O economista Yanis Yaroufakis, ex-ministro da Economia da Grécia, teve uma rara conversa com Julian Assange, o fundador do Wikileaks sobre economia e geopolítica. Rara porque Assange se encontra hoje num presídio de segurança máxima em Londres e só pode usar o telefone de vez em quando. Ontem, foi um desses dias e ele escolheu Varoufakis para falar sobre a crise atual.
Formalmente, Assange está preso por violação da fiança, e todas as evidências contribuem para a interpretação de que, na verdade, é um preso político.
Assange aguarda o julgamento sobre o pedido de extradição dos Estados Unidos, onde querem condená-lo à prisão perpétua, por ter divulgado informações de interesse público, através do Wikileaks. Está preso, portanto, por exercer a liberdade de expressão.
Apesar da perseguição, Assange continua lúcido. Depois de ouvir o relato de Varoufakis sobre a economia nestes tempos de coronavírus, ele concluiu que líderes de extrema direita, como Donald Trump, podem se beneficiar.
“Isso beneficiará Trump, que sabe como alimentar a raiva das multidões em relação às elites educadas da classe média alta”, disse.
Yaroufakis, integrante do DiEM25 (movimento progressista pan-europeu para democratizar a Europa antes que esta desintegre) concordou. O ex-ministro da economia da Grécia vê o mundo parecido com o da década de 1920, quando houve a ascensão de Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha.
Outro ponto importante na conversa dos dois: o valor de mercado das empresas continua alto, apesar da baixa demanda mundial em razão da pandemia. O mundo das corporações e do mercado de capitais está descolado da realidade. Entenda por que com a leitura do texto publicado no blog pessoal de Yaroufakis:
Assange me ligou agora há pouco, às 14h22, horário de Londres, para ser mais preciso. Da prisão de segurança máxima de Belmarsh, é claro. Esta não é a primeira vez, mas, como vocês podem imaginar, toda vez que ouço a voz dele, sinto-me honrado e comovido por ele telefonar, quando tem poucas e espaçadas oportunidades de fazer ligações.
“Queria uma perspectiva sobre os desenvolvimentos mundiais por aí – não tenho nada aqui”, disse ele. O que, claro, me colocou um fardo considerável para articular pensamentos sobre o destino do capitalismo durante essa pandemia e as repercussões de tudo isso sobre política, geopolítica, etc. Essa tarefa se tornava mais difícil, tendo em mente que, a qualquer momento, as autoridades penitenciárias interromperiam nossa discussão.
Numa tentativa frágil de pintar um quadro para ele num cenário mais amplo possível, compartilhei com Assange meu pensamento principal das últimas semanas:
Nunca antes o mundo do capital (isto é, os mercados financeiros, que incluem os mercados de ações) esteve tão dissociado do mundo das pessoas reais, das coisas reais – da economia real.
Observamos que enquanto o PIB, a renda pessoal, os salários, as receitas da empresa, as pequenas e grandes empresas, estão colapsando, o mercado de ações permanece relativamente incólume. No outro dia, a Hertz declarou falência. Quando uma empresa faz isso, seu preço das ações chega a zero. Mas não desta vez. Agora, a Hertz está prestes a emitir US $ 1 bilhão em novas ações. Por que alguém compraria ações de uma empresa oficialmente falida? A resposta é: porque os bancos centrais imprimem cadeias de montanhas de dinheiro que dão quase que de graça aos financiadores para comprarem qualquer pedaço de lixo flutuando na bolsa de valores.
“Zumbificação completa das corporações”, é como eu coloco isso para ele. Assange comentou que isso prova que governos e bancos centrais podem manter as corporações à tona mesmo quando não vendem praticamente nada no mercado. Eu concordei. Mas também apontei um grande enigma que o capitalismo enfrenta pela primeira vez: a impressão de dinheiro do Banco Central mantém os preços dos ativos muito altos, enquanto o preço das “coisas” e os salários caem. Essa desconexão pode continuar crescendo. Mas, enquanto a Hertz, a British Airways etc. podem sobreviver dessa maneira, eles não têm na verdade motivos para demitir metade da força de trabalho e cortar os salários da outra metade. Isso cria mais deflação/depressão na economia real. O que significa que os Bancos Centrais precisam imprimir cada vez mais e mais para manter os ativos e os preços das ações altos. Em algum momento, as massas se rebelarão e os governos estarão sob pressão para desviar alguma renda para eles, mas isso esvaziará os preços dos ativos. Mas aí, como esses ativos são usados pelas empresas como garantia para todos os empréstimos que eles tomam para permanecer à tona, eles acabaram por perder o acesso à liquidez. Uma sequência de falhas corporativas começará em circunstâncias de estagnação. “Não acho que o capitalismo possa sobreviver facilmente, pelo menos não sem grandes conflitos sociais e geopolíticos a esse enigma”, foi minha conclusão.
