«As pessoas, que entre os americanos do Brasil se occupão de cousas divinas, são chamadas Caraibas e Pagees,os quaes são os seos sacerdotes. Acima das cousas da terra existe um ente a quem chamão Monãn ou Monhãn que quer dizer Constructor, ou Editficador, o Auctor, ao qual atribuem as mesmas perfeçoes que nos atribuímos a Deos.
Este creou Trin-Magé (1) de cuja cabeça nasceo Tupan. (Montoya traduz a palavra Tupan assim: Tu, admiração, e Pa, pergunta; significa pois:—O que é isto? Quid est hoc?) «De Maire Monhan, antes de sua morte, nascerão dous filhos. Sommé (que os jesuítas entendem que é o apóstolo S. Thomé) e Caraiba a quem os selvagens queimarão. Deste nascerão dous filhos, Tamandonaré e Aricuta. Tamandonaró era agricultor e bom; Aricuta máo, valente e guerreiro, é, com o tempo, tentou matar Tamandonaré, que, batendo com o pé na terra, deo causa a que surdisse uma fonte que produzio novo. dilúvio; para salvar suas vidas subirão us mais altos montes, mas com elles subirão as águas e, para se salvarem.Tamandonaré o bom, subio sobre uma arvore de Pindoua(2) e Aricuta, sobre o genipá. Com este dilúvio morrerão todos os seres vivos da terra, menos Tamandonaré e Aricuta, e suas mulheres, das quaes descendem os homens actuaes; os bons ou Tupinambás, descendem de Tamandonaré, os maus, ou Tominús, de Aricuta, e que existe, e ha de sempre existir, guerra entre elles.»
(1) Mage é nome de alguns logares do Rio e, entre elles, de uma cidade.
(2) E d'ahi talvez que vinha ao Brasil o nome de Pindorama ou região das Palmeiras. Até hoje os selvagens, quando decidem algum ataque, pintam o corpo de azul escuro com tinta de genipapo. (fragmentos dos relatos de Thevet - Gal. Couto de Magalhães)
Algumas sociedades na Ásia, nas Américas e na Austrália se caracterizavam pelo dualismo. Do um se produz o dois diz o sábio, esse é o mitema recorrente em quase toda a humanidade onde vários elementos se repetem, a cosmogênese do ente fundador e sua contraparte idêntica a partir da unidade suprema. Eles simbolizam a explicação mítica da divisão tribal para afirmação dos respectivos clãs As metades exogâmicas dos sistema tribal que se ligam por trocas, não só matrimoniais, mas também econômicas ou cerimoniais; descendência muitas vezes matrilinear e de intercruzamentos; posição relevante atribuída no mito de formação, a um casal de irmãos ou gêmeos; em muitos casos associados à divisão de poder entre dois chefes; com funções diferentes; classificação dos seres e das coisas em duplas contrapostas; jogos, corridas ou torneios, nos quais se exprimem ritualmente a relação entre os dois clãs exogâmicos em sua recriação sazonal do mito, interação que é ao mesmo tempo de rivalidade e de solidariedade segundo os estudiosos.
Os combates rituais entre dois grupos opostos da mesma tribo desempenham um papel importante nas festividades sazonais, quer se trate da repetição de um combate mítico ou simplesmente como o confronto de dois aspectos cosmogônicos ( inverno/verão; dia/noite; vida/morte), o seu significado profundo é idêntico; o confronto, as justas, os combates despertam, estimulam ou aumentam as forças criadoras da vida. Essa concepção bio-cosmológica ( de conotação antropofágica ) foi provavelmente elaborada no Neolítico e com o passar dos tempos foi sofrendo deformações e reinterpretações a partir da expansão da agricultura e mal pode ser reconhecida em certos tipos de dualismo religioso. Entre os paleo-cultivadores e os agricultores a encenação ritual da passagem de ano novo compreende o retorno dos mortos, e cerimônias análogas subsistem na Grécia clássica, entre os antigos germanos, na China, no Japão, etc. (Mircea Eliade)
A existência de tais semelhanças nos mitemas evoluídos em áreas geográficas tão extensas são explicadas por alguns como a difusão a partir de um ponto comum da ideia primordial do dualismo, outros pesquisadores de tendência estruturalista, acreditam tratar-se de uma tendência humana inata em estabelecer os mesmos paradigmas em regiões tão distantes uma das outras. Essa disputa tornou-se crucial entre os estudiosos em relação a esse mitema especifico relacionado ao dualismo para tentar desvendar as origens da humanidade e sua expansão no planeta desde os primórdios dos tempos.
Em seu livro "História Noturna", Carlo Ginzburg afirma: "Mesmo se fosse possível demonstrar que as sociedades dualistas se difundiram a partir de um ponto preciso da Ásia Central (é um exemplo fictício), os motivos de sua distribuição e persistência permaneceriam inexplicados. Aqui, penetram as considerações de ordem estrutural, que concernem à existência potencial, e não atual, das sociedades dualistas. A fisionomia dicotômica dessas sociedades (foi dito) é o resultado da reciprocidade, de uma relação complementar que implica troca de mulheres, prestações econômicas, cerimônias funerárias ou de outro tipo. A troca, por sua vez, surge da formulação de uma série de oposições. E a capacidade de exprimir em forma de sistemas de oposição as relações biológicas é a característica específica daquilo que chamamos cultura."
A saga dos gêmeos portanto expressa um sentido civilizatório, de novas descobertas e consolidação do grupo humano em determinado momento de sua formação, como explicação mítica de origem. Os antigos não tinham preocupação com precisão histórica mas com a manutenção de sua tradição que era transmitida oralmente por gerações. Para os personagens, que são um duplo eu, são colocados obstáculos que estão associados a rituais de iniciação para que eles adquiram ao final da jornada um objetivo mágico e a partir do atingimento do prêmio divino são ambos a chave do ordenamento do cosmo. Eles representam os pares de opostos, os antípodas que se irmanam para atingirem um objetivo comum. São o elo de comunicação entre o mundo dos vivos, os deuses e o mundo subterrâneo.
