quinta-feira, 24 de julho de 2014

Vingança e Dádiva - A Lei do Eterno Retorno





“No sul de Moussey,” escreve Igor Garine, “para fazer a paz, as pessoas de Domo e Berté delegaram um escravo, tendo pouca importância que fosse consumido pela força do sacrifício que manipulava. Ao chegar à fronteira dos dois grupos, ele cortou um cão vivo em dois, dizendo: ‘Eis aqui Sulukna, uma coisa muito poderosa, nós sacrificaremos um animal para ti, para que mais ninguém seja morto!’” “Bem, o que significa essa palavra Sulukna ? Que força terrível é essa que comanda o destino dos homens ? Sulukna significa ‘vingança’. É para a própria vingança que a oferenda é feita, o sacrifício serve para pacificar a vingança.”
(Anatomia da Vingança-Mark R. Anspach)

“Em todos os lugares em que a organização se baseia nos laços de sangue, observamos a prática da vingança. A vida coletiva da comunidade encontra aí sua expressão; é uma força incompreensível que ultrapassa a esfera do indivíduo e se torna objeto de um respeito religioso.”
(Friederich Nietzsche)

A humanidade carrega consigo a semente da discórdia. A rivalidade no seu sentido mais amplo é o antagonismo latente entre comunidades que vivem em margens opostas do mesmo rio. Desde a mais remota antiguidade, o individuo busca o justo pagamento do que acredita ser devido na relação comunal ou intertribal, um ressarcimento, o retorno pelo meio da consumição de alguma coisa de outrem ou de alguém, e comete o ato da vingança através do roubo, do assassinato, da guerra e do sequestro do próximo, quase sempre mulheres ou crianças indefesas, do lado estabelecido como inimigo. Para atingir seus objetivos de rapina e morte os grupos sociais criaram instituições próprias de vingança com raízes pré-históricas. Como contrapartida, para o apaziguamento de conflitos e para acabar com o circulo vicioso da vingança criaram-se rituais específicos, quando então mercadorias e reféns são negociados, ou casamentos são celebrados para selar acordos e assim estabelecer trocas simbólicas para cessarem as hostilidades mutuas.

Mas a dádiva pode ser também um ato de agressão vingativa. Como dádiva, a pauta de comportamento vingativo tem seu papel em várias culturas como ato de ostentação. Na Polinésia, na Melanésia e no Noroeste dos Estados Unidos, como entre muitos outros povos existe o costume do potlatch, que traveste a rivalidade entre os clãs como uma obrigação de dar e receber. Um chefe deve oferecer vários potlatch, por ele mesmo, por seus parentes, por seus ancestrais, e sua posição de poder só estará garantida se provar ser visitado pelos espíritos da fortuna para seus vizinhos. Ele não pode provar essa fortuna a não ser dilapidando-a, oferecendo riquezas aos demais e assim humilhando com ela aos outros. Perder o prestígio entre os seus significa a perda da persona, isto é, perder no jogo das dádivas e no jogo da guerra são ambos condições similares para se perder a condição social nesses grupos. Nas cerimônias os bens são destruídos e maior será a importância do chefe quanto maior for o valor do que for queimado, para honra dos espíritos e até mesmo um escravo pode ser imolado para impressionar aos demais convidados que serão obrigados por sua vez a proporcionar um cerimonial ainda mais impressionante em uma escala circular crescente de retribuição. Entre os clãs na China Antiga o costume também se evidenciava sendo o presente mais caro como uma bofetada desferida contra o clã rival que deveria ultrapassar seu valor na próxima festividade da primavera. Com essa ação se inibia a pauta de comportamento vingativa violenta através de uma ação positiva, porém com alto grau de agressividade dissimulada em seu conteúdo comportamental. Negar a cerimônia ou a dádiva poderia resultar em séria ofensa que só poderia ser resolvida em uma vendeta de sangue.    

No plano religioso, o que os sacerdotes denominam como plano divino, os rituais de apaziguamento e dádivas em todas as civilizações e grupos sociais envolvem sacrifícios reais ou simbólicos, para fazer cessar o conflito iminente com a deidade, através da doação de um simulacro, ou simplesmente consagrar o inimigo dominado, em carne e osso, como vitima constante a ser imolada e assim restabelecer novamente a ordem no cosmos. Nesse caso se pretende aplacar a divindade ou afastar o demônio ou mau espírito que preenche o papel de adversário e assim liberar a consciência daqueles que cometem crimes de sangue contra o próximo, em um ritual sagrado de limpeza.

