durante a folia popular sem o trágico desenlace final. As saturnálias romanas, que ocorriam em Dezembro, foram  influenciadas diretamente por esses ritos primevos orientais e também tinham significado semelhante de subversão da ordem estabelecida. Essas festividades atravessaram os séculos resistindo ao assédio do catolicismo e sobrevivem até hoje corrompidas do seu significado sagrado.      

Em nossa cultura só conhecemos os grandes traços da religião gaulesa e germânica sob o disfarce da mitologia clássica ou através do relato de alguns poucos autores clássicos gregos ou latinos cujas obras sobreviveram aos tempos de obscurantismo da Inquisição. Mesmo no estudo dos deuses latinos, hoje busca-se despojá-los da roupagem helênica, para descobrir por trás dos traços gregos a verdadeira face da entidade primitiva indo ariana ou etrusca que se esconde nesse sincretismo sagrado adotado pelos antigos.

Desta forma Ifigênia, imolada pelos gregos em Aulis para propiciar bons ventos às naus na guerra de Troia como tema recorrente do principio feminino muito cultuado pelos gregos antes da Idade das Trevas, será novamente cultuado em tradições folclóricas ou culturais em outras regiões da Grécia e até mesmo em Roma: ora em Táurida ora no Peloponeso onde seu culto se confunde com os ritos selvagens da Ártemis espartana e por fim no Lácio, na floresta de Nemi onde ela é a sacerdotisa de Diana protetora das florestas. Como esta relação entre as divindades gregas e latinas ocorreu ainda é assunto de controvérsia entre os estudiosos. Alguns imaginam que os mitos gregos se tornaram preponderantes em relação aos latinos naturalmente associando Troia a sua origem em função da força e identidade com o mito helênico, outros imaginam uma origem mais distante quando os primeiros guerreiros arianos desembocaram na península européia e com seu furor trouxeram suas antigas lendas e cultos que depois puderam ser sincretizados entre os povos que habitavam o mediterrâneo. É possível que ambas as hipóteses sejam verdadeiras.

Originados na região do Cáucaso, Ásia Oriental, os indo-arianos empreenderam uma série de invasões; um grupo de tribos espalhou-se por toda a Índia, Irã, Turquia, Oriente Próximo e Europa. Estas invasões começaram no segundo milênio a.C. Entre seus descendentes incluem-se os gregos, os romanos, os teutões. Todos estes grupos nômades de origem indo arianas eram sociedades compostas de castas de guerreiros e magos com complicados sistemas de crença e portadores de tecnologias bélicas, na época, inovadoras, que lhes garantiram uma supremacia inicial na conquista de grandes áreas territoriais do mundo antigo. Esses pastores se transformaram nas classes dominantes dos povos que dominaram e mantem até hoje sua supremacia. A antiga palavra védica para guerra, gavisti, significa "desejo por vacas" e nessa época as vacas dos pastores árias eram abatidas, usava-se o couro e consumia-se o leite e a carne. Posteriormente sofreram grande influência dos autóctones, assimilaram as crenças dos dominados onde  realizaram suas conquistas para melhor governar as classes inferiores mais numerosas de trabalhadores braçais. Mas de onde surgiram esses povos?




Recentemente foi redescoberto no meio de um deserto aterrorizante no norte do Tibete um extraordinário cemitério ancestral por uma equipe de arqueólogos chineses. Os ocupantes morreram quase quatro mil anos atrás, mas seus corpos foram bem preservados pelo ar seco do deserto. O sítio arqueológico fica em território hoje pertencente à província de Xinjiang, noroeste da China, mas os restos encontrados são de pessoas com traços europeus, cabelos castanhos e narizes longos.

Embora sepultados em um dos maiores desertos do mundo, os corpos foram enterrados em barcos posicionados de cabeça para baixo. Em lugar do convencional simbolismo que consagre esperanças pias na mercê de um deus quanto a eles, o cemitério exibe uma vigorosa floresta de símbolos fálicos, que era símbolo comum de culto entre os antigo, arquétipo do potencial de geração universal adorado por todas as civilizações do planeta.

O povo há muito desaparecido ainda não tem nome, porque sua origem e identidade ainda não foram conhecidas. Mas estão surgindo muitas pistas sobre sua origem, modo de vida e até mesmo sobre o idioma que falavam. Os sepulcros, conhecidos como Pequeno Cemitério Fluvial Número 5, ficam perto do leito seco de um rio na bacia de Tarim, região cercada por inóspitas cadeias de montanhas. A maior parte da bacia é ocupada pelo deserto de Taklimakan, uma terra tão árida que os viajantes da Estrada da Seda sempre optaram por contorná-lo ao norte ou ao sul.





Nos tempos modernos, a região foi ocupada pelos uigures, uma etnia de fala turca, e nos últimos 50 anos também recebeu migrantes da etnia chinesa dominante, os han. Grande número de antigas múmias - na verdade cadáveres ressecados- foram localizadas nas areias, e se tornaram mais um objeto de disputa entre os uigures e os han, as duas etnias que disputam os territórios da região.

As cerca de 200 múmias encontradas têm aparência distintamente ocidental, e os uigures, mesmo que só tenham chegado à região no século 10, as alegam como prova de que a província sempre pertenceu a eles. Algumas das múmias, entre as quais uma mulher bem preservada conhecida como "a beldade de Loulan", foram analisadas por Li Jin, conhecido geneticista da Universidade Fudan que afirmou em 2008 que o ADN continha marcadores que apontavam para origens no leste ou até mesmo no sul da Ásia.

As múmias do cemitério são as mais antigas já encontradas na bacia de Tarim. Testes de carbono conduzidos pela Universidade de Pequim dataram as mais antigas delas de 3.980 anos atrás. Uma equipe de geneticistas chineses analisou o DNA das múmias.




A despeito das tensões políticas quanto à origem das múmias, os pesquisadores chineses afirmaram em relatório publicado pela revista científica BMC Biology que o povo tinha origens mistas, com marcadores genéticos europeus e siberianos, e que provavelmente tenha vindo de fora da China.

Todos os homens que foram analisados portavam um cromossomo Y hoje mais comumente encontrado no leste da Europa, centro da Ásia e Sibéria, mas raramente na China. O DNA mitocôndrico, que é transmitido pela linhagem feminina, consistia de uma linhagem da Sibéria e duas comuns na Europa. Já que tanto o cromossomo Y quanto as linhagens de DNA mitocôndrico são antigas, assim os pesquisadores chineses concluíram que as populações europeia e siberiana provavelmente já haviam começado a se combinar antes de chegar à bacia de Tarim, por volta de quatro mil anos atrás.




O cemitério foi descoberto em 1934 pelo arqueólogo sueco Folke Bergman, mas passou 66 anos ignorado até que uma expedição chinesa voltou a localizá-lo, usando o GPS. Os arqueólogos começaram a escavar o sítio entre 2003 e 2005.

Enquanto os arqueólogos chineses escavavam as cinco camadas de túmulos, encontraram cerca de 200 estacas, cada qual com quatro metros de altura. Muitas tinham lâminas lisas, pintadas de vermelho e negro, como os remos de alguma grande galera que tivesse naufragado por sob as ondas de areia.

E por sob as estacas existiam de fato barcos, de cascos revestidos de couro animal e posicionados de cabeça para baixo. Os corpos que os barcos abrigavam ainda vestiam as roupas com que foram sepultados - toucas de feltro com penas enfeitando as abas, muito parecidas com chapéus montanheses do Tirol. As múmias portavam grandes mantos de lã com borlas, e botas de couro. Vestigios da Idade do Bronze, suas vestimentas intimas, as roupas de baixo eram tangas sumárias para os homens e saias feitas de fios soltos para as mulheres.

Dentro de cada barco usado como caixão haviam oferendas de sepultamento, entre as quais cestos de palha muito bem trançados, máscaras rituais entalhadas e ramos de efedra, uma erva que pode ter sido usada em rituais ou como medicamento.

Nos caixões femininos, os pesquisadores encontraram um ou mais falos de madeira em tamanho natural, postados sobre ou ao lado dos corpos. Ao observar de novo o formato das estacas de quatro metros que se estendiam da proa dos barcos femininos, os arqueólogos chegaram à conclusão de que se tratava de gigantescos símbolos fálicos.

Os barcos dos homens todos estavam sob estacas em estilo remo. Mas na verdade não era essa sua função, concluíram os arqueólogos chineses: as peças no topo das estacas eram uma representação simbólica de vulvas femininas, o complemento dos símbolos encontrados nos barcos das mulheres. "O cemitério todo estava decorado com símbolos sexuais explícitos" A "obsessão com a procriação" em um terreno inóspito refletia a importância que a comunidade atribuía à fertilidade dizem os estudiosos.