No capítulo 4-7 do Gênesis os dois irmãos, Caim, que "cultivava o solo", e Abel, "pastor de ovelhas", filhos de Adão e Eva, ofereceram sacrifícios de gratidão à Javé, o primeiro ofertou os produtos do solo e o segundo as primícias do seu rebanho. Javé acolheu as oferendas de Abel, mas não as de Caim, que enfurecido atirou-se sobre o irmão e o matou. Agora, sentenciou Javé, "és maldito e expulso do solo fértil... . Ainda que cultives o solo, ele não te dará mais seu produto; serás um fugitivo errante sobre a terra". Pode-se perceber nesse episódio a oposição entre lavradores e pastores e implicitamente a superioridade dos pastores nômades sobre os lavradores sedentários. A passagem bíblica expressa a visão idealizada da classe dominante composta por guerreiros pastores e a sua supremacia sobre os agricultores e habitantes das cidades dominadas. Javé, o senhor dos raios assimila também a denominação de El, deus solar.
A epopéia de Gilgamesh e seu amigo Enkidu é uma das obras literárias mais antigas conhecida. Invejado pelos deuses, ele realiza obras heroicas para gozar de fama imortal. A segunda parte da epopéia, após a morte de Enkidu, o herói solitário busca escapar da morte. A jornada em busca da vida eterna o leva ao Túnel do Sol, à Água da Morte e ao herói do Dilúvio, Utnapishtim. Para os mesopotâmios o mundo das profundezas era um lugar escuro, cheio de poeira e inóspito. Era o reino dos deuses Nergal e Ereshkigal, povoado por demônios e espíritos. Os sonhos eram considerados como realidade entre esses povos. Em um sonho Enkidu, o amigo e contraparte de Gilgamesh foi capturado por um terrível demônio e brutalmente levado para o submundo. Aterrorizado, o herói Gilgamesh se nega a ajudá-lo. Foi depois desse sonho que Enkidu perdeu as esperanças de se recuperar quando ficou doente e morreu. O destino dos mortos dependiam de sua conduta enquanto vivos. Depois de sua morte Enkidu apareceu para o amigo e relatou que quem não tivesse tido filhos, como resultado, passaria fome na vida após a morte. Quanto mais filhos uma pessoa tivesse, mais comida e bebida teria depois de morta. Essas crenças moldaram o comportamento das pessoas nesse processo civilizatório. Acreditavam também que os pequenos natimortos podiam usufruir a comida da mesa dos deuses e ganhavam doces.
O texto sumério "A Morte de Gilgamesh", que foi recentemente encontrado, conta o sonho onde o monarca foi chamado para uma reunião com os deuses. Lá descobriu que os deuses do céu tinham decretado sua morte, mesmo ele sendo filho de uma deusa. Mas Enki, o deus da sabedoria, explicou-lhe de que forma ele poderia manter boa posição e se tornar soberano no pós morte: construindo um palácio para seu sepultamento embaixo do rio Eufrates. Então Gilgamesh desviou a direção do rio, construiu sua fortificação e se mudou para lá com suas favoritas, concubinas, crianças, servos e muitos tesouros para dar aos deuses do submundo. Depois disso o rio voltou para seu curso normal. Surpreendemente a escavação de um cemitério em Ur, datado do séc. 25 a.C. revelou o que pode ser considerado um achado único: uma familia real inteira, incluindo carros, animais e tesouros de ouro e lápis lazúli enterrados com seu soberano.
Um mito proto-indo-europeu em torno de um cruzamento entre uma mulher de linhagem nobre e um cavalo a fim de produzir gêmeos divinos foi coletado por Jaan Puhvel seguindo um caminho arqueológico e linguístico como base aos mitos que influenciaram os povos gregos, germânicos e índicos. Para corroborar sua tese, refere-se a uma cerimônia índica do cavalo que envolve a embriaguez sagrada e à palavra que define essa cerimônia, asvamedha, retrospectivamente ligada a um termo proto-indo-europeu que significa "bêbado como um cavalo", e prospectivamente associada a várias palavras indo-europeias que têm clara relação com o termo inglês mead (bebida alcoólica elaborada com mel fermentado e água, a qual se acrescentam temperos, frutas e malte). Recorrente e crucial é o sacrifício do cavalo, como substituto, ou de um dos gêmeos no mitema, cujo corpo se transforma no mundo ou é distribuído em três divindades.
Segundo os estudiosos, o sacrifício, que é a fonte da própria criação, constitui um tema primordial da mitologia indo-europeia desde o vedismo até o cristianismo. Um exemplo semelhante do gêmeo sacrificado como matéria para a criação ocorre no mito védico do primeiro homem, Manu, que no ritual sagrado do sacrifício transforma-se no primeiro sacerdote (brâmane), e de seu gêmeo sacrificado, Yama, que, como essência do próprio mundo, transforma-se no primeiro rei sagrado. A origem de cada casta de seres é indicada pela parte do corpo do gêmeo da qual ela proveem:
"O sacerdote era sua boca, o guerreiro foi feito dos seus braços; suas coxas eram os plebeus, e o servo nascia de seus pés." (Rig Veda)
A ideia do dilaceramento do herói, o duplo, se relaciona com a questão da morte e da vida após a morte. No pensamento proto-indo-europeu é bem possível que a morte de um individuo fosse reflexo de um sacrifício maior primordial, que tinha sido a base da criação. Portanto, retornamos à terra e ao submundo, para só depois assumir uma vida nova em algum sentido. Esse é o mitema recorrente do dilaceramento do herói, do roubo de gado e do rapto de mulheres.
