segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Fim da Odisséia Antropofágica ?


"Os animais e as aves lutam entre si pela posse da fêmea, pela defesa de sua presa ou o domínio da manada, mas não é um combate de morte, como o dos seres humanos na guerra,... Estes atos indicam que a instituição humana da guerra é algo mais que a encarnação no homem do instinto de agressão inerente a todo animal. A guerra tem que ser uma alteração ou uma hipertrofia no homem do instinto de agressão e também um produto da tradição e não do instinto". (Toynbee)

“O que é bom? – Tudo o que eleva o sentimento de poder, a vontade de poder, e o próprio poder do homem”.
“O que é mau? – Tudo o que provém da fraqueza”.
“O que é felicidade? – O sentimento de que o poder aumenta – de que uma resistência foi superada”. (Nietzsche)

“Só os que se aproximam sem preocupação
daquilo que as multidões se ocupam seriamente
podem ocupar-se seriamente
daquilo que as multidões percebem sem preocupação”.
(Provérbio chinês)

“A explicação mais simples de um fenômeno é, em noventa por cento dos casos, mais verdadeira do que uma explicação realmente sofisticada”.
(A navalha de Occam ou Princípio da Parcimônia)    

Morella la Vella, Castelón, Espanha - Arte Rupestre
Cena de Luta
  
A capacidade bélica do ser humano nunca foi tão imensa. Desde bombardeiros invisíveis a mísseis inteligentes, aviões robôs e no futuro próximo até mesmo infantaria cibernética teledirigida, sem soldados que possam pisar em minas ou cobrar soldos elevados e pensões. Basta um apertar de botão, um mirar de uma tela e imagens infravermelhas de "inimigos" explodem em mil pedaços milhares de quilômetros distantes. Os gestos apaziguadores, os pedidos de clemência, os choros das crianças e das mulheres não são mais ouvidos. O homem passa a ser uma extensão da própria tecnologia. Para diminuir sua culpa despersonaliza o oponente e lhe dá apelidos estranhos, nomes que menosprezam e tiram o que seria de humano ou seja igual. A guerra como um game. Game como "gamo" que se caça na floresta, presa que se come entre os iguais. As palavras denunciam suas próprias raízes arquetípicas de caçadores na defesa de seu território de caça. O homem como extensão de um mecanismo, burocrático, carimbando passaportes de pessoas que seguem para campos de extermínio, sem dó e sem culpa, são imagens recentes de uma civilização que se acreditava "culta" e "superior".

A guerra é cultura dizem alguns especialistas, faz parte de nossa excessiva especialização com ferramentas de morte. A aversão ao estranho é inata. A criança estranha o colo de uma pessoa com quem nunca teve contato. É desse instinto básico que o mecanismo de antagonismo é colocado em movimento. Mas existe aí uma complexidade natural do ser humano. O que mais amamos é também o que mais odiamos. Antropófagos ancestrais só comiam a carne de inimigos sabidamente heróis. Não iriam conspurcar-se com a carne de seres inferiores, medrosos ou deficientes. O ciclo permanente de vingança deve ser mantido para que mais guerreiros possam servir de presas, eles são amados pelos seus captores, mas devem por isso serem exterminados. Um dia é da caça outro do caçador em um ciclo interminável, uma espiral onde a dominação do território é só uma desculpa para infligir a derrota ao inimigo. Batido, o inimigo deve ser devorado

Não estamos falando só de costumes de tribos primitivas perdidas no passado dos tempos destruídas pelas espadas vingadoras dos europeus. Não foi o Cristo crucificado pelo seu povo? Não é sua a carne consumida no ritual da comunhão? Ele não é o "Bem Amado"? O conceito de agressão intergrupal do homem enquanto espécie explica também o "por quê" das doutrinas da Graça como expressão supraindividual terem sempre se difundido através da agressão ao outro, denegrindo a elevada mensagem filosófica que pretendiam difundir, como processo antropofágico velado. Se não tem fé morre, assim diz o pregador. A religião do amor ao próximo foi levada aos povos com a força de arcabuzes e canhões, ditaduras militares se impõem em nome da liberdade e da democracia e para livrar os trabalhadores da opressão se criaram ideologias e partidos governantes. Todo esse processo é resultado da evolução cultural humana. Nós precisamos desses heróis que se sacrificam por suas causas. Os mártires são alimento, o óleo que lubrifica as engrenagens de nossa sociedade onívora. Não é apenas pelo alimento ingerido, precisamos de nossas geringonças que andam, que escrevem, que apitam, e para seu funcionamento precisamos do espaço do "outro", de suas riquezas, de seus minerais, de suas mentes, de sua mão de obra, precisamos de heróis para nos sentir melhores, superiores, hábeis. É um erro considerar a guerra um simples assassinato, uma degeneração patológica como tentou explicar Erich Fromm. Ela é tudo isso, e também algo mais que apenas simplesmente sadismo e necrofilia. Ela é a base da cultura da horda que se sedentarizou e se promiscui na metrópole, uma multidão heterogênea composta de vários nexos ou nações-tribos obrigadas ao convívio. A cidade moderna não planta e não colhe alimento algum. Ela é predadora, voraz, globalizante, unificadora de todos os apetites. Ser onívoro define nosso padrão de agressão onde a antropofagia é apenas uma conseqüência direta, a razão de todos os conflitos, de nosso sistema financeiro, de nossas bolsas de valores. Ser onívoro define como observamos nosso habitat e como percebemos o próximo. Devorar montanhas e seres humanos, derrubar florestas para estabelecer "plantations", tirar das entranhas da terra hidrocarbonetos para fazer funcionar nossa cultura de dominação plena do planeta, consumir recursos sem limite são uma tradição de sucesso adquirida por nossa civilização, que evoluiu como expansão devoradora sobre a biosfera.

O resultado dessa expansão já se faz sentir. Sete bilhões de habitantes concentrados principalmente nas grandes áreas urbanas do mundo todo, bairros inteiros que se degradam em velocidade assustadora. Um curral imenso onde a atividade econômica historicamente declina. A automação substitui a mão de obra humana em ritmo acelerado. Um número cada vez menor de pessoas, que possuem capacitações técnicas particulares, controlam a maioria dos processos tecnológicos. As linhas de produção cada vez menos dependem do homem simples urbano. A profecia de um cientista de comportamento pode ser encontrada em uma pequena obra hermética, lida por poucos especialistas: ..."parece que as revoluções não acontecem nas fases de maior miséria e repressão, mas quando o bem- estar substituí a um período de privações e em continuação se desencadeiam novas privações (motivadas por exemplo por uma recessão)". (Irenaus Eibl-Eibelsfeldt - Guerra y Paz) O colapso que fez desaparecer muitas civilizações nunca esteve tão próximo como agora. Estamos entrando no limiar de uma nova era de instabilidade mundial. 

PROCESSO DE EVOLUÇÃO DA AGRESSÃO HUMANA INTERGRUPAL  E DA GUERRA
como tradição de cultura onívora da humanidade

                    Conflito Primário                           Conflito Secundário

100.000 - 30.000 anos
30.000 - 8.000 anos
8.000 anos - Atual



Ser Onívoro
Ser Canibal
Ser Religioso
Supercarnívoro
Antropófago
Tabu e Ritual
Culto aos Mortos
Totemismo
Religião
Naturalismo
Territorialismo
Império
Equilíbrio
Disputa do Meio
Genocídio/Escravidão
Caçador
Guerreiro/Xamã
Sacerdote
Clã
Tribo
Civilização
Caça
Batalha Ritual
Guerra Total
Lança e Maça
Arco e Flecha
Fissão Nuclear
Instinto
Intuição
Razão


A humanidade em seus primórdios (100.000 anos a 30.000 anos) coabitou com outros hominídeos que haviam alcançado um nível razoável de desenvolvimento e florescente cultura. Isso não impediu que progredisse a expansão humana no planeta. Possivelmente mudanças climáticas favoreceram o desenvolvimento da cultura humana em detrimento de outras espécies de antropóides que não possuíam a mesma capacidade de adaptação às mudanças ocorridas. Nesse intervalo de tempo da humanidade como nos milhares de anos anteriores a atividade pela sobrevivência era contínua tarefa de tempo integral. O homem primitivo não fazia distinção entre caça e carniceria. Aproveitava o que encontrava na natureza para sua sobrevivência. E inclusive se alimentava de seus semelhantes já que não distinguia diferença ou semelhança do fruto da caça, proteína arduamente extraída da natureza, necessária para a evolução dos seus. Era naturalista, na acepção da palavra, em sua selvageria de predador e seu instinto aguçado que lhe permitia sobreviver no seu meio. Tanto o exocanibalismo, quanto o endocanibalismo eram atividades comuns e não envolviam questionamentos morais, pois estavam associadas ao saciamento da fome permanente e da preocupação constante com a continuidade do núcleo parental. O culto aos mortos favorecia a idéia de perpetuidade através do consumo da carne dos parentes do clã para a absorção de suas qualidades de força e magia. A constante perseguição e morte da presa acabaram por criar um sistema de relação mágica entre o caçador e os animais abatidos, a “solidariedade mística”, a partir do sangue derramado do animal, que se assemelha ao humano revelando o parentesco intrínseco entre as sociedades humanas e animais. Abater o animal caçado equivale a um ritual de “sacrifício” em que as vítimas são intercambiáveis. Milênios mais tarde, com a domesticação dos animais e sua criação essa idéia arcaica sacrifical sobreviveria universalmente, não só com o uso de animais como substitutos de vítimas humanas, como também homens sendo sacrificados no lugar de animais. Como a descendência se fazia pela linha matrilinear, já que eram desconhecidos os mecanismos da reprodução, o culto à fertilidade feminina era disseminado como primeira forma de uma proto-religião, pois estava associada à magia do ciclo da vida. 

