Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia, várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes?
Em que casas da Lima dourada moravam os
construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em
que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma esta cheia de arcos do
triunfo.
Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio tinha somente
palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida, os que se
afogavam gritaram por seus escravos na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua
Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete
Anos.
Quem venceu além dele?
Cada pagina uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.
Bertold Brecht (Tradução: Paulo César de
Souza).
Desde o fim da pré-história povos indo-arianos
invadiram a península européia vindos da Ásia profunda. A expansão territorial
desses pastores nômades ocorreu em ondas sucessivas e garantiu seu domínio
sobre os caçadores coletores e tribos agrárias na Europa e no Oriente Próximo.
Após a colonização da península européia e norte da África nos últimos quatro
milênios, esses povos difundiram-se para os demais continentes de forma
constante até o séc. XIX de nossa era. O refluxo dessa expansão com o
surgimento dos processos de independência nacionais das ex-colonias na segunda
metade do séc. XX não permitiu estabelecer uma nova ordem social a partir das ex-colonias. A cultura
indo-européia transformada em eficiente processo de dominação econômica
se manteve presente nos quatro quadrantes do mundo absorvendo os recursos
necessários para desenvolver o boom de industrialização do hemisfério norte. O
sistema social, que em sua origem primeva foi estabelecido em castas de
sacerdotes, guerreiros, e escravos agricultores evoluiu desse modelo arcaico, por fim, para o sistema social da Revolução Industrial com o empobrecimento do homem do
campo, descendente dos servos da gleba, e seu êxodo forçado para os grandes
centros urbanos para trabalhar nas plantas industriais dos capitalistas
enriquecidos pela exploração colonial.
A multiplicidade de mitos culturais de base indo-ariana, europeizados
a partir da hegemonia cristã no continente, uma perversão óbvia de seu conteúdo
evangelizador adaptado aos anseios beligerantes dos povos germânicos e latinos cristianizados deram
origem as ideias cavalheirescas do medievo, na crença preponderante na retidão
exclusiva da religião dominante que levou à consolidação das tradições
hierarquizadas dos povos bárbaros invasores como classe dominante e na
observância da acomodação desses costumes na estrutura religiosa da Igreja
Católica europeia, bem como suas consequências insidiosas e desvios posteriores, como as
perseguições religiosas que resultaram na Inquisição, o antissemitismo
intrínseco, o conceito de paganismo ligado às outras religiões exógenas, a
teoria do direito divino dos reis e em extensão do clero, e a promoção de Cruzadas. Na América,
os mitos do destino manifesto e do homem que se fez por si, e o conceito de
predestinação de origem calvinista, bem como a fatalista tradição católica quando
associados posteriormente às concepções darwinianas europeias de seleção natural justificaram
e chancelaram a conquista de povos autóctones indígenas, a repressão aos
trabalhadores pobres e a destruição da natureza. Uma ideia de cunho
antropofágico velado de superioridade racial europeia ou branca foi utilizada
para justificar o colonialismo europeu e a escravização literal ou virtual de
populações não brancas através de um mito ariano pré-cristão recorrente, de
origem germânica, até chegar aos extremos dos horrores genocidas do nazismo.
Pode-se dizer que o milenarismo cristão e as crenças messiânicas no sacrifício
do salvador se constituíram em terreno fértil para o florescer do utopismo totalitário que
se estabeleceu na Europa do séc. XX, como filho bastardo da religião baseada na
figura do herói mítico europeu.
Essas são as bases ideológicas de onde a expansão indo-ariana evoluiu
de uma economia de pastoreio para a exploração do trabalho nas metrópoles e colônias,
partindo do principio ou do viés cultural que o controle social parte da
questão econômica da produção e da troca de produtos que constitui a raiz de
toda a ordem social. A hierarquia social de classes e ordens portanto é consequência da exploração da mão de obra e repartição de produtos, da forma de
produção e da forma da troca das coisas produzidas. O modo de produção portanto
determina as ideias e os comportamentos dos homens de forma complexa e embora
existam em um sistema social tantas visões da realidade quantas forem as
divisões sociais, a ideologia dominante é sempre a ideologia da classe
dominante. No modo de produção capitalista ariano atual, a ideologia dominante
é sempre a ideologia burguesa, que apascenta a criação de mão de obra, e
organiza seu abate numa concepção própria de cultura..
Um sistema social tem dois níveis de percepção da realidade: um
essencial e um de aparência, quer dizer, um profundo e um superficial, um não
visível e um fenomênico. Para se ter uma compreensão desses dois níveis de
percepção da realidade, podemos inferir da análise que Marx fez sobre o
salário: "No plano da aparência, o salário apresenta-se como o pagamento
de um trabalho realizado. Nesse patamar de entendimento, a relação de trabalho
é uma troca entre indivíduos livres e iguais. Eles são livres. por que não
estão sujeitos a outros homens por laços de dependência como no modo de
produção escravista, mas são livres para vender seu trabalho a quem quiserem.
São iguais, pois todos detêm uma mercadoria e, portanto, podem estabelecer uma
troca: uns vendem seu trabalho e outros o compram.
No entanto, se ultrapassarmos o nível da aparência, da circulação
dos bens, um dos axiomas sagrados do capitalismo, e atingirmos o essencial, da
produção observarão que não há uma troca igualitária e que o operário não vende
seu trabalho, mas, na verdade, sua força de trabalho. O trabalho é o dispêndio
da força laboral, o ato de produzir, enquanto a força de trabalho é a
capacidade de trabalhar, de produzir. O operário que labora oito horas por dia,
não recebe, todo o valor que produziu, mas apenas uma pequena parte dele. Se
ele produziu cem e recebe como pagamento apenas vinte, ele não vendeu o seu
trabalho, mas sua força de trabalho. Dessa forma existe um tempo que o operário
leva para produzir o seu salário e um tempo de trabalho excedente, não pago, ou
seja, aquele em que o operário produz um sobrevalor que o capitalista se
apropria. Se o salário não é a retribuição integral do trabalho, mas da força
de trabalho, então podemos inferir que ele é o mínimo historicamente
necessário para a reprodução da mão- de-obra, ou seja, o indispensável para que
o trabalhador sobreviva e continue a produzir.
O salário, como aparência do pagamento do trabalho e não da força
do trabalho, dissimula a distinção entre tempo de trabalho necessário e tempo
não-pago, estabelecendo nas relações laborais, no nível superficial ou
fenomênico, uma troca igualitária. Isso mostra, do ponto de vista ideológico e
portanto cultural, que o capitalismo engendra, mimetiza, cria formas de
mascarar sua essência, para poder apropriar-se do valor não-pago, pois é dessa
mais valia que se origina o capital.
É o processo cultural com sua dinâmica histórica, entre outras
coisas, que estabelece como normal essa ambiguidade nas trocas capital x força
do trabalho. Esse somatório de ideias que compõem o processo cultural que se
destinam a justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem
e as relações que mantem com outros homens é que denominamos ideologia. É o
caso, por exemplo, dos antigos conceitos antropológicos, segundo os quais havia
raças inferiores e superiores, e que estas deveriam civilizar aquelas. Essas
teorias foram difundidas desde sempre pelos povos europeus para justificarem o
colonialismo e a xenofobia. Como esses conceitos são elaborados a partir de
formas fenomênicas da realidade, que tornam velada a verdadeira essência da
ordem social, a ideologia é a apoderação da falsa consciência.
Servidão Humana -
Quando os mongóis invadiram e conquistaram a China mantiveram os
antigos administradores chineses e se tornaram a classe dominante. O
confucionismo regia a ideologia dos administradores que estavam ansiosos para
colaborar com a dinastia instaurada pelos conquistadores, mesmo que muitos
chineses considerassem os mongóis estrangeiros bárbaros que fediam a carne de
ovelha. Os sucessivos mandatários aos poucos foram absorvendo a cultura
superior dos dominados. Ao fim da dinastia mongol na China o imperador
vivia enclausurado em seu palácio e dedicava-se as suas práticas esotéricas que
envolviam sacrifícios humanos, onde corações e fígados eram oferecidos aos
deuses, e praticava cerimônias tântricas orgiásticas em total decadência de
costumes, longe de suas planícies, totalmente civilizado.
Confúcio fez do amor natural e das obrigações familiares a base da
sua moralidade. As duas relações mais importantes dentro da família são aquelas
entre pai e filho e entre irmão mais velho e irmão mais novo. A ideia do
confucionismo era se um homem é um bom filho e um bom irmão em seu ambiente
familiar, pode-se esperar que se comportasse bem em sociedade. Tzu-yu,
discípulo de Confúcio, disse: “É raro um homem que é bom como filho e obediente
como jovem ter a inclinação de transgredir contra seus superiores; não se sabe
de alguém que, não tendo tal tendência, tenha iniciado uma rebelião”.
E concluí: “ser um bom filho e um jovem obediente é, talvez, a
raiz do caráter de um homem. Dentro deste pensamento se um bom filho faz um bom
súdito, um bom pai também fará um bom governante. Assim o amor de um homem
pelas pessoas externas à sua moradia era visto como uma extensão do amor do
homem pelos membros de sua família. Gradualmente conforme se projeta para fora
da família a obrigação de amar diminui. Socialmente, uma pessoa amaria os
membros de sua classe social mais do que os de outras classes. De modo que a
benevolência ficava restrita aos semelhantes dessa pessoa na antiga concepção
confuciana.
A tradição confucionista na administração dos interesses dos
governantes chineses atravessou séculos e várias dinastias chinesas. Os Han
(250 a. C.) preocupados em recrutar os melhores funcionários do reino obrigavam
os candidatos a passar em exames, os escolhidos eram contratados por um ano de
experiência e submetidos a inspeção a cada três anos. Os exames testavam os
conhecimentos dos candidatos nas obras clássicas atribuídas a Confúcio, que
seriam obrigatórios para a formação dos servidores públicos chineses até os
primórdios do século XX. Apesar de prevalecer a seleção através da indicação de
velhos funcionários, o objetivo era selecionar jovens de conhecida inteligência
e integridade. As relações familiares ajudavam. Funcionários podiam indicar
seus filhos, ou filhos de amigos, e os parentes das concubinas do imperador não
encontravam dificuldades em conseguir promoções. Para os que pacientemente
aguardavam as promoções de escalão em escalão a recompensa era compensadora, salários
vinte vezes maiores nos cargos mais altos, isenção de serviço militar e do
trabalho forçado, uma folga a cada cinco dias e, às vezes, uma pensão. Para
coibir a corrupção o funcionário não podia exercer seu trabalho no seu distrito
natal.