Um mito proto-indo-europeu em torno de um cruzamento entre uma mulher de linhagem nobre e um cavalo a fim de produzir gêmeos divinos foi coletado por Jaan Puhvel seguindo um caminho arqueológico e linguístico como base aos mitos que influenciaram os povos gregos, germânicos e índicos. Para corroborar sua tese, refere-se a uma cerimônia índica do cavalo que envolve a embriaguez sagrada e à palavra que define essa cerimônia, asvamedha, retrospectivamente ligada a um termo proto-indo-europeu que significa "bêbado como um cavalo", e prospectivamente associada a várias palavras indo-europeias que têm clara relação com o termo inglês mead (bebida alcoólica elaborada com mel fermentado e água, a qual se acrescentam temperos, frutas e malte). Recorrente e crucial é o sacrifício do cavalo, como substituto, ou de um dos gêmeos no mitema, cujo corpo se transforma no mundo ou é distribuído em três divindades.
Segundo os estudiosos, o sacrifício, que é a fonte da própria criação, constitui um tema primordial da mitologia indo-europeia desde o vedismo até o cristianismo. Um exemplo semelhante do gêmeo sacrificado como matéria para a criação ocorre no mito védico do primeiro homem, Manu, que no ritual sagrado do sacrifício transforma-se no primeiro sacerdote (brâmane), e de seu gêmeo sacrificado, Yama, que, como essência do próprio mundo, transforma-se no primeiro rei sagrado. A origem de cada casta de seres é indicada pela parte do corpo do gêmeo da qual ela proveem:
"O sacerdote era sua boca, o guerreiro foi feito dos seus braços; suas coxas eram os plebeus, e o servo nascia de seus pés." (Rig Veda)
A ideia do dilaceramento do herói, o duplo, se relaciona com a questão da morte e da vida após a morte. No pensamento proto-indo-europeu é bem possível que a morte de um individuo fosse reflexo de um sacrifício maior primordial, que tinha sido a base da criação. Portanto, retornamos à terra e ao submundo, para só depois assumir uma vida nova em algum sentido. Esse é o mitema recorrente do dilaceramento do herói, do roubo de gado e do rapto de mulheres.
Os Dióscuros, como eram chamados Castor e Pólux, são heróis semidivinos de Esparta que eram adorados pelos gregos. Segundo a mitologia, frutos da união de Zeus e Leda são heróis dórios por excelência, isto é, fazem parte do panteão introduzido pelos invasores da península grega vindos da Ásia que derrotaram os micênios. Suas aventuras estão associadas aos raptos de mulheres, roubos de gado, lutas com contraparentes e atos de vingança e saques contra os inimigos. Castor foi morto por Idas, seu primo, por causa de uma desavença na partilha de um butim de reses roubadas numa versão ou na tentativa de raptar as noivas dos primos em outra, enquanto Pólux matava Linceu. Zeus matou Idas fulminando-o com um raio e levou Pólux para a morada dos deuses. Mas Pólux não aceitou a imortalidade caso o irmão permanecesse no Hades. Assim Zeus permitiu que ficasse um dia entre os deuses e um dia nas profundezas do Hades junto ao irmão para sempre. Outra tradição os coloca na constelação de gêmeos. Conta o mito que, na expedição dos Argonautas, Zeus demonstrou a predileção pelos gêmeos durante uma tempestade no Mar da Cólquida. Enquanto Orfeu implorava a clemência dos deuses, uma chama desceu do céu e deixou a cabeça de ambos numinosa. É a origem da crença no fogo de Santelmo que anuncia aos marinheiros o fim das tempestades Venerados em toda a Grécia, os Dioscuros são divindades protetoras dos navegantes e da hospitalidade.
Mas é no mito de Prometeu e Epimeteu que vamos encontrar todos os elementos da origem do homem e da criação do mundo. Prometeu, cujo o nome significa premeditação desempenhou um papel importante no imaginário dos povos gregos. Eles o viam como criador e aquele que promove a cultura. A ele e a seu irmão Epimeteu também foi confiada a criação de todos os animais. Os gregos todos os anos comemoravam a principal dádiva, o fogo, com uma corrida de tochas, que começava na Academia de Platão. Além do fogo ele deu à humanidade as artes mecânicas, a ciência e a sabedoria. Na obra Protágoras de Platão, o mundo foi povoado por deuses, que criaram os mortais a partir de elementos da natureza. Prometeu e seu irmão gêmeo Epimeteu foram incumbidos de dar características e meios de sobrevivência aos animais. Epimeteu os abasteceu com garras, patas e similares. Mas, quando chegou a hora de criar seres humanos, os irmãos viram que já tinham dado aos animais tudo o que ajudaria os humanos a sobreviver. Então Prometeu modelou as pessoas a partir da argila molhada com lágrimas, para simbolizar as dificuldades que elas iam enfrentar. Deucalião, filho de Prometeu e sua mulher Pirra, filha de Epimeteu, quando Zeus resolveu destruir os homens da Idade do Bronze por suas iniquidades e vícios com um grande dilúvio, sobreviveram em uma arca construída por conselho do pai e refizeram a humanidade a partir dos ossos da mãe Terra, atirando pedras por sobre o ombro que se transformaram em homens e mulheres. Por sua ousadia em roubar o fogo dos deuses Prometeu foi condenado por Zeus a ser aguilhoado ao Cáucaso e ter suas vísceras devoradas por uma ave de rapina por toda a eternidade.
