“No sul de Moussey,” escreve Igor Garine, “para fazer a paz, as pessoas
de Domo e Berté delegaram um escravo, tendo pouca importância que fosse
consumido pela força do sacrifício que manipulava. Ao chegar à fronteira dos
dois grupos, ele cortou um cão vivo em dois, dizendo: ‘Eis aqui Sulukna, uma
coisa muito poderosa, nós sacrificaremos um animal para ti, para que mais
ninguém seja morto!’” “Bem, o que significa essa palavra Sulukna ? Que força
terrível é essa que comanda o destino dos homens ? Sulukna significa ‘vingança’.
É para a própria vingança que a oferenda é feita, o sacrifício serve para
pacificar a vingança.”
(Anatomia da Vingança-Mark R. Anspach)
“Em todos os lugares em que a organização se baseia nos laços de
sangue, observamos a prática da vingança. A vida coletiva da comunidade
encontra aí sua expressão; é uma força incompreensível que ultrapassa a esfera
do indivíduo e se torna objeto de um respeito religioso.”
(Friederich Nietzsche)
A humanidade carrega consigo a
semente da discórdia. A rivalidade no seu sentido mais amplo é o antagonismo
latente entre comunidades que vivem em margens opostas do mesmo rio. Desde a
mais remota antiguidade, o individuo busca o justo pagamento do que acredita
ser devido na relação comunal ou intertribal, um ressarcimento, o retorno
pelo meio da consumição de alguma coisa de outrem ou de alguém, e comete o ato
da vingança através do roubo, do assassinato, da guerra e do sequestro do
próximo, quase sempre mulheres ou crianças indefesas, do lado estabelecido como
inimigo. Para atingir seus objetivos de rapina e morte os grupos sociais criaram
instituições próprias de vingança com raízes pré-históricas. Como contrapartida,
para o apaziguamento de conflitos e para acabar com o circulo vicioso da
vingança criaram-se rituais específicos, quando então mercadorias e reféns são
negociados, ou casamentos são celebrados para selar acordos e assim estabelecer
trocas simbólicas para cessarem as hostilidades mutuas.
Mas a dádiva pode ser também um ato de agressão vingativa. Como dádiva, a pauta de comportamento vingativo tem seu papel em várias culturas como ato de ostentação. Na Polinésia, na Melanésia e no Noroeste dos Estados Unidos, como entre muitos outros povos existe o costume do potlatch, que traveste a rivalidade entre os clãs como uma obrigação de dar e receber. Um chefe deve oferecer vários potlatch, por ele mesmo, por seus parentes, por seus ancestrais, e sua posição de poder só estará garantida se provar ser visitado pelos espíritos da fortuna para seus vizinhos. Ele não pode provar essa fortuna a não ser dilapidando-a, oferecendo riquezas aos demais e assim humilhando com ela aos outros. Perder o prestígio entre os seus significa a perda da persona, isto é, perder no jogo das dádivas e no jogo da guerra são ambos condições similares para se perder a condição social nesses grupos. Nas cerimônias os bens são destruídos e maior será a importância do chefe quanto maior for o valor do que for queimado, para honra dos espíritos e até mesmo um escravo pode ser imolado para impressionar aos demais convidados que serão obrigados por sua vez a proporcionar um cerimonial ainda mais impressionante em uma escala circular crescente de retribuição. Entre os clãs na China Antiga o costume também se evidenciava sendo o presente mais caro como uma bofetada desferida contra o clã rival que deveria ultrapassar seu valor na próxima festividade da primavera. Com essa ação se inibia a pauta de comportamento vingativa violenta através de uma ação positiva, porém com alto grau de agressividade dissimulada em seu conteúdo comportamental. Negar a cerimônia ou a dádiva poderia resultar em séria ofensa que só poderia ser resolvida em uma vendeta de sangue.