Enquanto isso na península européia os valores greco-romanos se mesclavam aos dos povos nomades que invadiam seu território. Na verdade, gregos e romanos também são em larga medida repositório cultural recente dessas invasões indo arianas sobre povos autóctones desde a Idade do Bronze, pois possuem origem comum com os povos que vieram posteriormente do Oriente em épocas mais recentes.
Nosso conhecimento sobre a escravidão na Idade do Ferro Antiga é muito mais preciso do que sobre as instituições nos tempos micênicos da Idade do Bronze, quando ocorreram as grandes invasões vindas do Leste e por mar, e toda a região mergulhou em uma prolongada Idade das Trevas. A Ilíada e a Odisseia esclarecem-nos que a pirataria e o saque de territórios inimigos da Hélade ou de países "bárbaros", assim como o rapto de crianças e mulheres, eram a fonte do mercado de cativos, e atividade bastante rendosa para os traficantes. Nesse contexto pouco havia mudado em relação às eras anteriores. A Ilíada, principalmente, sugere que era comum executarem os homens prisioneiros de forma ritual ou não, e reduzir as mulheres e crianças ao cativeiro. Isso deve-se provavelmente ao perigo para os captores em manter embarcados e alimentar grandes contingentes de homens inimigos em situação saudável, e da dificuldade de sua posterior inserção e controle na atividade produtiva.
Nosso conhecimento sobre a escravidão na Idade do Ferro Antiga é muito mais preciso do que sobre as instituições nos tempos micênicos da Idade do Bronze, quando ocorreram as grandes invasões vindas do Leste e por mar, e toda a região mergulhou em uma prolongada Idade das Trevas. A Ilíada e a Odisseia esclarecem-nos que a pirataria e o saque de territórios inimigos da Hélade ou de países "bárbaros", assim como o rapto de crianças e mulheres, eram a fonte do mercado de cativos, e atividade bastante rendosa para os traficantes. Nesse contexto pouco havia mudado em relação às eras anteriores. A Ilíada, principalmente, sugere que era comum executarem os homens prisioneiros de forma ritual ou não, e reduzir as mulheres e crianças ao cativeiro. Isso deve-se provavelmente ao perigo para os captores em manter embarcados e alimentar grandes contingentes de homens inimigos em situação saudável, e da dificuldade de sua posterior inserção e controle na atividade produtiva.
Platão, como pensavam seus contemporâneos, dava por certo que os
gregos escravizaram aos bárbaros por serem estes seus “inimigos naturais”. E
mesmo não tendo chegado a formular nunca
de maneira explícita o que seria a “escravidão natural”, essa formulação está
implícita em suas ideias. Mas o primeiro autor grego que chega a uma exposição
em regra da teoria da “escravidão natural” é Aristóteles.
Aristóteles define em sua obra "A Politica" as formas
como na Antiguidade o homem poderia se tornar escravo de outro homem. Ele
declara o escravo sujeito ao homem livre, como a matéria ao espírito. Para ele
o escravo é uma “ferramenta animada” (empsychon
organon) A guerra é o principal fato gerador, o povo dominado se torna
escravo do dominador e lhe deve trabalho ou tributo. Os antigos Estados
dirigiam seus esforços para conquistas visando garantir o suprimento da força
de trabalho. Ou então, na paz, o individuo devedor passa a ser tributário
a quem deve, sendo a dívida uma obrigação hereditária e que deve ser ressarcida
por seus descendentes. Essa era a ideologia dominante que pautou as relações de
trabalho, onde quem conquista cativa o trabalho de outrem. Essa visão também é
recorrente dos povos pré-colombianos. Os Aztecas exigiam dos povos dominados
tributos inclusive em guerreiros para serem sacrificados aos deuses para seus
rituais antropofágicos e nos mitos da Grécia Antiga vamos encontrar costumes
semelhantes como é o caso da obrigatoriedade dos atenienses derrotados na
guerra contra Creta enviarem jovens para serem sacrificados ao minotauro no
labirinto, que segundo o mito acaba sendo morto por Teseu, reminiscências de um
costume antropofágico velado entre os egeus. São esses ecos do período
Neolítico europeu que ficaram marcados como fábula dos costumes da ideologia
dos antigos e que davam a base do seu pensamento de usurpação do vencido.
Chegou-se então, com a evolução dos costumes, ao acordo tácito do vencido de
fornecer sua força braçal para satisfazer e enriquecer o vencedor e assim
evitar o devoramento de si e dos seus.
Em Atenas, nos primeiros anos da república, só os senhores
proprietários de terras eram reconhecidos como cidadãos. As famílias dos
eupátridas ( os "bem nascidos") conseguiram, até 507 a. C., dominar a
Corte de Julgamento que ficava situada no alto, na Acrópole e era responsável
em formular as politicas e escolher os arcontes que administravam o estado.
No séc VII a. C. com esse sistema semifeudal de governo, os
camponeses da Ática oprimidos iniciaram uma resistência parecida com a dos
camponeses franceses 2500 anos depois, pois uns poucos proprietários de terras
detinham quase todo o solo segundo Aristóteles, e os agricultores com suas
esposas e filhos, podiam ser vendidos como escravos caso deixassem de pagar os
juros de suas dívidas. Muitos camponeses enfrentavam dificuldades porque
hipotecavam suas terras a juros altos; quando se viam em dificuldades de saldar
suas dívidas buscavam refúgio nas cidades e iam trabalhar como servos dos
agiotas ricos que nada produziam. A incúria com a terra e a miséria no campo
tornou-se tão grave que, para muitos camponeses a guerra parecia ser uma benção
secreta, pois era a chance de conquistar mais terras para colonizar e menos
bocas para alimentar.
Quando o séc. VII a. C. estava a findar, a diferença entre ricos e
pobres tinha chegado em seu apogeu, e Atenas estava a beira de uma rebelião
popular, sem meios de se livrar dos distúrbios constantes e a classe dominante
apostava em um governo despótico para controlar a situação, como afirma
Plutarco. Os mais necessitados começaram a promover uma revolta violenta que
tinha o objetivo de redistribuir a riqueza. Os ricos desafiados em seu poder ,
com suas propriedades ameaçadas e incapazes de cobrar as quantias devidas,
invocaram antigas leis, apoiaram a dura legislação de Drácon (620 a.C.) e se
prepararam para enfrentar a rebelião que ameaçava o "status quo"
daquela ordem e a supremacia da ideologia dominante.
Foi quando surgiu Sólon, um eupátrida de origem pobre, mas que
tinha enriquecido no comércio e era conhecido pela sua integridade. Em 594 a.
C. ainda não completara 45 anos quando foi eleito arconte epônimo pelo Conselho
e com a aprovação de todas as classes e regiões, recebeu poderes ditatoriais
para acabar com o conflito entre as classes, elaborar uma nova constituição e
restabelecer a estabilidade do estado.
Sólon decepcionou os que apostavam na mudança radical e na reforma
agrária, segundo se afirma, essa tentativa teria resultado na guerra civil, no
caos para uma geração e na volta da desigualdade ao final. Com sua famosa Seisachteia (Eliminação dos
Encargos) Sólon cancelou, segundo Aristóteles, "todas as dívidas
existentes, para com pessoas e para com o estado" e, de uma só vez, extinguiu todas
as dívidas da terra, as hipotecas, que oneravam as terra da Ática. Todas as
pessoas escravizadas ou presas por dívidas foram libertadas. As pessoas
vendidas para o exterior como servas foram repatriadas e libertadas; esse tipo
de escravidão foi proibido entre os atenienses daí para adiante. Os ricos
protestaram contra o que acreditavam ser um confisco de direitos, mas em uma
década tornou-se pensamento comum que essas medidas salvaram Atenas de uma
revolta sangrenta.
Os radicais criticaram Sólon por deixar de estabelecer igualdade
de bens e poder enquanto os conservadores o denunciaram por permitir que os
comuns tivessem direito de votar, uma das medidas tomadas em sua constituição,
e de comparecer aos tribunais; e seu amigo Anacharse, um excêntrico sábio cita,
riu da nova constituição, dizendo que a partir de então os sábios precisariam
pleitear e os loucos decidiriam. Além disso, acrescentou, não se pode
estabelecer justiça duradoura para os homens, uma vez que os mais fortes ou os
mais espertos distorcerão qualquer lei em seu próprio benefício. A lei é como
uma teia de aranha: pega as pequenas moscas e deixa escapar os grandes insetos.
Na época áurea de Atenas, dos 315 mil habitantes da Ática, só 43
mil eram cidadãos emancipados, Havia 115 mil escravos. Estes eram cativos entre
os prisioneiros de guerra não resgatados pelos seus concidadãos, através de
ataques em estados não gregos, e entre criminosos comuns. Os negociantes gregos
os compravam e revendiam como mercadorias em Atenas, Corinto, onde
houvesse demanda. Em Atenas (como nos Estados Unidos até 1863 d. C.), havia
mercados onde a escravaria, todos nus, eram examinados pelos compradores e
adquiridos como animais de criação. Até o mais pobre cidadão tinha um escravo;
Esquines, para provar sua pobreza, reclamou que a sua família tinha apenas
sete. Todos os mineiros eram escravos, inclusive os superintendentes e os
engenheiros, e todas as minas e os mineiros da Ática eram propriedade do
estado.
A influência da constituição ateniense na Grécia Antiga foi
fundamental para estabelecer as bases de alguns dos direitos de cidadania ainda
existentes hoje. Na época alguns fizeram queixas contra aqueles que faziam
escravos seus concidadãos; diziam que os deuses haviam se irritado contra os
habitantes de Quios, por terem sido esses povos os primeiros a violar pela
pirataria os direitos recíprocos da raça helênica; os lacedemônios incorreram
em censura, por haverem oprimido os messênios, também helenos: porém nenhum
povo os admoestou por haverem aviltado ainda mais cruelmente os ilotas, antiga
etnia pelásgica por eles subjugada. Aquele que não é forte acaba oprimido.