A preferência pela carne de outros primatas é até hoje comum entre os ameríndios. Os chipanzés também organizam expedições de caça para conseguir essa importante fonte protéica suplementar, suas presas, outros primatas que habitam as copas das árvores das florestas ou até mesmo seus semelhantes. Os tupinambás não se faziam de rogados para caçar e comer seus congêneres e podemos considerar esses costumes reminiscências da pré-história humana. O uso de lanças com suas pontas endurecidas ao fogo e maças utilizadas pelos homens primitivos deve ter causado profunda impressão entre os outros primatas que pela excessiva especialização não conseguiram adotar as novas técnicas. O extermínio de várias espécies de outros primatas e hominídeos que coabitavam o mesmo espaço e competiam pelos alimentos deve ter sido prática usual entre os humanos. Não havia mercê, o que caía na rede era alimento, diz o dito popular, virava sustento.

O Cro-Magnon, indivíduo que nada difere do homem moderno, chegou na Europa aproximadamente a 30.000 anos e deparou-se com um outro grupo de hominídeos mais primitivos, os Neandertais, que habitavam o continente e já haviam sobrevivido as rigorosas glaciações da Era do Gelo. A rápida extinção dos Neandertais nunca é associada diretamente pelos estudiosos à presença devastadora do Cro-Magnon, como fator decisivo pelo seu extermínio provocado pelos recém chegados invasores. Cinco mil anos de coabitação no mesmo território foi o suficiente para a extinção total do grupo autóctone mais primitivo. A tecnologia bélica superior, a capacidade de comunicação privilegiada por novos símbolos vocais, a inventividade fonética que favorecia o aprimoramento de táticas e estratégias de caça mais inovadoras e eficientes e talvez o uso de matilhas de cães de caça que viviam em simbiose oportunista com os homens, tornou a concorrência do Cro-Magnon mortal para os Neandertais. Como fizeram os conquistadores espanhóis quando aportaram no Novo Mundo, mastins foram usados para rastrear os indígenas trânsfugas que se escondiam nas florestas, em furnas escondidas no meio da mata, onde imaginavam manter santuários. Seus armamentos superiores, o aço e a pólvora, não podiam ser igualados ou repetidos pelos autóctones que estavam em estágio de evolução técnica inferior. Assim os homens eram mortos e as mulheres e crianças eram destroçadas pelos cães ou aprisionadas pelos espanhóis para serem escravizadas e corrompidas causando um descenso vertiginoso da procriação dos vencidos. Pode-se imaginar que o Cro-Magnon, numa dinâmica própria, em condições técnicas superiores de competição pelo meio, atuava da mesma forma com outras espécies, que ousassem atravessar seu caminho, e promoviam intencionalmente a extinção do inimigo. Seus conflitos eram sempre de caráter primário e antropofágico.

A organização social tribal do Cro-Magnon era mais complexa que a dos Neandertais mais primitivos. O estabelecimento de alianças entre clãs favoreciam o trabalho em equipe e aumentavam o poderio dos aliados contra possíveis inimigos ou competidores do habitat. As trocas de mulheres e alimentos sedimentavam esses contatos de amizade e evitavam conflitos que podiam resultar no aniquilamento de dois grupos rivais. Cada clã era identificado pelo seu Totem particular. A descendência ainda era estabelecida através da linha matrilinear com proeminência de autoridade do tio em relação ao sobrinho, o que marcava a identidade do clã ao seu totem correspondente, relação familiar que é mantida em algumas culturas até hoje. Era comum o duelo simulado entre os clãs onde uns poucos se feriam, em ocasiões especiais do seu calendário rudimentar, quando então se firmava o compromisso entre os aliados após o combate ritual, fechando um ciclo sazonal relacionado às forças criadoras da vida, como opostas, mas intrinsecamente complementares. Nestes combates pais e filhos podiam se enfrentar já que integravam clãs diferentes. Os armamentos utilizados pelos homens como as lanças de arremesso, azagaias que utilizam o processo de alavanca para aumentar sua velocidade e força, o bumerangue, o arco e flecha, a boleadeira e a funda eram inovações balísticas importantes para a caça de grandes mamíferos, mas também tiveram grande impacto nos confrontos entre as tribos sem parentesco comum. As grandes movimentações de Cro-Magnon motivadas possivelmente por questões climáticas ou de mudança do habitat em busca da caça farta, perseguindo as migrações dos grandes rebanhos, levaram as hordas a ocuparem novos territórios que seriam disputados com seus antigos donos com flechas e lanças que atingiam seus inimigos a distância. 

A antropofagia ritual que envolve o aprisionamento do inimigo para ser devorado pela tribo e o culto animista aos entes da floresta que propiciava a caça eram  as tradições que lançavam as bases de novas crenças, que iriam formar mais tarde as grandes religiões, que nessa época eram intermediadas pelo xamã, personagem incomum que incorporava a ligação entre os homens e seus duplos espirituais simbolizados pelos totens dos clãs das tribos. O xamã é o agente humano incorporado no proto deus cujas manifestações e efusões emocionais levam à catarse coletiva do grupo. Ele aconselhava o andamento da guerra ou profetizava a paz com o inimigo de acordo com os sinais recebidos dos espíritos ancestrais ou da natureza. Os totens possuíam denominações de animais que identificavam cada clã da tribo e determinavam sua origem. O mito do herói começa a ser formado na figura do "Bem Amado", o prisioneiro de outra tribo, cativo em alguma emboscada ou aprisionado no combate, ele é a presa, vítima que concentrava os valores de coragem e perícia que seus algozes pretendiam absorver. Ele também é o cunhado, o fertilizador das várias donzelas a ele consagradas, os vasos onde deixava seu sêmen para procriação, ritual que garantia a diversidade genética para a tribo e a absorção de novos atributos físicos, verdadeira seleção forçada que privilegiava e fortalecia a descendência e minimizava os efeitos do incesto ainda não transformado em tabu. Sua honrada posição e sua morte ritual davam origem ao culto do mito, a aura da divindade heroica, que iria formar as raízes dos sistemas de crenças surgidos posteriormente. O culto à "Grande Mãe" era universalizado, evidência deixada nas pequenas estátuas que foram posteriormente escavadas nas cavernas pré-históricas do mundo todo. A fertilidade, preocupação constante de povos com baixa população e altos níveis de mortalidade, era propiciada pelos espíritos do totem com a realização de orgias rituais e práticas de sangue estabelecidas periodicamente pelos xamãs.

A intuição era o dom preponderante desses povos que estavam em pleno apogeu criativo de novas técnicas e formação de mitemas que iriam se tornar arquétipos da humanidade nos anos vindouros. Um grande salto evolucionário que ocorreu em apenas alguns milhares de anos lançou as bases para a criação das grandes civilizações que, entretanto, ainda não existiam. Os ideais do guerreiro, a vingança como forma de conflito perpétuo entre grupos estranhos que mantinham a constante disputa pelas zonas de caça, o nomadismo, o sistema de crenças na fertilidade e na antropofagia ritual iriam marcar a forma como a humanidade percebe seu meio ambiente e os mistérios insondáveis da natureza. Esses paradigmas iriam penetrar profundamente e permanecer imutáveis nas eras subseqüentes no caráter dos povos das estepes determinando a mentalidade desse caçador transformado em guerreiro. Um onívoro fenomenal.

Não deixava de ser o guerreiro acometido pela culpa dos seus atos sangrentos, como uma inibição natural,, inata de comportamento para esses onívoros recentes, já que a guerra, um processo cultural induzido, levava-o depois a necessitar uma limpeza ritual para afastar os "maus espíritos" que assombravam sua  mente, pois matar crianças e mulheres, mesmo estranhos a tribo e praticar sacrifícios dos prisioneiros inimigos causavam traumas que precisavam ser exorcizados através de suas crenças. Por isso estabeleceu em seus rituais de reclusão, após os morticínios, o couvade, quando o guerreiro só podia comer determinados alimentos ou era obrigado a se banhar diariamente durante o retiro usando folhas de certos vegetais para “limpar” o corpo, para purificar-se mais depressa de sua falta. Assim afastava os “maus espíritos” que ele identificava com suas vítimas, já que sua consciência denunciava seus atos contra sua natureza humana. Segundo Freud, eles assim expressavam suas emoções, os problemas de consciência, que eram sublimados através de reclusão e rituais mágicos para expiar suas faltas.