Mas a dádiva pode ser também um ato de agressão vingativa. Como dádiva, a pauta de comportamento vingativo tem seu papel em várias culturas como ato de ostentação. Na Polinésia, na Melanésia e no Noroeste dos Estados Unidos, como entre muitos outros povos existe o costume do potlatch, que traveste a rivalidade entre os clãs como uma obrigação de dar e receber. Um chefe deve oferecer vários potlatch, por ele mesmo, por seus parentes, por seus ancestrais, e sua posição de poder só estará garantida se provar ser visitado pelos espíritos da fortuna para seus vizinhos. Ele não pode provar essa fortuna a não ser dilapidando-a, oferecendo riquezas aos demais e assim humilhando com ela aos outros. Perder o prestígio entre os seus significa a perda da persona, isto é, perder no jogo das dádivas e no jogo da guerra são ambos condições similares para se perder a condição social nesses grupos. Nas cerimônias os bens são destruídos e maior será a importância do chefe quanto maior for o valor do que for queimado, para honra dos espíritos e até mesmo um escravo pode ser imolado para impressionar aos demais convidados que serão obrigados por sua vez a proporcionar um cerimonial ainda mais impressionante em uma escala circular crescente de retribuição. Entre os clãs na China Antiga o costume também se evidenciava sendo o presente mais caro como uma bofetada desferida contra o clã rival que deveria ultrapassar seu valor na próxima festividade da primavera. Com essa ação se inibia a pauta de comportamento vingativa violenta através de uma ação positiva, porém com alto grau de agressividade dissimulada em seu conteúdo comportamental. Negar a cerimônia ou a dádiva poderia resultar em séria ofensa que só poderia ser resolvida em uma vendeta de sangue.
No plano religioso, o que os
sacerdotes denominam como plano divino, os rituais de apaziguamento e dádivas
em todas as civilizações e grupos sociais envolvem sacrifícios reais ou
simbólicos, para fazer cessar o conflito iminente com a deidade, através da
doação de um simulacro, ou simplesmente consagrar o inimigo dominado, em carne
e osso, como vitima constante a ser imolada e assim restabelecer novamente a
ordem no cosmos. Nesse caso se pretende aplacar a divindade ou afastar o
demônio ou mau espírito que preenche o papel de adversário e assim liberar a
consciência daqueles que cometem crimes de sangue contra o próximo, em um ritual sagrado de limpeza.
Nos quatro quadrantes do mundo,
civilizações com alto grau de desenvolvimento, em todos os tempos, através de
suas classes dominantes altamente hierarquizadas utilizaram deste expediente, a
vingança contra indivíduos ou grupos, para pacificarem seus comandados através
da execração do inimigo, real ou fictício, e executarem sua punição exemplar
pela tortura, pelo fogo, seu desmembramento, decapitação, ou privação de
liberdade e até mesmo seu devoramento permitindo o restabelecimento da ordem
social através do sacrifício puro e simples do antagonista, seja ele uma
pessoa, uma tribo, uma etnia, ou uma nação a vitima escolhida como bode
expiatório e assim preservarem o poder, o status quo, dentro da sua própria
comunidade.
Genocídios têm sido largamente
documentados pela humanidade desde que foi criada a escrita, que colheu esses relatos com precisão
literária e informativa. Nos livros sagrados como a Bíblia ou o Tanach judeu,
no Mahabharata e nas estelas e pórticos de monumentos os homens registraram
seus atos de assassinato, ultrajamento, e escravização dos inimigos como forma
de advertência e dissuasão, uma lembrança de glória dos seus mentores do ato vingativo e um
aviso para todos do poderio de seus mandatos.
Depois do ritual de devoramento
do inimigo, ou seu sacrifício ao deus, o advento da escravidão com certeza
estabeleceu a primeira relação mutua entre o vencido e o vencedor definindo e
estruturando instituições próprias com percepção diferente entre ambos os lados
que passam a viver a tensão de um conflito tácito permanente entre sacrificado
e sacrificante. Esta com certeza foi a primeira relação patronal criada pela
humanidade, a partir da instituição da vingança do vencedor sobre o vencido. O escravo cativo para vingar-se ou assassina o senhorio certo de uma grave punição e tortura ou se suicida para causar maior desconforto e prejuízo ao seu "dono".