Entre os romanos, em seu mito particular da formação da urbe encontramos as personagens Rômulo e Remo, os dois irmãos gêmeos que fundaram a cidade estado. Conta o mito que, quando Numitor, rei de Alba Longa, uma poderosa cidade do Lácio, foi destituído pelo irmão Amúlio, sua filha Reia Silvia acabou forçada a se tornar uma virgem vestal, protetora do fogo sagrado. A sacerdotisa era interdita ao casamento e à concepção com a ameaça de pena de morte, assim foi ela impedida para sempre de conceber herdeiros para o trono. No entanto, raptada por Marte, o deus da guerra, deu à luz aos dois gêmeos Rômulo e Remo. Amúlio aprisionou Reia Silvia e abandonou os gêmeos às margens do Tibre. As crianças, porém, foram amamentadas por uma loba, que as encontrou, até que um pastor chamado Faústulo os encontrou e criou os gêmeos próximo do monte Palatino. Quando descobriram suas origens reais os irmãos auxiliaram Numitor a recuperar o trono. Em troca o rei permitiu que fundassem uma cidade às margens do Tibre, no lugar onde tinham sido salvos pela loba. Depois de assassinar Remo, para firmar o principio da inviolabilidade de seu território e do seu poder, Rômulo governou a cidade e aumentou a população ao oferecer asilo aos exilados e malfeitores e sequestrar mulheres das populações vizinhas. Rômulo, o rei sagrado de Roma acabou divinizado, sendo um personagem arquetípico, já que Marte era seu pai e Júpiter seu protetor e quando deixou o mundo num trovão, da mesma forma que o herói tupinambá Monan, foi identificado com Quirino, divindade da tríade protetora de Roma. O fato de acreditar-se serem os irmãos filhos de Marte consagrou o aspecto sagrado da cidade estado, que iria governar todo o mundo antigo. Remo precisou ser sacrificado para legitimar o ato de criação da cidade sagrada semelhante ao primeiro homem no mitema de Manu e Yama como sugere Jaan Puhvel.
Na mitologia nórdica também se destacam os combates entre as deidades divididas em duas familias, os Aesir e os Vanir. O conflito entre os dois clãs era descrito como "a primeira guerra do mundo". Paradoxalmente enquanto os pacíficos Vanir estavam sob vantagem, os agressivos Aesir sofriam uma derrota depois da outra. Como resultado de sua vulnerabilidade crescente, os Aesir acabaram concordando em estabelecer um armistício e garantir aos Vanir a igualdade de status. A trégua era instável e ambos os lados permaneciam em constante estado de desconfiança. A ideia de batalhas intermináveis e da eterna vingança permeava essa cultura como muitas outras em todo o mundo. Há uma preocupação evidente com a dualidade entre a vida na terra e a morte com possibilidade de ressurreição. Freia era a deusa da batalha, da fertilidade e do amor. Seu irmão gêmeo Frei era o deus solar, da bonança e da primavera. Era o deus da paz sendo interdito a entrada de armas em seu culto. Eram-lhe sacrificados animais e, muitas vezes, seres humanos. Freia e seu irmão gêmeo Frei pertenciam à antiga dinastia Vanir, o grupo de deuses nórdicos que precedeu os Aesir. Hel, era deusa da morte. As duas tinham como função receber a alma dos mortos. Associada tanto à guerra quanto ao amor, Freia dividia com Odin as almas dos guerreiros mortos em batalha e levava-os para Asgard. Filha de Loki, deus Aesir, Hel se encarregava das almas daqueles que morriam de morte natural e levava-os para seu castelo no submundo. Diferente da versão cristã do inferno, Hel era o mundo frio das sombras para onde iam as almas dos velhos e doentes, bem abaixo de Yggdrasil, a árvore do mundo.
Conta o mito nórdico que durante três longos anos, o inverno foi rigoroso. a terra mergulhou na escuridão e a humanidade se consumia em guerras. A terra começou a tremer, as árvores foram arrancadas e as montanhas foram abaixo. A serpente de Midgard nadou até a terra, levando com ela ondas gigantescas. Ao quebrar as correntes em que estavam aprisionados, Loki e seu filho o Lobo Fenrir juntaram-se aos gigantes que também se libertaram, o chamado para a guerra logo se espalhou pelos nove mundos. Os deuses se prepararam para a batalha, tal como as almas dos guerreiros que lutavam pelos Aesir. Ao fim da guerra entre os deuses e gigantes, havia muitos mortos e o Universo estava destruído. Então um novo mundo surgiu das chamas. Dois sobreviventes, Lif e Lifthrasir, que tinham se escondido nos galhos de Yggdrasil, deram continuidade à espécie humana. ( Ragnarok - A batalha final )
É muito comum uma figura de palhaço diz Joseph Campbell em sua obra "O Herói das Mil Faces", personagem que se mantém em continua oposição ao bem intencionado criador, nos mitos e contos folclóricos, sendo essa figura responsável pelos males e dificuldades da existência deste lado do véu. Os Melanésios na Nova Bretanha contam sobre um ser obscuro, "o primeiro a existir", que desenhou duas figuras masculinas na terra, furou a própria pele e espargiu os desenhos com seu próprio sangue. Tomou de duas grandes folhas e cobriu as figuras, tendo essas se tornado, pouco depois, dois homens. Seus nomes eram To Kabinana e To Karvuvu.
To Kabinana saiu sozinho, trepou num coqueiro que exibia pequenos cocos amarelos, tirou dois deles, ainda verdes, e os atirou ao solo; os cocos se quebraram e se tornaram duas belas mulheres. To Karvuvu admirou as mulheres e perguntou ao irmão como as havia feito surgir. "Suba num coqueiro", disse To Kabinana, "pegue dois cocos verdes e os atire ao chão" Mas To Karvuvu atirou os cocos com a ponta para baixo e as mulheres que deles saíram tinham narizes feios.
Um dia To Kabinana entalhou um atum na madeira e o fez nadar no oceano, para que ele se tornasse um peixe vivo dali por diante. Esse atum trouxe os malivarãs para a beira do mar e To Kabinana simplesmente os pegou na praia. To Karvuvu admirou o atum e quis fazer um; quando lhe foi ensinado, ele fez, em vez de um atum, um tubarão. Esse tubarão comeu os malivarãs em vez de levá-los para a praia. To Karvuvu, choroso, dirigiu-se ao irmão e disse: "eu não queria ter feito esse peixe; a unica coisa que ele faz é comer todos os outros". "Que tipo de peixe ele é?", perguntou-lhe o irmão. "Bem", respondeu ele, " fiz um tubarão." O irmão replicou: "Você é decididamente um fracassado." "Agora, graças a você, nossos descendentes mortais sofrerão. Esse peixe que você fez vai comer todos os outros, assim como as pessoas."