Os eventos do fim da Era Glaciária ocorrida nos últimos 8.000 anos mudaram de maneira radical o clima e a paisagem, e, por conseguinte a flora e a fauna na Europa ao norte dos Alpes e marcaram as expansões e contrações de povos oriundos das estepes asiáticas partindo em todas as direções em busca de seus rebanhos e seus fluxos migratórios de pastagens e os conseqüentes choques com povos relativamente autóctones, suas assimilações, e a correspondente sedentarização dos invasores em camadas sucessivas no tempo num processo civilizatório onde, com a fixação e criação de centros urbanos, se misturava religião e política, como extensão dos assuntos da "polis", a cidade estado que florescia como império, coletor da produção agrícola do seu entorno, processo econômico parasitário estabelecido pela classe dominante de guerreiros. A cultura dos cereais e a domesticação do carneiro e da cabra no Levante, a  partir do séc. XVII a.C. representaram uma revolução social de origem tecnológica importante que logo se propagou por todos os quadrantes em alguns séculos influindo na sedentarização dos povos. A mitologização desse confronto está registrada no texto bíblico, conforme Mircea Eliade, no Gênese, o episódio de Caim e Abel. Nele está representado o confronto entre lavradores e pastores, sendo Abel o pastor e Caim o lavrador, uma apologia explícita da vida nômade pastoril como preferencial para apreciação de Javé, o deus da guerra Hebreu. Entretanto lembra Mircea que enquanto Abel significa "pastor", Caim quer dizer "ferreiro". Segundo o texto bíblico Javé negou aceitar a oferenda de Caim e acolheu a oferenda de Abel gerando o conflito entre os irmãos. Irado, Caim se lançou sobre seu irmão e o matou. Conforme o estudioso, o "ferreiro" possuía uma posição ambivalente em certas sociedades pastoris, desprezado ou respeitado, mas sempre temido pelo domínio de sua técnica de transformação do ferro e do bronze, como "senhor do fogo" e seu temível poder mágico. A tradição conservada no relato reflete a idealização "simples e pura" do herói pastoril e nômade, e a resistência contra a vida sedentária dos lavradores e moradores dos centros urbanos. Caim simboliza o "contrutor de cidades" e um dos seus descendentes é Tubalcaim, "o patrono" dos laminadores dos metais conhecidos, o cobre, o bronze e o ferro. O primeiro homicídio então é atribuído àquele que encarna o símbolo da tecnologia e da civilização urbana na concepção desses nômades arcanos. Mas como iremos ver adiante, o que mais odiamos pode ser o que mais cobiçamos.
Caim e Abel
O fluxo migratório dos povos nômades, tribos de pastores, convergiu justamente para a busca das riquezas das civilizações emergentes, que absorveram como puderam  esses invasores "bárbaros" ao novo sistema agrário e transformaram os recém chegados em escravos vencidos ou classes guerreiras de mercenários. As guerras podiam, a partir de então, ter maior duração e magnitude, pois o excedente da produção agrícola permitia a subsistência de grandes contingentes de guerreiros, então transformados em soldados e permitiam uma campanha mais prolongada. Assim também se resolvia o problema do excedente de mão de obra, pois na vitória o território inimigo poderia ser incorporado para novos assentamentos de povos aliados e na derrota as baixas dos mercenários, principalmente de jovens do sexo masculino, proporcionavam a redução da pressão sobre a ocupação de terras cultiváveis e sobre os excedentes alimentares controlados pelos mandatários. Os povos seminômades ou defendiam os reinos que lhes pagavam tributos ou saqueavam seus hospedeiros conforme as relações de força e poder ocorriam. No Crescente Fértil, no vale do Indo e do Nilo, na China, e na Europa chegavam levas de invasores trazendo consigo sua cultura pastoril e guerreira, seus cavalos e carros de guerra, impondo seu poderio bélico aos camponeses sedentarizados que viviam do plantio. O nomadismo pastoril, a estrutura patriarcal da família, o gosto pelas incursões de saque e a organização militar voltada para as conquistas são os traços característicos dos povos indo-arianos. De tropas auxiliares, na maioria das vezes, pelas mãos da fortuna, se transformavam nas elites dominantes dos povos conquistados, o embrião de todas as dinastias de reis e aristocratas europeus.  
A grande difusão ariana só teve uma parada temporária com o fim da Segunda Guerra Mundial no séc. XX, mas vem novamente tomando um folego crescente, sua expansão, com a ocupação e o superpovoamento de seus territórios santuário no hemisfério norte e a necessidade cada vez maior de recursos naturais de suas nações-tribos para fazer funcionar suas economias agrícolas extrativistas. Como abelhas buscam novos campos para enxamear.
A religião como fator de dominação é a grande invenção da Antiguidade. Os cultos à "Grande Mãe", a deusa da fertilidade, que já possuía uma presença inquestionável na pré-história, adquiriu poder extraordinário com a revolução agrícola em todos os quadrantes do mundo antigo. Um mitema bastante difundido explica que as produções vegetais teriam nascido de uma divindade imolada. Esse assassínio primordial transformou radicalmente a condição humana e instaurou as instituições religiosas e sociais ainda vigentes que são a origem de uma casta que iria impor sua vontade por milênios, e que teve influência total e poder até bem pouco tempo atrás, os sacerdotes. O cerimonial de ligação do homem com a deidade foi assumido por esse grupo de religiosos que serviam de ponte com o divino. Todas as celebrações religiosas, como os ritos de passagem, sacrifícios de animais ou de homens, o canibalismo e as cerimonias funerárias que são propriamente a projeção do assassínio primordial ficavam a seu cargo, como responsáveis pela sua regulação e coleta de  oferendas sacrificais junto aos então agricultores que praticavam seus cultos de sangue e acreditavam ingerir a energia da divindade através dos produtos da terra a ela atribuídos. Enquanto os guerreiros obrigavam os camponeses a suprirem suas necessidades alimentares, essa casta administrava os recursos produzidos em nome da deusa que precisava ser aplacada para garantir condições favoráveis do clima e uma boa colheita. Os tabus e interditos foram sacralizados, os rituais mágicos foram transformados em "mistérios" que eram revelados através de cerimônias onde os neófitos eram integrados na religião oficial. Os rituais de passagem, as doações dos crentes, seus tributários, e a influencia sobre os reis garantiam o poder dessa casta que vivia como poder religioso da cidade estado. O rei garantia a construção do templo, seu poder dependia da aceitação da divindade sobre seu reinado na terra.

Por volta do ano 700 a.C., o ferro tornou-se de uso comum promovendo um salto tecnológico na arte da guerra, o cidadão da “polis” grega era obrigado a dispor de armas ofensivas e armaduras de proteção dando origem às falanges. Nas eras mais remotas, no apogeu de Micenas, a guerra era domínio exclusivo dos aristocratas, os únicos com condições de comprar cavalos e carros de guerra, e portar armaduras de bronze. Uma elite coroada tangia os homens para a guerra e partilhava entre si os frutos da vitória. Quando a nova tecnologia do ferro foi colocada ao alcance de todos, o simples soldado de infantaria adquiriu uma nova importância estratégica. A cavalaria pesada tinha dificuldade de penetrar nas linhas de soldados encouraçados e protegidos com longas lanças e escudos, da retaguarda protegidos os arqueiros lançavam seus projéteis: dardos, flechas e fundas faziam suas vítimas entre os cavaleiros e aurigas. A falange hoplita (hoplita deriva da palavra grega hoplon, que significa instrumento) fazia suas manobras e revoluções em terreno plano de forma ordenada para manter sua formação, chave do sucesso de sua estratégia de choque. Alguns historiadores acreditam que do cidadão soldado surgiu a primeira experiência humana com a democracia, mas foi a tirania de homens comuns que se firmou já que era a destreza militar e a capacidade de liderança que definia o poder do tirano e não sua ascendência familiar. Péricles, Dioniso de Siracusa, homens ilustres, aventureiros que deixaram marcados, pelo ferro de suas espadas, seus nomes na história da humanidade são os exemplos da tirania que tomou forma no militarismo grego. Era a aclamação popular do líder que definia seu poder, antigo costume dos invasores Dórios, arianos que invadiram a Grécia e expulsaram os Micênios, povos também arianófonos originários da Ásia, mas quando perdia o líder seu carisma ou seu exército era derrotado, acabava o chefe político militar executado ou no ostracismo.      

 A religião sempre serviu para atenuar a culpa do fiel. As guerras santas são até hoje justificativas suficientes para os homens cometerem seus atos antropofágicos sem culpa, pois o fazem em nome dos seus deuses. A carnificina e o canibalismo são traços  característicos das deusas arcaicas da fertilidade, elemento comum da velha civilização agrícola que se estendia do Mediterrâneo oriental até o vale do rio Ganges. (cfme. Mircea Eliade) O devoramento do próximo, que aos poucos se tornou tabu, foi sendo substituído pelos sacrifícios humanos e depois de animais propiciados aos deuses, que ajudaram a mitigar a culpa do homem comum na Antiguidade. Sacrificar donzelas e crianças para tornar fértil a terra ou realizar obras arquitetônicas com sucesso duradouro, promover o genocídio de inimigos para ocupar suas cidades e plantios, tudo é realizado em nome da divindade e, portanto, é justo e correto. O homem não faz guerras só por ser antropófago, ele as faz por ser um animal onívoro, e como tal ansioso, voraz, pronto para acumular o que é do próximo e matar se preciso for para atingir seus objetivos. Mas ele precisa de uma desculpa, e a religião preenche essa lacuna como uma moldura dourada que adorna um quadro hediondo de coisas mortas. São muitas as passagens de seus livros sagrados onde a ocupação e o genocídio é incentivado pela "deidade" já que existe uma inibição natural do homem em matar mulheres e crianças e ele necessita de uma justificativa religiosa para cometer seus crimes sem culpa. O monoteísmo, religião mais recente, que surgiu na Pérsia com o zoroastrismo, de invocação ariana de um deus macho, guerreiro que lutava pela luz firmou-se como crença predominante trazida por esses arianos seminomades, era o reflexo evidente dessa ânsia de destruição que deveria ser desculpada pelo estabelecimento do "bem" na terra e justificava a imposição de um império terrestre que fosse a imagem, o reflexo imediato do império celeste na figura de seu representante humano. Os hebreus iriam copiar essa idéia e fazer de Javé seu vingador divino que exigia a destruição dos povos dominados, sem piedade, já que seus objetivos eram primários e antropofágicos de ocupação de território enquanto os persas queriam estabelecer um império e, portanto já tinham a noção da guerra secundária que é a escravização dos povos dominados para manter um fluxo constante de riquezas ao reino e tropas para seus exércitos. Enquanto Ahriman era tolerante Javé é vingativo e etnocêntrico
A ligação do poder temporal com o divino iria perdurar por milênios e influenciar as culturas até o séc. XX quando as teocracias perderam definitivamente sua aura divina e os reis passaram a depender cada vez mais do poder secular para permanecerem em seus tronos, como meros símbolos do estado, sem verdadeira autoridade. A civilização inventada na revolução agrícola em poucos milhares de anos sofreu um novo salto evolucionário decorrente da prosperidade alcançada que permitiu o homem, bem alimentado, a filosofar e refletir sobre sua posição no Universo. A fé religiosa que foi consagrada pela herança filosófica greco-romana e escolástica serviu de sustentáculo, fonte, semente de onde brotou, das entranhas de lojas maçônicas, uma nova forma de entender o mundo exterior denominada Razão, considerada pelos sacerdotes da nova crença, os filósofos puritanos e naturalistas, como livre expressão da realidade da Criação. A Razão era então evocada como uma faculdade superior com o poder de controlar paixões e direcioná-las para objetivos mais elevados. Dentro desta visão, são atribuídas à Razão qualidades sagradas; a humanidade, embora induzida pelo desejo irracional, poderia se redimir pela busca de uma união com a Razão Divina. Esta certeza reducionista dos fenômenos físicos que toldou, como uma nova religião,  o pensamento do seu novo clero, por quase três séculos, logo mostrou sinais de cansaço e decadência ante a oposição enunciada pelos mesmos filósofos, a partir da experimentação, e as descobertas dos próprios cientistas e físicos sobre a verdadeira composição e inter-relação do Universo. O átomo, que, como diz o nome era até bem pouco tempo atrás a menor partícula da matéria concebida pelo homem, foi novamente desmembrado pela ciência quântica em porções ainda mais ínfimas situadas em regiões infinitesimais onde os fenômenos de energia e matéria são facilmente confundidos.  
O sentimento inato característico de culpa, nossa herança ancestral, se choca com a noção de dever, valor adquirido de âmbito exclusivamente cultural, na sociedade dita como "racional". O choque entre homens “primitivos” e “civilizados” distorce os conceitos de razão alardeados pelos filósofos de uma civilização judaico-cristã que se pretende racional e superior em seus valores religiosos e filosóficos. Ameríndios, esquimós, bosquímanos, os caçadores coletores remanescentes, desde o séc. XV sentiram na própria carne como a ideia de poder e hierarquia pode subverter os primitivos instintos de bondade, e o “não matarás” nada mais é do que expressão de retórica. Os xamãs nativos que tentaram a resistência ao colonialismo, ganharam  poderes especiais junto aos seus enfraquecidos povos nas nações invadidas, e foram denunciados pelas autoridades dominantes como energúmenos, tratados como bruxos, canibais, ou comunistas, de acordo com a demonologia colonialista vigente. Ao mesmo tempo  a tentativa de  perpetuação das suas tradições e cultos pelos nativos foram denegridos pelos invasores,  como degradantes, poluidores e destrutivos. Os ingleses, por exemplo em suas muitas interferências contra povos dominados, rapidamente encarceraram as lideranças dos clãs de xamãs dos Dinka e Nuer, tribos nilóticas da África setentrional, que resistiam aos abusos coloniais e hoje vivem um conflito fratricida em seu país no Sudão do Sul, agora armados pelos europeus com fuzis e artilharia pesada. Irenäus Eibl-Eibesfeldt relata em sua obra magistral sobre a guerra e os conflitos humanos, como se realizaram esses contatos entre o mais "desenvolvido" e o "primitivo" em relato pungente onde a consciência individual de um personagem anônimo, em pleno séc. XIX impede que o passado ainda recente da expansão ariana sobre esses povos seja definitivamente esquecido:

“Os novos colonos (na África Meridional) e os bosquímanos nativos viviam então em um estado de guerra permanente. Os primeiros haviam se estabelecido como criadores de gado em condições ambientais muito duras e consideravam os segundos uma praga que ameaçava sua existência, pois os bosquímanos – a partir de sua própria ótica, com toda a justiça – julgavam de sua prioridade as vacas que pastavam nas suas terras, as matavam e as comiam sem nenhum tipo de inibições. Tentou-se um acerto pacífico, mas sem êxito. Lichteinsten escreveu: Faz quatro anos, para satisfazer-los, se reuniu de todos os distritos no norte um rebanho de mais de 1.600 ovelhas e 30 cabeças de gado e se lhes ofereceu, como um presente voluntário aos habitantes para que se acostumassem administrar seus recursos, apascentassem os rebanhos, criassem aos seus filhos e começassem a viver uma vida ordenada. Entretanto a experiência fracassou estrepitosamente. Sendo que vivem sem governo, sem residência fixa, sem normas sociais e que não conhecem a propriedade privada, não tardaram a chegar seus compatriotas dos mais distantes lugares e entre eles comeram e comeram até não restar nada”.

O pastoreador ariano, tradicionalmente um individualista, em sua expansão colonial  e de conquista pelo mundo sempre coloca sua atividade econômica como questão fundamental para justificar seus atos de violência contra outros povos. Assim garante impor seus assentamentos em terras que não são suas e quando é confrontado pelos nativos, os quais sempre denomina de "primitivos", parte para a guerra de extermínio, organiza milícias e pratica seu “herem” como faziam os antigos hebreus. Ou então armam as tribos com armas modernas, mais letais, para resolverem suas disputas e promoverem seu  morticínio mútuo. Seu sistema de crenças tudo justifica. Só alguns relatos permaneceram em velhos arquivos para denunciar esses atos que marcaram para sempre a consciência dos vencedores independente dos apelos culturais induzidos na época, que ao contrário sujeitavam as vítimas ao estigma de não pertencerem à “raça humana”.     

“Ainda fico estremecido ao lembrar – relata um respeitável corneteiro do Veld – numa das primeiras cenas que tive que presenciar na minha juventude, quando recém havia sido engajado na milícia. Era integrante de um destacamento sob o comando de Karel Kotz. Havíamos atacado e matado um grande número de bosquímanos. Quando cessou a fuzilaria achamos cinco mulheres ainda com vida. Depois de uma longa deliberação, concordaram todos perdoar-lhes a vida, pois havia bóers que necessitavam escravas para certas tarefas. As desgraçadas criaturas receberam ordens de caminhar a passo ligeiro adiante do destacamento, mas logo nos demos conta que elas obstaculizavam nossa marcha, pois eram incapazes de andar com suficiente rapidez. Deram a ordem de matar-las a tiros. Transcorreu então uma cena que me persegue na memória. As vítimas indefesas se abraçaram em nós quando perceberam nossas intenções e se agarraram com tanta força a alguns do grupo que durante um bom tempo foi impossível disparar nelas sem por em perigo a vida dos soldados que elas se haviam agarrado. Quatro delas foram, ao final, eliminadas, mas a quinta não houve jeito de arrancar-la de um dos nossos camaradas, pois, presa de uma angústia mortal, se grudava nele com desespero, assim tivemos que ceder aos seus rogos e levá-la para casa”. (T. Hahn, Die Buschmänner-1870)

Poderíamos citar muitos outros exemplos similares do choque entre caçadores coletores e invasores mineradores, criadores de gado ou madeireiros de origem européia que invadiram terras, que pela localização se tornaram cada vez mais valiosas para praticar sua atividade econômica e impor seu modo de vida de onívoro destruidor. A antropofagia se faz de forma dissimulada e o ataque se justifica pela manutenção da ordem, como prevenção de um mal, e assim tudo se justifica. Seus participantes, cúmplices no assassínio, alegam que estavam apenas obedecendo a ordens. 
De acordo com Noam Chomsky, intelectual norte americano, professor no Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) : "As estimativas sugerem que podem ter havido cerca de 80 milhões de aborígenes americanos na América Latina quando Colombo 'descobriu' o continente - como costumamos dizer - e cerca de 12 a 15 milhões ao norte do Rio Grande". E ele prossegue: "Já em 1650, cerca de 95% da população da América Latina havia sido dizimada; e na época que as fronteiras dos Estados Unidos foram estabelecidas restavam cerca de 200.000 da população indígena". 
A civilização moderna criada na revolução industrial que se acreditava no princípio do séc. XX estar posicionada num pedestal inatingível de sistema político democrático, cosmopolita, e no pleno domínio dos instintos humanos, impondo a legalidade e a fé da religião redentora e da razão forjou um turbilhão de fogo e aço que esmagou seus próprios valores racionalistas humanos, recém conquistados, e protagonizou duas guerras totais globais, holocaustos e milhares de conflitos localizados que dizimaram populações inteiras por pretensas razões ideológicas e religiosas que disfarçaram a ganância de seus protagonistas. Seus processos de produção em série, a multiplicação em escala geométrica de suas ferramentas de morte condicionaram a forma como milhares são mortos nas guerras, como produção em massa. 
Foi no séc. XX que começou um dos mais sangrentos conflitos, quando os arianos se enfrentaram para decidir quem herdaria o cetro do poder do mundo colonialista em franca modificação após a “Grande Depressão” de 1924. No começo do conflito, a invasão da Polônia pela Alemanha, seu estopim, pareceu aos olhos do mundo como um ato de justiça e legítima defesa e foram ressaltados pelo Führer os esforços inúteis que haviam sido feitos para garantir a paz: 
“Vocês conhecem muito bem minhas reiteradas intenções para lograr um acordo pacifico para a questão do problema Austríaco, e dos Sudetes, da Boemia e da Morávia. Tudo foi inútil. Em meus encontros com os estadistas poloneses tenho repetido as idéias que expus em meu último discurso perante o Reichstag (28 de Abril de 1939). Hoje tenho que repetir uma vez mais que minhas propostas são das mais sinceras e comedidas, e assim quero gritar perante o mundo. Em resumo, eu pranteava tais propostas por que sabia que minha opinião era contrária a de milhões de alemães. Minhas sugestões foram rechaçadas... Passei dois dias reunidos com meu governo esperando que os poloneses tivessem por bem enviar um negociador...Não há que confundir meu amor a paz e minha interminável paciência com debilidade ou covardia!...Por conseguinte, decidi falar à Polônia com a mesma linguagem que a Polônia utiliza conosco faz meses!...”