A evidente veneração das pessoas sepultadas no local pela procriação pode indicar que estavam interessadas tanto nos prazeres quanto na utilidade do sexo, se levar em conta que os dois são difíceis de separar. Mas parecia haver respeito especial pela fertilidade, porque muitas mulheres estavam enterradas em caixões duplos, com oferendas especiais de sepultamento.

Dada a vida em um ambiente hostil, a mortalidade infantil deve ter sido muito grande, e também a necessidade de procriar, especialmente devido à situação isolada em que viviam. Outro possível risco para a fertilidade poderia ter surgido caso a população praticasse procriação consanguínea, pois na Idade do Bronze este comportamento ainda não tinha sido firmado como interdito. As mulheres capazes de gerar crianças e garantir sua sobrevivência até a idade adulta devem ter sido especialmente reverenciadas pois o culto à Grande Mãe sempre foi tema recorrente entre os povos antigos, principalmente em grupos tribais em declínio ou com baixa densidade populacional.

Diversos dos itens identificados no cemitério se assemelham a artefatos ou costumes familiares na Europa. Barcos para sepultamento eram comuns entre os vikings. Saias de fios e símbolos fálicos também foram localizados em locais de sepultamento da era do bronze no norte da Europa.

Não há assentamentos populacionais conhecidos perto do cemitério, e portanto é provável que as pessoas vivessem a alguma distância e chegassem ao cemitério de barco. Não foram encontradas ferramentas para trabalho em madeira no local, o que sustenta a ideia de que as estacas tenham sido entalhadas em outro lugar.

A Bacia de Tarim já era bastante árida quanto os moradores responsáveis pelo cemitério chegaram, quatro mil anos atrás. Eles provavelmente viveram lutando arduamente para sobreviver até que os lagos e rios dos quais dependiam por fim secaram, por volta do ano 400 d.C.

Sepultamentos acompanhados por objetos como chapéus de feltro e cestos de palha eram comuns na região até dois mil anos atrás.Não se sabe que idioma os moradores da região falavam, mas acredita-se que possa ter sido o tocariano, ramo linguístico da família dos idiomas indo-arianos. Manuscritos em tocariano foram localizados na bacia do Tarim, onde o idioma era falado entre os anos 500 e 900 d. C.

A despeito de sua presença no leste, o tocariano parece mais aparentado aos idiomas "centum" da Europa que aos idiomas "satem" da Índia e Irã. A divisão se baseia nas palavra usadas para centena em latim (centum) e sânscrito (satam).

Os moradores da região já estavam presentes dois mil anos antes das primeiras provas quanto ao uso do tocariano, mas existe uma clara continuidade de cultura, comprovada

Os nazistas, no auge de seu poder no séc. XX, investiram grandes somas para que arqueólogos descobrissem suas origens milenares no seio da Ásia. Quem sabe o vale do Tarim abriga o arcano desse povo indo-ariano que fugindo das condições adversas de mudança do seu meio ambiente primitivo, que naturalmente ou por exploração indevida transformou-se em local inabitável e acabou obrigando seus residentes em plena Era do Bronze a empreender suas campanhas de guerra total aos povos vizinhos espalhando suas hordas guerreiras pela Europa e Ásia? Serão desses povos, que cultuavam: as potencias telúricas, os costumes antropofágicos e a desinibição para o cometimento de genocídios e conflitos etnocidas, depois tão comuns na Europa, a herança primordial da guerra total?

Tácito em sua obra “A Germânia” descreve o hábito dos Teutões, povo de comprovada origem indo-ariana: “ VII - Elegem os reis pela nobreza e os capitães pelo valor. Mas o poder dos reis não é absoluto; e os capitães, se são ousados e ilustres e os primeiros na luta, governam mais pelo exemplo que dão do seu valor e pela admiração que provocam do que pela autoridade do cargo. A ninguém é permitido ralhar, prender ou açoitar senão aos sacerdotes, e não como castigo, ou por ordem do capitão, mas como o mandasse o deus que, segundo eles, assiste aos que pelejam. E por este motivo levam para os combates certas imagens e insígnias que tiram dos bosques sagrados. No entanto o que principalmente os incita a ser valentes e esforçados é não constituírem os batalhões e companhias de pessoas ao acaso, mas da família e parentela, e terem perto aqueles que lhe são mais queridos, para que possam ouvir o alarido das mulheres e os gritos dos filhos. Estas são as suas mais santas testemunhas, os seus melhores panegiristas. Mostram as feridas às mães e às mulheres que não tem pavor de as contar nem de chupá-las. “Antes, durante a batalha, elas levam exortações e mantimentos aos que pelejam”.

“VIII – Conta a tradição que, por vezes, as mulheres conseguiram restaurar batalhas quase perdidas, fazendo voltar os exércitos já em fuga, aos quais, expondo-se ao perigo, fizeram ver a escravidão eminente, a qual muito mais temem por amor às esposas. Desta forma se pode ter muito mais confiança nas cidades que por reféns dão algumas donzelas nobres. Supõem que existe nas mulheres alguma coisa de santo e providente, e por isso não deixam de as consultar nem de ouvir seus conselhos. Vimos como, no tempo do Divo Vespasiano, Veleda foi por muitos considerada como divindade. E já em épocas anteriores prestaram culto a Aurinia e a muitas outras, não por mera adulação ou porque lhes quisessem prestar honras de deusas, mas porque as tinham como tais”.

“IX – Adoram Mercúrio sobre todos os deuses, e em certos dias tem por santo sacrificar-lhe algumas vítimas humanas, para aplacá-lo. À Hércules e à Marte fazem com o mesmo fim sacrifícios de animais. (...) Entendem que não é próprio da majestade dos deuses tê-los encerrados entre paredes ou representá-los em figuras humanas. Consagram-lhes muitas selvas e bosques, e dos nomes dos deuses apelidam os lugares mais secretos que somente olham com veneração”.

Os teutões e celtas praticavam com freqüência sacrifícios humanos dedicados aos seus deuses florestais para garantir o sucesso de seus empreendimentos e das suas colheitas. Sua origem asiática marca seus costumes e deidades que possuíam origem ancestral comum, mas denominações diferentes alteradas pelo tempo entre as sucessivas migrações.

Conforme os comentários de Julio Cesar em sua obra sobre as guerras na gália, observou no druidismo celta a semelhança comum de suas crenças com as de gregos e romanos e traçou um sincretismo, nem sempre correto, entre seus deuses e os dos gauleses. Seus deuses podiam ser identificados com Mercúrio (Lugus), Apolo (Grannos), Marte (Camulos) e Minerva (Dea Brigantia). Nas grandes festas que realizavam os celtas ofereciam sacrifícios humanos, para o qual construíam enormes ídolos de vime onde encerravam as vítimas e depois ateavam fogo. As vítimas eram imoladas em honra de Taranis, seu deus do trovão. Para honrar Tutatis, o deus da guerra também associado como "deus da cidade", um ser humano era então afogado em um barril de água. Noutras ocasiões as vítimas eram estripadas ou apunhaladas pelas costas para que os druidas pudessem predizer o futuro pelo estado das entranhas fumegantes ou pela posição dos membros quando deixassem de estrebuchar. Na Notre Dame em Paris foi descoberto em seu altar uma pedra gravada com um touro e três garças imagem associada a Tarvos Trigaranus e a imagem de Esus, um deus lenhador protetor das vinhas, associado pelos romanos a Vulcano e a Júpiter. Dizem que era nesse local que os gauleses praticavam seus cultos e posteriormente os romanos construíram um templo dedicado a Júpiter, antes de ser construída a famosa catedral. Mencionado por Lucano (60d.C.) como um deus tribal exigia por seu culto sacrifícios sangrentos. Seu nome, Esus, está associado ao deus latino Herus que significa "dono" ou "senhor" e aos deuses indo-arianos denominados Asuras.

Após a vitória de uma batalha dispunham os sobreviventes conforme seus costumes. Os prisioneiros mais moços e mais belos eram imolados ao seu deus. Os outros eram atados em árvores e serviam de alvos para as lanças e machadas. Conta-se que comiam a carne e bebiam o sangue das crianças mais gordas aprisionadas do inimigo, e as mulheres eram violadas mesmo quando estavam já agonizantes pelos vencedores. 