Nos quatro quadrantes do mundo, civilizações com alto grau de desenvolvimento, em todos os tempos, através de suas classes dominantes altamente hierarquizadas utilizaram deste expediente, a vingança contra indivíduos ou grupos, para pacificarem seus comandados através da execração do inimigo, real ou fictício, e executarem sua punição exemplar pela tortura, pelo fogo, seu desmembramento, decapitação, ou privação de liberdade e até mesmo seu devoramento permitindo o restabelecimento da ordem social através do sacrifício puro e simples do antagonista, seja ele uma pessoa, uma tribo, uma etnia, ou uma nação a vitima escolhida como bode expiatório e assim preservarem o poder, o status quo, dentro da sua própria comunidade.

Genocídios têm sido largamente documentados pela humanidade desde que foi criada a escrita, que colheu esses relatos com precisão literária e informativa. Nos livros sagrados como a Bíblia ou o Tanach judeu, no Mahabharata e nas estelas e pórticos de monumentos os homens registraram seus atos de assassinato, ultrajamento, e escravização dos inimigos como forma de advertência e dissuasão, uma lembrança de glória dos seus mentores do ato vingativo e um aviso para todos do poderio de seus mandatos.

Depois do ritual de devoramento do inimigo, ou seu sacrifício ao deus, o advento da escravidão com certeza estabeleceu a primeira relação mutua entre o vencido e o vencedor definindo e estruturando instituições próprias com percepção diferente entre ambos os lados que passam a viver a tensão de um conflito tácito permanente entre sacrificado e sacrificante. Esta com certeza foi a primeira relação patronal criada pela humanidade, a partir da instituição da vingança do vencedor sobre o vencido. O escravo cativo para vingar-se ou assassina o senhorio certo de uma grave punição e tortura ou se suicida para causar maior desconforto e prejuízo ao seu "dono".

A cultura indo-ariana, que se expandiu pela força na Europa e na Ásia, estabeleceu e impôs esse diferencial que é a formação das castas baseada na origem de nascimento e criou o mito do herói, fruto da classe dominante, para justificar a ordem estabelecida. O papel do individuo no ritual cósmico da existência é mitologicamente representado por ele, o ser que se sacrifica pela sua tribo para aplacar a sede dos deuses em sua eterna vingança contra a humanidade pecadora realizando tarefas ou matando gigantes. Qualquer estudioso da mitologia europeia e hindu ficará impressionado pela importância, por exemplo, do roubo de gado e do sequestro de mulheres ao inimigo, prática indicada pelos estudos arqueológicos de culturas proto-indo-arianas como mitema recorrente. A partir de dados linguísticos e de mitos indo-arianos posteriores que incluem exemplos da Índia, do Irã, da Anatólia hitita, da Grécia, e do norte da Europa os estudiosos reconstituíram um mito essencial proto-indo-ariano do roubo de gado. E Nesse mito recorrente entre as diversas culturas o herói é o interlocutor atuante. O protagonista denominado Trito (Terceiro) possui um grande rebanho de gado, que é surrupiado por um grande monstro não-indo-ariano de três cabeças. Após algumas peripécias e com auxilio de um deus indo-ariano da guerra, Trito derrota o monstro e recupera seu gado. O sentido do mito como entendido é que os estrangeiros roubam, enquanto os indo-arianos, como bravos guerreiros que são atacam seus inimigos. A primeira dessas atividades é degradante enquanto a segunda é nobre. Dito em termos indo-arianos contemporâneos, os maus agressores são terroristas e os bons agressores lutam pela liberdade.

É importante traçar essa analogia com nossa própria cultura para evitarmos considerar que a instituição da vingança seja um costume inerente unicamente aos povos primitivos ou bárbaros, como querem alguns moralistas de plantão, mas que esse comportamento permeia toda a sociedade humana desde a época mais primitiva até a dita mais civilizada hoje, e continua atuando de forma subliminar entre os cidadãos do mundo Ocidental como reminiscência de um passado de pastores das estepes que se sedentarizaram, mas não deixaram de lado completamente seus velhos costumes tribais.