A cultura indo-ariana, que se
expandiu pela força na Europa e na Ásia, estabeleceu e impôs esse diferencial
que é a formação das castas baseada na origem de nascimento e criou o mito do
herói, fruto da classe dominante, para justificar a ordem estabelecida. O papel
do individuo no ritual cósmico da existência é mitologicamente representado por
ele, o ser que se sacrifica pela sua tribo para aplacar a sede dos deuses em
sua eterna vingança contra a humanidade pecadora realizando tarefas ou matando
gigantes. Qualquer estudioso da mitologia europeia e hindu ficará impressionado
pela importância, por exemplo, do roubo de gado e do sequestro de mulheres ao
inimigo, prática indicada pelos estudos arqueológicos de culturas proto-indo-arianas
como mitema recorrente. A partir de dados linguísticos e de mitos indo-arianos
posteriores que incluem exemplos da Índia, do Irã, da Anatólia hitita, da
Grécia, e do norte da Europa os estudiosos reconstituíram um mito essencial
proto-indo-ariano do roubo de gado. E Nesse mito recorrente entre as diversas
culturas o herói é o interlocutor atuante. O protagonista denominado Trito
(Terceiro) possui um grande rebanho de gado, que é surrupiado por um grande
monstro não-indo-ariano de três cabeças. Após algumas peripécias e com auxilio
de um deus indo-ariano da guerra, Trito derrota o monstro e recupera seu gado.
O sentido do mito como entendido é que os estrangeiros roubam, enquanto os
indo-arianos, como bravos guerreiros que são atacam seus inimigos. A primeira
dessas atividades é degradante enquanto a segunda é nobre. Dito em termos
indo-arianos contemporâneos, os maus agressores são terroristas e os bons
agressores lutam pela liberdade.
É importante traçar essa analogia
com nossa própria cultura para evitarmos considerar que a instituição da
vingança seja um costume inerente unicamente aos povos primitivos ou bárbaros, como querem
alguns moralistas de plantão, mas que esse comportamento permeia toda a
sociedade humana desde a época mais primitiva até a dita mais civilizada hoje,
e continua atuando de forma subliminar entre os cidadãos do mundo Ocidental
como reminiscência de um passado de pastores das estepes que se sedentarizaram,
mas não deixaram de lado completamente seus velhos costumes tribais.
Na atualidade não existem mais
discussões sobre a questão da existência de um instinto de agressão. São poucos
os estudiosos que duvidam na relação dinâmica do comportamento agressivo
humano, enquanto uns acreditam que seja fruto de pulsões motivadoras que são
adquiridas na infância e juventude (hipótese do instinto secundário) outros
creem que é inata ao homem (hipótese da função primária). Os defensores da
teoria do instinto secundário supõem que a agressão tem correlação direta com
outros instintos e é ativada sempre que esses são reprimidos. Pesquisadores do
comportamento, por exemplo, atribuem a agressão como resultado da repressão do
instinto sexual. Se não houvesse uma satisfação plena dos instintos primários
não existiriam agressões. Outros acreditam que tais afirmações não passam de
especulações. O fato de que qualquer frustração ative a agressividade não
implica que seja sua única causa. (Irenaus
Eibl-Eibesfeldt)
Não existem ainda provas da
existência de fatores de ordem primária para desencadear o processo de
agressão, mas existem estudos sérios que propõem haver em nosso sistema nervoso
central e cérebro áreas especificas que se forem ativadas podem desencadear acessos
de ira.
Chefe Asteca é torturado pelos espanhóis |
Fundamentalmente, entre os
mamíferos superiores, o treinamento e a aprendizagem possuem fator relevante na
evolução da conduta agressiva. Entre ratos adestrados em sempre triunfar nos
combates com seus semelhantes e que conseguem expulsa-los de seu meio se
convertem em animais agressivos, enquanto outros, com a ajuda da derrota se
convertem em animais pacíficos. Se isto ocorre em mamíferos dessa ordem é
possível acreditar que no homem tais experiências tenham resultados
importantes. Na formação do comportamento agressivo existe uma grande
implicação sobre o aprendizado do êxito, e do modelo social e com certeza sobre
a educação do prêmio e castigo.