A constituição espartana, que era atribuída ao seu legislador
Licurgo, dispunha sobre o governo que mantivesse as tradições dos seus
antepassados indo-arianos, os invasores dórios que impuseram sua presença no
Peloponeso. Em lugar de um rei, tinham dois como mandava a tradição, que
representavam diferentes clãs de antiguidade reconhecida. Esses monarcas
entretanto gozavam de poderes limitados pelos seus pares, de caráter
exclusivamente marcial ou religioso. Constituíam o verdadeiro poder com os dois
reis, um conselho de vinte e oito anciões, com mais de sessenta anos. Esse
conselho de nobres administrava e supervisionava os assuntos que eram levados
para deliberação pela assembleia e funcionava como tribunal supremo nos
processo criminais. O terceiro órgão, a assembleia, aprovava ou rejeitava as
propostas do conselho e elegia todos os funcionários, com exceção dos reis. A
mais alta autoridade de poder entretanto era composta por um conselho de cinco
membros denominado éforos que exerciam efetivamente o governo. Eles presidiam o
conselho e a assembleia e controlavam o sistema educacional e a distribuição
das propriedades, censuravam as vidas dos cidadãos, e exerciam direito de veto
sobre toda a legislação. Tinham poder para determinar o destino dos nascituros,
iniciar ações judiciais junto ao conselho e até depor os reis, se os
prognósticos religiosos fossem desfavoráveis. Devemos lembrar que na
antiguidade um rei que perdia sua "fortuna" poderia ser imolado para
entronização de outro mais jovem. Assim a estrutura de governo espartano
mantinha a tradição oligárquica comum dos povos tribais indo-arianos em relação
a sucessão no poder. Apesar de gozarem de um mandato curto de um ano, poderiam
ser eleitos indefinidamente e desfrutavam de pleno controle de todos as
ramificações do sistema e da ideologia vigente. Além disso sequer a assembleia
possuía uma estrutura democrática. Somente uma pequena parcela dos cidadãos
tinha o direito de participar de suas deliberações. Só aqueles que tivessem
condições de renda para possuir equipamento de infantaria para preencher as
fileiras de hoplitas podiam participar das decisões em uma sociedade
absolutamente militarista.
A população da Lacedemônia, como era conhecida a nação espartana,
ao atingir o seu principal crescimento contava com mais ou menos 400.000
habitantes divididos em três classes. A classe dominante era formada pelos
esparciatas, descendentes diretos dos primeiros conquistadores. Embora nunca
excedessem 20% do total da população detinham todos os privilégios políticos.
Em seguida vinham os periecos, isto é, "os que habitavam ao redor".
Sua origem é incerta, mas é provável que compunham povos que em determinada
época tinham sido aliados dos espartanos, ou a eles tinham se submetido
espontaneamente. Em retribuição tinham o direito de comerciar e dedicar-se à
manufatura de produtos necessários à sociedade. No ponto mais baixo da escala
social estavam os ilotas ou servos da gleba, desprezados e perseguidos pelos
seus amos.
Das classes mencionadas só os periecos gozavam de apreciável
liberdade e algum conforto. Apesar dos ilotas não viverem em absoluta miséria,
pois detinham os meios de produção agrária e conseguiam conservar boa parte da
colheita que produziam nas terras dos amos, eram tratados de maneira vergonhosa
e mantinham os espartanos sufocada de forma permanente a revolta. Em certos
festejos obrigavam-nos a fazer cenas de bebedeiras e comportamentos libidinosos
a vista de todos, em danças lascivas, para servirem de exemplo aos jovens das
classes dominantes para evitarem tais comportamentos. No começo de cada ano,
conforme registrou Aristóteles, os éforos declaravam guerra aos ilotas, como um
ritual antropofágico sazonal velado, quando aproveitavam para dar fim a
qualquer integrante dessa etnia que pudesse vir ameaçar a estrutura ideológica vigente
da sociedade na pretensão da legalidade ao assassinato imposto, no vestígio da
suspeita de qualquer deslealdade.
Já os espartanos viviam desde a mais tenra idade em regime de
absoluta disciplina marcial. Eram condicionados a abrirem mão de seus
interesses individuais em prol da máquina de guerra e sua educação
restringia-se quase que exclusivamente aos exercícios e às manobras militares,
e eram enrijecidos para a guerra por açoites disciplinares, caso descumprissem
suas obrigações, o que forjava uma classe talhada pela vida da caserna. Entre
os vinte aos sessenta anos ficavam os cidadãos à disposição da nação espartana.
Embora o casamento fosse obrigatório, não era permitida a vida familiar.
A instituição da escravidão, na sua evolução da tribo para a
cidade-estado na Antiguidade se deve antes de tudo a um acomodamento entre
vencedor e vencido sendo que esse devia proporcionar para aquele a mão de obra cativa para preencher as
fileiras na guerra e plantio visando a garantia precária da sobrevivência do
servo e de sua família, e a subsistência e logística de seus senhores e assim
evitar que ele ou os seus acabarem servindo de repasto para o vencedor ou serem
imolados em sacrifício aos deuses dominantes. É o excedente de sua produção agrícola
que garante a existência dele na terra conquistada pelos estrangeiros e a
apropriação da sua produção pelo vencedor serve para garantir a manutenção dos
exércitos conquistadores em funcionamento e a abastança da cidade-estado, que
nada produz de alimento, num ciclo interminável de saque e apresamento de mais
mãos.
De acordo com os dados históricos existentes, após a morte de
Alexandre Magno (323 a.C.) , o império herdado por seus generais atravessou um
período de prosperidade no seu início de pelo menos dois séculos. Os ideais
gregos de cidadania foram suplantados pela ideologia Oriental baseada na
tradição do despotismo monárquico, afirmam os estudiosos, no mandato divino e na
deificação do monarca. Sérias crises sucessivas se seguiram pelo colapso da
falsa prosperidade obtida pela especulação desmedida e o excesso de circulação
do meio circulante metálico: verdadeira enxurrada de moedas de ouro e prata do
tesouro persa que inundaram o mercado. O resultado final do incremento dos
negócios em larga escala no comércio e indústria foi o desenvolvimento das
finanças, sendo o estado o principal capitalista e empresário. Os lucros
auferidos pelo governo, e até mesmo por alguns comerciantes, alcançaram às
vezes 20 a 30%
A agricultura também sofreu
com a concentração da propriedade agrária e a degradação da população agrícola.
Uma das primeiras medidas adotadas pelos sucessores de Alexandre foi confiscar
as fazendas dos grandes proprietários e adicioná-las ao domínio real. A terra
adquirida desse modo era concedida aos favoritos do rei ou arrendada em
condições extremamente favoráveis à coroa. Aos rendeiros, em geral, era vedado
abandonar as terras antes de finda a colheita e não podiam vender a safra até
que o rei tivesse tido oportunidade de vender a parte que recebera pelo
arrendamento , ao mais alto preço que o mercado poderia oferecer. Quando alguns
rendeiros entravam em greve ou tentavam fugir, eram adstringidos à gleba como
servos hereditários. Muitos pequenos lavradores independentes tornaram-se
também servos ao se atolarem em dívidas, dada a incapacidade de competir com a
produção em larga escala da força cativa.
A real prosperidade se restringia primordialmente aos monarcas e
às classes dominantes e mercadores. O mesmo não aconteceu aos camponeses e
operários das cidades. O salário diário de especialistas ou não caiu no séc III
a. C. a um terço e a metade do que todos os operários na época de Péricles
ganhavam. Por outro lado o custo de vida subiu consideravelmente. Para agravar
ainda mais o quadro o desemprego nas grandes cidades tornou-se um problema tão sério que o governo teve que distribuir trigo
gratuitamente a muitos habitantes. A escravidão aos poucos declinou no mundo
helenístico, em parte devido a influência da filosofia estóica, mas
principalmente por serem os salários tão baixos que era mais barato contratar
um operário livre do que comprar e manter um escravo.
O êxodo para as grandes metrópoles foi uma das consequências desse
período. A despeito da maioria da população residir no campo, as condições de
vida nas cidades atraíram grandes contingentes, onde, se não era mais fácil a
vida, poderia ser pelo menos mais interessante. A expansão da indústria e
comércio, o aumento da administração estatal, e o desejo do trabalhador braçal
em fugir da servidão causou esse afluxo. As cidades multiplicaram-se e
cresceram nos impérios helenísticos, quase tão rapidamente quanto na América no
séc. XIX. Algumas delas se transformaram em metrópoles da noite para o dia.
Antioquia, na Síria, quadruplicou sua população em um século. Selêucia, no
Tigre, surgiu do nada e atingiu o tamanho de uma grande cidade com muitas
centenas de milhares de habitantes em menos de dois séculos. A maior e mais
famosa de todas as cidades helenísticas foi Alexandria, no Egito com muito mais
de 500.000 habitantes, possivelmente com quase 1.000.000. Nenhuma outra cidade
do mundo Antigo, nem mesmo Roma suplantou seu tamanho e esplendor. Suas ruas
eram bem pavimentadas e traçadas regularmente. Possuía esplendidos prédios e
parques públicos, um museu e uma biblioteca com 750.000 volumes. Foi o mais
importante centro da cultura helenística, principalmente no campo da pesquisa
científica. No entanto a grande massa formava uma multidão infeliz, sem nenhuma
participação efetiva na vida brilhante e luxuosa levada pela classe dominante à
sua volta, muito embora fossem as elites custeadas pelo trabalho da maioria.
A cunhagem de metais para estabelecer trocas já era conhecida
entre os antigos celtas, conforme as referências históricas registradas por
Julio Cezar. Na ilha da Grã- Bretanha os senhores utilizavam-se de lingotes de
ouro de peso fixo como unidades de valor, assim como moedas de ouro e de
bronze. Tem sido confirmados os registros pela descoberta de "barras
pecuniárias" de ferro. Estas longas tiras de ferro, com uma ponta dobrada
ao meio sobre o eixo maior, lembram folhas de espada e podem de fato
considerar-se como lâminas de espada ainda em bruto. Essas barras pecuniárias
obedecem a uma distribuição seletiva na Grã Bretanha, e não há dúvida de que,
fora das áreas das moedas e barras pecuniárias e em tempos mais antigos (pois
nenhuma delas é anterior a fins do séc. II a.C.), a unidade de valor era ainda
de outro gênero. Sobre esse ponto, a filologia e os textos irlandeses fornecem
informações úteis, como base universal da cultura indo-ariana do pastoreio, o padrão
de valor mais antigo era constituído pelo gado (res). Na Irlanda
utilizaram como padrão unidades de valor referidas a seis vitelas ou três vacas
leiteiras, a que veio a equivaler, a uma escrava (cumal). O termo cumal generalizou-se muito para avaliar um
carro ou um lote de terras. A escolha de escravas para este efeito leva a
pensar que, em determinada altura, elas tenham constituído fundos por si
mesmas, diretamente negociáveis, e acredita-se que a influencia externa do
dominador romano e seu mercado de escravos esteja na origem da evolução dessa
transação.