Na atualidade não existem mais discussões sobre a questão da existência de um instinto de agressão. São poucos os estudiosos que duvidam na relação dinâmica do comportamento agressivo humano, enquanto uns acreditam que seja fruto de pulsões motivadoras que são adquiridas na infância e juventude (hipótese do instinto secundário) outros creem que é inata ao homem (hipótese da função primária). Os defensores da teoria do instinto secundário supõem que a agressão tem correlação direta com outros instintos e é ativada sempre que esses são reprimidos. Pesquisadores do comportamento, por exemplo, atribuem a agressão como resultado da repressão do instinto sexual. Se não houvesse uma satisfação plena dos instintos primários não existiriam agressões. Outros acreditam que tais afirmações não passam de especulações. O fato de que qualquer frustração ative a agressividade não implica que seja sua única causa. (Irenaus Eibl-Eibesfeldt)

Não existem ainda provas da existência de fatores de ordem primária para desencadear o processo de agressão, mas existem estudos sérios que propõem haver em nosso sistema nervoso central e cérebro áreas especificas que se forem ativadas podem desencadear acessos de ira.

Chefe Asteca é torturado pelos espanhóis


Fundamentalmente, entre os mamíferos superiores, o treinamento e a aprendizagem possuem fator relevante na evolução da conduta agressiva. Entre ratos adestrados em sempre triunfar nos combates com seus semelhantes e que conseguem expulsa-los de seu meio se convertem em animais agressivos, enquanto outros, com a ajuda da derrota se convertem em animais pacíficos. Se isto ocorre em mamíferos dessa ordem é possível acreditar que no homem tais experiências tenham resultados importantes. Na formação do comportamento agressivo existe uma grande implicação sobre o aprendizado do êxito, e do modelo social e com certeza sobre a educação do prêmio e castigo.

Nas sociedades humanas os adultos exercem direta ou indiretamente uma ação educacional moldando a atitude fundamental das crianças. Em povos belicosos, como os europeus e seus descendentes das antigas colônias, se ensinam às crianças a serem intolerantes ao extremo e responder as agressões com outras agressões. São muitos os relatos coletados em diferentes povos e culturas em que as crianças são estimuladas à vingarem-se de seus agressores com comportamentos ainda mais agressivos.

O etologista e cientista comportamental Irenaus Eibl-Eibesfeldt em sua obra Guerra e Paz registra: “Entre os Himba, um povo de Kaokoveld (África do Sul), as crianças são educadas com esses métodos. Eu filmei uma criança que tinha sido agredida por outra e correu chorando para sua choça. Sua avó lhe deu um pau e obrigou-o a bater em seu agressor. O menino não se atreveu a cometer a agressão e chorou com mais força, sua avó então desferiu-lhe sonora bofetada e deixou-o em frente a choça. Entre os belicosos índios Waika recolhi abundantes registros desse tipo. Ali o normal é que a gente se defenda. Os adultos estimulam às crianças pequenas, independente de sexo, a adotar essa pauta de comportamento. A uma menina que chorava por que seu irmão a tinha agredido, sua mãe entregou um pau ensinando-a para que golpeasse também ao irmão. Como este era maior e mais forte que ela, a mãe o sujeitou. Ato contínuo ensinou-a como podia morder o irmão e lhe incentivou a fazer o mesmo. Tenho muitos filmes que mostram como as mães não só incitam aos seus filhos pequenos a vingar-se, como também a serem agressivos, ridicularizando-os e excitando-os até enfurece-los. Atacam então seus torturadores e todos se riem. Chagnon se refere em seu estudo que sob o pretexto de uma festa meninos Waika de 8-15 anos de idade foram obrigados a dar voltas ao redor do Pueblo lutando entre eles. Os que por medo de serem feridos se negaram de faze-lo e fugiram, foram trazidos arrastados pelos pais e forçados a lutar. Com os primeiros golpes trocados as lágrimas logo vieram com força. Entretanto, pouco a pouco, o medo foi se transformando em fúria e no fim lutavam com sincero entusiasmo, gritando como loucos, dando berros, rolando pelo barro, enquanto seus pais presenciavam o acontecimento incentivando-os aos gritos e louvando seus espíritos combativos.”