Nas sociedades humanas os adultos
exercem direta ou indiretamente uma ação educacional moldando a atitude
fundamental das crianças. Em povos belicosos, como os europeus e seus
descendentes das antigas colônias, se ensinam às crianças a serem intolerantes ao extremo e responder
as agressões com outras agressões. São muitos os relatos coletados em
diferentes povos e culturas em que as crianças são estimuladas à vingarem-se de
seus agressores com comportamentos ainda mais agressivos.
O etologista e cientista
comportamental Irenaus Eibl-Eibesfeldt
em sua obra Guerra e Paz registra: “Entre
os Himba, um povo de Kaokoveld (África do Sul), as crianças são educadas com
esses métodos. Eu filmei uma criança que tinha sido agredida por outra e correu
chorando para sua choça. Sua avó lhe deu um pau e obrigou-o a bater em seu
agressor. O menino não se atreveu a cometer a agressão e chorou com mais força,
sua avó então desferiu-lhe sonora bofetada e deixou-o em frente a choça. Entre
os belicosos índios Waika recolhi abundantes registros desse tipo. Ali o normal
é que a gente se defenda. Os adultos estimulam às crianças pequenas,
independente de sexo, a adotar essa pauta de comportamento. A uma menina que
chorava por que seu irmão a tinha agredido, sua mãe entregou um pau ensinando-a
para que golpeasse também ao irmão. Como este era maior e mais forte que ela, a
mãe o sujeitou. Ato contínuo ensinou-a como podia morder o irmão e lhe
incentivou a fazer o mesmo. Tenho muitos filmes que mostram como as mães não só
incitam aos seus filhos pequenos a vingar-se, como também a serem agressivos,
ridicularizando-os e excitando-os até enfurece-los. Atacam então seus
torturadores e todos se riem. Chagnon se refere em seu estudo que sob o
pretexto de uma festa meninos Waika de 8-15 anos de idade foram obrigados a dar
voltas ao redor do Pueblo lutando entre eles. Os que por medo de serem feridos
se negaram de faze-lo e fugiram, foram trazidos arrastados pelos pais e
forçados a lutar. Com os primeiros golpes trocados as lágrimas logo vieram com
força. Entretanto, pouco a pouco, o medo foi se transformando em fúria e no fim
lutavam com sincero entusiasmo, gritando como loucos, dando berros, rolando
pelo barro, enquanto seus pais presenciavam o acontecimento incentivando-os aos
gritos e louvando seus espíritos combativos.”
Crianças Judias enviam mensagens de ódio aos palestinos |
A instituição da pauta de
comportamento vingativo está presente em todas as culturas humanas. Povos
arianos e semitas, ameríndios do norte e sul, africanos e aborígines da Nova Zelândia
e Austrália, e distantes tribos polinésias e esquimós possuem tradição milenar
de promover a vingança contra o outro homem, o clã, a tribo ou a nação que
pretendem justiçar dentro de critérios absolutamente parciais e particulares. A
rivalidade é o estimulador para as ações violentas e envolvem desde as relações
intratribais, de família e sucessão, até as intertribais e são a causa
primordial e evidente dos confrontos bélicos nas nações mais primitivas. Os
inúmeros relatos registrados desses povos sempre alegam o cometimento de uma
inicial ação faltosa do outro, o inimigo, que pode ser real ou fictícia,
perdida nos idos dos tempos como mito e recordada pela tradição oral para
justificar os feitos de guerra e morte, os ataques e massacres noturnos, a
morte de mulheres e crianças, ou banquetes traiçoeiros onde as vitimas
acreditam ter sido convidadas para um ritual de apaziguamento e, portanto
baixam a guarda caindo numa cilada mortal.
Os deuses desses povos quase
sempre também cometem suas vinganças e por isso devem ser sempre aplacados com
sacrifícios humanos, como é o caso das divindades astecas e incas e de Jeová, a
divindade guerreira dos hebreus. Os deuses astecas e incas comiam pessoas.