Os sacrifícios humanos podiam ter três motivações. O dom humano era oferecido em troca do dom divino. Neste caso, a vítima, sempre voluntária era honrada com o mesmo título que o guerreiro que perde a vida para defender a Pátria, isto é, consagrado como herói. Se o sacrifício atingia criminosos ou prisioneiros de guerra, o pensamento era outro. As vítimas concentravam sobre sí além da mancha do crime ou da derrota em batalha, todas as faltas da tribo que os fez prisioneiros, da mesma forma como os judeus utilizavam o bode expiatório para purificar seus pecados. Ou se sacrificava uma vida pela outra como nos conta Julio Cesar.

Em um manuscrito cristão, o Dindschenchas consta que sacrifícios humanos eram realizados ao pé do ídolo de ouro de Cromm Cruaich adorado na Irlanda, que tinha ao seu redor 12 ídolos de pedra: "É a ele que eram oferecidos os primogênitos de cada ninhada e os rebentos de cada clã".              

Uma proibição singular entre os gauleses, que pertence com certeza aos seus tabus de alternância de poder e majestade, proibia ao filho aproximar-se armado de seu pai; pois resultava que eram criados por famílias estranhas ou pelos druidas, costume ancestral que ainda perdurou muito tempo na Irlanda, e que sobreviveu em sua essência na prática européia do internato.

Como faziam os construtores em toda a Ásia, por crença costumavam enterrar uma vítima nos alicerces de uma muralha para garantir sua fortaleza, costume que perdurou até mesmo depois da catequese cristão e é mencionada como prática devocional de santos que se ofereciam espontaneamente para serem enterrados, e assim tornar sacro o solo onde se pretendia construir  o monatério. A alma do voluntário, segundo o relato, seguia diretamente para habitar o paraíso.

Os celtas na época de Roma seguiam para a batalha cantando seus cânticos de guerra completamente nus, precipitando-se contra as legiões romanas para terror dos inimigos. A existência do "culto da cabeça cortada" ao longo de toda a Idade do Ferro, torna clara a raiz antropofágica de suas crenças trazidas dos confins da Ásia pelos seus antepassados e mantida na sua cultura e formação na Europa. Os guerreiros punham as cabeças dos seus inimigos recém decepadas atadas aos carros ao fim da batalha e levavam seus troféus para suas habitações onde as penduravam nas traves como demonstração de sua fúria e poder. No sul da França era comum encontrar em nichos esculpidos nos monólitoscrânios humanos. Cabeças humanas adornavam a entrada de suas vilas e aldeias e os portões dos fortes nas colinas. 

Quase dois séculos antes de Cristo Possidônio, um viajante grego, não sem espanto relatou que os gauleses guardavam a cabeça de seus inimigos célebres num cofre depois de a ter feito macerar em óleo de cedro, a fim de exibi-la com orgulho aos seus visitantes embevecidos. Outros as fixavam, como ornamentos sagrados nas paredes de suas casas. Posteriormente esse costume foi confirmado nas escavações arqueológicas realizadas no interior da Irlanda do pórtico de um templo celta onde estavam cavados nichos contendo crânios pregados na pedra com uma óbvia intenção cerimonial. Descobertas análogas nas redondezas em imagens de cabeças representadas em baixo relevo com impressionante realismo. Os ossários bretões onde se superpunham as caixinhas onde se guardavam os crânios das pessoas que se pretendia perpetuar parecem uma evolução desse costume. Em ambas as tradições podemos perceber os resquícios do endocanibalismo e do exocanibalismo nas crenças do "culto a cabeça" de parentes e inimigos. Essas manifestações culturais permaneceram vivas até o distante séc. XII, mesmo após a introdução do cristianismo entre os povos que ocuparam a Europa.           

O rei irlandês Aed, vitorioso sobre os daneses em 864, como seus antepassados fizeram nas estepes longínquas da Ásia, amontou as cabeças cortadas dos vencidos numa piramide. Quatro séculos depois, Dermod, rei do Leinster, tendo sido despojado do trono por felonia, chamou os normandos para se vingar e os ajudou a vencer seus compatriotas. Depois seus homens cortaram 200 cabeças, que depuseram aos seus pés. Então ele entoou um canto de triunfo.

Na pérsia estabeleceram estas tribos de origem asiática seus costumes trazidos das estepes e criaram seu império baseado nestes valores nômades, estabelecendo uma das primeiras crenças monoteístas baseadas na eterna luta entre o bem e o mal, da qual seu povo e seus mandatários tinham parte importante na disputa cósmica, e deviam promover a vitória do bem através de suas guerras de conquista que viria impor sua autoridade em boa parte do mundo antigo. Sacerdotes e guerreiros ocupavam as castas superiores e ditavam como deveria ser regulada a sociedade de então. Seu monarca acumulava a função de guerreiro e sumo sacerdote impondo seu poder adquirido por inspiração da deidade. Ao fim da história humana, no final dos tempos, seus reis imaginavam estar destinados a lutar lado a lado com o Salvador Celestial Aúra-Masda e compartilhar com a deidade do triunfo do bem sobre o mal.

A partir do séc. XII a.C. novos povos do Oriente de origem indo-ariana se abateram sobre a Europa vindos da Ásia numa grande migração e foram expulsando os celtas e outros povos autóctones que habitavam a Europa da época. Com o nome de Dórios, invadiram e destruíram muitas cidades estado miceanas na Grécia levando toda a região a um período de trevas que se arrastou por aproximadamente 300 anos e finalmente aos poucos se aliaram aos nativos para fundar a cultura da Grécia Clássica. Conquistaram em seus primórdios a península itálica e fundaram Roma. Influenciaram como dominadores a cultura e religião dos povos autóctones relegando à segundo plano o culto à Grande Mãe e introduzindo seus deuses masculinos que passaram a ocupar um lugar predominante e machista no panteão e nos cultos dos povos dominados. As mulheres que até então detinham razoável liberdade em sociedades onde a descendência era matrilinear tiveram seus direitos reduzidos e eliminados nas sociedades patrilineares comuns entre os indo arianos. Suas levas incessantes de emigrações originadas na Ásia até o séc. VI d.C. foram determinantes na derrocada posterior do Império Romano do Ocidente, estabelecendo suas comunidades nas regiões que deram origem as modernas nações européias. Os vikings, terríveis guerreiros de origem teutônica desceram o Volga e criaram na atual Rússia seu reino, enquanto os anglos saxões expulsavam os celtas romanizados das ilhas britânicas para a Cornualha e Gales. Mais tarde seus descendentes, normandos, franceses, holandeses e alemães iriam definir através de suas políticas coloniais a situação geopolítica do planeta com sua ideologia dicotômica, seus exércitos e suas guerras de dominação, impondo de uma vez a cultura dominante do planeta.

Entre as divindades femininas representadas pelos Teutões que estavam vinculadas diretamente a guerra eram as Valquírias as principais, pois era delas a incumbência de levar para o Valhala os guerreiros nobres mortos em batalha e acolhe-los com hidromel o que lhes dava a imortalidade e eram elas que decidiam a sorte dos combates segundo as vontades de Odin. Eram representadas como mulheres nobres montadas em corcéis e armadas com lanças. Nas tradições mais antigas são gigantas temíveis que aparecem em sonhos como presságio de morte iminente, derramam sangue sobre a terra e devoram homens na batalha, podem cavalgar lobos e ter a companhia de aves de rapina. Aparecem com freqüência rodeadas de corvos, animais que se alimentam de cadáveres nos campo de batalha da europa. Apresentam também o aspecto de protetoras dos lares, protegem os jovens príncipes, lhes dão nome e espada, são suas esposas sobrenaturais, lhes ensinam as tradições bélicas, lhes protegem na guerra e os recebem no tumulo quando morrem. Seus nomes significam batalha, a única maneira de o homem ascender ao paraíso é através do combate, só perdendo a vida com a espada na mão poderá usufruir dos cuidados destas guerreiras no Valhala.

Como as moiras na mitologia Greco-romana, as Nornas decidem a sorte dos seres humanos e dos deuses. Visitavam as cortes dos reis para traçar o destino dos príncipes recém nascidos, sendo associadas ao fluxo do destino, ao rio que corre abaixo da Árvore do Mundo, fonte do conhecimento secreto. Em alguns casos são as Nornas mencionadas como três e outros são um grupo maior de divindades. Esta árvore cosmogonica chamada Yggdrasdill possui três raízes. Uma estende-se em direção à nascente mais alta, denominada Urdur, onde os Ases reúnem-se em conselho e onde as Nornas, enquanto fixam a duração da vida dos homens, vertem água que vem da nascente sobre a Árvore, a fim de lhe garantir seiva e verdor sem fim. A segunda raiz estende-se na direção da terra dos gigantes do Frost; sob ela nasce a fonte de Mimir, o primeiro homem e rei dos mortos; nessa fonte residem todo o conhecimento e toda a sabedoria. O próprio Odin para poder beber de suas águas, deveu deixar como penhor um de seus olhos. Quanto à terceira raiz, ela desce até o Nifleim, o Hades escandinavo, onde é constantemente ruída por um dragão. No mais alto ramo do tronco empoleira-se uma águia, enquanto outros animais habitam os ramos mais baixos. Finalmente, Odin segundo a mitologia nórdica passou nove noites sob sua sombra antes de descobrir as runas, ato que faz lembrar a grande meditação do Bhuda sob a figueira sagrada.