Roma dependia do trabalho escravo e os mantinha em grande
quantidade. Uma parte era resultado das muitas guerras, havia alguns que se
vendiam pessoalmente, outros eram vendidos pelos seus credores, ou em virtude
da lei (servi poenai) ; outros era nascidos na casa (vernae), ou
eram recolhidos ainda pequenos. Quando as conquistas da república se estenderam
pela Europa, pela Grécia e Sicília, trouxeram também cativos instruídos. O
número ampliou-se com as guerra contra Cartago, com a Ilíria e contra os
gauleses. A lei romana calculava com precisão o valor de um escravo e as
indenizações a pagar pela sua perda ou deterioração. A legislação determinava: (210) "Nos termos do
primeiro capitulo da lei Aquilia, aquele que sem direito mata um homem ou um
quadrupede doméstico, pertencente a outros, pagará ao dono o maior valor desse
objeto num ano.- (212) Não se deve só atender o valor corporal, mas também ao
prejuízo sofrido pelo proprietário, perdendo o seu escravo, se este prejuízo
for maior que o valor deste. Se o meu escravo
for instituído herdeiro, e for morto antes de ter, por minha ordem,
aceitado a herança, é preciso alem do valor, pagar-me a herança perdida. Assim
como, no caso, em que dois gêmeos, de dois músicos, ou de dois cômicos, viessem
a matar um, deve avaliar-se não só o valor da sua morte, mas também a
depreciação, que sua morte trás para o sobrevivente, como quando se mata uma
mula de um tiro, ou um cavalo de uma quadriga (213) Aquele, a quem tiverem
morto o escravo, pode escolher entre a ação pela via criminal ou aquela em
repetição de indenização, em virtude da lei Aquilia."
Compravam-se os escravos nos mercados, onde eram trazidos por piratas, ou negociantes especuladores, que os tornavam cativos por todos os meios. Delos foi um dos principais mercados, onde debaixo da proteção dos deuses vendiam-se milhares de seres humanos de várias origens. No seu mercado em um só dia foram vendidos 10 mil. Em 177 a. C. , 40 mil sardos, e, em 167 a. C., 150 mil epirotas foram capturados pelos exércitos romanos e vendidos por um dólar cada. A Frígia, na Capadócia fornecia o maior número. Os raptados a uma nação independente eram preferidos, visto que os costumes de liberdade conservavam neles uma vivacidade que se extinguia na escravidão. Os celtiberos, naturais da Espanha, tinham menos valor, porque costumavam livrar-se do cativeiro pela morte. Na Sicília um copeiro valia menos que uma taça. Os frígios lascivos e as engraçadas milesianas vendiam-se, ao contrário, por altos valores podendo custar até dois mil e oitocentos francos enquanto na Gália, na Trácia, ou na África comprava-se uma jovem por sal ou vinho. Os escravos estavam expostos no mercado numa grande barraca (catasta) de muitos compartimentos, semelhantes a gaiolas, onde ficavam nus e com as mãos atadas e com um rótulo na fronte onde ficavam escritas as suas boas ou más qualidades. Distinguiam-se os que provinham da Ásia pelas marcas de giz nos pés. Como uma mercadoria ficavam expostos em galerias interiores. Os escravos estrangeiros, de quem não se podia garantir a docilidade eram oferecidos com os pés e as mãos atadas.
O comprador interessado dirigia-se até a praça e declarava ao
negociante o tipo de escravo que necessitava, para os trabalhos nos campos,
moinhos, para realizar os registros, para uso doméstico ou sexual ou para
educar aos filhos. Ele olha os homens e mulheres expostos, os toca, examina a
força e a inteligência enquanto o vendedor destaca as qualidades ou menciona os
defeitos do escolhido, se é dado a fugas, se não é preguiçoso ou violento.
Estabeleceu-se com o tempo uma tabela conforme a idade e a profissão: um médico
custava sessenta soldos de ouro, trinta, um eunuco de menos de dez anos de
idade e cinquenta acima dessa idade.
Os ilustres cidadãos romanos os tinham aos milhares para
diferentes usos e especulação. Catão comprava os débeis e ignorantes e depois
tornava a vende-los depois de torná-los robustos e hábeis. Pompônio Atico tinha
predileção de torná-los literatos. Alguns se tornavam conselheiros dos amos,
pois o sistema escravista era a ideologia dominante que criava uma dependência
mútua, mas na maioria das vezes eram tratados de forma ignóbil e ocupavam as
funções que os libertos se negavam a cumprir. Caso o amo fosse assassinado pelo
escravo todos os demais da casa eram supliciados para dar o exemplo. Eram
obrigados a satisfazer todos os prazeres dos seus donos. Fechavam-nos no
ergastulum, prisão onde homens e mulheres eram confinados para dormir sobre a
palha ou no chão. Promoviam lutas entre os mais fortes e quando acabava a
disputa mandavam embora dizendo-lhes: "Afasta-te, miserável, para que teu
sangue não manche minha túnica".
Os escravos velhos ou com alguma doença incurável eram levados
para a ilha de Esculápio onde eram abandonados e deixados morrer sem socorro. O
imperador Claudio mandou declarar livre o escravo nessas condições. Então os
senhores os mataram, mas tiveram posteriormente que responder pelos seus
crimes.
A classe ativa era composta inteiramente por escravos, sem direito
algum, excluídos da lei civil e humana. Os escritores e os homens de estado da
época consideravam o trabalho e a indústria como coisas ignóbeis e desonrosas.
Xenofonte diz que o homem, condenado ao trabalho, não tem tempo para fazer alguma
coisa para sí, ou para a República e torna-se um mau cidadão e um mau defensor
da pátria. Cícero acha vergonhosas e indignas de um homem livre todas as
profissões trabalhosas; excetua com dificuldade, as mais elevadas, como a
medicina e a arquitetura; ele só tolera o comércio se esse produz lucros
consideráveis. Nem mesmo a agricultura, a arte dos Cônsules e Ditadores da
antiga Roma proporcionava prestigio aos envolvidos na tarefa.
Varrão classifica os instrumentos da agricultura em vocais,
semivocais e mudos, isto é, os escravos, os animais e as coisas inanimadas.
Aristóteles diz que o boi serve de escravos para os pobres; Catão, que para
cultivar quarenta jeiras de terras plantadas de oliveiras, é preciso três
escravos, três bois e quatro burros. Os escravos exploram as minas, trabalham
nas oficinas, são alugados para as construções; são propriedade dos templos,
das cidades e das corporações. Executam as ordens dos magistrados, limpam os
aquedutos, reparam as estradas, os prédios, remam nas galés, são empregados no
apoio dos exércitos como máquinas para o socorro mecânico, instrumentos
necessários, mas de pouco valor individual. Cada pedra, calçamento, viga ou
capitéu ainda existente na Roma contemporânea é um testemunho silencioso do
trabalho dessas pessoas arrancadas do seio da família, sem direitos, sem
compaixão e sem glória
A ideologia dominante no Império Romano, portanto foi a de
apropriação da mais valia do trabalho escravo e da promoção do ideal do ócio
como condição respeitável da classe dominante. Nesse quadro do cotidiano na
época podemos estabelecer uma confrontação entre a figura histórica de
Spartacus, tal qual ela chegou até nossa época e o personagem histriônico do
Satiricon, o escravo liberto Trimalchio, que se refestela em portentoso
banquete em sua habitação onde os inúmeros convivas comem as mais exóticas
iguarias por conta dele enquanto são obrigados a escutá-lo declamar
"poesias" de sua pretensa autoria para garantir a boca livre.
Alguns autores contemporâneos pretendem desmistificar o aspecto de
luta de classes na revolta dos escravos romanos chefiada por Spartacus.
Mergulhado em um mundo de violência absoluta, onde o pater familias tinha direito de vida e morte sobre
seus escravos não é de espantar que o gladiador em pouco tempo conseguisse
reunir a sua volta um verdadeiro exército. Mas ele só encontrou receptividade
em sua luta desesperada de libertação entre os escravos que trabalhavam nos
campos e nas minas e muito pouco dos escravos "de dentro", segundo dizem,
sem nunca obter apoio daqueles que viviam nas urbes em proximidade com seus
amos com quem dividiam o poder e a administração de suas riquezas, onde a
figura caricata de Trimalchio, do Satiricon expressa no personagem os anseios
dessa casta que buscava se identificar com seus amos com precisão. Nas cidades,
a sorte do escravo era mitigada pelo contato com o patrão, seu
"proprietário", mas, nos latifúndios, o escravo raramente tinha
contato com o "dono", e as recompensas do feitor dependiam do lucro
que obtinha com o trabalho dos cativos, que não recebiam incentivo algum fora
as sevicias e chibatadas regulares no lombo ou o medo cotidiano de ser
enclausurado no ergastulum, prisão subterrânea comum nas
grandes plantações.
De vez em quando ocorriam revoltas de escravos nos campos, como na
primeira guerra servil de 139 a.C., que não foi a primeira, e depois em 73-71
a.C. comandada por Espártacus, que não foi o último escravo a morrer numa
revolta. Quando sua memorável rebelião foi vencida pelos seus algozes, o maior
poder da época, 6 mil prisioneiros foram crucificados ao longo da Via Ápia, de
Roma a Cápua. Os corpos dos cativos ficaram pendurados para apodrecer durante
meses, como advertência, para aliviar os senhores e admoestar os escravos. Mas
enquanto Spartacus viveu sua saga na revolta dos escravos nos primórdios da
expansão da república, quando o escravismo se encontrava em expansão, a obra de
Petrônio foi criada no período imperial sob a égide de Nero, onde o escravismo estava
em plena crise e para desonerar o estado o mandatário havia mandado libertar
milhares de escravos e tinha promovido a libertação de outros, de particulares,
o que retrata de forma magistral o Satiricon.
A revolta comandada por Espártacus marcou o fim dos grandes movimentos de escravos conhecido por Roma. Os senhores romanos, no período imperial, desenvolveram verdadeiro programa repressivo e ideologico, a fim de prevenir grandes insurreições dos cativos. O que, de nenhum modo, impediu que pequenas e médias conspirações tenham ocorrido nos primeiros séculos de nossa era.