Assange pensou nisso por um momento e me perguntou: “Qual a importância do consumo para o capitalismo? Que porcentagem do PIB está em jogo se o consumo não se recuperar? As empresas precisam de trabalhadores ou clientes? ” Eu respondi que isso já chegou a um ponto que poderia fazer com que esse enigma se concretizasse. Sim, os Bancos Centrais e os robôs podem manter as empresas sem clientes ou trabalhadores. Mas os robôs não podem comprar as coisas que produzem. Portanto, este não é um equilíbrio estável. As perdas na renda das pessoas vão acelerar, gerando um descontentamento crucial.
Assange então disse algo como: “isso beneficiará Trump, que sabe como alimentar a raiva das multidões em relação às elites educadas da classe média alta.” Concordei, dizendo que o DiEM25 vem alertando desde 2016 que o socialismo para a oligarquia e austeridade para o resto, no final, alimenta a extrema direita racista. Que estamos experimentando novamente o que aconteceu na década de 1920 na Itália com a ascensão de Mussolini.
Assange concordou inteiramente e disse: “sim, tal como naquele momento como uma aliança entre as pessoas ricas e a classe trabalhadora descontente está se formando”. Ele então acrescentou que a maioria dos prisioneiros e oficiais da prisão de Belmarsh apóia… Trump. Nesse ponto, a conexão foi cortada. Nossa conversa durou 10 minutos . Era mais substantivo e, é claro, mais comovente do que qualquer conversa que eu tive há algum tempo.
(Fonte:https://autonomialiteraria.com.br/o-que-acontecera-com-o-capitalismo-apos-a-pandemia-uma-rara-conversa-entre-julian-assange-e-yanis-yaroufakis/?fbclid=IwAR39lbfrx8NMBuiD8fXUPnGMDHTgtnQ1zet0EhCoOvcdiA98hvAAYyqQxIc)
Depois de dez anos pesquisando a condição humana e observando a evolução dos acontecimentos mundiais recentes podemos fazer uma análise um tanto pessimista do andamento da humanidade nos primeiros anos do séc. XXI. e apesar dos grandes avanços tecnológicos ou mesmo por causa deles antevemos um futuro crítico como espécie dominante do planeta. Contra o conceito humanista do marxismo se contrapôs novamente uma nova construção ideológica conservadora trazida como vanguardista de darwinismo social. Verdadeira profecia auto imposta da Lei do Eterno Retorno, de ciclos repetitivos da história. Em meio a uma pandemia a humanidade ainda prioriza a exploração da mais valia, da substituição da mão de obra humana pela automação dos meios de produção. O mundo gesta um novo conflito de dimensões mundiais fomentado pelo complexo industrial militar. Grandes recursos que poderiam garantir a bem aventurança dos povos estão sendo desviados para a produção de armamentos e produtos correlatos. A Rede Mundial de Computadores por exemplo originou-se da necessidade dos EUA controlarem seus recursos militares espalhados no planeta e hoje atende grande parte do mundo ocidental, sempre apresentada como produto da democracia, baluarte da livre expressão do indivíduo dentro da aldeia global virtual. Entretanto e apesar do sucesso das comunicações humanas em termos globais o indivíduo comum não tornou-se mais sábio. Pelo contrário, o processo de massificação instaurou-se com a pasteurização da informação e sua difusão pela rede mundial identificada como indústria cultural para um público cada vez menos exigente de conteúdo e com sentido crítico atrofiado pelas más condições de educação e cada vez mais deslumbrado pela forma. As distopias vislumbradas no começo do século passado por Huxley e Orwell começam a ter algum sentido profético pelos grandes avanços do controle cibernético da sociedade atual e a pequena evolução moral e social do homem comum perante os novos desafios civilizacionais que surgem nos grandes centros urbanos. Vivemos uma verdadeira guerra na periferia das megacidades. A explosão demográfica fenomenal e o êxodo urbano condenam grande parte da população mundial a conviver em areas cada vez mais exíguas e em condições de saneamento cada vez mais precárias principalmente nos centros do Hemisfério Sul. Caminhamos de muitas formas para futuros conflitos regionais e talvez um grande conflito mundial