Outro culto de divindades femininas difundido era propiciado para as Dises, depois convertido como culto às Valquírias e Nornas, que exigiam sacrifícios humanos em Upsala. Acredita-se que este culto ocorria no outono, no começo do ano novo, coincidindo com a festividade aos grandes deuses tradicionais das várias tribos.

Seu herói principal é Sigurd, personagem principal do conto popular de cavalaria cantado pelos menestréis na Islandia, Escandinávia e Germania, que derrota a serpente Fafnir usando esperto ardil, com sua espada encantada Gram, numa versão tardia cristianizada do próprio Odin. O monstro Fafnir, um ser encantado, antigo príncipe transformado em serpente pelo uso do anel do poder e da maldade, ainda moribundo lembra o herói que o ouro que lhe pertence é maldito e sina de morte violenta para quem o possue. Seu irmão, o covarde e traidor Regin, rei que desde o início havia incitado Sigurd a cumprir sua promessa de destruir o monstro e saquear sua fortuna, ao perceber sua morte sai do esconderijo retira-lhe para fora o coração e bebe-lhe o sangue. Pede uma graça ao herói, que ele prepare uma fogueira para assar o coração do próprio irmão, pois tinha a intenção de comê-lo. Sigurd assim o fez e ao espumar a carne no espeto ele passou o dedo e levou à boca para verificar se já estava pronta. Imediatamente ao beber do sangue, fonte da eterna sabedoria, percebeu que ele próprio deveria comer o coração da fera. Pica-paus que piavam num arbusto ao lado tornaram-se inteligíveis pelo herói que ao absorver a essência do monstro atingiu um novo nível de conhecimento. Dizia um:- Lá está deitado Regin e quer trair esse que lhe tem confiança (como atraiçou o irmão Fafnir) Então outro falou: - Sigurd deve decepar-lhe a cabeça, e assim, será sózinho senhor de todo aquele ouro. E ainda outro recitou: Ele deve cavalgar até a caverna de Fafnir para apanhar todo o ouro que ali está. E outro ainda lembrou: -Sigurd não será tão sagaz como imagino se deseja poupá-lo depois de ter matado o irmão dele. Então outro falou: - Ele tomaria a melhor decisão matando-o e possuindo sózinho o tesouro. Concordando Sigurd falou: - Não vou ter a desdita de ser morto por Regin, mas, antes os dois irmãos terão o mesmo destino. E assim empunha a espada Gram e corta fora a cabeça de Regin. E, depois, comendo um pedaço do coração da serpente e guardando o resto sai sem demora em busca do seu espólio de batalha escondido na cave do monstro.

De forma análoga, nas lutas infindáveis de sucessão entre parentes próximos, o mito do parricídio é recorrente aos povos indo-arianos, e muitos registros ficaram gravados em suas lendas cosmogônicas. Segundo a mitologia dos Gregos, por exemplo, Cronos cortou fora o pênis do próprio pai, Uranus, enquanto ele dormia com sua mulher, Gaia a Terra, que sozinha o havia gerado, e lançou-o para o céu. Sua mãe secretamente resolve libertar os filhos ( Ela é a Natureza e, como tal, não pode impedir os fenômenos da natureza de seguirem seu curso ). Cronos, o tempo, indomável filho de Gaia e Uranus, revoltado contra o pai, por esse fecundar incessantemente a mãe e pela devastação constante promovida pelos filhos deste no planeta comete esta imolação. Sua arma é uma foice, que a própria terra havia afiado para cometer o ato. A foice simboliza a morte, mas é seu reino que finda dando lugar a nova era de Cronos e ao inexorável caminho da evolução. A foice é também símbolo de renascimento, como instrumento da colheita, uma nova esperança que renasce. Ao cair na Terra o sangue de Uranus ainda mais uma vez a fecunda. Seu pênis caiu no mar ao largo de Chipre, segundo o mito, onde a espuma que levantou deu nascimento a Afrodite.




Cronos, deus primordial, a fome devoradora da vida, devorou todos os filhos de Rhea (Cibele), sua mulher e irmã, que ambos haviam concebido. Por fim quando nasceu o sexto filho, Zeus, Rhea enganou-o dando-lhe uma pedra para engolir em lugar da criança. Zeus então deu a Cronos um emético, fazendo-o vomitar pedra e filhos, que ainda estavam vivos, e, com a ajuda dos Titãs lhe fez guerra.

A queda de Cronos possui mais de um sentido. Seu reinado se assemelha a fase pré-consciente da humanidade e representa o desejo insaciável de evolução. Nesse período que simboliza o surgimento da estrutura social, a vida não compreende ainda a si mesma e se assemelha a um caldeirão confuso de elementos diferentes da existência como a conhecemos. Zeus então nesse mitema ordena o universo definitivamente. Ele é o principio divino da espiritualidade, a nova ordem que surge. Destronando o próprio pai, Zeus estabelecerá na Terra a base das relações entre todos os seus elementos. Nem monstros, nem gigantes, nem cegos como os primeiros filhos de Gaia, os deuses Olímpicos representam miticamente, o surgimento do Homo Sapiens e seu domínio sobre o planeta, na evolução das espécies. Isto é: um ser senciente, falante, bípede e criador feito a semelhança de suas divindades antropomorfas.

O triunfo de Zeus representa para os filósofos clássicos a vitória da Ordem e da Razão sobre os instintos e as emoções desenfreadas e na verdade é o marco do pátrio poder. É ele quem “abre aos homens os caminhos da razão” e ensina-lhes que o verdadeiro conhecimento só é obtido a partir da dor. É o supremo magistrado de onde emana toda a justiça universal premiando os esforços honestos e punindo as impiedades. Sua imagem é uma projeção de povos que sofreram com os desmandos e as guerras de uma longa era de trevas que durou aproximadamente três séculos, quando ficaram a mercê de inimigos estrangeiros e mergulhados na guerra civil sofrendo fome e escravidão. No período posterior sua imagem adquiriu contornos próprios de restabelecimento dos valores da civilização dominante que foram novamente retomados após os anos de sobrevivência destas comunidades em condições precárias e subumanas. São os mitemas reflexos exatos deste período, o que restou de antigos relatos transmitidos oralmente pelos mais velhos em volta de fogueiras onde uma antiga civilização, chamada micenica, quase havia retornado à pré-história. Era o que restou de sua cultura após até mesmo o esquecimento de sua escrita nativa. Homero e Hesíodo, trezentos anos após a Idade das Trevas já no renascimento da hélade buscaram registrar os cantos que os pastores recitavam para seus pares nas noites incertas onde se reuniam para afugentar o medo que a existência fugaz lhes impunha.

A pedra que havia sido engolida por Cronos caiu em Delfos e foi então cuidada pelos homens, coberta de lã, passou a ser usada para influir nos fenômenos da natureza e propiciar chuvas tão necessárias para as colheitas. Sua origem natural deve ser um meteorito e foi confundida com um raio pelos antigos, pois sua queda em um céu limpo deve ter gerado um estrondo assustador. Assim Delfos foi considerado pelos antigos povos mediterrâneos o centro do mundo, a pedra com formato fálico denominada Omphalos demarcava o umbigo do mundo, Era em seus primórdios templo dedicado a Gaia, e o culto da serpente píton que ocupou por bom tempo o santuário antes de ele ser dedicado ao viril Apolo que expulsou a serpente, deus trazido pelo invasor.

Os reis estrangeiros, invasores, trouxeram seus costumes bárbaros, e impuseram seus deuses masculinos, criando sociedades “civilizadas” onde o convívio entre os homens afeitos às constantes guerras suplantava o convívio heterossexual, já que a mulher ficava sujeita a vida de geratriz e ou concubina do guerreiro em eterna campanha militar. A sucessão patrilinear implantada pelos invasores indo-arianos levava a uma constante pressão familiar entre o monarca e seus sucessores ávidos pelo poder. O rei quando perdia seu poder era então sacrificado quando percebiam nele acessos de impotência, ou quando as intempéries punham em dúvida seus poderes mágicos para garantir o sucesso das colheitas. Por isso matavam-no. 