É interessante notar a semelhança de elementos do conteúdo desse mitema melanésio com um mito dos povos amazônicos em relação aos seus pais criadores, por semelhança, um par de gêmeos. Betty Mindlin registrou em sua obra: "Vozes da Origem", junto aos contadores de estórias Suruí suas narrativas sobre a criação do mundo:
Antigamente, as castanheiras eram arbustos, da altura de um homem. Um dia, os dois irmãos, Palop (Nosso Pai) e Palop Leregu (Nosso Pai Vestido) foram passear."Vamos apanhar castanhas", sugeriu Palop e Palop Leregu subiu numa castanheira. Palop recomendou: "Não olhe para mim, irmão! E enquanto Leregu colhia os ouriços, Palop fez a castanheira ir crescendo, crescendo, até ter a altura que tem hoje. Foi assim que Palop fez as àrvores ficarem altas, para as pessoas caírem. "Não olhe para baixo", avisou Palop. Palop Leregu olhou para baixo e começou a tremer e a chorar de medo: "Por quê você me foi fazer isso irmão?" "Espere aí, não se assuste que vou dar um jeito!" - sossegou-o Palop. "Pode pular, que você vai cair voando como uma folha seca leve, por quê vou transformar você na taturana lokobeti. Você não vai cair com muita força, não." "Olha lá...lá vou eu...Não vai deixar eu me arrebentar com o tombo!" - implorava Leregu. Ele caiu, desmaiou, morreu. Palop pegou uma castanha e quebrou na cabeça dele. Ele acordou chorando. Desde então as pessoas caem sempre, por quê Palop as fez caírem nessa primeira vez. "Por quê você foi inventar isso. Agora nossos filhos sempre vão cair e se machucar!"- reclamou Leregu. "Não se incomode, mais tarde eu os livro dessa invenção."
"Estou com sede!"- pediu Leregu. "Vai na lagoa ali adiante!"- ensinou Palop, e atirou uma pedra na água para Leregu achar o caminho. Quando Leregu se abaixou para beber, a traíra, Mamboti, o engoliu. "Onde está meu irmão"- gritava Palop, aflito. "Irmão!"-chamava-o na beira da água, até ouvir uma vozinha responder, de dentro da barriga da traíra. "Ei, irmão! Estou aqui!" Palop pegou uma varinha e fez secar a lagoa, trazendo o verão, que acaba todas as águas. Cortou, então, a traíra, e libertou o irmão que saiu todo amassado, nem parecia gente. Foi assim que Palop fez os peixes grandes e jacarés nos engolirem, desde esse dia. "Por quê você fez assim comigo? Agora nossos filhos também vão ser engolidos pelos peixes!"- reclamou Leregu. "Sossegue, mais adiante eu acabo com essa invenção!"- prometeu Palop. "E agora, o que mais vamos inventar?"
No que parece uma tolice é possível observar uma explicação válida da dualidade da criação entre "bem" e "mal" A história não é tão inocente quanto parece e esconde o antagonismo latente entre os dois personagens. Para os Suruí, Palop foi o criador de todos os animais que coexistem em seu universo particular de caçadores para os seus descendentes poderem caçá-los e foi ele, como foi Prometeu, que atribuiu suas qualidades e estabeleceu as dificuldades particulares de cada espécie, para desespero do irmão, sempre com a promessa que um dia acabaria com a invenção, o atributo complicador criado para cada espécie que exigiria no futuro a perícia dos descendentes.
"O Universo não atua completamente como se estivesse submetido a supervisão e controle pessoais eficientes. Quando ouço alguns hinos, sermões e orações que consideram como garantido ou asseveram, numa demonstração de ingênua simplicidade, que este vasto e implacável cosmo, com todos os monstruosos acidentes que envolve, é uma jornada perfeitamente planejada e pessoalmente conduzida, lembro-me de uma hipótese mais razoável de uma tribo do leste da África. 'Eles dizem', relata um observador, 'que embora seja bom e deseje o bem para todos, Deus infelizmente conta com um irmão semidotado que sempre interfere naquilo que ele faz.' Isso certamente traz alguma semelhança com os fatos. O irmão semidotado de Deus pode explicar algumas das maléficas e insanas tragédias que a ideia de um indivíduo onipotente, dotado de uma bondade ilimitada em relação a todas as almas, com toda a certeza não explica." ( Harry Emerson Fosdick. As I see religion, Nova York, Ed. Harper and Brothers, 1932, pp 53-54 - ref: Joseph Campbell, o Herói de Mil Faces)
Nas Américas o mito dos gêmeos ressurge entre os nativos da América do Norte e está presente entre os maias em sua obra o Popol Vuh, o registro sobrevivente da mitologia da mesoamérica, ao mesmo tempo histórico e religioso que apresenta uma série de narrativas épicas sobre os deuses e conta como o mundo foi criado. Hunahpu e Xbalanque eram irmãos gêmeos divinos, filhos de Hun Hunahpu, um renomado jogador de pela que foi morto pelos 12 senhores de Xibalba, o mundo subterrâneo dos mortos. Depois de realizar várias façanhas e escapar de armadilhas e vencer todos os jogos de pela rituais, os gêmeos derrotaram os senhores do submundo, vingando o pai e destruindo Xibalba. O nome de Hunahpu significa "aquele que usa a zarabatana", em referência a sua infância, quando caçava pássaros. As manchas pretas na pele são os atributos cadavéricos que identificam sua morte durante a luta com os senhores de Xibalba e depois sua ressuscitação mágica provocada pelo irmão, O nome de Xbalanque significa "sol jaguar" ou "sol oculto" e seus desenhos na pele se distinguiam pelas marcas do jaguar. Os gêmeos eram também associados a dois caules de milho em função da associação ritual ao seu mito agrário particular. Como em outros mitos suas descendências divinas são questionadas pelos meio-irmãos mais velhos, o Macaco que Uivava e o Artesão, tinham medo que as crianças roubassem toda a atenção dos progenitores e tentaram matá-las ainda pequenas jogando-as em um formigueiro sobre um arbusto espinhoso, mas os gêmeos sobreviveram.