entre as grandes potências na busca incessante pelo espaço vital e por recursos naturais cada vez mais disputados pelo capitalismo para manter a unidade de suas conquistas de terras, e gentes. Esta é a nossa atual realidade. Multidões são tangidas para as fábricas e prestadoras de serviço numa Pandemia enquanto os meios de comunicação estatal alardeiam que é preciso ter coragem e fazer seguir o povo em coletivos lotados, verdadeiros navios negreiros, enquanto a classe dominante se esconde em seus santuários devidamente higienizados e seguros. Nunca uma epidemia conseguiu expor tão claramente para o homem comum a disparidade, o paradoxo social de onde habita e como ele, o individuo, é desconsiderado pelos donos dos meios de produção. Vivendo em um verdadeiro sistema antropofágico, mecanismo cruel e sem piedade, em plena pandemia, mesmo assim milhões vão sendo colocados no desemprego sobrevivendo dos sistemas sociais com menos de cento e cinquenta dólares por mês, ou até em pior condição, sem recurso algum, em plena recessão econômica mundial. Estamos em termos humanos sentados num paiol de pólvora prestes a explodir, num verdadeiro matadouro urbano, onde o indivíduo percebe suas liberdades individuais serem sequestradas e reprimidas a cada dia, torna-se o homem comum refém do sistema enquanto o caos se instaura. No Ocidente grupos armados surgem nas periferias para disputar com o estado suas atribuições. O capital assumiu uma nova roupagem com mercenários usando máscaras e fuzis automáticos, grupos armados cometendo assassinatos programados contra a população inocente para extorquir dinheiro e/ou implantar um regime de terror baseado na violência para obter poder politico. O confronto urbano se torna cada vez mais provável. Vivemos hoje a grande crise de falta de liquidez do mercado global. O mercado de ações está completamente descolado da realidade. Grandes quantidades de recursos financeiros estão sendo transferidos dos estados para os respectivos sistemas bancários e corporações enquanto os sistemas previdenciários e de saúde são desmontados por políticas liberais adotadas a revelia das populações. Enquanto isto os pequenos e médios negócios estão sendo tragados pelo redemoinho da crise em direção a insolvência. Este castelo de cartas está prestes a ruir e quem pagará mais uma vez a conta final será o homem comum. Ao longe, no Oriente Próximo, em lugares onde a humanidade deu seus primeiros passos em direção à civilização, cidades milenares até pouco tempo atrás prósperas estão em ruínas destruídas por bombas inteligentes e fogo de artilharia. Muros impedem o ir e vir de numerosos grupos étnicos. As grandes potências jogam seu xadrez mortal. O meio urbano é o próximo campo de batalha. A necropolítica deixa de ser tema de ficção científica de filmes classe B e passa a compor as políticas sociais de nações que se acreditam cristãs. As pseudo elites buscam santuários para fugir da guerra. Assim faziam os romanos antes da crise que determinou o fim da pax romana.
Da Guerra -
A guerra como ritual antropofágico velado sincretizou-se como ação política dos Estados para impor seus respectivos interesses econômicos desde o final do século. A profissionalização das forças de repressão tornou obsoleto o cidadão soldado pela necessária especialização na arte de matar. Vivemos novamente a época dos mercenários da guerra que sempre foi lucrativa atividade econômica. Mesmo a segurança das cidades foram entregues a profissionais pagos pelo estado para terceirizar a aplicação da violência necessária e conter as crescentes multidões de desempregados e minorias étnicas. Somente o setor da segurança interna possui um mercado bilionário no mundo todo. A tecnologia dá saltos gigantescos nesta área de controle social e repressão das massas. Entretanto a crescente concentração demográfica de áreas pobres super povoadas aumenta cada vez mais a demanda por dispositivos mais letais que possam ser utilizados no meio urbano. Já se considera normal o uso de artilharia aérea em áreas urbanas pobres superpovoadas como se tratasse de um território inimigo.