A revolta comandada por Espártacus marcou o fim dos grandes movimentos de escravos conhecido por Roma. Os senhores romanos, no período imperial, desenvolveram verdadeiro programa repressivo e ideologico, a fim de prevenir grandes insurreições dos cativos. O que, de nenhum modo, impediu que pequenas e médias conspirações tenham ocorrido nos primeiros séculos de nossa era.
Ainda no período republicano de Roma a efervescência social e politica
era grande graças a numerosa quantidade de plebeus que não dispunham de bens e
terras e que não tinham trabalho já que os escravos cativos nas campanhas
militares preenchiam as ocupações existentes. Alguns fatores fomentaram a revolução.
A importação de grãos a preço inferior, produzidos por escravos nas províncias,
arruinou os agricultores livres da Itália, forçando-os a vender sua produção
abaixo do valor de custo. A substituição de propriedades familiares por grandes
plantações com mão de obra escrava de proprietários que eram senadores e homens
de negócio da elite romana provocou o êxodo de grandes contingentes de homens
livres dos campos para se juntarem ao proletariado da cidade. Ali ele assistia
aos jogos por conta do Estado, recebia do governo um donativo de milho, vendia
seu voto para quem oferecesse um lance maior e se misturava ao povo anônimo da
cidade onde a vida ociosa era mais vantajosa do que competir com o trabalho dos
escravos cada vez mais importante e menos dispendioso para os ricos senhores.
O primeiro período da luta de classes iniciou-se com a revolta dos
Graco. Os dois irmãos eram os principais campeões dos lavradores sem terra contra a
aristocracia senatorial, mas tinham também conseguido adeptos entre a classe
média de Roma. Educados numa atmosfera de literatura e filosofia, Tibério e
Caio Graco, de origem patrícia, conheciam as especulações do pensamento grego e
os problemas do governo romano. Tibério Semprônio Graco (162?-133 a.C.) era
personagem destinado à grandeza. Viajando pela península Tibério pode perceber
a penúria em que viviam os camponeses livres. Eleito tribuno da plebe em 133
a.C. persuadiu a assembleia para sua proposta de reforma agrária: 1) que nenhum
cidadão tivesse mais de 333 acres de terra, ou, se tivesse dois filhos, 667
comprados ou alugados do estado;2) que todas as outras terras públicas que
haviam sido vendidas ou arrendadas a indivíduos particulares fossem devolvidas
ao Estado pelo preço de compra ou aluguel, acrescidos de uma bonificação pelas
melhorias feitas;3) que as terras devolvidas fossem divididas em lotes de vinte
acres entre os cidadãos pobres, com a condição que não pudessem ser vendidos e
que pagassem um imposto anual ao Tesouro. Diante da assembleia composta por
plebeus empobrecidos defendeu os interesses da classe:
“Os animais do campo e os pássaros do ar
tem a suas tocas e os seus esconderijos, porem os homens que lutam e morrem
pela Itália desfrutam apenas da luz e do ar. Os nossos generais conclamam os
soldados a lutarem em defesa dos túmulos e santuários dos seus antepassados . O
apelo é inútil e vão. Não podeis apontar um altar paterno. Não tendes um túmulo
ancestral. Lutais e morreis para propiciar a outros riqueza e luxo. Sois
chamados de senhores do mundo, mas não tendes um pedaço de chão que seja
vosso”.
O senado tentou vetar a lei e usou Otávio, outro tribuno, para
vetar as propostas para que não fossem submetidas à Assembleia. Tibério
percebeu que qualquer tribuno que impedisse a votação seria deposto. A Assembleia
aprovou a medida e Otávio foi retirado a força do banco dos tribunos pelos
lictores de Tibério. As propostas foram transformadas em lei e Tibério foi
conduzido a sua casa por uma escolta, já que temiam pela sua segurança.
A forma ilegal que ele utilizou para derrotar o veto tribunício
serviu de argumento para seus inimigos. Declararam a ilegalidade de seus atos e
denunciaram suas intenções como tentativa de se perpetuar no poder. Antes que a
lei pudesse ser executada expirou o mandato de Tibério como tribuno. Portanto
resolveu candidatar-se à reeleição o que contrariava a legislação romana que
limitava o mandato dos magistrados a um ano. Esse ato ilegal serviu de pretexto
ao uso da violência por parte do senado.
Quando chegou o dia da eleição, Tibério apareceu no Fórum com
guardas armados e vestido de luto, querendo fazer crer aos demais que a derrota
no pleito significaria seu impedimento e também seu funeral. No decorrer da
votação a violência irrompeu dos dois lados. Cipião Nasica, gritando que
Tibério queria coroar-se rei liderou um grupo de senadores armados com porretes
Fórum adentro. Os defensores de Tibério recuaram com medo das vestes patrícias.
Ele foi morto com um golpe na cabeça e trezentos dos seus seguidores foram
chacinados por clientes e escravos da aristocracia. Quando seu irmão mais
jovem, Caio, pediu permissão para enterrá-lo, recebeu a recusa e os corpos dos
rebeldes mortos foram todos lançados no Tibre.
Nove anos depois, Caio Graco, o irmão mais jovem de Tibério,
renovou a luta pelos desprotegidos. Eleito tribuno em 124 a. C., fez passar uma
lei que determinava a distribuição mensal de trigo ao povo da cidade, pela
metade do preço do mercado. Suas propostas visavam obter o apoio de diversas
classes: o campesinato, ao tentar ressuscitar as ideias de distribuição de
terras estatais do irmão; a classe média, ao estabelecer novas colônias – em
Narbo, Cápua, Tarento e Caratago e torná-las prósperos centros de comércio e as
massas urbanas com a distribuição de trigo barato. Enriqueceu os construtores
de obras públicas e reduziu o desemprego com um programa de construção de
estradas em toda a Itália.
Com esses apoios variados conseguiu reeleger-se para o mandato em
124 a.C. Mas quando propôs estender esses privilégios a todos os homens livres
do Lácio, estado do qual Roma era a capital, e privilégios parciais a todos os homens livres da
península itálica, a Assembleia, ciosa de suas prerrogativas, contestou. Quando
um ano depois tentou reeleger-se para um terceiro mandato, fazendo pouco da
tradição, foi derrotado. Alguns dos seus seguidores acusaram a fraude da
eleição. Caio desaconselhou a violência e retirou-se para a vida privada.
O senado, que tinha até então ficado impotente pelo clamor da
população, reassumiu suas prerrogativas e reconquistou parte do poder. No ano
121 a.C. propôs o abandono da colônia de Cartago; todas as facções
interpretaram esse movimento como uma forma de desgastar as leis dos Graco.
Alguns partidários de Caio foram à Assembleia armados: um deles matou um
conservador enviado para prender Caio. Como se recusasse submeter-se ao
julgamento do senado foi proclamado contra ele o estado de guerra. No dia
seguinte, os senadores apareceram vestidos para a guerra, cada qual com dois
escravos armados, e atacaram os representantes da plebe, entrincheirados no
monte Aventino. Caio tentou evitar a violência. Ao fracassar fugiu pelo rio
Tibre; alcançado ordenou ao seu escravo que o matasse; o escravo obedeceu e
depois se matou. Um amigo decepou a cabeça de Caio, encheu-a de chumbo
derretido e entregou-a ao senado que havia prometido pagar o seu peso em ouro.
Dos partidários de Caio, 250 morreram na luta, trezentos outros foram
condenados à morte pelo senado. A multidão não protestou quando seu corpo e dos
seus seguidores foram lançados ao rio; estavam ocupados em saquear-lhe a casa.
Os senadores proibiram que Cornélia, sua mãe, vestisse o luto.
A dificuldade do Império Romano em aplicar as ideias dos irmãos
Graco, seu conservadorismo em adotar políticas de reforma agrária e incentivo a
produção do homem livre, em longo prazo, iriam determinar a sua queda. Não
foram, como se ensina nas escolas, as hostes de bárbaros que destruíram o
império, mas a dificuldade de seus dirigentes em reformar as estruturas da
sociedade escravista. A chegada dos povos do leste europeu trouxeram vantagens
econômicas de curto prazo. A dificuldade em atrair novos contingentes de
escravos de baixo custo e o alto custo na sua procriação dentro da economia.
Para compreender esse processo devemos recordar que a criação implicava grandes
perdas de trabalho: 1) O processo de criação determina melhores condições de
vida dos trabalhadores em seu conjunto; 2) As matrizes trabalhavam menos em
seus períodos de gestação e lactância; 3) Na época existiam altas taxas de
mortalidade materna e infantil.
Temos algumas informações sobre o grande latifúndio agrícola que trabalhava com centenas de escravos acorrentados. Os teóricos romanos do agronegócio geralmente relacionavam suas desvantagens: era necessário grande número de feitores para organizar o trabalho dos cativos e mantê-los submissos. Estavam também de acordo sobre a baixa produtividade e rentabilidade destas atividades. A exploração do plantio de cereais com mão de obra escrava não exigem um trabalho continuo. Era, portanto, indispensável manter alimentados os escravos nos periodos entre uma safra e outra. A adoção do latifúndio escravista levou à decadência do modelo agrícola do Império que, na sua decadência, viu-se obrigado a reformular a exploração da mão de obra do campo.
Temos algumas informações sobre o grande latifúndio agrícola que trabalhava com centenas de escravos acorrentados. Os teóricos romanos do agronegócio geralmente relacionavam suas desvantagens: era necessário grande número de feitores para organizar o trabalho dos cativos e mantê-los submissos. Estavam também de acordo sobre a baixa produtividade e rentabilidade destas atividades. A exploração do plantio de cereais com mão de obra escrava não exigem um trabalho continuo. Era, portanto, indispensável manter alimentados os escravos nos periodos entre uma safra e outra. A adoção do latifúndio escravista levou à decadência do modelo agrícola do Império que, na sua decadência, viu-se obrigado a reformular a exploração da mão de obra do campo.
A imensa maioria dos bárbaros que chegaram ao Império, depois de terem se rendido aos generais romanos, ou de haverem sido capturados por eles, depois
foram estabelecer assentamentos em zonas despovoadas ou fazendas imperiais na
condição de colonos, por contratos, voluntariamente, como proprietários ou por
enfiteuse. Provavelmente quando se concedia terras a um rei ou chefe tribal, a
condição dos indivíduos poderia variar muito: o chefe e alguns dos seus
seguidores próximos se convertiam em proprietários e arrendariam parcelas aos
mais humildes. É de supor que as terras ficavam sujeitas aos impostos imperiais
e que esses contingentes ficavam a disposição para o serviço militar quando
necessário. Todos esses assentamentos, aonde os recém-chegados passavam a serem
colonos proporcionavam recrutas para o exército, como força de trabalho adulta,
cujos custos de produção não recaiam na economia interna do Império.
