segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

A Condição Humana - Condenados à Guerra Permanente

“Os mitos dos ‘primitivos’ e os rituais decorrentes destes mitos não nos revelam uma Arcádia arcaica. Os paleocultivadores, como vimos, ao assumir a responsabilidade de fazer prosperar o mundo vegetal, aceitaram igualmente a tortura de vítimas em beneficio das colheitas, a orgia sexual, o canibalismo, a caça às cabeças. Essa é uma concepção trágica da existência, resultado da valorização religiosa da tortura e da morte violenta...O mundo vegetal e animal ‘fala-lhe’ de sua origem, isto é, em última análise,...; o paleocultivador compreende essa linguagem e, ao fazê-lo descobre uma significação religiosa em tudo o que o cerca e em tudo o que faz. Isso porém, obriga-o a aceitar a crueldade e a morte como parte integrante do seu modo de ser. Evidentemente, a crueldade, a tortura e a morte não são condutas especificas e exclusivas dos ‘primitivos’. Podem ser encontradas em todo o curso da História, algumas vezes com um paroxismo jamais atingido pelas sociedade arcaicas. A diferença consiste sobretudo no fato de que, para os primitivos, essa conduta violenta tem um valor religioso e é calcada em modelos transumanos. Essa concepção sobreviveu até tarde na História: os extermínios maciços de um Gêngis Khan, por exemplo, ainda encontravam uma justificação religiosa” (Mircea Eliade – Mito e Realidade)

“Como zoólogo, encarando o homem como um animal, tenho dificuldade de encarar seriamente tais diferenças (ideológicas) no presente contexto. Se se avalia a situação entre os grupos em termos de comportamento, e não de teorias verbalizadas, as diferenças ideológicas tornam-se insignificantes perante outras condições básicas. Trata-se principalmente de desculpas, desesperadamente rebuscadas para proporcionar razões suficientemente pretensiosas para justificar a destruição de milhares de vidas humanas” (Desmond Morris – O Zoo Humano)

“Nossa era começou há quase 10 mil anos, na região da Crescente Fértil. Estendeu-se, a partir das terras do Tigre e Eufrates, pela Fenícia, na costa oriental do Mediterrâneo, chegando ao vale do Rio Nilo e de lá para além da Grécia. O que está acontecendo nesta região fornece dolorosas lições sobre o abismo ao qual a espécie humana pode chegar.” (Noam Chomsky)