Enquanto isto uma casta privilegiada de administradores de corporações e governos pretende ficar protegida em algum santuário murado e cheio de câmeras. Nietzsche está sendo relido nestes condomínios fechados e entendido pelo seu viés mais polêmico. A verdade que parecia cristalina no pós guerra em busca de um novo caminho para a humanidade perdeu-se na queda da URSS e nas sucessivas derrotas de governos populares na África e América do Sul vencidos por assassinatos seletivos e golpes de estado fomentados e perpetrados por fantoches controlados pelas grandes potências em especial os EUA e seus satélites europeus. O fascismo que parecia ter sido vencido está mimetizado na paisagem capitalista e ressurge com toda força para justificar uma nova era sem direitos para o cidadão comum. Quando há uma ameaça real de socialização dos meios de produção, o fascismo pós-moderno galvaniza contra ele o ressentimento das classes médias mais baixas através da indústria cultural controlada pela classe dominante.
Gengis Khan, o comandante dos mongóis que assolou e conquistou grande parte da Ásia, e criou um dos maiores impérios do mundo costumava exaltar seus guerreiros com as qualidades inerentes aos cavaleiros nômades: aterrorizar e matar seus inimigos, roubar seus cavalos e possuir as mulheres dos mortos. Todos os povos de cavaleiros oriundos das estepes tinham mentalidade semelhante como sabemos desde a época dos Citas, Medas e Persas relatados por Heródoto. Foi o sedentarismo que, em termos, aplacou sua conduta beligerante de carácter antropofágico. A necessidade de pastorear os povos conquistados, conseguir de seus escravos o fruto do trabalho dos campos para forragear as montarias de que necessitavam e alimentar seus rebanhos sem permitir custosas rebeliões decorrentes do desespero de quem não tem nada a perder amainou seus costumes sangrentos oriundos da pré-história. Os mongóis foram a ultima horda que assolou parte da Europa e dominou por gerações boa parte da Ásia, o Indo e a China impondo seus valores de dominação baseado em suas crenças religiosas de supremacismo e antropofagia primeva. São o exemplo da ideologia vigente entre seus antecessores que invadiram a Europa em levas sucessivas desde priscas eras. Destes dominadores surgiram as castas dominantes e dinastias reais que até hoje ocupam os tronos de países do Velho Mundo. A ideia de classes foi orientada neste sentido, como evolução do conceito de castas, e influenciou o pensamento das republicas e seus parlamentos de notáveis criados em seu bojo existentes até os dias de hoje.
O nazifascismo apropriou-se destes símbolos de forma desmedida. Já o positivismo de Comte se apropriava da ideia de estratificação social que possui tradição escravista. A guerra é um de seus seu subprodutos. Um grande ritual antropofágico onde reis e presidentes imolam seus povos de forma ordenada e metódica.
Para os que detêm o poder seus comandados são apenas comida.
Nietzsche -
"O homem é uma corda esticada entre o animal e o super homem": disse Nietzsche em uma passagem de "Assim falou Zaratrusta". O arquétipo perfeito do "animal loiro, de ascendência nobre, alta estatura, vigoroso, inteligente, amante das artes, mas também sensual, violento, infiel, travesso, cruel, dotado de uma moral de senhorio frente a uma moral de escravos" que o autor identifica como sendo as mesmas ideias humanistas dos cristãos. Nietzsche é inimigo do humanismo de massas, deplora a "verde alegria de pastar da multidão". A luta, conforme seu critério, o fundamento da vida, na qual o vigoroso e saudável sempre triunfa sem piedade alguma sobre o débil. O importante para Nietzsche não é a conservação da vida individual, mas sua exaltação e superação. Segundo Nietzsche, não está em jogo "a maior felicidade possível do maior número possível", o que importa é que o homem nobre procura sua obra, não a felicidade; somente deve poder suportar sofrer mais que os outros. O homem nobre assim será cruel, sacrificará seus companheiros, será disciplinado, praticará a violência e será sagaz na guerra. Acreditava no ressurgimento de uma elite masculina, uma "besta de caça" (Raubtier=Predador) cuja vontade não tenha sido domada pelo efeito feminizante da moral cristã e burguesa. O super homem não pode tolerar o povo comum. Ele é feliz ao sobrepujar aqueles que vivem das falsas esperanças do cristianismo que Nietzsche considerava uma religião de escravos. Os valores da sociedade teriam sido inventados pelos fracos para que pudessem criminalizar os atos dos mais fortes. Se os fracos não conseguem se elevar ao nível dos que estão acima, podem tentar ao menos traze-los para baixo, para colocá-los no mesmo nível. Eles praticam assim o ressentimento do ordinário sobre o extraordinário.