Muito tem se discutido sobre as defecções de populações do Império
Romano que passaram para o lado dos invasores bárbaros. É sabido que uma grande
quantidade de bárbaros, principalmente germanos, alcançaram posições elevadas
no Império Romano, graças aos serviços prestados ao exército durante o séc. IV
e ainda depois dessa época. A imensa maioria destes generais “bárbaros” se
mostrou completamente leal a Roma. Conhecem-se poucos casos de traição e muitos
deles se consideravam romanos e aceitavam os pontos de vista da classe
dominante romana.
Mas existem suficientes testemunhos (desde o séc. II ao VII),
tanto nas regiões ocidentais quanto nas orientais do Império evidenciando que a
atitude das classes baixas ante os bárbaros não foi nunca, em absoluto, de
temor ou hostilidade. Pelo contrário: as incursões de povos do além Reno, por
mais destrutivas que fossem principalmente para os proprietários e residentes
nas cidades enriquecidas pelo comércio, foram recebidas muitas vezes com
indiferença e em mais de uma ocasião com complacência e cooperação, especialmente
por parte do proletariado pobre, desesperadamente sufocado pelos impostos.
Existem testemunhos inclusive de pequenos proprietários que eram vítimas da
injustiça e da corrupção do sistema imperial que declararam como se passaram
para o lado dos invasores.
Esta situação deve ser relacionada com as revoltas camponesas que
se produziram paralelamente na Galia e Hispania. Com exceção das disputas pelo
poder imperial onde as lutas de classe não desempenharam papel importante,
tendo sido promovidas pela classe governante e se decidiram com o poderio
armado através da ameaça ou utilização efetiva. Outra diferença a ser
ressaltada é entre revoltas efetivas e bandoleirismo contumaz.
Existem documentos em relação ao comportamento dos escravos do
Império passando para o campo dos bárbaros. Durante o primeiro assédio de Roma
pelo visigodo Alarico, no inverno de 408
a 409 d.C., praticamente todos os
escravos de Roma (40.000)
evadiram-se ao campo dos godos. Existem fontes tanto gregas quanto latinas que
afirmam que os habitantes do Império Romano desejavam efetivamente a chegada
dos bárbaros como principal fator da alta carga tributária.
Existem, por outro lado, pouquíssimas pistas de resistência
espontânea às incursões bárbaras por parte dos camponeses e dos habitantes das
cidades, ou de defesa entusiasta das cidades pelos seus habitantes.
Valendo por todos os registros da época referente a corrupção desenfreada
do Império o testemunho do historiador e diplomata Prisco que coloca na boca de
um personagem anônimo, mas procedente da Grécia, o qual se passou para os
“bárbaros”, ficando a viver entre eles e estava acantonado no acampamento de
Átila, pelo ano de 449 d.C.:
“Homens sem princípios agora cometem todos os tipos de iniquidades, pois as leis não valem iguais para todos (...) Quem as transgride não recebe nenhum castigo pela injustiça cometida, mas se é pobre e não entende de negócios tem que pagar pelo delito; isso se não morre antes que se produza o juízo, pois o processo legal se arrasta indefinidamente e se gastará nele grandes quantias de dinheiro. O cumulo dessa situação miserável é ter que pagar para conseguir satisfação, pois ninguém celebrará uma audiência em favor de uma vitima da iniquidade sem a paga dos juízes.”
Quando os hunos invadiram o Ocidente em 376 d.C. conquistaram os mais terríveis inimigos dos romanos. Essa tribo de selvagens cavaleiros vindos da
Ásia derrotaram os temíveis godos e alanos que viviam do outro lado do Danúbio.
Roma que vivia então na época uma decadência do seu poderio militar temia em
particular o Reino Ostrogodo, uma confederação de tribos germânicas que se
estendia do rio Don até o Deniester e do Mar Negro até os pântanos Pripet. Para
surpresa do Império Romano chegaram notícias que os godos haviam sido
aniquilados e que seu rei, Ermanarich, havia cometido suicídio. A vitória dos
hunos sobre os alanos foi ainda mais arrasadora. Tendo subjugado os godos
orientais (ostrogodos), os hunos passaram a atacar seus parentes ocidentais, os
visigodos. Empurrados pelos invasores, os visigodos atravessaram o Danúbio em
grande quantidade. Cerca de 200 mil, conforme informam os registros da época,
atingiram Adrianópolis, desbarataram um exército romano e devastaram a
província da Panônia.
Os hunos eram pastores nômades, praticavam a caça e não exerciam a
agricultura. Cada família ocupava uma barraca, entre seis e dez barracas
formavam um acampamento, vários deles formavam um clã. Havia dez clãs para cada
tribo, portanto cada tribo tinha talvez cinco mil pessoas que correspondia a
1200 guerreiros aproximadamente divididos em pequenos grupos, acampamentos com
trinta pessoas, o que permitia mais mobilidade para sair à caça de
forragem para os animais de tiro, ou alimento para os combatentes e seus
familiares. Seus movimentos militares eram autônomos e pouco dependiam de um
governo central. Estavam em constante busca de subsistência, a fome era uma
parceira frequente em suas andanças desde os primórdios e não existia um
excedente de produção para a formação de uma classe privilegiada ou desocupada
nobre. Dizia-se que sacrificavam os idosos, até mesmo os pais, para os deuses
para não ter bocas inúteis para alimentar. Nem havia escravos domésticos; seus
únicos escravos eram os capturados em campanhas. Suas lideranças só eram
efetivas nos períodos de guerras, onde valia a experiência e reputação
guerreira para garantir o comando. Seus conselhos de chefes tinham uma
particularidade, faziam as discussões e deliberações sempre montados em seus
cavalos.
A grande confederação que derrotou os alanos e os godos se desfez
logo depois, como era costume entre os povos das estepes. Mas o feito militar
deu inicio a um processo importante na história dos hunos, pois obrigou os
ostrogodos a tornarem-se seus tributários. Foi decisiva sua mudança dos mares
Aral e Cáspio para as terras a oeste do Mar Negro; antes haviam derrotado os
alanos ao leste, mas desde o inicio do séc V, os ostrogodos da Ucrânia eram
seus subalternos. Outro acontecimento decisivo foi quando deixaram essas
regiões e fizeram suas bases nas planícies da atual Hungria, onde as pastagens
para suas montarias eram fartas. Como eram bons combatentes e exímios
agricultores, os ostrogodos garantiam os excedentes de produção necessários
para os hunos poderem manter a logística de suas campanhas militares contra
Roma e Bizâncio. Nos combates os ostrogodos preenchiam as fileiras como
eficientes combatentes de infantaria, estrategicamente articulados com os invencíveis arqueiros
montados hunos que desfechavam o ataque decisivo para a vitória final. No
início da década de 420, com suas forças consolidadas, formavam uma
confederação poderosa, com uma classe dominante de chefes hunos poderosos que
enriqueciam com a mais valia produzida pelos povos conquistados e que deram
origem ao mito das hordas invencíveis que aterrorizaram a Europa desde então.
A maioria dos registros sobre a vida econômica da baixa Idade
Média apresentam relatos de volta à primitividade e miséria indigente. Foi
particularmente rápido o declínio da península itálica, na segunda metade do
séc. V. Atingiram o apogeu as forças postas em jogo pela degradação econômica dos
dois séculos precedentes. O comércio e a indústria foram extintos rapidamente;
terras antes produtivas viraram mato novamente e a população declinou de
maneira assustadora a ponto de criar-se uma lei proibindo a toda mulher entrar
para o convento antes dos 40 anos de idade. Enquanto os grandes proprietários
ampliavam seu controle sobre as áreas cultiváveis e assumiam as funções de
governo, um número cada vez maior das massas populares se transformava em
servos. Durante o reinado de Teodorico, o rei germano que conquistou a Itália,
houve uma tentativa de reativar o comércio e a agricultura reduzindo impostos,
mas o processo feudal continuou seu caminho irreversível de servidão e de
concentração da renda agrária, pois ele necessitava o apoio militar da aristocracia
dominante. Após a sua morte, mais uma vez o processo da decadência tornou-se
evidente. A tentativa de reconquista da península itálica pelo imperador
bizantino Justiniano levou a região à beira do barbarismo. A peste e a fome
completaram a destruição causada pelas marchas dos exércitos inimigos. Os
campos foram abandonados sem cultivo, ao mesmo tempo em que declinavam as
atividades urbanas. Os lobos vagavam livres pelo território devorando os
cadáveres insepultos. Era tão grande o desespero das populações que, como
sempre, em certas regiões apareceu a prática do canibalismo. Somente nas
cidades maiores a civilização permaneceu preservada, mas em condições de pleno
abandono das conquistas intelectuais e técnicas do período anterior.
A Idade Média iniciava seus dias absorvendo o que restara da
cultura ideológica romana e de sua organização social e revestindo velhos
conceitos legais de germanos e romanos com as novas roupas do feudalismo de
forma lenta e gradual. Na história conhecida da humanidade não existem fatos
estanques, mas sim uma sucessão de causas econômicas em evolução contínua. A baixa Idade Média foi com certeza um
prolongamento da manutenção de antigas instituições romanas. Entre estas está a
clientela. Desde os mais remotos
tempos, os cidadãos romanos que passavam por dificuldades ou os escravos
libertos procuravam a proteção de patronos ricos, tornando-se seus clientes ou
dependentes. No caos que acompanhou o declínio do Império, a clientela se expandiu. Outra dessas
instituições romanas foi o sistema de colonato.
Numa tentativa desesperada de manter a produção agrícola decrescente durante os
séc. III e IV, a administração do Império ligou, de forma indissociável, ao
solo, numerosos camponeses e rendeiros agrícolas como colonos ou servos,
colocando-os na verdade sob controle dos proprietários dos grandes latifúndios.