“Esta noite tropas regulares polonesas irromperam pela primeira vez em nosso território. Desde às 5:45 estamos respondendo ao fogo e a partir deste momento responderemos às bombas com as bombas” (Discurso pronunciado por Adolf Hitler em 1 de Setembro de 1939 citado de W. L. Shirer)

O povo ariano sempre soube utilizar a estratagema do ataque preventivo para cometer seus conflitos de interesse. Norte-Americanos, Franceses, Alemães, e Ingleses em função de suas aspirações de hegemonia deflagraram nessa primeira parte do séc. XX um conflito que matou mais de 70 milhões de pessoas em nome da justiça e da democracia. A ameaça nazista de fato tinha que ser contida, pois representava o pior dessa filosofia de pastores nômades, agora transformados pelo processo industrial em   capitalistas com sua renovada sede de genocídio e escravização do próximo que consideravam inferiores. Nesse caso veneno foi combatido com veneno. A Rússia estalinista, nação onde a classe dominante é descendente dos antigos vikings arianos que se impuseram militarmente sobre os povos eslavos convertida ao comunismo pela revolução bolchevique em União Soviética foi o fiel da balança contra os interesses imperialistas desses outros povos arianos. A imago nietzscheana do Übermensch, o super homem estava no seu auge, como volição ideal do eurocentrismo, que se acreditava acima das demais culturas do mundo, como herança ideal do passado clássico, divinização do princípio da superioridade racial ariana revestida de filosofia materialista e anticlerical. Nietzsche alegava simplesmente que, se o desejo é tudo o que existe, então que seja gargantuesco, e que os mais poderosamente apaixonados devorem o mundo para saciar seus apetites. Ele então afirma: “Um grande homem... não requer corações ‘compassivos’, mas servos, instrumentos na sua lida com os homens, seu único objetivo é produzir alguma coisa a partir deles”. Ele assim elaborou uma síntese da ideologia ariana, a partir dos retalhos do seu passado histórico antropofágico, com uma nova roupagem de cultura pseudo materialista, divinizadora do homem. Revestiu, de forma romântica, a imagem das sociedades secretas tribais germânicas dos "bersekers" ( literalmente "camisas de urso" ), guerreiros "enlouquecidos" que se identificavam com a ferocidade do urso, e nas quais o jovem  ingresso era obrigado na sua iniciação a adotar os atributos de agressividade que o igualava a fera colérica e aterradora. Tendencia naturalista que os "camisas pardas" de Hitler iriam adotar como modelo dentro de uma sociedade pretensamente civilizada, movidos  por uma fúria sagrada, que visava à destruição como suprema realização de sua visão religiosa, revivendo seus desejos mais profundos do "assassínio ritual" em relação às etnias e grupos que consideravam dispensáveis, primeiro contra os deficientes e judeus, depois contra os estrangeiros, e a seguir contra o próprio povo alemão sacrificado em holocausto à guerra e finalmente contra seus próprios familiares no rito final da completa destruição na iminência da derrota. Não fosse a resistência valorosa desses servos eslavos, considerados inferiores, que se negaram a serem novamente escravizados pelos seus novos senhores arianos talvez hoje estivéssemos subjugados pelos fascistas. Mas ainda hoje as grandes corporações e seus homens de negócio, burocratas gananciosos, oportunistas ávidos de poder que legitimaram e deram gás para esse regime racista tanto dentro como fora da Alemanha mantem suas produções a pleno vapor com plantas industriais espalhadas pelo mundo. Um pintor medíocre, de baixa patente militar, não teria chegado tão alto sem o apoio do capital fascinado pelo seu anticomunismo canhestro divulgado aos quatro ventos, cujo carisma encantava as multidões. Como escreveu Robert Waite: "o nazismo era uma religião completa, com um messias, um livro sagrado, uma cruz, adornos do aparato religioso, um clero e uma elite ungida e trajada de negro, excomunhão e morte para os hereges, e a promessa milenarista do Reich de Mil Anos".
Com a derrocada do nazismo, outros personagens se ungiram e com os novos uniformes e flamulas, ostentando os símbolos da liberdade e da democracia, como soberanos da verdade envolveram o mundo em uma nova cruzada cristã a ser implantada pela força. A guerra fria que se seguiu entre o Ocidente e o Bloco Soviético, teve como seu primeiro ato de guerra, um atentado contra populações civis, no fim do conflito mundial, a destruição impune de duas cidades japonesas, para  afirmar a superioridade bélica norte americana perante o mundo, ao custo de milhares de civis inocentes calcinados pelos artefatos, abrindo um novo capítulo na Odisseia Antropofágica, o das armas de destruição de massa. Foi dada a largada para a corrida armamentista e o início do terror nuclear. Daí para adiante o singelo toque de um botão vermelho pode significar, a qualquer momento, o começo de uma hecatombe irreversível sem precedentes. O planeta poderia ser destruído várias vezes tal é a quantidade de ogivas atômicas estocadas hoje pelas potências. As bombas de Hiroxima e Nagasaki se assemelham a brinquedos ante o poder destruidor dos atuais artefatos. O uso do átomo como arma de guerra, já experimentada com sucesso contra civis, é a espada de Dámocles que se  mantém suspensa sobre todas as cabeças na atualidade, mas mesmo esse delicado  equilíbrio estratégico entre as potências nucleares, que garantiu uma paz armada até o momento, parece estar sendo subvertido por interesses no Ocidente de grupos poderosos em busca desenfreada de mais recursos naturais e poder. 

O Bloco Soviético faz parte do passado. É interessante lembrar que seu desmonte ocorreu a partir de um custoso conflito contra guerrilheiros primitivos que viviam as antigas aspirações das tribos arianas do centro da Ásia fanatizados por uma religião monoteísta de origem abraâmica, o que soa quase como uma ironia poética. Foi no Afeganistão que a ação do importante e até então invencível poderio soviético foi posto a prova. Iniciar conflitos sem objetivos claros já destruiu muitos impérios do passado. O grande arsenal nuclear, legado da guerra fria, de nada serviu para fazer frente a esses homens simples e com moral elevada de combate e seus armamentos de infantaria leve, os novos hoplitas, cidadãos soldados defendendo seus valores religiosos e suas áreas de influência tribal contra ideologias exógenas.

Os Estados Unidos da América também tentaram impor sua supremacia militar na região sob a desculpa de capturar Bin Laden, o terrorista mundialmente demonizado pela mídia pelos atentados do 11/09. Em vez de buscar a captura, como uma ação policial do seu antes aliado contra os soviéticos, que se tornou líder terrorista proscrito e, a partir das facilidades que só a tecnologia dispõe, a nação americana foi em busca da aventura e movimentou uma grande força militar através do mundo, pois pretendia mandar uma mensagem inquestionável a cerca de seu poderio, sua pax deve ser imposta aos povos “primitivos”, mais uma vez demonizados, tratados como exóticos, como impedimento à evolução da humanidade e que, portanto devem ser sujeitados a qualquer custo. Mais um fracasso amargado pelos poderosos contra esses insurrectos que não querem aceitar a “Nova Ordem”, seja lá o que isso for. O líder terrorista, na figura do bem amado, criatura que se mirou na sombra do seu criador em seus atos de sangue e morte, ícone da mídia mundial, verdadeiro astro "pop" do mal, sofreu o destino que a tradição da aldeia global proporciona, seu imolamento em praça pública, divulgado pelos meios eletrônicos, em cadeia televisiva e informática, para gaudio da audiência seleta do mundo ocidental. No interminável ciclo de terror e vingança assim o algoz se torna em vítima. Chama atenção a reação eufórica do povo norte americano, encenaram um verdadeiro "carnaval" pagão, quando finalmente, na ação de busca e destruição, o que deveria ter sido o primeiro ato no começo do conflito,  o assassinato frio do terrorista demonstrou que a humanidade ainda vive os mesmos valores do circo romano. 

Enquanto isso o homem comum está em um estado hipnótico. Imerso em suas tecnologias de ponta, que deveriam transformá-lo no ser mais bem informado do mundo. Mas na verdade é a própria fonte essencial de sua alienação. A virtualidade desconecta o indivíduo da realidade. Não ouvimos os estampidos da artilharia, nem vemos as naves despejando bombas "inteligentes" sobre alvos humanos. Não escutamos os gritos de sudaneses, palestinos, iraquianos, afegãos, ruandeses, colombianos e haitianos. Em uma sociedade analgésica evitamos escutá-los. Nossa  formação narcisista já não contém as antigas tradições que tornavam o ser humano coeso com seu meio. O individualismo do homem comum é incentivado pelos meios de produção como forma de incrementar o consumo. O vazio existencial provoca a busca constante de novas experiências sensoriais que são fornecidas para uma sociedade cada vez mais hedonista. Depois de experimentar o excesso de tudo o vazio retorna com ainda mais força. Mentiras constantemente repetidas possuem um efeito transformador, redefinindo a realidade, não só para os receptores, mas também para o emissor da mensagem, que vê a ilusão propagada tornar-se realidade exterior e a afirmação do poder da mensagem, como imagem transcendente, associar-se à experiência real interior dos poderosos que a controlam.          

Esta imagem afirma de forma perturbadora um profundo desejo da multidão “regredida” e “afeminada” de se submeter à dominação do ativo, e de adular aqueles que são opressores. A dominação e a adulação se misturam “naturalmente”, e uma lei irrevogável diz que o passivo não só deveria obedecer ao ativo, como também adorá-lo, já que através da obediência o fraco e o vazio ganham identidade, e também a necessária ilusão de potência e vontade. Como coloca um psicólogo de massa contemporâneo, os membros da multidão paradoxalmente “tem um forte sentimento de liberdade apesar de viverem e respirarem num clima de estrita adesão a princípios e ordens”.(Hoffer) E, apesar de perdidos na subserviência, sentem-se imersos no amor. (Charles Lindholm - Carisma)