Crianças Judias enviam mensagens de ódio aos palestinos


A instituição da pauta de comportamento vingativo está presente em todas as culturas humanas. Povos arianos e semitas, ameríndios do norte e sul, africanos e aborígines da Nova Zelândia e Austrália, e distantes tribos polinésias e esquimós possuem tradição milenar de promover a vingança contra o outro homem, o clã, a tribo ou a nação que pretendem justiçar dentro de critérios absolutamente parciais e particulares. A rivalidade é o estimulador para as ações violentas e envolvem desde as relações intratribais, de família e sucessão, até as intertribais e são a causa primordial e evidente dos confrontos bélicos nas nações mais primitivas. Os inúmeros relatos registrados desses povos sempre alegam o cometimento de uma inicial ação faltosa do outro, o inimigo, que pode ser real ou fictícia, perdida nos idos dos tempos como mito e recordada pela tradição oral para justificar os feitos de guerra e morte, os ataques e massacres noturnos, a morte de mulheres e crianças, ou banquetes traiçoeiros onde as vitimas acreditam ter sido convidadas para um ritual de apaziguamento e, portanto baixam a guarda caindo numa cilada mortal.

Os deuses desses povos quase sempre também cometem suas vinganças e por isso devem ser sempre aplacados com sacrifícios humanos, como é o caso das divindades astecas e incas e de Jeová, a divindade guerreira dos hebreus. Os deuses astecas e incas comiam pessoas. Comiam corações humanos e bebiam sangue das gentes inimigas dos povos que os adoravam. E a função principal dos seus sacerdotes era garantir o fornecimento constante de corações humanos e sangue humano fresco para aplacar a ira das impiedosas divindades e evitar que com sua vingança divina enviassem pragas ou destruíssem o mundo. Assim mantinham o bom curso do seu universo. Da mesma forma, para ocupar a terra de Canaã, os profetas e oráculos hebreus determinavam as vontades do deus. Nas leis mosaicas lemos:
“...Mas nas cidades das pessoas que Javé, teu deus, te dá por herança, não deixarás com vida nada que respire; darás o anátema a esses povos: os jeteus, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jeboseus...” (Deut. 20,16)
“E apoderando-se da cidade eles consideraram anátema a tudo quanto nela havia, e passaram ao fio da espada a homens e mulheres, meninos e velhos, bois, ovelhas e asnos...”(Josué 6,21)
Como já vimos antes só os metais eram saqueados e consagrados à Javé em seu templo. O botim não podia ser repartido sob pena de morte.

A Palestina sempre foi a rota preferida das tribos seminômades semitas e posteriormente o caminho dos exércitos de vários impérios pela sua localização na geografia do O. Médio. Os sacerdotes hebreus insistiram até a época de Jesus em que Javé havia estabelecido uma aliança com seu rei Davi e que havia prometido que sua dinastia nunca acabaria. Mas o império criado por Davi começou a desmoronar pouco depois de sua morte e desapareceu completamente quando Nabucodonosor tomou Jerusalém no ano 586 a. C. e deportou grande quantidade de hebreus para a Babilônia. Depois disso o estado hebreu teve uma existência precária como cliente dependente de um ou outro poder imperial. Javé havia dito a Moisés: “Governarás sobre muitas nações, mas elas não governarão sobre ti”. Entretanto a realidade dos acontecimentos abalou a credibilidade de Javé e seus sacerdotes. Por que afinal Javé havia permitido que tantas nações se tornassem poderosas enquanto o povo eleito era repetidamente conquistado e escravizado ? A resposta dos sacerdotes era: Javé havia descumprido sua promessa a Davi porque os hebreus não haviam cumprido sua parte. Seu povo havia violado as leis sagradas e praticado ritos impuros. Tinham pecado, eram culpados, haviam provocado sua própria ruína. Mas Javé era um deus indulgente e acabaria cumprindo sua promessa, se os hebreus, apesar do castigo vingativo, continuassem acreditando que só ele era o deus verdadeiro, Javé então restabeleceria seu pacto, salvaria seu povo e os faria maiores do que nunca. Misteriosamente, quando a sujeição de seu povo fosse total, em um momento só conhecido por Javé, seu povo seria totalmente vingado. Javé enviaria outro príncipe militar – o messias, o ungido -, para destruir as nações inimigas. Ocorreriam grandes batalhas e a terra estremeceria com a queda das cidades poderosas. Seria o fim do mundo e o começo de outro, pois Javé não teria feito seu povo sofrer se não pretendesse dar para os Hebreus uma recompensa maior que qualquer outra conhecida anteriormente pelo homem. Sendo assim o Tanach, ou como o conhecemos o Velho Testamento, está cheio de promessas dos profetas redentores –Isaías, Jeremias, Ezequiel, Micaias, Zacarias, e outros – todos eles instando e sancionando a adoção de um estilo de vida militar-messiânico.