Do culto persa de Zoroastro, Nietzsche tomou o dogma do "Eterno Retorno de todas as coisas". Pretendia um ciclo contínuo onde os eventos são repetidos em função da finitude dos seus elementos inclusive aquilo que é ruim e o homem deve suportar toda a repetição. Ao homem só resta o amor ao destino. A sublime finalidade é a própria vida e sua superação.
Este pensador polêmico e muitas vezes contraditório, por muitos estudiosos é considerado muito mais um poeta que um filósofo, reflexo do pensamento do seu tempo. Entretanto uma leitura apurada de seus escritos notamos que ele tentou a síntese do pensamento clássico, dos povos nômades que vieram do Leste, uma idealização romantizada do cavaleiro nômade, dos povos de origem ariana que sujeitaram os moradores mais antigos da península européia em tempo remoto. Ao tentar destruir os dogmas judaico cristãos vigentes na época recorreu ao passado clássico com uma visão romântica, proto-fascista, supremacista, comum a de muitos intelectuais do fim do século XIX.
De La Boétie -
Segundo Jared Diamond, renomado antropólogo, em sua obra "O Terceiro Chimpanzé" os estudos feitos em décadas recentes documentam mortes provocadas de diversas espécies animais, mas certamente não de todas. O massacre de um individuo ou de um bando vizinho pode ser benéfico para o animal se com isso ele puder se apossar do território, dos alimentos ou das fêmeas do vizinho. Mas os ataques também envolvem certo risco para o atacante. Muitas espécies animais não tem meios para matar seus pares e, dentre as espécies que os têm, algumas se contêm. Uma análise de custo e beneficio do assassinato parece extremamente repugnante, mas ela nos ajuda a entender por que o assassinato só é preponderante em algumas espécies animais.
Nas espécies não sociais, os assassinatos são necessariamente de um individuo por outro. Contudo, nas espécies sociais carnívoras, como leões, hienas e formigas, o assassinato pode adquirir a forma de ataques coordenados de membros de um bando contra membros do bando vizinho, quer dizer, massacres ou "guerras". Sua forma varia conforme a espécie. Os machos podem poupar as fêmeas e cruzar com elas, matar os filhotes e expulsar (macacos langures) ou até matar (leões) os machos vizinhos; machos e fêmeas podem ser mortos (lobos). Por exemplo, Hans Kruuk relata a luta entre duas alcatéias de hienas na cratera Ngorongoro, da Tanzania:
"Aproximadamente uma dúzia de hienas...atacou um dos machos e mordeu-o onde pôde - especialmente barriga, pés e orelhas. A vitima foi completamente coberta pelos agressores, que passaram cerca de dez minutos atacando-a...o macho foi literalmente destroçado, e mais tarde, quando examinei os ferimentos de perto, parecia que suas orelhas, seus pés e testículos haviam sido arrancados, ele estava paralisado por uma lesão da espinha, tinha grandes feridas nas patas traseiras e na barriga e hemorragias subcutâneas por toda a parte."
Prossegue Jared Diamond: Para compreender nossas origens genocidas, é particularmente interessante analisar o comportamento de dois de nossos parentes mais próximos: o gorila e o chimpanzé comum. Algumas décadas atrás, qualquer biólogo pressumia que nossa habilidade para manejar ferramentas e fazer planos em grupo fazia de nós mais assassinos que os primatas antropoides - se é que estes podiam ser assassinos. No entanto, descobertas recentes sugerem que um gorila ou um chimpanzé comum tem tanta chance de ser morto como qualquer humano comum. Entre os gorilas, por exemplo, os machos lutam entre si pelo domínio do harém de fêmeas, e o ganhador pode matar os filhotes do perdedor e o pai. Essas lutas são a principal causa de mortes de filhotes e adultos machos entre os gorilas. Ao longo da vida, a mãe gorila tipica perde ao menos um filhote pelas mãos de machos infanticidas. Assim, 38% das mortes de filhotes de gorilas se deve ao infanticídio. Já relatamos em outro capitulo da Odisseia Antropofágica como os chimpanzés comuns se organizam e fazem suas guerras por território e rapto de fêmeas conforme relatos de Jane Goodall na observação destes antropoides. Não é por acaso que este também seja o tema recorrente na história da humanidade sempre presente nos contos e romances.