O jogo de pela, uma maciça bola de borracha, era a recriação, o eterno retorno, do mito dos gêmeos divinos e tinha papel central nas cerimonias maia. Praticados em todas as cidades, os jogos eram assistidos pelo povo e a nobreza sendo expressão de um ritual antropofágico de morte. Os jogadores dos dois times eram prisioneiros de guerra e disputavam a própria vida. Quem perdesse era sacrificado. O jogo consistia em passar uma bola através de um anel de pedra fincado na parede. Os jogadores deveriam fazer isso sem tocar a bola com as pernas e os braços, só podiam usar o peito, os ombros e o quadril e como a altura da meta era razoável o torneio se tornava extremamente difícil.
Entre os Aztecas no principio havia Ometecuhtli, "Senhor da Dualidade", autocriado, que também se apresentava em seus aspectos masculino e feminino como Ometeotl e Omecihuatl. Os filhos desse casal cósmico formam os quatro deuses do panteão solar, que representavam os quatro pontos cardeais e vieram a exercer seus poderes na crença antropofágica e sanguinária dos povos daquele império. Um dos principais princípios Aztecas era Teotl, traduzido como "Unicidade na Dualidade" - a energia em movimento sempre fluindo e sempre em mudança. Coatlicue representava a parte ctônica do Teotl na qual a terra, que a deusa governava, tanto dava origem à vida quanto abrigava os mortos. A vida e a morte estavam juntas na unicidade. Coatlicue personifica Teotl ao morrer decapitada por Coyolxauhqui, sua filha, a deusa lunar enciumada pela gravidez da mãe. A deusa nutriz ao morrer deu à luz Huitzilopochtli, deus do sol, provedor da vida. Sua jornada celeste diária significa sua luta contra seus inimigos do firmamento e por isso necessitava o auxilio de guerreiros mortos em batalha ou sacrificados para sustentar o globo solar.
Na América do Sul vamos encontrar a mesma temática entre várias nações nativas, cujos elementos estão espalhados por todo o continente. Entre os Bororo em seus mitos de origem uma moça casa-se com o jaguar. Ela morre, do seu corpo tiram-se gêmeos, Bacororo e Itubori, que se mostram, mais tarde, após várias proezas, como os heróis civilizadores e os antepassados da tribo. Depois de vencerem o Aroe Ceba, que era a encarnação do espírito mau que mata e devora os Bororos, deram leis ao seu povo e aos animais, tiveram poder sobre todas as coisas, foram os príncipes deles e dos seus descendentes e o serão para todo o sempre.
Entre os Carajás os dois irmãos ( Aloboderi e seu irmão ) casam-se com as filhas do sol, sendo obrigados pelo sogro a expor-se a três provas, tem importância o mito, por sua frequência entre diferentes grupos, na mitologia comparada. É uma das versões do mito espalhado pela América, que na literatura se tornou conhecido como "A Visita no Céu", e semelhante ao mito antigo japonês de Okuninushi e Susano. Estudando a versão dos araucanos que povoaram toda a América do Sul, o tema do velho mau que impõe aos heróis as três provas tem correlação com análogos eurasiáticos, por intermédio das versões da região da costa pacífica da América do Norte.
E por fim vamos encontrar no mito de criação dos Tupinambás relatado por Thevet o conceito arquetípico que orientou esses e outros mitos comuns não só entre os ameríndios mas entre os povos que segundo os difusionistas migraram até o sul do continente americano através do estreito de Bhering vindos do continente asiático há 20.000 anos atrás aproximadamente. Alguns pesquisadores acreditam na penetração de povos oriundos do Pacifico nesse processo de migração e dados de DNA estão sendo coletados e confrontados para verificar essa nova hipótese migratória polinésica.
O povo Tupinambá ocupava toda extensão da costa oriental do continente sul americano, desde a embocadura do rio Amazonas à foz do Prata por volta do séc. XVI. Esse aborígenes cuja cultura e linguagem apresentam uma profunda unidade, estavam divididos em numerosas nações, que se combatiam em uma eterna disputa por zonas de caça e vingança. Apesar de sua total extinção, por terem se localizado nas zonas litorâneas, de sua cultura existem inúmeros registros que sobreviveram até hoje. Viajantes e missionários tiveram contato direto com seus costumes e deixaram relatos bem documentados. As melhores fontes de informação, no que diz respeito as idéias religiosas dos Tupinambás, com certeza se devem a Thevet. Entre 1550 e 1554 fez duas viagens ao Brasil. Em seus escritos revela os detalhes da Cosmogonia Tupinambá.
A mitologia tupinambá da forma como foi transmitida por Thevet descreve uma linhagem de heróis civilizadores. Diferente da visão judaico cristã seu deus criador foi responsável pela criação do homem, e as demais criações da natureza foram surgindo conforme a intervenção de cada herói fundador. Como os antigos semideuses eurasianos seu deus não detinha a imortalidade. Monan, que pode significar "Pai Grande" ou "Avô", foi responsável também pela destruição da primeira leva humana, em virtude de suas faltas morais, de cuja natureza se ignora. Depois repovoou o mundo, mas modificando seu aspecto, por meio de um dilúvio de fogo e um dilúvio de água.
A dualidade Maire-Monan reforça a ideia de ambivalência do deus. Maire segundo Thevet significa "transformador", a entidade que criou e deu ordem, conforme seu bel-prazer, a todas as coisas, criando e convertendo as coisas em diversas formas, de peixes e pássaros, conforme a região, e metamorfoseando homens em animais conforme as faltas que cometiam ou por seu próprio capricho. Supõem os estudiosos que Monan e Maire-Monan são uma só entidade.