A Condição Humana que diz o título foi tratada no decorrer do desenvolvimento da Odisseia Antropofágica, já que essa é a saga do homem desde seus primórdios, como caçador coletor das planícies da África até sua conquista definitiva do globo terrestre. Como ocupante do ponto mais alto da pirâmide alimentar da biosfera, esse ser onívoro fenomenal consegue processar quase todo tipo de matéria existente, não só para a própria nutrição, mas também para nutrir suas extensões, seus membros máquinas que são parte integrante e fundamental de sua superioridade sobre os demais espécimes vivos do planeta. A tecnologia é a verdadeira força motriz que impele o homem para adiante em uma trajetória nem sempre bem definida em direção a um futuro ainda incerto e desconhecido.
O Antropoceno representa para a humanidade o ápice de crescimento populacional nunca antes alcançado na História humana. Apesar dos mimetismos forçados pela religião e pela ideologia que servem para velar sua verdadeira condição de seres onívoros, de sua cultura criada para justificar os sectarismos, as classes e as castas ora existentes, o seu verdadeiro viés é na verdade de exploração do meio e do próximo, e assim camuflado fazer agir o individuo dentro do sistema sem culpa. A partir de uma análise fria desses sinalizadores de ataque, defesa e procriação então podemos descortinar o homem despido de suas auto emulações enquanto animal superior e verificar que talvez o seu ápice projetado numa curva de Gauss também seja o começo de seu declínio como espécie dominante dessa parte do sistema solar.
Os sinalizadores de comportamento que Humberto Eco definiu em sua obra sobre os grupos sociais ou supertribos que povoam as metrópoles do mundo, dividindo-os entre Apocalípticos e Integrados, os primeiros como aqueles que estão sempre prontos para aceitar as mudanças e acreditam na construção de uma nova ordem, e os segundos que buscam a manutenção permanente do “status quo”, ambos  os grupos convivem na atualidade como os peixes que não percebem a água que os envolve, nem a violenta corrente que os arrasta para um desconhecido e profundo oceano.
A divindade dominante desse sistema ideológico é o grande deus mercado que já comandou e continua comandando cada vez mais as sociedades humanas. Sua existência remonta a Idade das Trevas, quando os Povos do Mar no fim da Idade do Bronze se lançaram em uma aventura de corso do mundo Antigo por razões históricas ainda desconhecidas e tentaram subjugar os autóctones de todo o mundo mediterrâneo destruindo civilizações inteiras no seu caminho, e foi denominada a divindade, desde então, com os mais diferentes nomes, mas pode ser comumente chamada também de Deus Canibal. Hoje ele se traveste e se camufla na laicidade de nossa cultura, com o apoio das novas tecnologias, que cada vez mais facilitam o controle do individuo e sua programação, como extensão do terminal, membrana osmótica, que reage, como autômato, ante os estímulos visuais de milhões de telas espalhadas pelo globo.
O homem comum acredita ser quem comanda tais tecnologias quando na verdade ocorre exatamente o contrário. Ele fez da tecnologia sua nova religião, apesar de não conseguir reproduzir com precisão seu funcionamento, e desconhecer seus componentes básicos, e mesmo assim tem fé absoluta na sua exatidão e necessidade absoluta dela através da imitação do meio. São esses sinalizadores que o mantem em contato com sua cultura que na verdade é uma extensão dos meios de produção corporativos de onde habita e seus templos de fé, os grandes centros comerciais onde ele acredita piamente entreter-se.
O homem comum se debate em constante conflito com as próprias crenças. Elas fazem parte de sua “persona”, a parte visível do ser relacionada ao comportamento comunal dele. Foi adquirida honestamente e na mais absoluta integridade através da educação parental e dos meios. Na Idade Média com certeza sua ideologia seria a religião católica e a ideia motivadora a redenção ”post morten” caso habitasse o continente europeu. Mas com o advento do Iluminismo a crença do cidadão comum compreende apostar todas as fichas no progresso tecnológico e no mercado como um fim em sí, de onde proveem todas as benesses de seu conforto pessoal imediato ainda em vida.
Ele desconhece como funciona a maioria dessas coisas que fazem parte de seu cotidiano e também não entende as regras de mercado que compõem seu sistema de consumo. É como uma teologia incompreensível, uma litania, uma caixa preta, que só alguns especialistas de plantão têm condições de decodificar, cornucópia mágica de onde proveem seus frutos imediatos, e nem consegue imaginar outra realidade possível.
Os formadores de opinião ganham a vida reafirmando esses valores, pois também são presas do meio em que estão mergulhados e com sua hermenêutica peculiar, quase sempre elevada aos mais altos valores morais, de forma proposital ou não, chancelam o “status quo” e o homem comum sorri tranquilizado. Quem é ele para questionar os sábios? – reflete prudente.
Mesmo os contestadores da atualidade propõem convivências inimagináveis entre lobos e ovelhas através da comunidade da “mass media”. Afinal não são também eles falsos pecadores ou apenas fiéis adoradores dissimulados do deus mercado de onde do couro fazem suas correias?
A comunicação eletrônica alcançou uma dimensão inimaginável nos últimos cinquenta anos. Em proporção semelhante os fatos históricos, do século passado, vêm sofrendo uma homogeneização a luz das novas ideologias de mercado. Suas lições inquestionáveis têm sido paulatinamente alteradas. A relativização dos fatos e de seus conteúdos através de produtos audiovisuais de baixo valor informativo entrega um material pronto que não dá margem ao pensamento crítico e sucumbe ante o “prêt-à-porter” da cultura de massa.
É claro que sempre existiram iniciativas desse tipo por parte das classes dominantes e seus intelectuais de aluguel desde a impressão dos primeiros folhetins, mas com a evolução tecnológica, o cerco ao homem comum, o público alvo deles, tornou-se o processo, mais agressivo, no sentido de incrementar sua idiotização e aumentar o consumo de produtos, e apesar da evolução vertiginosa dos meios, o conteúdo das mensagens tornou-se ainda mais irrelevante do ponto de vista informativo e submetedor do individuo teleguiado. Existe a tentativa da rarefação da vontade do ser que acaba seduzido por uma vida artificial e virtual enquanto o sistema opera como um trem em alta velocidade sem maquinista pronto para descarrilhar dos trilhos na próxima curva.
Manter predadores hipnotizados todo o tempo não é tarefa fácil. Como veremos a seguir.

http://odisseiaantropofagica.blogspot.com.br/2011/11/o-relatorio-da-montanha-de-ferro.html