Milicia Dinka
A Odisseia Antropofágica irá um dia chegar ao fim? É cada vez mais dificil prever. Os Nuer e os Dinka, são povos africanos que possuem uma origem étnica e uma fé comum, ambos foram cristianizados por missionários, e como já vimos resistiram ao colonialismo inglês de forma heroica e também contra as influências impostas pelo governo central do Sudão, de formação islamita, conseguindo a duras penas, no ano passado, sua independência. Recentemente a região do sul do país, onde subsistem esses povos, tornou-se independente com o apoio das grandes potências planetárias e passou a ser denominada Sudão do Sul, país com grandes reservas de hidrocarbonetos ambicionados pelos países do primeiro mundo e pelas companhias de petróleo. Ambas as tribos são tradicionalmente de criadores de gado. Até pouco tempo atrás resolviam suas rixas com suas lanças, arcos e flechas e pedras, contendas que eram originadas por uma pauta de cunho antropofágico velada, da acusação do mútuo roubo de gado e sequestro de mulheres. Suas batalhas eram travadas, quase sempre, com poucas mortes, mas que traduzem um ciclo de ódio e vingança interminável entre os dois grupos. Tiveram alguns momentos de alianças de interesse contra inimigos comuns durante o colonialismo e o processo de independência, mas foram pouco duradouras. A escalada de suas lutas por autonomia motivou uma mudança técnica dos arsenais utilizados nos conflitos, suas armas milenares foram substituídas por fuzis automáticos, lança-rojões, metralhadoras provenientes do mundo "civilizado"  aumentando assim em escala geométrica a letalidade de seus confrontos. Os Nuir, historicamente são os incitadores iniciais dos  conflitos contras os Dinka, sempre com a mesma desculpa do roubo de gado, o motivo preferido de suas escaramuças tribais. Na primeira semana de 2012 cerca de 8 mil jovens armados da tribo Lou Nuer atacaram um vilarejo denominado Pibor, uma localidade da tribo dos Dinka Murle na província de Jonglei, acusando seus moradores de roubo de gado. O grupo só se retirou quando tropas do governo abriram fogo. Muitos fugiram antes do ataque. Atiradores queimaram cabanas e saquearam um hospital mantido por um grupo de asistência humanitária. Segundo relatos de fontes independentes morreram 2.182 mulheres e crianças, assim como 959 homens. Com a evolução da guerra que antes habitava a pré-história em termos de ferocidade e agora    ingressou no século XXI, para esses simples moradores do Sudão do Sul o fim do seu mundo, como ocorreu para os Peles Vermelhas, Maias e Tupinambás, está próximo, logo adiante em seu futuro imediato, pois não bastasse a profunda pobreza em que vivem, agora com a introdução de armas sofisticadas de fora, seus conflitos armados promovem morticínios em escala nunca imaginada por eles. Com a pressão demográfica evidente sobre sua atividade de pastoreio que exige, cada vez mais, áreas consideráveis de pastagens, os atritos entre as duas tribos, com origem étnica comum, são inevitáveis a curto prazo. O livro sagrado introduzido recentemente pelos missionários cristãos para eles agora está começando a fazer sentido, no que diz respeito ao "arrebatamento" e às suas "revelações" de "fim dos tempos". Enquanto seus grupos tribais exercitam suas guerras primárias de controle do meio ambiente, como nossos antepassados faziam na pré-história, agora com modernas armas fornecidas por estrangeiros, as grandes corporações extrativistas exercitam o conflito secundário de apropriação dessas riquezas inestimáveis nas mãos de "pobres primitivos" de forma indireta. A história sempre se repete.

Milicia Dinka
"Numa situação instável, os membros de uma sociedade, devem estar bem informados e transformar sua cultura, isto é, o conjunto de informações coletivas. Se podem fazê-lo e avançam para uma nova forma de funcionamento da sua organização social, econômica e política, ou se sua sociedade mergulha na anarquia, tornam-se, em ambos os casos, uma presa fácil para adversários mais estáveis e mais poderosos, arriscando-se a desaparecer no caos". (Ervin Laszlo - Conselheiro da UNESCO e Reitor da Academia de Viena, fundador do General Evolution Research Group)   
Do canibalismo primitivo ao cristianismo e zen-budismo, a raça humana tem dado poucas respostas a respeito da questão da existência e do próximo. Em nossa cultura Ocidental quase todos julgam dar a resposta das religiões cristã ou judaica, ou a resposta de um ateísmo esclarecido humanista, mas se pudéssemos fazer uma radiografia mental de cada um, constataríamos ainda inúmeros adeptos do canibalismo, outros seguidores do culto tribal totêmico, ainda outros adoradores de ídolos de diferentes tipos e uns poucos cristãos, judeus, budistas e taoistas de fato. O homem ocidental comum acredita que tais questões existenciais não podem lhe afetar o cotidiano, nem se sente responsável por elas. Sentado em algum café climatizado do mundo "civilizado" lê tais notícias como se tivessem ocorrido em outro planeta, numa dimensão própria onde tudo é possível. Ele se acha imune ao que ocorre lá fora. Seus aparatos eletrônicos, a comunidade de informação onde habita, o sistema econômico e seus recursos energéticos que acredita inesgotáveis são todos os produtos dessa afetada indiferença. Caso ele percebesse o quanto são sangrentos esses recursos em sua fonte, se escutasse de seus artefatos os gritos de agonia de mulheres e crianças chacinadas como gado em algum país distante. Se fosse obrigado a sentir o cheiro dessa carne putrefata dos corpos exalando dessas "coisas tão necessárias" talvez um dia a Odisseia Antropofágica chegasse ao fim.   




      

domingo, 20 de novembro de 2011

O Relatório da Montanha de Ferro



Barack Obama, presidente filho de imigrantes e afrodescendente incorpora
o ideal do herói para as massas menos favorecidas e imigrantes dos EUA.
Nobel da Paz, tornou-se a imagem simpática do sistema,
um ídolo forjado de um país cada vez mais belicista. 




A herança ancestral da cultura indo ariana permeia toda a cultura do Ocidente como estrutura arcana dos processos econômicos e políticos que regem as massas desse lado do planeta, e sua influência, por difusão, alcançou os quatro cantos da terra e as outras culturas planetárias de forma abrangente. Nos últimos quatro mil anos ou mais, desde que os primeiros guerreiros pastores deixaram as planícies da Ásia e se espalharam pelo planeta, o arrefecimento de seus ideais de nômades para o sedentarismo não modificaram entretanto sua mentalidade belicista e escravocrata, de cunho antropofágico, estruturada de forma subliminal no mito do herói. Por mais que tentem personagens isolados como Jesus e Buda, ícones pacifistas que foram adorados e deificados pelas religiões oficiais, e pregaram contra os aspectos desumanos e antropofágicos dos conflitos humanos, por mais pesquisas realizadas pelos cientistas sobre o comportamento agressivo da humanidade e suas origens, nada ou muito pouco mudou no ideário dos governantes em relação a necessidade do conflito permanente para manter sua autoridade sobre as massas, cada vez mais numerosas.

Pelo contrário, estudiosos, "especialistas em conflitos", tem reforçado o aspecto competitivo e os choques inevitáveis de diferentes civilizações, pois as mentalidades desses indivíduos, inerentes a sua própria cultura, mesmo sendo sociólogos e analistas de comportamento, estão impregnadas por seus conceitos sócio-políticos darwinistas realçados pela necessidade de competição entre os grupos humanos onde só os mais fortes sobrevivem. Nesse caso falta distanciamento crítico e sobra viés cultural.

O séc. XIX marcou mais uma grande expansão dos povos de origem indo ariana oriundos da Europa, um poderio sem precedentes, que em comparação aos poderes de Roma, Espanha, Bagdá ou Constantinopla, em seu apogeu, eram esses muito menores. Grã Bretanha e França e depois os Estados Unidos com sua ideologia expansionista de busca de terras e riquezas fizeram desse século o que se denominou a "ascensão do Ocidente", e esse poderio crescente assegurou aos respectivos centros metropolitanos imperiais a aquisição e acumulação de territórios e súditos a uma escala verdadeiramente assombrosa. Considere-se que, em 1800, as potências ocidentais reivindicavam 55% mas detinham na verdade 35% da superfície do globo, e em 1878 essa proporção atingiu 67%, numa taxa de crescimento de cerca de 220 mil quilômetros quadrados por ano. Em 1914, a taxa anual havia subido para vertiginosos 620 mil quilômetros quadrados, e a Europa já detinha um total aproximado de 85% do mundo, na forma de colônias, protetorados, dependências, domínios e commonwealths. Nunca existiu em toda a história um conjunto tão grande, sob domínio tão completo, com um poder tão desigual em relação às metrópoles ocidentais, relação essa que só seria contestada após o fim da II Guerra Mundial pelos movimentos de independência nacionais influenciados pelo marxismo, ideologia de origem também européia. Seus reflexos no que diz respeito à liberdade das nações ainda hoje se fazem sentir.

Como diz Michael Dole: "O império é uma relação, formal ou informal, em que um Estado controla a soberania política efetiva de outra sociedade política. Ele pode ser alcançado pela força, pela colaboração política, por dependência econômica, social ou cultural. O imperialismo é simplesmente o processo ou a política de estabelecer e manter um império". 

Desde 1917 os governos imperialistas tem investido na propaganda como forma de influenciar os públicos internos e externos sobre a necessidade da guerra para impor a democracia e a justiça no mundo. Os seus principais objetivos junto ao público, na I Guerra Mundial, como nas outras que iriam posteriormente acontecer foram: 1) mobilizar e dirigir o ódio contra o inimigo e solapar a moral deste; 2) convencer o público interno da justiça da causa aliada e aumentar e manter seu espírito combativo; 3) desenvolver a amizade de neutros e fortalecer seus espíritos e crença de que não só os aliados estavam certos como no fim seriam vitoriosos, e, se possível aliciar seu apoio e cooperação ativos; 4) Desenvolver e robustecer a amizade das nações que combatiam ao seu lado. O slogan que ingleses e franceses utilizavam na época era: "A guerra para acabar com todas as guerras".

Quaisquer que fossem as técnicas usadas por ambos os lados, a ideia básica era formar atitudes e sentimentos fortes no seu próprio grupo, acompanhadas de atitudes contrárias de ódio voltado contra o inimigo como perigoso grupo estranho, mecanismo esse que parece quase inato no homem quando se defronta com frustrações e ansiedades. Desde que inicia sua amamentação o nascituro interpreta o seio gratificador como objeto "bom", o frustrador como objeto "mau", até que em época posterior de maturação os aspectos positivos e negativos dos progenitores levam o individuo a uma ambivalência onde coexistem sentimentos de amor e ódio. De onde se originam vários pares de opostos como preto e branco, bom e mau, conceitos apelativos largamente utilizados pelos técnicos da comunicação para induzir através da propaganda os sentimentos de ódio exacerbado ao inimigo, bem como aliviar nosso próprio sentimento de culpa quando também nos comportamos brutalmente contra o inimigo e, por projeção identificamos nossos próprios instintos maus nos antagonistas fortalecendo nosso sentido de moral e aumentando nosso sentido de unidade grupal.