ver também: https://odisseiaantropofagica.blogspot.com/2015/09/ser-onivoro-ii-cultura-de-massa-e-o.html
Étienne De La Boétie em seu clássico Discurso sobre a Servidão Volutária remete aos animais para descrever como podemos aceitar ser dominados contra todos os instintos da natureza:
"Quando os homens não se fingem de surdos, as próprias bestas, valha-me Deus!, gritam-lhe: Viva a Liberdade! Muitas delas morrem assim que são capturadas: como um peixe que padece fora d'agua, entregam-se à escuridão e não têm mais desejo de sobreviver à perda de sua liberdade natural. Se os animais tivessem entre si alguma preeminência, fariam destas bestas a sua nobreza. Os outros, dos maiores aos menores, quando capturados, resistem com unhas, chifres, bicos e patas que evidenciam o quanto estimam aquilo que perdem; e, uma vez confinados, manifestam tão explicitamente a consciência de seu infortúnio que fica claro que estão desfalecendo em vez de viver, que dão continuidade a vida mais para lamentar a felicidade perdida que para contentar-se em servir: Quer dizer do elefante que, tendo se defendido com todas as forças e não vendo mais saída, prestes a ser capturado, crava o maxilar e quebra as próprias presas nas árvores senão que seu grande desejo de permanecer livre como está inunda-lhe a mente e incita-o a negociar com os caçadores na esperança de que possa continuar livre em troca de suas presas e de que, ao ceder seu marfim, possa pagar esse resgate por sua liberdade? Apascentamos o cavalo desde que nasce para acostumá-lo para acostumá-lo a servir; e, por mais que o acariciemos, quando está sendo domado ele morde o freio, escoiceia contra a espora, como que para mostrar à natureza e declarar, ao menos dessa forma, que serve não por vontade própria, mas por imposição nossa.
(...)Pois bem, se todos os seres sencientes rapidamente constatam o mal da sujeição e a necessidade da liberdade, e se nem as bestas, mesmo sendo criadas a serviço dos homens, conseguem se acostumar a servir sem manifestar desejo oposto, que terrível desencontro foi esse que tanto desnaturou o homem, o único realmente nascido para viver em liberdade, e o fez perder a lembrança de seu estado original e o desejo de resgatá-lo?
Etienne de La Boétie em 1549,soube expressar a questão da forma mais grave. Por sua natureza, o homem é livre; e o exemplo dos animais que preferem morrer a ser subjugados deveria fortificá-lo nesta disposição; pela linguagem, ele entra em amizade e em sociedade com outros homens; essa sociedade deveria lhe bastar. Mas ele se deixa sempre invadir pela dominação.
Para compreender essa submissão, é preciso evocar a dominação do mais forte? Por que centenas de milhares, de milhões de indivíduos se rebaixam a ponto de receber ordens de uma só pessoa? Será correto evocar o interesse? Que interesse pode haver em se deixar saquear, espoliar e subjugar? Será que se impõe uma razão superior? Mas que razão, quando é evidente que as ordens decorrem do capricho do soberano e, no caso da imensa maioria, são prejudiciais a ela? Por qualquer ângulo que se tome a questão, ela ainda continua em certa medida sem resposta.
O Fascismo -
Muitos sugerem que Nietzsche foi uma das inspirações do fascismo, mas é bem mais provável que tenham sido os fascistas que tenham incorporado suas ideias bem como a de outros filósofos em voga na época como Spengler e Heidegger que em parte justificavam sua ideologia. Portanto vale ressaltar brevemente alguns pontos da doutrina fascista:
- O fascismo foi uma revolta contra a razão: a vontade e a ação se justificavam pelos próprios fins.
- A Obediência era devida a uma lei superior: uma vontade objetiva.
- O dever, a autoridade e a disciplina substituíam a felicidade e a liberdade.
- O Estado era da mais alta importância e dirigia o sistema econômico.
- Todas as classes econômicas deveriam se harmonizar pelo bem da unidade do Estado..
- Apelava-se a emoção para liberar a energia das pessoas.