Este é o sacrifício que o rei Minos se recusou a fazer quando reteve o touro recebido de Poseidon e recusou seu sacrifício. Na Grécia a duração do reinado dependia de uma avaliação que ocorria de oito em oito anos. Sem ocorrer em uma avaliação precipitada, afirma Campbell em sua obra: "O Herói de Mil Faces", que o tributo de sete moças e sete rapazes, que os atenienses eram obrigados a enviar à Creta a cada oito anos tinha alguma relação com a manutenção do poder real por outro ciclo semelhante. O sacrifício do touro que devia ser consagrado ao deus, mas foi poupado pelo rei implicava a igual imolação do soberano segundo o padrão herdado. Mas ele ofereceu como substitutos da oferenda os jovens e as virgens atenienses. Querem os estudiosos que nesses rituais onde o minotauro era representado como um homem robusto com cabeça de touro, suas vítimas eram devoradas em uma cerimonia antropofágica entre a corte e seus sacerdotes. Essas práticas de substituição parecem ter-se generalizado aos poucos em todo o mundo antigo, perto do final do grande periodo dos primeiros estados hieráticos, no decorrer do terceiro e segundo milênio antes de Cristo.

Na casa de Atamas como já vimos o filho mais velho de cada geração da linhagem não podia entrar no salão de banquetes sob pena de ser sacrificado, embora todos eles sem exceção assim o tenham feito. Isto leva a crer que o mistério do culto ao Urso esteja relacionado a Cronos e ligado com o rito da sucessão real. Pois conta-se que Cronos foi o único deus que viveu desveladamente entre os homens. Isso talvez signifique que ele era um daqueles reis “sagrados” que executam seu predecessor, adquirem seu título casando com a rainha viúva e morrem violentamente ao fim do reinado.

Da Idade das Trevas grega ecoam os mitos de devoramento. Em particular um fala do personagem Licaón que serviu em uma bandeja à Zeus seu próprio neto, Arkas, filho do deus com Calisto, princesa da Arcádia e foi punido pela ousadia com a metamorfose em lobo, de onde provem seu nome. Nesta época inocentes animais eram sacrificados nos redis, por puro divertimento do rei e de seus cinqüenta descendentes que cometiam todos os tipos de barbaridades no reino. Sem cometerem falta alguma, camponeses e escravos eram espancados até a morte. Para coroar suas tenebrosas atividades o rei e seus príncipes serviam macabros banquetes onde crianças despedaçadas eram servidas. Na versão de Ovidio em “Metamorfoses”, fala Júpiter sobre a iniqüidade dos homens antes do dilúvio e menciona Licaón como exemplo do mal: “Cheguei às terras e à morada nada hospitaleira do tirano da Arcádia, quando à tarde, o crepúsculo traz a noite. Anunciei aos suplicantes por sinais misteriosos que chegara um deus, e o vulgo começou a orar. Licáon a principio riu desta respeitosa devoção, e disse após: “Verificarei se este suposto deus não é um mortal e de maneira bem clara. “A verdade tornar-se-á patente”. Preparava-se para matar-me desprevenido, quando o sono me dominasse: assim quer experimentar a verdade. Não se contentou com isso; os molossos, povo que lhe devia sujeição haviam lhe mandado reféns; passa um deles a fio de espada, depois divide seus membros ainda palpitantes, amolece uma parte em água fervendo e leva a outra ao fogo para assá-la. No mesmo momento que esses despojos são servidos, lanço uma chama ultriz contra o dono da casa e aos penates dignos dele, e faço desmoronar sua morada. Ele próprio foge, aterrorizado, e ulula refugiado no silencio dos campos; em vão se esforça para recuperar a fala; dele próprio a raiva acorre à sua boca, e seu gosto habitual pelo morticínio se volta com os animais, e também agora se deleita com o sangue. “As vestes se transformam em pelos, em patas os braços; faz-se lobo, mas guarda vestígios da antiga forma; a mesma cor grisalha, a mesma fúria na cara, o mesmo brilho nos olhos, a mesma imagem da ferocidade”. Assim foram punidos o rei e seus descendentes. Esta com certeza é uma das histórias mais antigas sobre o Lobisomem, homem que por herança ou feitiçaria era transformado em lobo a cada sexta-feira de lua cheia, que aterrorizava a imaginação dos aldeões na Idade Média e continua imagem viva na cinematografia contemporânea. Não podemos esquecer o tom moral da narrativa sobre a questão antropofágica como tabu proibido pelo Deus, uma das razões para o Dilúvio com que o deus pretendeu castigar a humanidade, e causa da metamorfose que transforma o humano em seu arquétipo mais bestial.

Arcas sobreviveu ao episódio, seus pedaços foram reunidos novamente pelo deus e foi lhe devolvida a vida. Segundo se conta foi ele quem ensinou os povos do Peloponeso a fiar a lã, cultivar o trigo e assar o pão, sendo um rei divinizado. Muito tempo mais tarde já adulto caçava na floresta quando veio a encontrar a mãe, a ninfa Calisto que tinha sido violada por Zeus, e foi transformada em ursa pelo ciúme de Hera a esposa divina. Pensando tratar-se de uma boa presa ele a perseguiu até o santuário de Zeus no monte Licaón. Era lei que aquele que penetrasse no recinto sagrado fosse morto e que a ninguém era lícito lançar uma sombra dentro dele. Em conformidade com o acontecido Zeus compadecido pela tragédia enviou Calisto e Arcas para os céus como as constelações da Ursa Maior e a estrela Arcturus.

Estes reis sagrados e suas dinastias, transformados em mitos do passado nas sagas heróicas, eram na maioria das vezes lembranças mantidas pela tradição oral sobre os guerreiros invasores que haviam se transformado na elite dominante e mantinham seu poder temporal sobre os vencidos. Seu poder em princípio devia ser dividido entre dois mandatários de mesma estirpe nobre, metade do ano governava um e na outra metade governava o rival, e este período foi sendo ampliado para um ano inteiro e por fim o rei mandava sacrificar os próprios filhos a fim de prolongar seu mandato para quatro e até oito anos, já que a descendência era matrilinear e a progenitora pertencente a outro clã diferente do rei. Este costume é uma das explicações dos mitos de Licaón e Cronos, que engoliam os próprios filhos para manterem sua condição de macho alfa dominador e evitarem ou postergarem o próprio sacrifício. Assim também fez Tântalo ao servir o próprio filho, Pelops, aos deuses e foi castigado com o eterno suplício da fome e sede eterna nas profundezas do Tártaro. Ou no mito de Tideu que arrebatado no combate do campo de batalha e mortalmente ferido perdeu sua condição de herói e sua imortalidade alcançada pelas armas ao ser flagrado por Atenas comendo o cérebro de seu inimigo Melanipo cuja cabeça foi decepada por Anfiarau, o adivinho, que teve a repulsa da deusa como afirmação do tabu contra o canibalismo e o respectivo castigo. A própria deusa em seu nascimento segundo narra Hesíodo foi gerada de uma relação teofágica: Zeus engoliu Métis, a deusa da inteligência, quando esta se encontrava grávida, e Atenas veio ao mundo do crânio de seu pai, destacando o caráter arcaico, "selvagem", do tema do devoramento.

Despedaçado pelo pai, Pelops foi servido como iguaria aos deuses, pois Tântalo queria experimentar os poderes dos deuses. Todos eles logo perceberam o que lhes era servido, menos Demeter que, desesperada com o rapto da filha, distraída comeu uma espádua do menino. Os deuses, segundo o mito, reconstituíram o menino e fizeram-no voltar à vida, e na espádua devorada, colocaram uma de marfim. De seu nome originou-se o nome da região grega chamada Peloponeso.

Atreo e Tiestes, filhos de Pelops e netos de Tântalo, disputaram o trono de Argos. Quando Atreo impediu que seu irmão assumisse o trono. Tiestes seduziu Aérope, esposa do irmão reinante. Por vingança, ao tomar conhecimento da traição, Atreo convidou Tiestes para um banquete onde serviu os filhos do irmão. Os descendentes de Atreo foram Agamenon e Menelau, os Atridas responsáveis diretos na guerra contra Tróia. Suas esposas, Helena e Climenestra foram conhecidas como adúlteras famosas. Egisto, um dos filhos de Tiestes que sobreviveu à chacina, enquanto o Atrida lutava em Tróia seduziu e foi cúmplice de Cliemenestra na morte de seu primo Agamenon, quando este retornou vitorioso de Tróia. A vingança e a antropofagia era o moto dos relacionamentos entre os soberanos em constante conflito de relações. Comportamento similar ao de outros povos guerreiros conhecidos no mundo todo.