Segundo o mito tupinambá Maire-Monan é descendente de Irin Magé, o primeiro homem salvo do dilúvio por Monan. Thevet supõe que Maire-Monan era um familiar de Monan, já que possuía os mesmos atributos da divindade. Os tupinambás representavam Maire-Monan como um exímio feiticeiro, vivendo num retiro, em jejum e rodeado de adeptos. Era dotado de poderes ilimitados, mas também senhor da ciência completa dos fenômenos naturais e dos significados do ritos religiosos. Foi ele que estabeleceu as práticas sagradas ou mágicas que os Tupinambás observavam escrupulosamente até a chegada do europeu. Dele acreditavam ter aprendido o costume da tonsura, da epilação e do achatamento do nariz dos recém nascidos que os diferia dos outros povos autóctones. Segundo Thevet, o deus fora quem ensinara os interditos alimentares ao desaconselhar a comer carne dos animais pesados ou lentos e incentivar o consumo dos animais ligeiros que por analogia tornam os homens mais agéis.
Maire-Monan, como herói civilizador, foi o introdutor da agricultura entre os antepassados dos Tupinambás, sendo responsável por toda a base vegetal alimentar daquele povo. Sobrevindo um período de extrema fome entre a humanidade, tomado de piedade, transformou-se numa criança, que ao ser surrada provocava ao seu redor chuvas copiosas que molhavam as roças dos índios e ensinou-lhes os usos das plantas medicinais, a precaução com as venenosas e o plantio e cultivo da mandioca, seu principal alimento. O sistema organizacional da sociedade Tupinambá e a maneira de distribuir poderes e atribuições aos indivíduos também era creditado como invenção da divindade.
A vida de Maire-Monan foi cheia de peripécias de toda a ordem e por fim seus inimigos adquiridos dessas aventuras decidiram dar-lhe fim. Foi ele convidado para um festa traiçoeira e foi desafiado a saltar por sobre três fogueiras. Após ter sido bem sucedido na primeira prova, o deus evaporou-se ao pular a segunda e foi assim consumido pelas chamas. Sua cabeça, explodindo, produziu o trovão, enquanto as chamas do fogaréu se transformavam em raios. Imediatamente depois, Maire-Monan subiu ao céu e virou estrela, juntamente com dois de seus companheiros.
Dos mitos e lendas dos Tupinambás surgiram os sincretismos naturais da transmissão oral associando as aventuras do deus a três outros personagens, desdobramentos da mesma pessoa. Pelo menos isso se dá com Sumé, "o grande pajé Caraíba" assim designado por ser o pai dos dois irmãos Aricoute e Tamanduara, os provocadores do dilúvio. Existe uma relação direta entre o dilúvio criado de uma querela entre os dois irmãos e a morte de Maire-Monan que são estruturas de um mesmo mito, já que Sumé possui as mesmas características e poderes do deus. Thevet para dar coerência ao texto prefere estabelecer um parentesco entre os dois, fazendo de um descendente do primeiro. Maire-Atá, outra das manifestações do deus, é o pai dos dois gêmeos míticos e que depois de os formar, ele abandonou a esposa e retirou-se a uma taba próxima de Cabo Frio, onde era reconhecido como feiticeiro poderoso e junto aos seus demônios familiares tornou-se hábil em predizer o futuro. Logo que seus dois filhos, após várias vicissitudes, conseguiram contato com ele, o pai impôs-lhes diversas provas.
Maire-Puxi é mais uma das manifestações do deus civilizador na mitologia Tupinambá. Puxi significa "feio", o que na linguagem conceitual indígena quer dizer "mau". Podemos imaginar nessa expressão a ideia de dualidade, um fragmento de dupla personalidade, sendo o atributo de maldade um dos aspectos da alma dúplice, o culto dos gêmeos está ligado a esse tema. É crença comum entre os povos que partos dúplices são consequência de infidelidade conjugal. O neto de Maire-Puxi, de nome Maire-Atá, casa com uma nativa das terras dos tupinambás, e tendo sido violada, concebe novamente, embora já grávida. Os gêmeos passam pelas mais atribuladas provas, nas quais o filho bastardo sempre sucumbe, só conseguindo voltar a vida graças às faculdades mágicas do irmão, em dependência direta um do outro. O que ocorre com um acontece com o outro também.
Segundo Thevet Sumé (Maire-Atá) teve seus dois filhos, um de nome Tamanduara e outro de nome Aricoute. O primeiro era um bom chefe de familia, que viva entregue aos seus labores agrários; o segundo entendido em assuntos de guerra, só aspirava a dominação dos companheiros e do irmão. A importância desses personagens é quase tão grande quando ao do pai, o herói civilizador, a função dele é concluir a obra da criação e de vir em auxilio da humanidade. Aricoute desprezava o irmão. Guerreiro intrépido e belicoso considerava o irmão um covarde. Para humilhá-lo lançou o braço que o irmão havia trazido de presa de batalha contra a choça de Tamanduara e com seu ato provocou imediatamente a ascensão ao céu de toda a aldeia. Logo Tamanduara bateu o pé na terra, fazendo jorrar imenso caudal de água, que não tardou de cobrir todo o mundo conhecido. Os dois irmãos acompanhados de suas mulheres salvaram-se trepados às árvores e depois repovoaram o mundo. Tamaduara subiu na Pindua (Palmeira) e Aricoute subiu no Jenipar. Pretendem os tupinambás descender de Tamanduara e os timininós de Aricoute.
Entre os Chipaias existe uma variante do mito da criação, possivelmente influenciada por agentes externos provenientes da região andina, que se identificam com o imaginário daquelas culturas e recorre ao culto do deus civilizador. KumáPari, filho do deus de mesmo nome, cria os homens, dá-lhes o fogo e depois retira-se para um lugar intermédio entre a terra e o céu, onde vive, cercado dos familiares e dos curandeiros de sua convivência. Seu aspecto é o do jaguar, e conserva bem acentuado seus hábitos antropofágicos. Os Chipaias, em sua condição natural, rendem-lhe culto, consagrando-lhe mulheres, erguendo-lhe ícones de estatuária e ofertando-lhe carne humana.