Isaías prevê a vinda de um “conselheiro maravilhoso – deus poderoso, pai eterno, príncipe da paz –” que reinará para sempre no trono de Davi. Este salvador pisoteará aos Assírios “como o lodo das ruas”; reduzirá a Babilônia a uma cidade deserta habitada por corujas, sátiros e outras “criaturas lúgubres”, converterá o povo de Moab em “calvo e imberbe, reduzirá Damasco a um monte de ruínas”, e provocará no Egito a guerra civil, “cada qual contra seu próximo, cidade contra cidade, reino contra reino”.

Jeremias pôs na boca de Javé estas palavras: “Naqueles dias e naqueles tempos levantarei a Davi o bastão dos justos que exercitará o direito e a justiça no país”. Depois “devorará a espada” aos egípcios e “se saciará e se embriagará com o sangue deles”. Os filisteus “clamarão e se lamentarão todos os moradores do país”. Desde Moab “subirá um pranto ininterrupto”. Amon se converterá em “devastada colina de ruínas e suas filhas serão incendiadas”. Edom “resultará um horror”. Em Damasco “cairão seus jovens em suas praças”. Jazor se transformará em “refúgio de dragões” Elam “será consumida pela espada”. E quanto a Babilônia “Vinde contra ela desde os últimos confins, esmagai teus celeiros; ajuntai (suas pedras) como montes de grãos e exterminai-a, para que nada reste dela”. O culto ao messias vingativo havia então nascido e foi recriado continuamente com sangrentos reflexos históricos evidentes até nossos dias entre os judeus que se acreditam descendentes dos antigos hebreus e as religiões fundamentalistas que posteriormente derivaram do judaísmo, o cristianismo e o islamismo.


Judeus de Siderot assistem como num
cinema os bombardeios sobre Gaza 


A mortificação pelo jejum, o couvade, a abstinência sexual e o mandato divino sempre serviram como cerimoniais para apaziguar a consciência daqueles que cometeram ou vão cometer genocídios. Esses rituais de limpeza são uma forma de bloquear a inibição natural do ser humano em massacrar inocentes. A vingança de sangue cometida, como o assassinato de mulheres e crianças serve como forma dolorosa de agredir o inimigo no cerne de sua família e ao mesmo tempo tem a função de diminuir sua prole e a capacidade de reprodução do grupo familiar atacado buscando minimizar a possível ameaça futura de retribuição agressiva por parte do descendente do outro.

Na era contemporânea, milhares de anos após os registros bíblicos, e centenas de anos do aniquilamento das tribos ameríndias a humanidade continua exercendo suas ações vingativas, de forma individual ou grupal sob os mais diversos argumentos. O avanço tecnológico permitiu com suas armas pesadas de artilharia e aviação matar pessoas à distância, o que conforme Konrad Lorenz ensina transforma um bom homem e pai de família num facínora sem a necessidade de ter problemas de consciência para encarar. Basta apertar um botão e imagens em alguma tela explodem à distância. É bem verdade que a maioria dos combatentes que retornam de conflitos atuais carregam profundas sequelas. O conflito entre as religiões de fundamento ético e a formação liberal da vida civil com as realidades da guerra não podem deixar de marcar o individuo normal, então recorre-se às drogas ilegais ou legais e os índices de suicídio de ex- combatentes crescem.