A Ilíada obra com raízes nos primórdios da Idade das Trevas atribuída a Homero conta que, durante a guerra de Troia, Aquiles enfurecido sacrificou 12 troianos sobre a pira funerária de seu querido parente e companheiro de armas, Pátroclo, e Aristómenes ofereceu 300 vítimas à Zeus.

Conta o mito sobre o nascimento de Dioniso Zagreu que quando a grande deusa Démeter chegou à Sicília vinda de Creta, com sua filha Perséfone, que ela tinha concebido de Zeus de forma ilícita, descobriu uma caverna perto da fonte de Kyane, onde escondeu a jovem, colocando para protegê-la as duas serpentes que eram normalmente atreladas à carruagem da donzela. De seu esconderijo Perséfone começou a trançar um grande manto de lã que deveria ter estampado um belo desenho do Universo, enquanto sua mãe Deméter tramava que o pai dela, Zeus, descobrisse sua presença. O deus aproximou-se de sua filha na forma de uma serpente e do intercurso entre os dois ela concebeu um filho dele, Dioniso, que foi parido e alimentado na caverna. Os brinquedos do menino eram uma bola, um pião, dados, algumas maçãs de ouro, um pouco de lã e um zunidor. Mas também foi-lhe dado um espelho e. enquanto se admirava encantado, pelas suas costas, aproximaram-se furtivamente dois titãs enviados pela deusa Hera, a eterna esposa ciumenta de Zeus, que vieram para matá-lo. Eles estavam pintados com argila branca ou greda como faziam os antigos nos rituais. Aproveitando a distração do menino, partiram-no em sete pedaços, ferveram as porções em um caldeirão apoiado sobre um tripé e as assaram em sete espetos. Quando haviam acabado de imolar o seu divino sacrifício, menos o coração que fora resgatado antes pela deusa Atena, tudo havia sido devorado. Zeus, atraído pelo odor de carne assada, entrou na caverna e, ao perceber o acontecido, fulminou com um raio os dois monstros canibais. A deusa Atena, compadecida, entregou o coração do menino ao pai, que segundo uma versão do milagre, engoliu o orgão vital, e deu a luz ao próprio filho assim renascido. Os titãs eram seres divinos de uma geração anterior aos deuses Olímpicos. Eles eram filhos do Céu e da Terra, e de dois deles, Cronos e Réia surgiram os deuses. Eles são uma reminiscência dos deuses e mitos de uma religião anterior ao do panteão Olímpico e os episódios nos quais aparecem têm com frequência características primitivas dos antigos rituais antropofágicos similares aos encontrados nas Américas e na Austrália e remontam ao passado pré-histórico de migrações desses povos.

Sobre esse mitema Jung comenta em sua obra "Psicologia e Alquimia": "Foi preciso que um Nietzsche viesse desnudar em toda a sua fragilidade a concepção ginasiana que o homem europeu nutria em relação à Antiguidade! Sabe-se o quanto Dioniso significou para ele! Devemos levar a sério o que o filósofo alemão disse a respeito do deus - e mais ainda: tudo o que lhe aconteceu. Sem dúvida alguma, no estágio preliminar de sua doença fatal, já previra que a lúgubre sorte de Zagreu lhe estava destinada. Dioniso significa o abismo da diluição passional, onde toda a singularidade humana se dissolve na divindade da alma animalesca primordial. Trata-se de uma experiência ao mesmo tempo abençoada e terrível. A humanidade, protegida pela cultura, acredita ter escapado dessa experiência, até o momento que se desencadeia uma nova orgia de sangue, provocando o espanto dos 'bem pensantes' que não tardam a acusar o capitalismo, o armamentismo, os judeus e os maçons (texto escrito na primavera de 1935)
     
Apropriar-se das virtudes do herói através de sua carne era por tabela absorver as qualidades do deus de quem acreditavam provir seus atributos. As bacanais gregas, festividade de origem asiática, em honra a Dionisio, à época das vindimas, levavam os comparsas a devorar as carnes de animais  cruas; cabritos, touros, pavões-reais em rituais sangrentos que no seu início eram  com certeza realizados com vítimas humanas desmembradas que personificavam Dioniso.

Nos ritos totêmicos comuns  a esses povos em sua gênesis primitiva, posteriormente esquecida  em seu sentido com o passar dos tempos, devem se levar em conta dois elementos constantes: o disfarce no deus e a posse de seu nome sagrado. Como o objetivo do sacrifício deve ser divinizar seus participantes que buscam parecer-se ao deus, eles se apropriam de seu nome e utilizam as peles dos animais que lhe são sagrados como uma memória tribal do clã quando o deus era a personificação pura do animal símbolo. Assim, por exemplo, as mulheres atenienses que celebravam o culto de Ártemis Ursa, se vestiam com peles de urso e se davam o nome da divindade; as Mênades, que sacrificavam o gamo Penteu, se adornavam com as peles desse animal. Até nos cultos posteriores se sabe que os fiéis do culto à Baco tomavam o nome de Bacoi.       

Praticando este rito omofágico, isto é, alimentar-se de carne crua, os gregos acreditavam unir-se ao deus em comunhão, participar de sua personalidade. Como os Tupinambás, ao comerem pedaços do prisioneiro-herói, manifestavam os mesmos desejos de incorporação dos seus poderes heróicos, assimilando as forças divinas da valentia do adversário. Similares costumes tinham os povos euro-asiáticos, em seus rituais mais antigos e pouco conhecidos que, hoje se imagina, foram difundidos por milhares de anos de peregrinações na face da terra para os quatro quadrantes pelos caçadores coletores. Porém, é sabido que, o devoramento dos animais por esses povos, nas festas do vinho, nada mais era, que uma fase mais adiantada desses ritos, pois, anteriormente, na Idade das Trevas grega, nada, com certeza, incorporava melhor ao deus que um homem e nas primeiras orgias deste gênero, trazidas pelos invasores e assimiladas pelas péssimas condições de vida de uma cultura moribunda, as vitimas deveriam ser humanas. 

Assim também faziam os povos polinésios, quando ofereciam sacrifícios aos seus deuses, entregavam-se por vezes a antropofagia, prática conhecida das populações insulares do Pacífico, como já vimos anteriormente.

Os cronistas destacaram, nas cenas de omofagia, o importante papel das mulheres, seu furor e voracidade num ritual de antropofagia velada. Nas cerimônias mencionadas, as mulheres se exacerbavam através de frenética participação nas orgias que representavam em suas culturas agrárias e pastoris, a morte e a ressurreição dos deuses. Conta a mitologia sobre o rei Penteu que governava sobre Tebas e quis proibir o culto à Dioniso para moralizar o comportamento do povo contra a vontade das suas mulheres que dedicavam atenção total ao ritos dedicados ao deus. O deus levou-as ao seu refúgio nas montanhas e fazendo-as beber e dançar freneticamente, por vingança, pensando em ajustar contas com as irmãs de sua mãe, enlouquece as mulheres e embota seu raciocínio, nelas incutindo profundo ódio ao rei. Assim quando ele mais uma vez se apresenta e tenta restaurar a ordem perante a multidão inebriada, as mulheres, inclusive sua mãe Agave, caem-lhe em cima e despedaçam-no a dentadas acreditando que ele fosse um leão. Sua própria mãe arranca-lhe a cabeça e leva-a para a cidade. Ao voltarem a si, diz o mito, foram tomadas de horror pelo ato criminoso.

Dionisio manteve as características das divindades pré-históricas que chegaram até os tempos históricos. Suas raízes são, segundo Heródoto, na Trácia onde era denominado Sabázios, nome que denuncia suas origens nas remotas paragens asiáticas de onde esse povo emigrou.  Seu culto extático retinha a herança arcaica: ritos que compreendiam as máscaras teromorfas, os símbolos fálicos da falofórias, o sparagmós (o despedaçamento da carne), a mania, a omofagia, a antropofagia e o enthousiasmos que é a identificação com o deus. Assim sua penetração na cultura grega como um resíduo da pré-história, originado nas planícies da Ásia, adquirindo total representação e uma vez integrado na história espiritual dos gregos, não parou de evoluir em novos valores religiosos na hélade.

No mito relacionado a outro herói grego, Orfeu, após suas aventuras no Hades para salvar Eurídice do seu destino funesto e vagar pela Trácia consternado pela perda da amada, enfim perde a vida nas mãos das Bacantes que inebriadas e apaixonadas perdidamente pelo herói, tentam seduzi-lo e ao não conseguir seu intento, enraivecidas perseguem-no pela floresta e quando conseguem apanhá-lo estraçalham suas carnes. Como herói civilizador foi atribuído ao seu reinado afastar os Trácios da antropofagia e ensinar-lhes as artes úteis. Era um antigo deus da grécia setentrional, cuja morte violenta e ressurreição constituíam os artigos da fé de um milenar culto místico. Este culto teve um êxito extraordinário em todo o mundo grego e na Itália meridional e serviu de inspirarão para Pitágoras e Platão que tentaram explicar seus mistérios à luz do conhecimento da época.