O precarium foi outra instituição que se desenvolveu na
época da decadência do Império Romano. Originalmente constituía um empréstimo
de terra a um rendeiro que a cultivaria e pagaria a renda ao proprietário. Caso
o rendeiro deixasse de pagar a renda, o proprietário tinha o direito de
tomar-lhe a posse. Mais tarde o precarium
passou para a forma da entrega da terra por um pequeno proprietário a um
poderoso latifundiário, motivada por insolvência ou por necessidade de
proteção. Ao mesmo tempo que fazia isso se comprometia a cultivar a terra e
pagar renda pelo seu uso. As duas últimas instituições, o colonato e o precarium, muito
contribuíram para a origem do feudalismo, e se adaptavam aos costumes e
hierarquia das nobrezas tribais dos germanos invasores. Foram eles que
forneceram os ideais de honra, de lealdade, e de liberdade, que passaram a ocupar
na classe dominante um lugar de considerável importância. A instituição
germânica do comitatus era a fonteprincipal
da teoria e da prática feudal de hierarquização da sociedade. O comitatus era uma assembleia formada
pelos guerreiros e pelo seu chefe, com obrigações mútuas de serviços e de
lealdade. Embora os guerreiros prestassem um juramento pessoal de proteger seu
chefe, e ele em retribuição devia armá-los e equipá-los para combate, a relação
entre as duas partes era totalmente diferente da que existira entre os clientes
romanos e seus protetores. Nela não havia qualquer elemento de servilismo; os
guerreiros eram iguais aos seus chefes, pois que todos estavam envolvidos e
empenhados nas mesmas atividades belicosas, cujo único objetivo era o saque e a
glória. Esse ideal tribal, originado nos primórdios dos tempos, existente na
instituição do comitatus, entre os
participante do regime feudalista, se fixou na relação entre reis e nobres,
suseranos e vassalos, a classe dominante que sujeitou os povos latinos
dominados. A prática feudal da homenagem,
através da qual os vassalos juravam fidelidade numa cerimonia de submissão ao
seu suserano também provavelmente era originado na tradição do comitatus, cerimonia que legitimava o
poder do chefe guerreiro. Assim poder e
a riqueza dos grandes latifundiários, senhores da guerra que subjugaram pelas
armas a força de trabalho, aumentaram consideravelmente. Com o passar do tempo,
essa classe dominante passou a desafiar o governo central, e arrogar-se
direitos de senhores absolutos das suas propriedades. Tributavam seus servos,
faziam leis que regulavam os negócios e os direitos destes, e impunham sua
própria justiça e a lealdade.
Incluso ao conceito grego de barbárie, a teoria aristotélica da
“escravidão natural” teve enorme difusão no mundo greco-romano. O cristianismo
herdou tais conceitos, através dos reinos francos e germanos e do direito
romano, e fundamentou seu pensamento a partir de estudiosos compiladores dos
clássicos gregos como Alberto Magno, o fundador da escolástica, que
reintroduziu as categorias antropocêntricas de Aristóteles, e através de seu
pupilo, Tomás de Aquino, que escreveu um comentário canônico da “Política” de
Aristóteles. Esta doutrina ideológica voltaria a revigorar-se, no séc. XVI, a
partir das discussões que tiveram lugar em Castela sobre a natureza dos
autóctones da América e foi violentamente combatida por homens como o Frei
Bartolomé de Las Casas.
Coação Estatal e Colonialismo –
A decadência do feudalismo motivada pela ascensão da monarquia na
Europa originou o fortalecimento do estado nação. O rei passa a representar o
poder do estado e a centralizar os tributos permitindo a manutenção de forças
militares poderosas e expedições ultramarinas de conquista. As cidades passaram
a ter fundamental importância para o desenvolvimento econômico da Europa
Ocidental a partir do séc XIII, através das corporações de ofício que se
estabeleciam e produziam os produtos manufaturados a partir das matérias primas
locais. O contato com as civilizações bizantina e sarracena revigorou o
comércio com o Oriente e estimulou o progresso da cultura.
O Estado proíbe a guerra intergrupal dentro das suas fronteiras
mantendo seus súditos amedrontados pela força da lei, impedindo que façam
justiça com as próprias mãos e assim mantém a pax e ainda detém o poder de
romper seus próprios liames legais quando declara a guerra contra outro povo ou
pune seus cidadãos. O Estado pretende diferenciar civilização de sociedade
tribal. Entretanto a diferenciação entre Estado e Tribo pode se tornar
complexa. É provado como ineficaz procurar uma divisão a partir de uma invenção
decisiva para a evolução de sociedade tribal para civilização. A escrita, por
exemplo, não determina um processo civilizatório. Povos “primitivos” são
denominados erroneamente de “pré-letrados”, mas a ausência de escrita não
determina a inexistência de civilização como podem provar os povos do Peru ou
da Costa da África que atingiram grande complexidade e possuíam um razoável
controle estatal. Também não é o processo de urbanização, no sentido literal da
existência de cidades, a prova contundente da existência de civilização. O
recurso a tais critérios de balizamento da civilização é baseado na suposição
de que povos fora da esfera Ocidental europeia devam ser necessariamente
rústicos.
O Estado e suas colônias estão organizados enquanto territórios –
entidades territoriais controladas pelo
poder estatal – em oposição a entidades de parentesco sob chefe de linhagem
natural da tribo. Sir Henry Summer Maine, quando argumentava contra a
antiguidade da soberania territorial da Europa apropriadamente descreveu seu
desenvolvimento fora das concepções tribais através de algumas mudanças do
título nobiliárquico assumido pelos reis da França: desde o merovíngio “Rei dos
Francos” ao capeto “Rei de França”
O direito do controle da
força saiu da sociedade, antes clanica, para ficar com um soberano descendente
da classe dominante e conquistadora. Ninguém mais tem o direito de usar a força
sem um mandato direto do soberano ou de seus acólitos. É o Estado que decide as
regras da ordem social, quase sempre baseadas em aspectos étnicos e de
nascimento, mesmo em sociedades ditas democráticas. Todas as pessoas e grupos
do território são como tal súditos da soberania, de sua jurisdição e coerção. É
a partir do processo civilizatório que determinada cultura é difundida e em seu
bojo carrega uma determinada ideologia homogeneizadora de vários grupos étnicos.
A herança dos povos pastores indo-arianos para o Ocidente foi estabelecer seu
regime de centralização de poder a partir de eleitos entre a classe dominante
de conquistadores através do sufrágio ou da batalha singular pura e simples.
Com a expansão da ideologia europeia pelo mundo, as ideias de
subjugação e apresamento da mão de obra evoluíram do processo escravista nas
Américas, para o sistema de exploração tributário entre os autóctones, que já
conheciam o conceito de tributação a partir de um poder central, com produtos
em espécie. Mas isso não impediu que uma grande massa de africanos fosse
tangida do continente negro para lá e tratada como semovente pelos donos de
engenhos e pela classe dominante que repassava os tributos auferidos da mais
valia do trabalho escravo para a Coroa. Ainda o ideal aristotélico chancelava o
uso do cativo para o trabalho braçal como justificativa cristã do salvamento de
sua alma pagã e sua inteligência dita inferior.
A tributação no estabelecimento das relações de trabalho, em
substituição ao apresamento puro e simples de mão de obra, obrigava os índios
ao pagamento de taxas à Coroa Espanhola. Como o tributo era exigido em
dinheiro, mesmo àqueles que dispunham de áreas agricultáveis suficientes à
subsistência eram obrigados, a cada estação, sair do âmbito comunal e trabalhar
para os senhores de terras espanhóis até juntar a quantia suficiente para pagar
o imposto. Este era um dos mecanismos que garantiam a mão de obra indígena nas
colônias espanholas.
Na América Hispânica a tributação do estado servia para reforçar
mecanismos privados que visavam prender os trabalhadores às fazendas pelo
endividamento Não só o dono de terras substituía aos índios no pagamento dos
tributos e das taxas paroquiais (batizados, casamentos ou enterros), ou então
nos tributos ocasionais, que vinham onerar ainda mais as dívidas ordinárias.
Era ainda a guerra o fato motivador de ônus extras, em 1781, por exemplo, uma
contribuição para despesas com essa finalidade imposta à população colonial
pelo Estado espanhol tornou-se um elemento a mais para prender por dívidas os
trabalhadores às fazendas na região mexicana de Michoacán ( Claude Morin, Michoácan en
la Nueva España del Siglo XVIII, México, Fondo de Cultura Econômica, 1979, pág
264 ).
Os Estados europeus colonizadores dispunham então de meios coercitivos através de seus agentes nas Colônias que detinham por outorga seus poderes militar e judiciário, que na prática usavam dessas forças disponíveis para impor as decisões dos mandatários e senhores de terras, a classe dominante, e sufocar a desobediência dos nativos e dos negros africanos.
O uso dessas ferramentas institucionais foi, nas áreas da escravidão negra, um dos elementos fundamentais contra as sedições e estabelecimento de quilombos, como extensão da repressão privada dos senhores para preservar o "status quo" da exploração da mão de obra escrava e garantir as instituições onde se baseava essa ideologia escravista.
Os Estados europeus colonizadores dispunham então de meios coercitivos através de seus agentes nas Colônias que detinham por outorga seus poderes militar e judiciário, que na prática usavam dessas forças disponíveis para impor as decisões dos mandatários e senhores de terras, a classe dominante, e sufocar a desobediência dos nativos e dos negros africanos.
O uso dessas ferramentas institucionais foi, nas áreas da escravidão negra, um dos elementos fundamentais contra as sedições e estabelecimento de quilombos, como extensão da repressão privada dos senhores para preservar o "status quo" da exploração da mão de obra escrava e garantir as instituições onde se baseava essa ideologia escravista.
Capitalismo e Neoliberalismo -
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, na Inglaterra grande
parte da população carcerária não era só de criminosos comuns, eram vítimas das
injustiças sociais e desigualdades econômicas, eram devedores que não haviam
conseguido pagar suas dívidas e que expiavam na cadeia a amargura da
insolvência, ou simplesmente da mora. Em 1779, nas prisões da Inglaterra e País
de Gales, dentre 4.379 prisioneiros, havia 2.078 homens e mulheres
"devedores". Na Irlanda, em 1788, havia 550 "devedores",
num total de 1.572 prisioneiros. Mesmo aqueles que já tinham saldado suas
dívidas continuavam presos até que saldassem os impostos reclamados pelo clero
e a coroa, ou pagassem propina para o Sheriff e o carcereiro. Mesmo crianças
quase nuas, na idade de doze anos, ficavam presas, muitas vezes, um ou dois
anos, por causa desses emolumentos, que, frequentemente não excediam de uns
quarenta shillings (John Howard, The State of the
Prisons, Ed. Everyman's Library Londres 1929 - 1ª ed. saiu em 1777; as edições
sucessivas saíram com o autor ainda em vida, que faleceu em 1790)
Desde a vitória da revolução protestante de 1688, os católicos irlandeses, defensores dos Stuarts, tiveram sua situação politica e econômica agravada por numerosas leis opressoras, que lhes vedavam o exercício do magistério, das funções públicas, dos cargos eclesiásticos e até mesmo das profissões liberais, com exceção da medicina. Suas rendas eram limitadas por lei: o irlandês católico que tivesse lucros superiores a um terço do valor das suas terras estava sujeito ao confisco da propriedade em favor do primeiro protestante que provasse tais lucros. As leis introduzidas pelos ingleses serviam para abafar a economia irlandesa. A criação de gado e a agricultura, as duas principais fontes de riqueza no país, não podiam ter mercados, por que a Inglaterra não os importava, nem permitia que navios irlandeses atracassem nos portos coloniais britânicos. As terras irlandesas passavam em grandes lotes para as mãos dos ingleses e privilégios eram concedidos para a exploração das riquezas do país subjugado. A população irlandesa guardou de tudo isso lembranças hereditárias, a tradição de ódio aos dominadores e da opressão religiosa que nunca conseguiu erradicar o catolicismo que marcou para sempre e se tornou base do pensamento políticos das gerações sucessivas até nossos dias.