Não existe nada como a guerra, dizem os especialistas, para derrubar os obstáculos de classe e outros e para criar sentimentos de irmandade e cooperação dentro de um país, porque toda a agressividade e ressentimento anteriormente voltados para dentro do sistema passam a ser dirigidos contra o inimigo externo (ou até mesmo um inimigo interno composto por algum grupo ou minoria ), e após terminado o conflito mais uma vez a desunião de classes volta a imperar. Foi o caso quando na I Guerra Mundial as forças do patriotismo predominaram sobre os sentimentos do marxismo internacional que até então haviam unido os proletariados da França e Alemanha e levaram milhões de soldados para a luta de trincheiras e que resultaram baixas de ambos os lados em escala industrial. Devemos lembrar que nessa época as comunicações ainda eram escassas e estavam baseadas em panfletos, jornais e filmes, pois o rádio ainda não tinha sido difundido.

As notícias de atrocidades do inimigo, muitas vezes veiculadas como boatos, possuem função motivadora nos conflitos. Razões psicológicas são despertadas de nosso inconsciente pelos especialistas para que tais informes sejam aceitos como verdadeiros no tempo de guerra: 1) são em parte uma projeção de nossos próprios instintos sádicos em relação ao próximo, que consideramos como "o inimigo", que quase sempre são inibidos pela lei e costumes, e atende a função de, por comparação, fazer-nos sentirmos "bons" e de assim elevar a moral do público; 2) como o homem civilizado foi criado de maneira a achar maus muitos dos atos ligados à guerra, e a própria guerra, estórias de atrocidades agem justificando até certo ponto as coisas desagradáveis que temos que fazer ou presenciar; 3) a mente humana possui uma espécie de molde de tal modo que quando aparecem lacunas devidas à falta de conhecimento a tendência natural é enchê-las com detalhes imaginários para corroborar nossa opinião desfavorável sobre os acontecimentos. 4) por fim, a guerra por sí mesma é uma regressão a padrões mais primitivos de comportamento, um reviver de fantasias primitivas de cunho antropofágico que logo se torna aparente no comportamento de combatentes e não combatentes tanto no campo da agressão como no campo da líbido, de fato, os civis, que tem menos oportunidade de uma válvula de escape, através da ação de combate, são geralmente piores que os militares quando postas em ação as massas para odiar inimigos coletivos.

Sobre a disposição das massas em relação ao direcionamento de seus ódios contra os inimigos nacionais foi Le Bon em 1896, quem pela primeira vez chamou a atenção para o fato de que: "Sejam quais forem os indivíduos que a compõem, quer sejam parecidos ou diferentes seus estilos de vida, suas ocupações, seu caráter, ou sua inteligência, o fator de terem sido transformados em uma multidão coloca-os na posse de uma mentalidade coletiva que os faz pensar, sentir e agir de maneira assaz diferente da forma que cada indivíduo dentre eles pensaria, sentiria ou agiria achando-se isolado".

Sua explicação é baseada nos seguintes fatores: 1) o sentimento de poder invencível que torna a multidão mais primitiva e menos sujeita ao controle pela consciência pessoal ou ameaçada pelo medo à punição; 2) o fato do contágio ou imitação de comportamento social, instinto natural dos primatas; 3) a sugestionabilidade excessiva da multidão reforçada pelo anonimato do indivíduo e do sentimento de permissividade ao observar o comportamento dos outros o que o leva a crer poder sem riscos exprimir emoções e sentimentos normalmente reprimidos que ele teria vergonha de expressar de outra maneira. Em seguida, há a libertação de um sentimento de culpa, ou até mesmo um sentimento oculto inibido desenvolvido a um grau anormal, que se libera quando a culpa total de uma nação é projetada sobre um inimigo externo, tratando-se os mesmos motivadores constituídos de forma análoga ao ódio e aos ressentimentos normalmente disjuntivos da unidade social. Dentro das fronteiras nacionais todos ficam mais tolerantes, mais delicados para com os outros que são congeneres de sua opinião e etnia, a moral sexual convencional desmorona e o índice de natalidade sobe, ao mesmo tempo que os índices de violência, neuroses e suicídio caem. O suicida encontra a possibilidade de voltar sua auto-depreciação para fora e o neurótico encontra terreno fértil no conflito onde pode se sentir útil. Os homens e mulheres comuns sujeitos a empregos frustadores, desempregados ou em situação familiar frustradora encontram nova finalidade na vida, possivelmente um outro trabalho, outro convívio pessoal e liberdade em relação aos vínculos domésticos. Na medida em que os fatos reais são censurados pelos meios de comunicação, espalham-se os boatos, que são compensados pelos toques das fanfarras, pelas canções patrióticas e os discursos vibrantes de lideres políticos e sacerdotes ao garantirem estarem do lado certo da lei e de Deus para fazerem as pessoas sentirem-se bem. Embora essas emoções e vantagens psicológicas se alternem com a fortuna ou fracasso da guerra de cada lado em conflito é possível concluir que muitas pessoas inconscientemente desejam o conflito. Após as duas grandes guerras que ocorreram no século passado muitos confessaram que nunca haviam achado a vida tão rica e significativa como quando estavam combatendo o inimigo. Inibições e dúvidas foram afastadas e as paixões primitivas de ódio a um grupo e amor a outro receberam plena expressão, ao mesmo tempo ficou mais fácil a concentração sem restrições no desempenho de uma atividade profissional repetitiva. A identificação de um objetivo comum, uma grande finalidade comunal, eliminou a mesquinharia particular e o egoismo da vida cotidiana reforçando seus instintos gregários como sensação de integração e significação pessoal nunca antes alcançado.

Foram esses fenômenos de massa que levaram Freud em 1918 a postular um instinto de destrutividade inata, ou instinto de morte, nessa teoria ele descreveu duas pulsões naturais do ser humano: a pulsão de vida ou Eros, e a outra pulsão da destruição irracional que denominou Tanathos. Se o impulso para a morte fosse dirigido para objetos externos manifestava-se como uma ânsia para destruir, enquanto permanecendo dentro do individuo sua meta era a auto-destruição. Em essência a teoria do instinto de morte afirma termos de destruir outros para evitar a agressão a nós mesmos. A teoria não postula a inevitabilidade da guerra, pois os homens possuem muitas maneiras de destruir a sí mesmos e a outros, psicológica ou fisicamente, total ou parcialmente. São muitos os exemplos que podemos destacar no mundo de hoje como a violência das gangues urbanas, as drogas, o alcoolismo e os acidentes auto impostos. Entretanto Freud ficou bastante cético da possibilidade de deter a repetição de grandes conflitos patrocinado pelas nações sem uma força coercitiva que lhes fosse superior. 

Essa é uma teoria psicológica deprimente que não é aceita por todos os especialistas de comportamento. Mas ao observarmos os acontecimentos da história recente talvez expliquem-se muitos dos fenômenos psicológicos negativos das guerras advindos das massas quando a agressividade ativa cessa, ou o entusiasmo transforma-se em tédio na medida que nosso lado parece estar perdendo, então surge a ruptura da unidade nacional e o reaparecimento da luta de classes, a cisão dos iniciais grupos de aliados, e o retorno do sentimento de culpa face a conduta na guerra, todos são resultados do pós-guerra que foram observados em duas gerações nos EUA e na Europa.


O Relatório da Montanha de Ferro - 

Em 1963, uma comissão de alto nível integrada por quinze eminentes pesquisadores, selecionados por seu alto saber e ilibada reputação começou a reunir-se no local denominado Montanha de Ferro, antigo abrigo antinuclear perto de Nova York, por convocação provável do governo americano em plena "Guerra Fria", para analisar, realística e objetivamente, as conseqüências que advirão para a humanidade se, e quando, for adotado universalmente um sistema permanente de paz.

Após três anos e meio de estudos profundos e de sérias investigações sócio-científicas, o grupo deu por encerrados os trabalhos e emitiu unânime e sigiloso parecer, segundo o qual a paz definitiva, além de provavelmente inatingível, não seria útil à sociedade humana, cuja estabilidade, pelo menos no estágio atual, não pode prescindir da guerra.

"A Paz Indesejável (Original: Report from Iron Mountain, 1969) é o surpreendente e chocante relatório da comissão da Montanha de Ferro tornando ostensivo, sem qualquer corte, e pela indiscrição de um de seus membros alcunhado de "John Doe" que assumindo elevado risco pessoal liberou para a imprensa seu conteúdo. Foi acrescido de material introdutivo com explicações, preparado pelo jornalista do The New Yorker, Leonard C. Lewin..."

Leonard C. Lewin apresenta o livro como um verdadeiro furo de reportagem. Em agosto de 1963, um cientista social o procurou para lhe passar as conclusões do estudo feito por uma comissão da mais alta importância, convocada por Washington, para determinar de forma sigilosa, realística e precisamente, a natureza dos problemas que os Estados Unidos teriam de enfrentar se, ou quando, o mundo atingir uma condição de paz permanente.

No Relatório da Montanha de Ferro, como ficou conhecido, lemos:

"A guerra não é, como geralmente se crê um instrumento de política utilizado pelas nações para expandir ou defender seus valores políticos expressos ou seus interesses econômicos. Ao contrário, ela é por sí mesma , a principal base de organização sobre a qual todas as sociedades modernas estão construídas. A causa próxima comum da guerra é a aparente interferência de uma nação com as aspirações de outra. Mas na raiz de todas as diferenças ostensivas de interesse nacional está a exigência dinâmica do sistema de guerra de conflitos armados periódicos. Prontidão para a guerra é o que caracteriza os sistemas sociais contemporâneos muito mais largamente que suas estruturas econômicas e politicas, aos quais ela inclui".

Podemos refletir sobre o texto conforme foi exposto que o pensamento antropofágico nunca foi tão bem confessado como nessa sentença, de forma pragmática, sem culpa e sem vício aparente, como norma a ser seguida pelos interlocutores de nossa civilização dita democrática. Essa afirmação equivale a noção de incorporar o instinto predador do jaguar expresso por Cunhambebe para Hans Staden. Não foram militares que expressaram essas idéias, mas sim sociólogos, psicólogos e antropólogos da mais alta categoria, civis profundamente preocupados em defender sua cultura contra o assédio na época dos "malvados" comunistas que habitavam o leste da Europa. Os tupinambás tinham a mesma percepção da questão, para eles a guerra era um fim em si.