- O Parlamento e o Judiciário não eram independentes: suas funções eram subordinadas pelo ramo executivo do governo.
- A forma ideal de organização era a disciplina militar.
- A nação era creditada com o dom do instinto que lhe permitia selecionar um lider e segui-lo.
- O principio politico central era "o lider" e abaixo dele "uma serie ascendente de personalidades".
-A "pureza étnica" era estimulada.
(Fonte: História Concisa da Filosofia de Sócrates a Derrida - Derek Jonhston - Ed. Rosari - 1° ed. - 2008 - pág. 133)
Dizem alguns estudiosos que Nietzsche por certo não iria concordar com todos estes paradigmas. Ele era antes de tudo um individualista. Suas ideias entretanto foram adotadas com paixão pela elite dominante européia que via nelas o respaldo filosófico para suas ações supremacistas globais. Principalmente nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Com certeza nem o filósofo acreditaria na repercussão de sua obra entre os intelectuais com crenças chauvinistas e autoritárias das épocas posteriores. Mesmo hoje vemos nas redes uma adoração crescente por suas alegorias e máximas entre as novas gerações como exemplo de vanguardismo quando seu ideário era baseado no que de mais primitivo herdamos da cultura européia. A vocação antropofágica do ser humano.
Sobre o fascismo podemos dizer que possui seu próprio processo dinâmico e muitas facetas, principalmente de ordem econômica que transcendem uma definição prosaica da ideologia. Elencar o Estado total na lista poderia induzir a confusão entre fascismos e socialismos; Estado racial, se não implicasse uma assimilação abusiva da Itália mussoliniana com a Alemanha de Hitler; Estado-Povo, se esta tradução do alemão volklisch não privilegiasse apenas um termo (povo) em detrimento do outro (raça), quando precisamente o sentido da palavra os funde. Sendo o termo mais apropriado o Estado-Força, embora todo Estado funcione em maior ou menor medida com a coerção, mas o nazismo, os fascismos e as doutrinas contra-revolucionárias que os precederam de forma sangrenta na Ásia e nas Américas tem em comum uma luta por um Estado forte, que não possa ser limitado pelo direito, com o apoio ou não de potências externas, sem nem mesmo apresentar a desculpa ou o pretexto de uma futura auto extinção.
Isso não anula que ocorram entrecruzamentos entre o poder politico e o poder econômico pseudo liberal, nem que qualquer classificação intelectual tenha por objetivo tomar partido. Mussolini começou sua carreira como socialista revolucionário e não precisou de nenhuma ruptura radical para chegar ao fascismo. Como é verdade também que Maurras, célebre direitista na França do início do séc. XX, por suas nostalgias, liga-se mais a Chateaubriand do que a Hitler. A história da humanidade nos convida a uma pluralidade de associações; onde o que menos importa é o jogo das filiações, mas a revelação dos seus efeitos reais produzidos por esta ou aquela ideologia ao ser colocada na prática. Charles Maurras não atraiu ninguém para o liberalismo democrático; ao contrário, ele não foi estranho a aceitação do nazismo como boa parte das elites politicas, econômicas e intelectuais francesas que simpatizavam e apoiavam a ideologia por questões de poder.
O mesmo vem ocorrendo hoje em relação as ideologias mais novas. Muitas se acreditam libertárias e de vanguarda quando na verdade possuem em sua estrutura e finalidade uma vocação supremacista e sectária natural da classe burguesa.
Mesmo que Nietzsche não tenha imaginado os horrores subsequentes das duas guerras mundiais foi o pensador que recriou o mitema do "Super Homem" (Uberman) transformador do mundo além do pecado e da culpa numa Europa ainda barbara que queria purgar seus sentimentos de culpa cristãos advindos do pecado do imperialismo numa grande hecatombe humana.
Nosso Destino -
Predadores fenomenais atingimos todas as latitudes do planeta. Invadimos os últimos santuários da Natureza com nossa voracidade de seres onívoros reduzindo o planeta e contaminando recursos vitais limitados em função da exploração de riquezas de curta permanência. As grandes corporações fazem seu trabalho de domesticação do individuo através da assimilação tecnológica como já ocorreu com outros povos do passado hoje extintos. A Aldeia Global de Macluhan transformou-se em realidade tecnológica palpável e terrível. Do papel de protagonistas da evolução passamos para a fase do protagonismo tecnológico onde hardware, programas, sistemas e inteligencia artificial evoluem em ritmo exponencial. Já existe toda uma classe escrava de aplicativos em rede. Dependem destes sistemas artificiais para obter seu ganho. A uberização do trabalho segue crescente em todos os campos profissionais. As conquistas sociais do século XX estão sendo esquecidas pelas novas gerações. Nem mesmo a uberização do trabalho está livre de sofrer um processo de automação crescente que dispense o operador. Não é difícil imaginar ao estudar a história humana que nenhuma liberdade é duradoura se não for conquistada custe o que custar.