Comiam corações humanos e bebiam sangue das gentes inimigas dos povos que os
adoravam. E a função principal dos seus sacerdotes era garantir o fornecimento
constante de corações humanos e sangue humano fresco para aplacar a ira das
impiedosas divindades e evitar que com sua vingança divina enviassem pragas ou
destruíssem o mundo. Assim mantinham o bom curso do seu universo. Da mesma
forma, para ocupar a terra de Canaã, os profetas e oráculos hebreus
determinavam as vontades do deus. Nas leis mosaicas lemos:
“...Mas nas cidades das pessoas que Javé, teu deus, te dá por herança,
não deixarás com vida nada que respire; darás o anátema a esses povos: os jeteus,
os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jeboseus...” (Deut.
20,16)
“E apoderando-se da cidade eles consideraram anátema a tudo quanto nela
havia, e passaram ao fio da espada a homens e mulheres, meninos e velhos, bois,
ovelhas e asnos...”(Josué 6,21)
Como já vimos antes só os metais
eram saqueados e consagrados à Javé em seu templo. O botim não podia ser
repartido sob pena de morte.
A Palestina sempre foi a rota
preferida das tribos seminômades semitas e posteriormente o caminho dos
exércitos de vários impérios pela sua localização na geografia do O. Médio. Os sacerdotes hebreus insistiram até a época de
Jesus em que Javé havia estabelecido uma aliança com seu rei Davi e que havia
prometido que sua dinastia nunca acabaria. Mas o império criado por Davi
começou a desmoronar pouco depois de sua morte e desapareceu completamente
quando Nabucodonosor tomou Jerusalém no ano 586 a. C. e deportou grande
quantidade de hebreus para a Babilônia. Depois disso o estado hebreu teve uma
existência precária como cliente dependente de um ou outro poder imperial. Javé
havia dito a Moisés: “Governarás sobre
muitas nações, mas elas não governarão sobre ti”. Entretanto a realidade
dos acontecimentos abalou a credibilidade de Javé e seus sacerdotes. Por que
afinal Javé havia permitido que tantas nações se tornassem poderosas enquanto o
povo eleito era repetidamente conquistado e escravizado ? A resposta dos
sacerdotes era: Javé havia descumprido sua promessa a Davi porque os hebreus
não haviam cumprido sua parte. Seu povo havia violado as leis sagradas e
praticado ritos impuros. Tinham pecado, eram culpados, haviam provocado sua
própria ruína. Mas Javé era um deus indulgente e acabaria cumprindo sua
promessa, se os hebreus, apesar do castigo vingativo, continuassem acreditando
que só ele era o deus verdadeiro, Javé então restabeleceria seu pacto, salvaria
seu povo e os faria maiores do que nunca. Misteriosamente, quando a sujeição de
seu povo fosse total, em um momento só conhecido por Javé, seu povo seria
totalmente vingado. Javé enviaria outro príncipe militar – o messias, o ungido
-, para destruir as nações inimigas. Ocorreriam grandes batalhas e a terra
estremeceria com a queda das cidades poderosas. Seria o fim do mundo e o começo
de outro, pois Javé não teria feito seu povo sofrer se não pretendesse dar para
os Hebreus uma recompensa maior que qualquer outra conhecida anteriormente pelo
homem. Sendo assim o Tanach, ou como
o conhecemos o Velho Testamento, está cheio de promessas dos profetas
redentores –Isaías, Jeremias, Ezequiel, Micaias, Zacarias, e outros – todos
eles instando e sancionando a adoção de um estilo de vida militar-messiânico.
Isaías prevê a vinda de um “conselheiro maravilhoso – deus poderoso,
pai eterno, príncipe da paz –”
que reinará para sempre no trono de Davi. Este salvador pisoteará aos Assírios “como o lodo das ruas”; reduzirá a
Babilônia a uma cidade deserta habitada por corujas, sátiros e outras “criaturas lúgubres”, converterá o povo
de Moab em “calvo e imberbe, reduzirá
Damasco a um monte de ruínas”, e provocará no Egito a guerra civil, “cada qual contra seu próximo, cidade contra
cidade, reino contra reino”.
Jeremias pôs na boca de Javé
estas palavras: “Naqueles dias e naqueles
tempos levantarei a Davi o bastão dos justos que exercitará o direito e a
justiça no país”. Depois “devorará a
espada” aos egípcios e “se saciará e se embriagará com o sangue
deles”. Os filisteus “clamarão e se lamentarão todos os moradores do país”.