Guerrilheiras Curdas em Luta contra o EI do Iraque

O Ataque, A Defesa e a Procriação – Camuflados para a Guerra Permanente

As guerras dos estados-nação sempre possuem objetivos definidos. Os índices de mortalidade, que nos conflitos entre as nações contemporâneas podem chegar aos milhões de mortos, quando percentualmente comparados com outros grupos sociais menos desenvolvidos são inferiores ao dos povos tribais. O significado desse importante dado quando confrontado com especialistas é identificado como um avanço do processo civilizatório. Conforme o histórico verificado desse fenômeno definitivamente humano que é a guerra pode-se chegar a outra conclusão talvez mais próxima da realidade. Os estados-nação preferem as batalhas floreadas, verdadeiros rituais de morte institucionalizados onde grandes contingentes armados são colocados frente a frente para a consagração de um grande holocausto em sentido literal. Cada vez mais aumentam os seus efeitos colaterais com a morte de civis inocentes.
Com o advento das armas nucleares tais confrontos entre as grandes potências tornaram-se pontuais e regulares e no final do séc XX e início do XXI na maioria das vezes terceirizados por outros povos que são colocados no centro das conflagrações e dos interesses econômicos maiores. Para manter a locomotiva do capitalismo em movimento é necessário alimentar sua fornalha com os recursos naturais desses povos e com seus corpos sem vida. Armas de destruição de massa não são eficientes para conquista de territórios ou domínio de mercados ou mão de obra cativa, já que o objetivo primal da guerra é o saque dos recursos naturais e humanos do inimigo.
O sistema capitalista, isto é, as grandes corporações, que impõem o verdadeiro domínio dos estados-nação, só é ordenado em seu centro de poder enquanto sua periferia só poderá sobreviver em futuro próximo no meio do caos absoluto. Milhões de armas leves e munições, lança-granadas e canhões de baixo calibre são fabricados anualmente no hemisfério Norte e são exportados para todo o mundo, de todas as formas possíveis, e sem controle algum, para proporcionar o desequilíbrio planejado das periferias e com isso lucrar direta e indiretamente.
Países que desafiaram os centros econômicos de poder recentemente e pretenderam criar alternativas de exploração das próprias riquezas, como o Iraque e a Líbia, e tentaram manter uma autonomia foram completamente destruídos e retornaram de altos índices de IDH de volta para a pré-história em termos de sobrevivência de seus povos só com o recurso de armas convencionais, misseis balísticos e superioridade aérea.
Os exércitos tradicionais sempre dependeram da sazonalidade das colheitas para poderem empreender suas campanhas. Por essa causalidade, as campanhas não podiam ser prolongadas e quando chegava o inverno no Hemisfério Norte, ou a época do plantio as forças debandavam, pois senão adviria morte certa.
Os exércitos modernos dispõem de ampla logística que os permitem manter-se ativos o ano todo. Soldados profissionais são uma pequena parcela da população que se mantem com o suporte da produção da população civil. Mas na atualidade estamos convivendo cada vez mais com forças irregulares permanentes que não seguem as mesmas regras de mobilização dos exércitos de resistência tradicionais.
Conflitos de baixa intensidade consomem milhares de dólares em armas leves de vários tipos, e na manutenção de razoáveis contingentes de homens armados. Na África e no Oriente Próximo, as guerras tribais, e seus sucedâneos, os conflitos religiosos e ideológicos escondem interesses exógenos evidentes na exploração das riquezas naturais destes povos. De minerais a hidrocarbonetos: o continente africano detém 25% das reservas mundiais de Uranio, por exemplo, de fundamental importância para a produção de energia nuclear e também possui grandes reservas de antimônio, diamante, ouro (maior produtor mundial), manganês, platina, cromo, entre outros. Entre as principais nações africanas que abrigam reservas minerais estão: Marrocos (fosfato), Zâmbia (cobre), Zimbábue (ouro), Guiné (bauxita), Namíbia (urânio), Uganda (cobre e cobalto), Sudão (ouro, prata, zinco, ferro, e petróleo), Botsuana, Congo, República Democrática do Congo, República Centro-Africana, e Gana (diamante). Dessa imensa riqueza explorada por empresas transnacionais, que necessitam de insumos para a produção de cada vez mais bens de consumo de alta tecnologia, e apropriação de energia para manter suas linhas de produção no Ocidente, provêm o patrocínio permanente dessas forças e de seus senhores da guerra que cobram o devido pedágio. Quem os paga?
Estados Unidos, Canadá e as nações europeias se beneficiam desses recursos. Nesse sentido, as grandes potências imperialistas se enriquecem e intensificam a pobreza econômica dos países da África. É tão intrincada a relação de interesses econômicos nesses conflitos de baixa intensidade, que a potência responsável pela criação e municiamento de um determinado exército irregular usado para assediar um inimigo comum, possa também, ato contínuo usar de meios bélicos para destruir sua própria criação, quando percebe seus interesses prejudicados por questões de interesse local dos rebeldes. Sem nunca intentar uma ação direta é claro, pois a ideia é não utilizar tropas no campo, que elevam sobremaneira os custos da campanha. A antiga estratégia “Divide e Impera” enfraquece ambas as facções e destrói a nação a ser conquistada com baixa perda material dos manipuladores por trás dos falsos chefes rebeldes.