Os conflitos mundiais recentes foram estimulados pelo Complexo Industrial Militar que saiu vitorioso após o fim da Segunda Guerra e tomou de assalto o poder e a democracia mundial. O conflito artificial é imposto para manter o poder destas corporações que coincidentemente ou não também são diretamente responsáveis pelo impacto ambiental negativo da presença humana no planeta. Eles elegem seus governantes títeres dando uma falsa noção de liberdade ao individuo cada vez mais controlado pela mídia e pela Industria Cultural.
Vivemos a antessala da distopia e agora já grande parte da humanidade em função das mudanças climáticas e pelos conflitos de baixa intensidade difundidos pelos interesses armamentistas do capital, cada vez mais graves, perdem seus lares e verdadeiros navios negreiros atravessam espontaneamente oceanos em busca de trabalho e prosperidade.
Agora uma pandemia assola o planeta e põe a vista a desumanidade do sistema capitalista e suas contradições. Uma nova grande guerra se avizinha para gaudio dos poderosos.
As esquerdas do mundo vivem um grande desencanto com a Luta Armada. Foram cooptados e assimilados pelas tecnologias de informação e pelo sistema eleitoral em busca de uma falsa institucionalização. Asim fica fácil profetizar que como segue o processo histórico humano logo não teremos outra alternativa de defesa contra o processo de exclusão crescente. O mundo que surge no horizonte tangido pelo capital significa o retorno dos valores dos bárbaros das estepes e a escravidão perpétua para o ser humano comum tangido para os grandes centros urbanos, verdadeiros matadouros longe de nosso habitat natural que está sendo paulativamente esvaziado e destruído.
Noam Chomsky, renomado linguista e pensador, em sua obra Internacionalismo ou Extinção nos adverte que os perigos de um grande conflito nuclear irromper são maiores que na época da Guerra Fria, bem como de um grande colapso do meio ambiente. Ele está longe de ser pessimista. Todos os anos, um grupo de especialistas, sob a tutela de cientistas atômicos, atualizam o Relógio do Juízo Final*, estabelecido em 1947, no início da Era Nuclear, em que a meia-noite significa o desastre definitivo para todos. Em 2014 eles deslocaram os ponteiros do relógio para três minutos mais perto da meia-noite, onde permanecem até então.
* O último ajuste nos ponteiros aconteceu em janeiro deste ano, logo após a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Na ocasião, o relógio foi adiantado em meio minuto. Atualmente, seus ponteiros marcam dois minutos e meio para meia-noite, horário previsto para o fim do mundo.
A história nos ensina sobre a servidão forçada que só pode existir uma guerra justa. Aquela em que povos oprimidos matam seus opressores. Como tão bem declamou Nina Simone - "Se não somos livres somos todos assassinos em potencial."
Agora não importa vislumbrar uma vitória ficticiosa ao fim da batalha mas a necessidade de luta contínua, custe o que custar, contra a perda crescente dos direitos individuais e de trabalho em um mundo cada vez mais superlotado. Urge sobreviver. Que nossa emoção sobreviva ao final.
Bibliografia:
1) Filosofia em Cinco Lições - Roger Pol Droit - Ed. Nova Fronteira - 2011.
2) História Concisa da Filosofia de Sócrates a Derrida - Derek Johnston - 2008 - 1° Ed.
3) De Lao -Tse a Sartre - Gerhard Kropp - Compania General Fabril Editora -Buenos Aires - 1960.
4) Discurso sobre a Servidão Voluntária - Étienne De La Boétie - Edipro - 2017 - 1° Ed.
5) Internacionalismo ou Extinção - Noam Chomsky - Editora Planeta do Brasil - 2020.
Este ensaio é dedicado aos meus filhos e netos e para as futuras gerações como chama ardente.
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