O orfismo ensinava uma doutrina de pecado original. A alma estava encerrada no corpo físico como uma tumba ou prisão como castigo divino de uma antiga falta cometida pela humanidade, pelos titãs, antepassados dos homens, que haviam matado e devorado o jovem Dionisio Zagreu de forma traiçoeira.

Na Trácia, o deus urso era denominado Zalmoxis, e os trácios, povos de origem ariana que dizem possuíam olhos azuis e cabelos ruivos, enviavam-lhe um mensageiro de quatro em quatro anos atirando um homem para o ar e aparando-o nas pontas de suas lanças. Segundo Hérodoto, que chamava de bárbaros seus costumes, os Trácios Apsintios adoravam seu deus da guerra, Plistore, representado por eles sob a forma de uma espada, e assim como os Citas costumavam sacrificar a centésima parte de seus prisioneiros degolando-os num vaso para embeber as espadas no sangue dos mesmos. A este povo guerreiro e beberrão são atribuídos os cultos mais antigos à Dionisos e Orfeu.

Os Cilícios também rendiam ao seu deus da guerra um culto igualmente bárbaro. Dependuravam a vítima, homem ou animal, numa árvore e ao afastarem-se a uma determinada distancia, matavam-na a golpes de dardo.

Antes de Salamina, em 480 a.C., quando os gregos venceram os persas na memorável batalha marítima, os atenienses, para propiciar a vitória nas armas executaram sacrifícios humanos combinando o ritual repugnante com uma barbaridade selvagem, contam os historiadores da época. Plutarco afirma em sua obras "Vidas Paralelas" que Temístocles mandou sacrificar três cativos ao deus Dioniso para favorecer o combate aos gregos, a conselho do adivinho Eufrantides.

Não é de surpreender que o historiador Tito Livio afirmasse que Aníbal, o grande general cartaginês tenha feito seus soldados comer carne humana para incrementar sua ferocidade no combate contra os romanos. Cartago tinha então uma estátua de bronze de Moloch, de tamanho colossal, destinada a receber o sacrifício de vidas humanas, preferencialmente crianças. Assírios, fenícios, filisteus, hebreus e cananeus por séculos haviam lhe prestado homenagem em seus respectivos países.

A era do culto a Cronos, época obscura trezentos anos anterior aos acontecimentos de Salamina, é comumente caracterizada principalmente pelo matriarcado, pelas práticas canibais e pelo incesto. As razões para o canibalismo vão desde incorporar as virtudes do morto comendo-o numa comunhão plena, com as devidas ritualizações, até a fome extrema em condições adversas pelo caos reinante ao final da era do bronze com as constantes invasões ou mesmo o gosto adquirido pela carne humana ou ainda o desejo de vingança ancestral pela competição no meio como faziam os Tupis e Astecas das Américas. Este comportamento tabu com o passar das gerações foram amalgamados na tradição e transmissão oral e sacralizados pelos antigos através da idéia de punição dos deuses para mitigar sua culpa e regular sua sociedade e as evidencias disso encontram-se nos conteúdos desses mitos que chegaram até nós.

Como cultura belicista permanece até hoje no inconsciente coletivo dos povos de origem européia, está presente em seus mitos e tradições mais caras, são costumes que se refletem de forma marcante nos acontecimentos históricos recentes da Europa, que através da ideia do conflito permanente lançou as bases de uma civilização ocidental hierárquica e competitiva e influenciou sucessivamente os pensamentos imperialista, mercantilista e posteriormente o capitalista, evolução natural do processo antropofágico transformando canibalização em exploração de recursos naturais e de mão de obra cativa e barata. Seus sacrifícios se perpetuaram nas milhares de vítimas que sucumbiram nas muitas guerras coloniais, religiosas e ideológicas que cobriram de sangue o continente europeu em êxtases patrióticos compulsivos, com reflexos diretos até hoje. 

Dizem habitualmente que como Osíris, reis divinizados que ocuparam grandes cargos ou que foram valentes heróis, voltam após a morte, ressuscitam quando mais uma vez suas façanhas heróicas forem necessárias para proteger seu povo. O rei Arthur das fábulas celtas é um destes casos. Seu nome significa “urso” em gaélico e como tal não está morto, mas adormecido em sua morada na ilha de Avalon, assim como Cronos na ilha de Ogygia no mar de Cronos, no Ocidente, onde o sol se esconde.




Os primeiros guerreiros anglos saxões também acreditavam em um rei de origem divina semelhante à de seus ancestrais da Pérsia e da Índia. Em seu sistema de crenças seu soberano possuía poderes criativos e força destruidora acumulando as funções de guerreiro e sumo sacerdote. Eles consideravam seu líder descendente direto de Wotan ou Odin o mais alto deus do panteão teutônico. Wotan podia ser sábio e bondoso, mas tinha também uma face feroz e militarista, lembrando muitas outras deidades conhecidas das culturas indo arianas e semitas. A comunhão de seu rei com as forças divinas é que garantia a prosperidade e a segurança de seu reino. Vivia o rei em comunhão mística com seus deuses e com as forças da natureza. Chamava sua força divina de “Luck” (Fortuna). Aonde fosse sua Fortuna ia seu reino.

Nos primórdios de sua civilização quando o rei perdia sua Fortuna, era então sacrificado, e um novo homem, abençoado pela Fortuna e da mesma estirpe sagrada era eleito pelos pares. Após a morte sacrificial o rei se transformava em deus. Na esfera sagrada além tumulo ele continuava a zelar pelo seu povo e emitir oráculos através dos seus descendentes.

No antigo Egito, o próprio Faraó foi instado a suicidar-se para assegurar a marcha regular do cosmo, crença similar à dos Astecas e Maias para realizar seus sacrifícios humanos. Lá uma jovem virgem era periodicamente jogada no rio Nilo e afogada para garantir suas cheias e consequentemente a fartura das colheitas.

No Tibet a realeza sagrada foi instaurada no séc. VI d.C.. Os monges budistas entronizavam o rei numa religião que misturava o animismo primitivo cultuado pelo povo e as crenças no Buda. Ele era denominado DharmaRaja, a personificação do divino no terreno. Sua posição era simbólica, seus ministros cuidavam da organização administrativa e militar do reino, enquanto os sacerdotes cuidavam das necessidades religiosas dos crentes. Sua vida era de um ascetismo monástico, intocado dos assuntos mundanos e do contato com o sexo oposto. Caso não cumprisse esse ideal e sua conduta deixasse a desejar a seca poderia prejudicar o plantio e a desgraça cairia sobre o reino.

Novos vasos mortais eram preparados para a sucessão do “iluminado” e quando seu predecessor alcançava os treze anos de idade o monarca era sacrificado. Assim o mundo voltava a ficar imaculado como havia sido ao sair das mãos dos deuses. Após sua morte o antigo monarca virava um espírito ancestral divino e ocupava o vaso do predecessor vivendo na pessoa do novo rei. Todos os reis tibetanos ficavam unos com o primeiro rei mitológico ancestral que na pré-história descera da luz para instaurar o Dharma (a lei) no plano físico.

Assim também era considerado o imperador da China, sua pessoa física e espiritual representava o centro do universo. Como Filho do Céu ele governava por mandato dos Céus. Seu palácio tentava duplicar o plano da Criação e a disposição interna dos templos e acomodações representava o Cosmos. Seu poder se estendia em radial além do tempo e do espaço profanos. Do outro lado das fronteiras do reino só existia o caos e a morte.

Na montanha sagrada o imperador era sacrificado cerimonialmente através de um substituto e renascia. Assim todo o universo voltava a condição original e regenerado restituía o poder do imperador para cumprir seu mandato divino e seguir as ordens do Céu. Sua missão era derrotar as forças do caos e ampliar as fronteiras do mundo ordenado. Dentro de suas fronteiras promover a abundancia, a fecundidade, a paz entre seus súditos. Com seu mandato divino manifestava com propriedade por igual compaixão ou ira como reflexo direto da ordem cósmica ora benevolente ou violenta. Dentro do ideal taoísta seguido na tradição chinesa se o interior do imperador estava em harmonia seu reino seria reflexo direto desta diretriz no mundo exterior.