Somente no séc. XX por motivos ideológicos e religiosos como disfarce o genocídio de origem vingativa, os estupros e assassinatos de crianças e mulheres foram um lugar comum. Na II Guerra Mundial nazistas e aliados puderam cometer seus atentados, os primeiros se vingando de povos que consideravam inferiores e representavam segundo a propaganda do partido, o poder do capital espoliativo, o homem comum judeu pagou um alto preço por ser associado aos grandes banqueiros de origem judaica que eram protegidos pelas velhas monarquias europeias e foram aos milhares tragados pela máquina de guerra nazista numa demonstração de vingança ao coletivo daquela comunidade. Por outro lado os aliados, e em particular, os norte americanos foram diretamente responsáveis nas agressões vingativas contra civis, primeiro em Dresden e depois em Hiroxima e Nagasaki, ato vingativo contra inocentes por terem sido surpreendidos pelo ataque japonês em Pearl Harbour, sua base no Havaí, um alvo portanto eminentemente militar. Ao final da Grande Guerra e com o advento da Guerra Fria foi a ideologia que travestiu a vingança na prática de seus cometimentos de sangue, e a tortura, o assassinato de famílias e o terror de estado prevaleceu em quase todos os continentes onde ocorreram enfrentamentos entre o Leste e o Oeste. Com o fim da guerra os judeus europeus que desenvolveram através de sua ideologia sionista o mito de sua descendência direta dos antigos povos hebreus e seu destino divino tomaram posições na Palestina e através do terror e da violência sectária expulsaram os antigos moradores usando novamente seu deus Javé para justificar o massacre das civilizações autóctones e o saque de seus recursos naturais. Para poder justificar seus atos de selvageria contra civis inocentes associaram os palestinos aos antigos povos filisteus, o que justificaria a vingança milenar, ideia que não possui fundamento histórico algum, e assim premeditaram seus crimes sem dó ou piedade e com o apoio das grandes potências internacionais que viam na região estratégica a necessidade de estabelecer uma cabeça de ponte com gente de origem europeia.

Crianças em Campo de Extermínio - A Solução Final


O ser humano diferente de outros animais desenvolveu o arquétipo da vingança como forma de justificar seus atos violentos. Seus deuses são o reflexo inconsciente dessa instituição cultural universal entre os homens. É verdadeiro que o aspecto educacional é fundamental para estabelecer o ciclo vicioso da agressão e, portanto, da vingança como sua consequência direta em uma espiral quase interminável. Como podemos observar povos que consideramos primitivos criaram rituais específicos para terminar com o ciclo mortal através de práticas sacrificiais ou troca de dádivas. Em sociedades tribais pouco populosas tais cerimonias possuem a função de evitar-se o extermínio de ambos os antagonistas. Em nações superpovoadas estabelecer inimigos fictícios ou não facilitam e condicionam a organização da sociedade por parte da elite governante e do estado e direcionam os ódios das massas para ameaças externas muitas vezes inexistentes. A vingança perpétua e o eterno retorno continuam sendo ensinados nas relações sociais de pais e filhos, nas escolas e nos meios audiovisuais para multidões de futuros cidadãos em todo o mundo. O paradigma da violência intergrupal, do roubo de um suíno do vizinho cometido por um aborígene neozelandês ou o roubo de gado entre os dinka e nuer, continua latente em nossas sociedades altamente tecnológicas e superpovoadas. Depois de gerações de assassinatos interfamiliares quase sempre acaba esquecida a razão original da vingança, mas o ciclo se renova sempre com novos atos violentos. 

Para acabar com o ciclo da violência entre os gregos, o costume exigia que o autor de um homicídio, mesmo involuntário, fosse eliminado pela própria família; era a única maneira de aplacar a alma da vítima e apagar a nódoa (miasma) produzida pelo acontecimento funesto. É o código de Draco que introduz a autoridade do Estado no lugar das vendetas: é o tribunal da cidade que julga o crime e remete depois o culpado à família da vítima. A lei como a conhecemos originou-se remotamente nas polis greco-romanas, no seu principio baseada na vingança dos deuses, e hoje a justiça dos poderosos prevalece, sua principal ferramenta de poder é a eterna vingança contra os mais fracos, que se acotovelam na fila, como dádivas a espera do sacrifico nas grandes metrópoles-currais da Terra.

Crianças palestinas mortas em bombardeios 


Bibliografia:

       1) Guerra Y Paz – Irenaus Eibl-Eibesfeldt – Ed. Salvat – Barcelona - 1987
     2)Canibais e Reis – Marvin Harris – Edições 70 – Lisboa – 1977
       3)Vacas, Cerdos, Guerras y Brujas – Alianza Editorial – Madri – 2011
       4)Anatomia da Vingança – Mark R. Anspach – Realizações Ed - 2012

      
   


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