As variantes sobre o mesmo tema são encontradas entre todos os povos da América do Sul em relação ao culto à Monan-Maira. Os nomes são diversos, mas as semelhanças são inquestionáveis. É surpreendente pensar que nações distintas e tão distantes umas das outras possuam tal intersecção cultural que remonta pelo menos há 10.000 anos.
PERSONAGEM
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MITEMA
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CIVILIZAÇÃO
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PROMETEU / EPIMETEU
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FOGO / DILÚVIO / FUNDAÇÃO
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GREGOS - ARIANOS
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GILGAMESH / ENKIDU
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DILÚVIO / RITOS DE MORTE
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SUMERIOS - SEMITAS
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CASTOR E PÓLUX
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RITOS DE MORTE
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GREGOS - ARIANOS
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ROMULO /REMO
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FUNDAÇÃO / RITOS DE MORTE
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ROMANOS - ARIANOS
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FREIA E FREI
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RITOS DE MORTE
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NÓRDICOS - ARIANOS
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LIFT E LIFTHRASIR
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FUNDAÇÃO
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NÓRDICOS – ARIANOS
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TO KABINANA / TO KARVUVU
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FUNDAÇÃO / RITOS DE MORTE
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MELANÉSIOS
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PALOP / PALOP LEGERU
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FUNDAÇÃO /RITOS DE MORTE
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SURUI - AMERINDIOS
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Hunahpu / Xbalanque
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FUNDAÇÃO /RITOS DE MORTE
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MAIAS - AMERINDIOS
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Ometeotl e Omecihuatl
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FUNDAÇÃO /RITOS DE MORTE
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MEJICAS - AMERINDIOS
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Bacororo e Itubori,
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FUNDAÇÃO /RITOS DE MORTE
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BOROROS - AMERINDIOS
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Aricoute e Tamanduara
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FUNDAÇÃO /RITOS DE MORTE/ DILÚVIO
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TUPINAMBÁS -AMERINDIOS
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Os papéis são sempre os mesmos. São eles seres semidivinos, raptores de mulheres, ladrões do fogo que fundaram suas comunidades, heróis que habitam o submundo e renascem ou ressuscitam, são os sobreviventes do dilúvio universal, talvez o testemunho de experiências primevas reais transmitidas através da tradição oral por gerações pelos contadores de histórias das tribos, que habitavam os grandes espaços surgidos depois da última Idade do Gelo. São relatos coerentes dentro do imaginário desses povos de caçadores coletores e seus descendentes que, alguns deles, criaram civilizações sofisticadas e estilizaram tais heróis por desconhecerem as origens e a antiguidade dos próprios mitos. Eles são transgressores, iludem os deuses, e lutam em favor da humanidade. São os guerreiros primordiais, os vingadores, que executam proezas e sua dualidade expressa o atrito entre o par de opostos, a disputa eterna entre o chacal e o leão, o coiote e o lobo, o puma e o tamanduá, as versões totêmicas que por analogia de atributos disputam a esperteza versus a força. Um dos gêmeos é o "Bem Amado", ele representa o outro, a outra metade que deve se sacrificar pela tribo, a vitima do festim antropofágico que sucumbe na festa traiçoeira, cuja semelhança, nada mais nada menos é a faceta, o lado humano da dupla que vai habitar o submundo, enquanto o outro é a parcela divina que ascende, a chama eterna que ilumina o caminho da humanidade nessa jornada pelas trilhas de um mundo assustador e cheio de desafios para uma humanidade ainda incipiente e a mercê dos cataclismos da mãe natureza.
O Ragnarok, quando Odin e seus guerreiros, os heróis caídos do Valhala que tinham morrido na terra de armas na mão e que lutavam uma batalha interminável para de noite ressuscitar e participar do banquete nos salões do Valhala e que vão ser todos derrotados conforme as crenças dos nórdicos também possuem referências entre os ameríndios. Em vez de um lobo, um Jaguar Celeste Azul vai devorar o mundo. Pode ser que o mito em questão esteja relacionado apenas ao fim de um ciclo celeste e o começo de outro, uma ressurreição. Para os ameríndios e outros povos guerreiros só os mortos em batalha e as vítimas dos banquetes da antropofagia ritual tinham direito ao céu. As tribos tupis eram messiânicas à sua moda. Seu benfeitor, Maire, como o Cristo, era ao mesmo tempo a vitima de um sacrifício ritual. Os seus mitos os acusavam de ingratidão por ter matado seu benfeitor. Eles passavam a vida emulando os atos dos perseguidores de Maire, ao mesmo tempo em que pretendiam agir à sua imagem. Em suas disputas por vingança com os inimigos tradicionais muitas vezes tinham que sofrer a sorte que destinavam aos outros, mas então era quando acreditavam ascender para uma glória eterna e imperecível, a morte do guerreiro.
O Ragnarok, quando Odin e seus guerreiros, os heróis caídos do Valhala que tinham morrido na terra de armas na mão e que lutavam uma batalha interminável para de noite ressuscitar e participar do banquete nos salões do Valhala e que vão ser todos derrotados conforme as crenças dos nórdicos também possuem referências entre os ameríndios. Em vez de um lobo, um Jaguar Celeste Azul vai devorar o mundo. Pode ser que o mito em questão esteja relacionado apenas ao fim de um ciclo celeste e o começo de outro, uma ressurreição. Para os ameríndios e outros povos guerreiros só os mortos em batalha e as vítimas dos banquetes da antropofagia ritual tinham direito ao céu. As tribos tupis eram messiânicas à sua moda. Seu benfeitor, Maire, como o Cristo, era ao mesmo tempo a vitima de um sacrifício ritual. Os seus mitos os acusavam de ingratidão por ter matado seu benfeitor. Eles passavam a vida emulando os atos dos perseguidores de Maire, ao mesmo tempo em que pretendiam agir à sua imagem. Em suas disputas por vingança com os inimigos tradicionais muitas vezes tinham que sofrer a sorte que destinavam aos outros, mas então era quando acreditavam ascender para uma glória eterna e imperecível, a morte do guerreiro.
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