Nas tradições de grupos étnicos distintos podemos encontrar o arquétipo do velho rei imolado em sacrifício, rito diretamente associado aos costumes ancestrais antropofágicos destes povos que como fazem outros primatas superiores ao perceber que o macho alfa já não consegue exercer sua liderança botando em risco a segurança do bando, é desafiado por um jovem reprodutor no auge do vigor físico que disputa o controle das fêmeas e caso este vença mata ou mais comumente afasta do bando o derrotado que vira pária e fica a mercê da natureza hostil sem a proteção dos seus.

O reflexo destes costumes relacionados com a busca da sobrevivência do bando fez com que algumas culturas tivessem um tratamento particularmente impiedoso com os idosos. Entre os esquimós e em algumas vilas afastadas do Japão onde a fome é uma ameaça constante nos períodos onde as temperaturas baixas e o tempo inclemente prejudicam a obtenção de alimentos é costume deixá-los a própria sorte ao tempo, pois seu sustento e sua incapacidade de auxiliar na coleta de alimentos os tornam um peso para a comunidade que deve dispor dos mais velhos para a sobrevivência dos mais novos. Uma visão mais piedosa não passaria na cabeça destes povos, a vida inclemente molda seus comportamentos. No caso especifico dos esquimós acreditam propiciar alimento ao predador com a carne do idoso e com isto garantir uma caça em boas condições para os seus. Reflexo de uma idéia antropofágica antiga que foi moldada ao seu sistema de crenças particulares levando em conta o meio ambiente hostil.

Outro tipo de antropofagia muito difundido nas culturas humanas conhecidas é a absorção dos parentes falecidos num ritual totêmico que visa a ritualização da morte. Os yanomanis quando perdem um ente querido usam seus ossos torrados e triturados para fazer uma beberagem que tomam em honra do morto em sinal de respeito pela sua memória e assimilação de sua essência vital. Entre os católicos no ato simbólico de consagração do pão e vinho na missa ocorre ritual semelhante de forma simbólica quando bebemos o sangue e comemos a carne do Cristo.

Assim enquanto no exocanibalismo se manifestava no ato recorrente da vingança contra os inimigos que compartilhavam dos mesmos valores de cultura e etnia de origem ancestral comum mas de tribos diversas quando então reafirmavam sua ferocidade guerreira. Estes povos guerreiros acreditavam neste ato estar possuídos do espírito do jaguar que os levavam a despedaçar e devorar suas presas, os inimigos mortos em combate ou feitos prisioneiros

Já no endocanibalismo existia uma motivação respeitosa: quando se reduziam a pó os ossos de um morto e misturavam ao caulim, a cerveja de mandioca, que bebiam os familiares do defunto, pois acreditavam que os ossos continham a essência vital do espírito da pessoa que se perpetuaria nos vivos seus parentes que haviam consumido a beberagem sagrada

"Tudo o que é morto torna-se pai" Relata Campbell sobre os mitos de iniciação na Melanésia: "Daí vem a veneração , em comunidades de caçadores de cabeça (na Nova Guiné, por exemplo) das cabeças trazidas para casa depois de expedições de vingança. Daí vem a irresistível compulsão de fazer guerras: o impulso de destruir o pai transforma-se continuamente em violência pública". Os velhos homens da comunidade ou da raça imediatas se protegem dos filhos em crescimento, e de sua delinquência, por meio da magia psicológica de suas cerimônias totêmicas. Eles representam o pai ogro (deus canibal) quando "raptam" os meninos de suas mães e nos ritos de passagem abrem incisões nos braços onde já existem cicatrizes de antigos rituais e oferecem seu sangue aos jovens quando então revelam-se igualmente a mãe nutridora. Estabelece-se então o equilíbrio dos opostos, o novo paraíso. Mas este não incluí as outras tribos, ou as raças inimigas tradicionais, onde a agressão é sistematicamente projetada. Assim todo o conteúdo pai-mãe "bom" é projetado para dentro da comunidade familiar e o conteúdo "mau" projetado para fora, além da tribo, para sua vizinhança imediata.

E continua Campbell: "É frequente que os homens que deram o sangue desmaiem e fiquem em estado de coma durante uma hora ou mais em consequência da exaustão. "Anteriormente", escreve um observador, "esse sangue bebido cerimonialmente pelos noviços era obtido de um homem, morto com esse propósito, sendo comidas também as porções do seu corpo". "Nesse caso chegamos tão próximos de uma representação ritual do assassinato e devoração do pai primal quando poderíamos chegar".

E assim os cultos totêmicos, tribais, raciais e agressivamente messiânicos promovem em seus ritos o divórcio entre o desejo (o amor) e o ódio, numa solução parcial. Neles o ego é ampliado, e assim, em vez de pensar apenas em si o individuo torna-se dedicado a sua sociedade como um todo. O resto do mundo, isto é, toda a humanidade é deixada de fora da sua esfera de empatia e comprometimento pessoal, pois está fora da esfera do seu deus ou sistema de crenças. É nessa etapa do divórcio entre o amor e o ódio que o individuo compactua com as violências sectárias e antropofágicas que a história tão bem registra. Em vez de abrandar o próprio coração com a sujeição do ego, o fanático tenta abrandar o mundo. As leis da Cidade de Deus só servem para seu grupo, tribo, nação, igreja, classe, ao passo que o fogo de uma perpétua guerra santa é mantido aceso, enquanto sua boa consciência lhe garante estar em um serviço piedoso contra todos os povos "não-circuncisos", "bárbaros","nativos", "primitivos", ou outros que venham a ocupar a posição de vizinhos.        

No Japão, o sucesso de sua sociedade agrícola, e sua conseqüente expansão militar contra povos   mais fracos determinou um grande culto à morte de seus chefes e monarcas que com suas conquistas se tornaram poderosos. Gastavam verdadeiras fortunas na construção de grandes mausoléus para depositar seus restos mortais. Essas obras exigiram milhares de escravos e artífices. O poder se afirmava na pompa do túmulo. Mas a despesa mais significativa não foi sempre a da vida humana sacrificada? Os chefes de clã não gostavam de jazer a sós na terra úmida. Para sua glória deviam seguir acompanhados para o outro mundo. Na morte de uma autoridade – deviam seus parentes segui-lo; eles eram estrangulados e enterrados para lhe servirem de escolta. Os sacrifícios humanos propiciados aos deuses do mar, do solo, do rio, das chuvas que só eram reclamados esporadicamente, tinham assim se tornado regulares por ocasião da morte de um poderoso senhor. Muitas das antigas civilizações conheceram estes mesmos costumes: para servir e honrar os senhores no outro mundo imolava-se os seus servidores. Há cinco mil anos, em Ur na Caldéia, as vítimas desciam ao túmulo real e alí tomavam veneno. Heródoto relata que, entre os Citas, enterravam-se da mesma forma, as concubinas do rei junto com seu senhor. Na Índia, o costume denominado satí, que significa “mulher fiel”, a viúva é imolada na fogueira funerária junto ao esposo defunto, e só foi coibido no século XIX pelas autoridades inglesas, mas ainda hoje persiste de forma ilegal no interior. Entre os manchús são relatados sacrifícios pela morte de um príncipe até o século XVII. Costume desaprovado por Confúncio muito tempo antes.






Com o arrefecimento desses hábitos de sangue foram criados os simulacros, estátuas de pessoas e animais que passaram a ser enterrados junto aos nobres defuntos, como símbolo do antigo hábito funerário. Entretanto os sentimentos que uniam o senhor e seus vassalos poderiam ser tão intensos a ponto que a existência depois da da morte deste pareceria vã e intolerável. Neste entendimento o vassalo não poderia servir numa só vida a mais de um senhor. O apego de homem para homem muitas vezes forjado na vida de companheirismo militar, nos combates e campanhas intermináveis no Japão aprovava o ritual de acompanhamento ao morto denominado “junshi”, quando o soldado seguia na morte seu senhor. Este costume não é restrito aos nipônicos. Julio Cesar já assinalava este costume entre os gauleses que prometiam seguir seu chefe na morte, eles se comprometiam a não sobreviver a ele. O “junshi”, chamado “oibara” quando ocorre o suicídio por incisão no ventre, é uma instituição japonesa, mas os sentimentos que motivam o ato são encontrados em todas as partes: em Crônicas I, versículo X, o escudeiro do rei Saul lança-se sobre sua espada ao saber da morte de seu senhor. Eros, servidor de Antonio, tornou-lhe a morte mais fácil, nos conta Plutarco, matando-se diante de seus olhos. Por ocasião da morte de Othon, muitos de seus soldados seguiram com ele, matando-se para demonstrar sua “grande afeição” nos conta Tácito. Na China era construído um arco de triunfo para celebrar o suicídio da viúva, considerado suprema glória. Essas homenagens só foram proibidas na China no ano de 1729 por um edito imperial