"A possibilidade da guerra fornece o senso de necessidade externa, sem o qual nenhum governo pode permanecer longamente no poder... A organização de uma sociedade para a possibilidade da guerra é seu principal estabilizador político" (pág. 69).

"Em geral, o sistema de guerra dá a motivação básica para a organização social primária. Desta forma, ele reflete no nível social os incentivos do comportamento individual humano. O mais importante deles, para propósitos sociais, é o argumento psicológico individual para submissão a uma sociedade e a seus valores. A submissão requer uma causa; uma causa requer um inimigo" (pág. 73).

"Um substitutivo viável para a guerra como sistema social não pode ser uma mera charada simbólica. Ele deve envolver um risco factual de destruição pessoal real, numa escala compatível com a envergadura e a complexidade dos modernos sistemas sociais. Credibilidade é a chave... a menos que forneça uma ameaça crível de vida e morte, não satisfará a função socialmente organizadora da guerra. A existência de uma ameaça externa aceita é, assim, essencial à coesão social, bem como à aceitação da autoridade política" (pág. 76).

"A guerra é a principal força motivadora do desenvolvimento da ciência, em qualquer nível, desde o abstratamente conceitual ao estritamente tecnológico... Todas as descobertas importantes sobre o mundo natural foram inspiradas por necessidades militares, reais ou imaginárias, de suas épocas... Começando com o desenvolvimento do ferro e do aço, passando pelas descobertas das leis do movimento e da termodinâmica, à era da partícula atômica, do polímero sintético, e da cápsula espacial, nenhum progresso científico importante deixou de ser, pelo menos indiretamente, iniciado com uma exigência implícita de armamento" (pág. 82).

É indubitável que os saltos de desenvolvimento tecnológico ocorreram durante os grandes conflitos da humanidade. Do invento do ferro até a criação da computação e da internet, o desenvolvimento e aperfeiçoamento da balística que propiciou avanços na pesquisa espacial, o rádio e a televisão, todas essas inovações foram frutos das guerras que mataram milhões de pessoas. O que podemos perceber não é a inexorabilidade desse paradigma, mas sim a forma como os homens em geral e os povos de origem ariana em particular pensam sua cultura, como processo de devoramento (instinto de morte), onde o esforço competitivo só alcança sucesso e desenvolvimento pleno quando envolve conflito e conquista de terras e gentes. Tornar a paz inviável é um esforço hercúleo dessas elites que, como geração mais velha, se esforçam na manutenção do litígio permanente e assim podem desovar seus excedentes de mão de obra mais jovens nas áreas de conflito e com isso diminuir a pressão da competição interna e o desassossego das classes menos privilegiadas em relação a desigualdade da distribuição do capital e do poder. É o velho arquétipo da disputa entre os velhos reprodutores donos do poder versus os jovens reprodutores, relação comum entre os primatas. 

"O projeto espacial mais ambicioso e fora da realidade não pode, por si só, gerar uma ameaça externa crível. Argumenta-se, fervorosamente, que uma tal ameaça poderia se constituir na última e melhor esperança de paz, unindo a humanidade contra o perigo de destruição por criaturas de outros planetas, ou do espaço sideral. Foram propostas experiências para testar a credibilidade de uma ameaça de invasão extraterrena; é possível que alguns dos mais inexplicáveis incidentes com discos voadores, nos últimos anos, sejam de fato experiências primárias desse tipo" (pág. 95).

"Um substitutivo político efetivo da guerra exigiria inimigos substitutivos... Pode ser, por exemplo, que a brutal poluição do meio-ambiente possa eventualmente substituir a possibilidade de destruição em massa, através de armas nucleares, como a principal ameaça aparente à sobrevivência das espécies" (pág. 96).

Como fator educacional e de formação de opinião a guerra sujeita a moda, influencia as vestimentas entre os jovens, desenvolve a indústria veicular, a cinematografia e os meios de comunicação da forma mais abrangente possível. Roupas camufladas, veículos 4x4 de grande porte e alto consumo de combustível são vendidos aos milhares, produções cinematográficas onde os vilões identificados com o inimigo vestem longos turbantes e se comportam como mensageiros do próprio lúcifer, e seus jogos eletrônicos correspondentes infestam as telas das casas e salas de exibição, a eterna profecia da guerra total prometida e do fim dos tempos são alardeadas em altos brados por fanáticos adventistas nos templos que mais parecem lojas de consumo religioso, notícias que ridicularizam os comportamentos cotidianos dos inimigos e expõem seus hábitos e vestimentas como exóticas e sua pseudo intolerância contra os direitos de mulheres e crianças são veiculadas todos os dias pela mídia histérica. Assim identificamos algumas das ações primárias daqueles que preparam terreno para insuflar animosidades entre os povos e preparar conflitos de ódio. São especialistas da comunicação a serviço dos seus senhores, as grandes corporações. Onde viceja a guerra vicejam os lucros.

Muitos especialistas alegam que veicular violência nos meios de comunicação e nos jogos eletrônicos ajuda como válvula de escape para liberar pulsões agressivas. Entretanto já existem hoje em dia, pesquisas realizadas por etólogos, os estudantes do comportamento animal e humano, que discordam dessa opinião. Pelo contrário, insistem que incentivar as pulsões agressivas por meios eletrônicos só aumenta a agressividade do espectador. Mesmo que o filme ou jogo eletrônico tenha sido planejado no sentido de descarregar a pulsão, devemos ter em conta que a ativação repetida de um sistema fisiológico tem o poder de colocá-lo em marcha, criando um condicionamento permanente para a violência via ontogênese. Por esta razão imaginar que incentivando as crianças e os jovens a participarem de jogos violentos eles se transformarão em pessoas pacificas no futuro é um sofisma perigoso que peca pela ingenuidade ou má fé. As sociedades belicosas ensinam aos seus membros a serem agressivos e cultivam as práticas de lutas reais ou virtuais. Essa prática cultural implica um condicionamento para a agressão a longo prazo, que hoje pode ser praticada sem maiores remorsos, graças a tecnologia, por apenas o apertar de um botão ou o manejar com perícia um joystick, e ao mesmo tempo procura a catarse interna do grupo a curto prazo. As guerras e os esportes de luta não funcionam como canais alternativos para descarregar as tensões agressivas acumuladas. Mais que alternativas funcionais a guerra e os esportes de luta, e por extensão os jogos eletrônicos cada vez mais reais, parecem ser dentro de uma sociedade componentes de um modelo cultural mais amplo de afirmação dos valores de competição intergrupal tão conhecidos. O que Freud analisou a partir de vivências subjetivas dos instintos primários, Lorenz concluiu das condutas objetivas onde o padrão de cultura e a educação tem um papel fundamental na forma como reagem os seres humanos em relação ao instinto de agressão no seu meio onde o reforço ontogenético influi no filogenético. 

"Um substitutivo de qualidade e magnitude críveis, deve ser encontrado, se uma transição para a paz é possível sem desintegração social. É mais provável, a nosso ver, que uma ameça tenha de ser inventada ao invés de ser criada a partir de condições desconhecidas" (pág. 96, 97).

"É inteiramente possível que o desenvolvimento de uma forma sofisticada de escravidão possa ser um pré-requisito absoluto para o controle social, num mundo de paz" (pág. 99).

Como já vimos antes, a escravidão nada mais é do que o viés utilitário do processo antropofágico da cultura ariana, em vez de devorar seus corpos, como produção da mais valia utilizar seus braços cativos, para servirem os povos vencidos como classes indigentes, massa de manobra e estoque permanente de mão de obra que só será descartada quando a automação ocupar suas funções laborais de forma eficiente e lucrativa. Buscam desviar as atenções internas para os inimigos do exterior, para que os menos favorecidos e marginalizados etnicamente olvidem as lutas internas taxadas de impatrióticas pelos seus meios de comunicação.

Considerada obra ficcional pelos seus críticos, o Relatório da Montanha de Ferro poderia ser mais um texto redigido por algum excêntrico, uma teoria conspiratória, como tantas outras, surgida de alguma mente paranoica se na sua essência não contivesse um fundo verdadeiro e os fatos e eventos históricos não tivessem confirmado seu teor verídico de forma precisamente extraordinária. A crise econômica mundial, e seus efeitos diretos sobre os países mais desenvolvidos pode ser uma razão ou causa evidente do atual rufar de tambores que escutamos dessas paragens. Mais uma vez forças poderosas foram colocadas em marcha para demonizar culturas e criar antagonismos. Uma das vantagens de criar mentalidades antagonistas é a polarização. Não podem existir mais que duas opiniões num conflito, as nossas e a dos nossos inimigos. Não existem meio termos.

Essa fórmula do conflito permanente, originada na antiguidade dos tempos, está com seus dias contados. A cultura ariana que sempre foi o importante fator do crescimento tecnológico exponencial da humanidade hoje é a maior ameaça ao meio ambiente planetário. A teoria de conflito permanente já não serviu para alavancar as economias da Europa e EUA. Os recentes conflitos são provas evidentes desse desgaste. Para obter os resultados esperados pelos "especialistas de conflitos" seria necessário o extermínio de grande parte da população do planeta. As armas de destruição de massa tem o defeito de serem utilizadas de forma definitiva o que negaria o objetivo primordial da guerra que é a apropriação, o saque dos bens do inimigo, ou dominação de mercados, negando sua utilidade econômica, e se transformando num tiro pela culatra para os poderosos, os donos dos meios de produção. O grande deus canibal se esconde dentro de nós, infiltrou-se faz pouco nos meios eletrônicos, e hoje transita nas redes sociais livremente a espreita de vítimas. 


GUERRA É PAZ ( Afirmava o Grande Irmão em 1984 de George Orwell ) 


..."há experiência não contaminada pelo passado? Se uma experiência está contaminada pelo passado, ela é, meramente, uma continuidade do passado e, por conseguinte, não é uma experiência original".

( Krishnamurti - A Cultura e o Problema Humano )