Em 1729, um dos maiores críticos da dominação Jonathan Swift propõe em "Modesta Proposta para evitar que os Filhos dos Irlandeses Pobres sobrecarreguem os Pais ou a Nação e para torná-los Benéficos ao Público" - onde aponta a miséria e a fome que se abatia sobre o povo da Irlanda e propõe, com ferina ironia, que os irlandeses façam engordar os filhos e os comam depois como alimento, do que resultariam "diversas vantagens" para uns e outros.
Desde a vitória da revolução protestante de 1688, os católicos irlandeses, defensores dos Stuarts, tiveram sua situação politica e econômica agravada por numerosas leis opressoras, que lhes vedavam o exercício do magistério, das funções públicas, dos cargos eclesiásticos e até mesmo das profissões liberais, com exceção da medicina. Suas rendas eram limitadas por lei: o irlandês católico que tivesse lucros superiores a um terço do valor das suas terras estava sujeito ao confisco da propriedade em favor do primeiro protestante que provasse tais lucros. As leis introduzidas pelos ingleses serviam para abafar a economia irlandesa. A criação de gado e a agricultura, as duas principais fontes de riqueza no país, não podiam ter mercados, por que a Inglaterra não os importava, nem permitia que navios irlandeses atracassem nos portos coloniais britânicos. As terras irlandesas passavam em grandes lotes para as mãos dos ingleses e privilégios eram concedidos para a exploração das riquezas do país subjugado. A população irlandesa guardou de tudo isso lembranças hereditárias, a tradição de ódio aos dominadores e da opressão religiosa que nunca conseguiu erradicar o catolicismo que marcou para sempre e se tornou base do pensamento políticos das gerações sucessivas até nossos dias.
Em 1729, um dos maiores críticos da dominação Jonathan Swift propõe em "Modesta Proposta para evitar que os Filhos dos Irlandeses Pobres sobrecarreguem os Pais ou a Nação e para torná-los Benéficos ao Público" - onde aponta a miséria e a fome que se abatia sobre o povo da Irlanda e propõe, com ferina ironia, que os irlandeses façam engordar os filhos e os comam depois como alimento, do que resultariam "diversas vantagens" para uns e outros.
Assim o espírito puritano da época baseado num escravismo velado
davam os primeiros passos para o assentamento da exploração da mão de obra
característica do capitalismo que vai ser difundido pelo mundo nos anos
subsequentes pela influência de fatores culturais bem caracterizados: o
individualismo, a crença dos direitos naturais dos povos brancos de origem europeia
sobre os demais e o espírito capitalista da economia de exploração a partir da
ascensão da burguesia e do declínio do poder da monarquia principalmente no
Novo Mundo, onde os excedentes de população irlandesa foram atrás de
prosperidade e segurança na América do Norte, longe da exploração e tirania
inglesa. Ao chegar ao Novo Mundo impuseram sua ideologia xenófoba e etnocêntrica
que iria criar as bases para a criação de uma das maiores e mais fortes nações
do planeta, os Estados Unidos da América.
Alex de Tocqueville, famoso
magistrado francês do século XIX, ficou impressionado com a inversão de valores
do povo norte americano em sua visita aos Estados Unidos entre os anos de 1831
e 1832. Naquela época, ainda não havia sinais das grandes fortunas privadas
adquiridas pelo país em virtude de políticas bélico-expansionistas do século
XX, mas Tocqueville afirmara que desconhecida um país “em que o amor pelo
dinheiro ocupe um lugar mais amplo no coração do homem, e onde se professasse
um desprezo mais profundo pela igualdade”. . Por fim, Tocqueville
acreditava que, se surgissem déspotas nas sociedades democráticas, eles seriam
tentados a fazer guerra, para reforçar seu poder e ao mesmo tempo para
satisfazer seus exércitos.
A partir do século XX, à medida que o neoliberalismo avançou, as desigualdades sociais acentuaram-se. Prova disso é que em 1960, os 20% mais ricos do mundo possuíam uma renda 30 vezes superior a dos 20% mais pobres. Já em 1997, essa proporção subiu para 74 vezes, sendo que, na primeira década do século XXI, esse número atingiu 80 vezes.
A partir do século XX, à medida que o neoliberalismo avançou, as desigualdades sociais acentuaram-se. Prova disso é que em 1960, os 20% mais ricos do mundo possuíam uma renda 30 vezes superior a dos 20% mais pobres. Já em 1997, essa proporção subiu para 74 vezes, sendo que, na primeira década do século XXI, esse número atingiu 80 vezes.
Destaque-se também que a onda
neoliberal que avassalou o mundo após 1970, elevou a desigualdade social dentro
dos próprios Estados Unidos, pois, segundo o Relatório sobre Comércio e
Desenvolvimento da UNCTAD, nas últimas décadas do século XX, o quociente que
mede o grau de desigualdade socioeconômica aumentou em 16% entre os americanos.
Percebe-se então, que a
desigualdade social mundial vem aumentando consideravelmente após a Segunda
Guerra Mundial, com a expansão bélica do neoliberalismo norte-americano, que,
diga-se de passagem, participou diretamente de todas as carnificinas humanas
dos séculos XX e XXI.
Também vale mencionar que o
capitalismo não é apenas um sistema econômico, mas uma forma global de vida em
sociedade, pois está dentro de seu próprio conceito a globalização favorecedora
das grandes empresas mundiais, com suas sedes localizadas no hemisfério norte
em detrimento do desenvolvimento e da liberdade dos mais fracos, tendo como
seus pilares conhecidos o individualismo competitivo, excludente e dominador.
Essa ideologia de caráter puritano e raiz ariana antiga tem como premissa
básica a manutenção de excedentes e reservas de toda a ordem para exploração de
uns poucos favorecidos que manteriam seus lucros em detrimento das grandes
massas confinadas nas metrópoles do hemisfério sul, mercado cativo que nada
produz e tudo consome.
A subversão da valorização da
pessoa humana é tamanha que um dos teóricos mais respeitados do neoliberalismo
(Richard Posner), ressuscitando as antigas teses antropofágicas de Swift,
propõe com seriedade a venda de crianças para a adoção, o que faz harmonizar as
relações de família com a lógica do capitalismo, pois somente aquilo que tem
preço de mercado possui valor na vida social.
Richard Posner propõe que os
bebês mais desejáveis tenham preços mais altos que os outros, levantando uma
bandeira política ao defender que o livre mercado de preços de crianças
funciona melhor do que o atual sistema de adoção. (Fonte: Texto
disponível na internet intitulado “Adoption and market theory:
The Regulation of the Market in Adoptions”). Logo essas crianças poderão não só estar
disponíveis para quem possuir melhores condições econômicas como também, em
futuro próximo, poderão ser utilizadas para finalidades especificas definidas
pelas leis de mercado.
A implantação do neoliberalismo
faz a humanidade retroagir em pelo menos 200 anos na história de conquistas dos
direitos humanos, pois acarreta a preterição dos direitos individuais perante a
liberdade do empreendedor, sendo que o Estado serviria somente para proteger e
dar legalidade ao contrato e a propriedade privada, regredindo dois séculos na
história da humanidade, época em que não existiam constituições sociais, não existia
direitos trabalhistas (coisa que o capitalismo despreza) e que imperava
ensinamentos de doutrinadores do século XVII, com raízes ainda mais profundas
nas antigas sociedades dos povos nômades, no escravismo e na antropofagia do
excedente populacional concentrado nos grandes centros urbanos, resgatados, de
forma velada, com empolgação pelos atuais defensores do neoliberalismo
econômico em seu viés ideológico sub-reptício de lobos em pele de ovelha.
O que é civilização ? Como pode ser recuperada ? O mundo contemporâneo, mergulhado em sua tecnologia própria e individualista, na realidade não é um mundo civilizado, é uma epigonia, cujo significado mais próximo seria o de “herdeiros” de qualquer tipo de bens positivos do que criadores desses bens. As civilizações greco-romanas e as invasões germanicas subsequentes deram forma a atual conjuntura civilizatória, que o homem comum não consegue visualizar em função de sua vida exígua em relação as transformações ocorridas. Entretando a velocidade dessas transformações está hoje em escala cada vez mais vertiginosa. Conforme a visão crítica do individuo se dilui nessa estrutura radial ideológica que proporciona a ferramenta informática, menos controle se tem da manutenção das liberdades e dos direitos civis, agora em nova fase de decadência nesse lado do mundo. O rebanho humano já foi tangido para o cercado do matadouro.
O que é civilização ? Como pode ser recuperada ? O mundo contemporâneo, mergulhado em sua tecnologia própria e individualista, na realidade não é um mundo civilizado, é uma epigonia, cujo significado mais próximo seria o de “herdeiros” de qualquer tipo de bens positivos do que criadores desses bens. As civilizações greco-romanas e as invasões germanicas subsequentes deram forma a atual conjuntura civilizatória, que o homem comum não consegue visualizar em função de sua vida exígua em relação as transformações ocorridas. Entretando a velocidade dessas transformações está hoje em escala cada vez mais vertiginosa. Conforme a visão crítica do individuo se dilui nessa estrutura radial ideológica que proporciona a ferramenta informática, menos controle se tem da manutenção das liberdades e dos direitos civis, agora em nova fase de decadência nesse lado do mundo. O rebanho humano já foi tangido para o cercado do matadouro.
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