Estamos presenciando uma mudança nos conceitos tradicionais sobre a guerra como era estudada até o fim do século passado, como uma doutrina voltada às grandes mobilizações de contingentes de exércitos nacionais. Com a ascensão das táticas de guerrilha a partir da guerra do Vienã, o que exige um maior profissionalismo das forças nacionais sem resultados garantidos, a nova doutrina, ocasionada pelo equilíbrio nuclear entre as potências, a Pax Nuclear, e o resultante aumento de conflitos de baixa intensidade intensifica a ideia de novos especialistas contratados pelas grandes corporações sobre a possibilidade de um conflito nuclear controlado, uma batalha floreada de grandes proporções. Passaram a acreditar na possibilidade da sobrevivência de uns poucos, os senhores e seus servos, de escaparem ilesos de uma hecatombe nuclear para a criação de uma Nova Ordem.
A estratégia seria semelhante a um duelo mexicano. Um atira e o outro atira como numa velha película de western, e depois dos alvos atingidos, uma parada para estabelecer conversações. Os alvos com certeza estarão fora da área territorial dos países que utilizarem os armamentos. A causa poderá ser um atentado com artefatos nucleares de algum grupo terrorista ou um de falsa bandeira, ou uma bomba suja radioativa com dano suficiente para causar um conflito. Para àqueles que imaginam se tratar de uma obra de ficção pode-se dizer que isso já aconteceu recentemente, quando os EUA mataram milhares de civis inocentes no Afeganistão com bombardeios convencionais como retaliação ao ataque às Torres Gêmeas em New York. O terrorismo foi pago com a mesma moeda do terror e nenhum mandatário da nação norte americana foi inculpado ou punido por algum tribunal internacional pelos crimes de guerra. O número de vitimas afegãs inocentes ultrapassou em milhares de vitimas o do atentando ao WTC e ainda cresce. O resultado foi a devastação total da infraestrutura daquele país. Só não foram usadas armas nucleares por pura convenção.
Os conflitos de baixa intensidade e a guerra permanente vieram para ficar. Sua escalada ainda recém está começando. Onde ocorrem causam grandes devastações, cidades são completamente destruídas, milhares de pessoas são obrigadas ao desabrigo forçado como refugiados apátridas em extensos acampamentos insalubres e a barbárie do culto ao deus canibal impera. O governo e o povo do país que acredita estar fora do alcance desses interesses hoje, não estudou devidamente a história do passado da humanidade. A razão do interesse das grandes corporações em estabelecer o caos longe de suas fronteiras tem como causa principal a dificuldade de se manter um “welfare state” onde abrigam suas matrizes. A explosão demográfica causada pela profilaxia forçada de epidemias e o alto índice de natalidade de antigas minorias e classes menos privilegiadas faz com que as projeções para o futuro das elites do planeta, mesmo que detenham mais de 50 % da riqueza do mundo seja no fim incerto. A guerra permanente e a crise permanente andam lado a lado. Quanto mais a crise aumenta com o desemprego de multidões pelo mundo todo provocado pela automação acelerada do capitalismo, mais as probabilidades de guerras convencionais e conflitos internos aumentam gerando a incerteza para os detentores do poder. Portanto é necessário eleger um inimigo externo para poder concentrar a atenção e o potencial agressivo das populações e até mesmo a divisão interna para incitar o ódio religioso e étnico. É necessário dirigir a natural delinquência juvenil contra um alvo comum e aproveitar os mais violentos nas forças de combate profissionais visando direcioná-los para fora de circulação do meio onde se situa a matriz. 
Não existem soluções fáceis, os tempos são de guerra em todos os quadrantes do mundo, a América do Sul, a África, o Oriente Próximo, e a Ásia são agora o alvo para os detentores do capital tentarem extrair a riqueza necessária para manter seu “status quo” que a cada dia mais se deteriora dentro das suas próprias fronteiras. A contrainformação, o massacre da mídia paga pelas grandes corporações contra as instituições politicas dos países ameaçados já ocorre cotidianamente, bem como, o estabelecimento pelos EUA e UE de sanções econômicas, ataques especulativos e derrubada dos preços de commodities e outras medidas de antecipação para a conflagração global irreversível. Cada vez mais novas polarizações surgem num planeta fortemente nuclearizado. Os sábios anciões que conviveram com grandes guerras humanas têm advertido o que pode acontecer em futuro próximo. Estaremos próximos de uma nova Idade das Trevas como ocorreu no mundo Antigo?