Desde Moab “subirá um pranto
ininterrupto”. Amon se converterá em “devastada
colina de ruínas e suas filhas serão incendiadas”. Edom “resultará um horror”. Em Damasco “cairão seus jovens em suas praças”.
Jazor se transformará em “refúgio de
dragões” Elam “será consumida pela
espada”. E quanto a Babilônia “Vinde
contra ela desde os últimos confins, esmagai teus celeiros; ajuntai (suas
pedras) como montes de grãos e exterminai-a, para que nada reste dela”. O
culto ao messias vingativo havia então nascido e foi recriado continuamente com
sangrentos reflexos históricos evidentes até nossos dias entre os judeus que se
acreditam descendentes dos antigos hebreus e as religiões fundamentalistas que
posteriormente derivaram do judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
A mortificação pelo jejum, o couvade, a
abstinência sexual e o mandato divino sempre serviram como cerimoniais para apaziguar a consciência
daqueles que cometeram ou vão cometer genocídios. Esses rituais de limpeza são
uma forma de bloquear a inibição natural do ser humano em massacrar inocentes.
A vingança de sangue cometida, como o assassinato de mulheres e crianças serve
como forma dolorosa de agredir o inimigo no cerne de sua família e ao mesmo
tempo tem a função de diminuir sua prole e a capacidade de reprodução do grupo
familiar atacado buscando minimizar a possível ameaça futura de retribuição
agressiva por parte do descendente do outro.
Na era contemporânea, milhares de
anos após os registros bíblicos, e centenas de anos do aniquilamento das tribos
ameríndias a humanidade continua exercendo suas ações vingativas, de forma
individual ou grupal sob os mais diversos argumentos. O avanço tecnológico
permitiu com suas armas pesadas de artilharia e aviação matar pessoas à
distância, o que conforme Konrad Lorenz ensina transforma um bom homem e pai de
família num facínora sem a necessidade de ter problemas de consciência para
encarar. Basta apertar um botão e imagens em alguma tela explodem à distância.
É bem verdade que a maioria dos combatentes que retornam de conflitos atuais
carregam profundas sequelas. O conflito entre as religiões de fundamento ético
e a formação liberal da vida civil com as realidades da guerra não podem deixar
de marcar o individuo normal, então recorre-se às drogas ilegais ou legais e os
índices de suicídio de ex- combatentes crescem.
Somente no séc. XX por motivos
ideológicos e religiosos como disfarce o genocídio de origem vingativa, os
estupros e assassinatos de crianças e mulheres foram um lugar comum. Na II
Guerra Mundial nazistas e aliados puderam cometer seus atentados, os primeiros
se vingando de povos que consideravam inferiores e representavam segundo a propaganda do partido, o poder do
capital espoliativo, o homem comum judeu pagou um alto preço
por ser associado aos grandes banqueiros de origem judaica que eram protegidos
pelas velhas monarquias europeias e foram aos milhares tragados pela máquina de guerra
nazista numa demonstração de vingança ao coletivo daquela comunidade. Por outro
lado os aliados, e em particular, os norte americanos foram diretamente
responsáveis nas agressões vingativas contra civis, primeiro em Dresden e depois
em Hiroxima e Nagasaki, ato vingativo contra inocentes por terem sido surpreendidos pelo ataque japonês em
Pearl Harbour, sua base no Havaí, um alvo portanto eminentemente militar. Ao final
da Grande Guerra e com o advento da Guerra Fria foi a ideologia que travestiu a
vingança na prática de seus cometimentos de sangue, e a tortura, o assassinato
de famílias e o terror de estado prevaleceu em quase todos os continentes onde
ocorreram enfrentamentos entre o Leste e o Oeste. Com o fim da guerra os judeus
europeus que desenvolveram através de sua ideologia sionista o mito de sua
descendência direta dos antigos povos hebreus e seu destino divino tomaram
posições na Palestina e através do terror e da violência sectária expulsaram os
antigos moradores usando novamente seu deus Javé para justificar o massacre das
civilizações autóctones e o saque de seus recursos naturais. Para poder
justificar seus atos de selvageria contra civis inocentes associaram os palestinos
aos antigos povos filisteus, o que justificaria a vingança milenar, ideia que
não possui fundamento histórico algum, e assim premeditaram seus crimes sem dó
ou piedade e com o apoio das grandes potências internacionais que viam na
região estratégica a necessidade de estabelecer uma cabeça de ponte com gente
de origem europeia.
Crianças em Campo de Extermínio - A Solução Final |
O ser humano diferente de outros
animais desenvolveu o arquétipo da vingança como forma de justificar seus atos
violentos. Seus deuses são o reflexo inconsciente dessa instituição cultural
universal entre os homens. É verdadeiro que o aspecto educacional é fundamental
para estabelecer o ciclo vicioso da agressão e, portanto, da vingança como sua consequência
direta em uma espiral quase interminável. Como podemos observar povos que
consideramos primitivos criaram rituais específicos para terminar com o ciclo
mortal através de práticas sacrificiais ou troca de dádivas. Em sociedades
tribais pouco populosas tais cerimonias possuem a função de evitar-se o extermínio
de ambos os antagonistas. Em nações superpovoadas estabelecer inimigos fictícios
ou não facilitam e condicionam a organização da sociedade por parte da elite governante
e do estado e direcionam os ódios das massas para ameaças externas muitas vezes
inexistentes. A vingança perpétua e o eterno retorno continuam sendo ensinados
nas relações sociais de pais e filhos, nas escolas e nos meios audiovisuais
para multidões de futuros cidadãos em todo o mundo. O paradigma da violência
intergrupal, do roubo de um suíno do vizinho cometido por um aborígene neozelandês
ou o roubo de gado entre os dinka e nuer, continua latente em nossas
sociedades altamente tecnológicas e superpovoadas. Depois de gerações de
assassinatos interfamiliares quase sempre acaba esquecida a razão original da vingança, mas o ciclo se renova sempre com novos atos violentos.
Para acabar com o ciclo da violência entre os gregos, o costume exigia que o autor de um homicídio, mesmo involuntário, fosse eliminado pela própria família; era a única maneira de aplacar a alma da vítima e apagar a nódoa (miasma) produzida pelo acontecimento funesto. É o código de Draco que introduz a autoridade do Estado no lugar das vendetas: é o tribunal da cidade que julga o crime e remete depois o culpado à família da vítima. A lei como a conhecemos originou-se remotamente nas polis greco-romanas, no seu principio baseada na vingança dos deuses, e hoje a justiça dos poderosos prevalece, sua principal ferramenta de poder é a eterna vingança contra os mais fracos, que se acotovelam na fila, como dádivas a espera do sacrifico nas grandes metrópoles-currais da Terra.
Para acabar com o ciclo da violência entre os gregos, o costume exigia que o autor de um homicídio, mesmo involuntário, fosse eliminado pela própria família; era a única maneira de aplacar a alma da vítima e apagar a nódoa (miasma) produzida pelo acontecimento funesto. É o código de Draco que introduz a autoridade do Estado no lugar das vendetas: é o tribunal da cidade que julga o crime e remete depois o culpado à família da vítima. A lei como a conhecemos originou-se remotamente nas polis greco-romanas, no seu principio baseada na vingança dos deuses, e hoje a justiça dos poderosos prevalece, sua principal ferramenta de poder é a eterna vingança contra os mais fracos, que se acotovelam na fila, como dádivas a espera do sacrifico nas grandes metrópoles-currais da Terra.
Crianças palestinas mortas em bombardeios |
Bibliografia:
1) Guerra
Y Paz – Irenaus Eibl-Eibesfeldt – Ed. Salvat – Barcelona - 1987
2)Canibais e Reis – Marvin Harris – Edições 70 – Lisboa – 1977
2)Canibais e Reis – Marvin Harris – Edições 70 – Lisboa – 1977
3)Vacas,
Cerdos, Guerras y Brujas – Alianza Editorial – Madri – 2011
4)Anatomia
da Vingança – Mark R. Anspach – Realizações Ed - 2012
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