O Ocidente como epigonia de civilização absorveu
e herdou de forma inquestionável o aparato cultural Greco-Romano em sua
totalidade de organização politica, social e filosófica. Personagens lapidares
de nossa cultura herdada foram sem dúvida nenhuma aqueles que atuaram nos mitos
de formação da Hélade associados à obra de um pseudo Homero. Desses ecos do
passado após o fim do que os historiadores denominaram de Época das Trevas, que
antecederam o período Clássico grego, surgiram os mitemas de tradição micênica,
que no transcorrer dos séculos, como
para nós hoje, foram absorvidos com as devidas adaptações naturais decorrentes
da transliteração da tradição oral para escrita e adotadas como cultura dos
povos oriundos da Ásia que vieram ocupar posteriormente a península grega como
lembrança basilar que foi enxertada e vingou como rama vigorosa entre os
povos da Antiguidade.
Entre todos os personagens da mitologia grega vale
destacar a saga da Casa de Atreu com seus reis vingativos e corruptos, desde
sua origem mitológica, a Hybris fatalista de uma dinastia que traça as origens
do Peloponeso, como explicação de origem mística e secular de uma família
fadada ao conflito permanente em constante luta pelo poder e que serviu de
inspiração para a criação de poemas, tragédias, obras literárias de todos os
tipos que chegaram até nós e mais recentemente de produções cinematográficas,
por tratar-se de um drama universal que nunca envelhece, pois fala da condição
humana no seu plano mais real e com evidentes conotações psicológicas sempre
presentes nos conflitos humanos.
Alguns estudiosos pretendem que com a invasão
dória, povo bárbaro oriundo da Ásia, e sua penetração na península, invejosos
do prestigio dos soberanos Aqueus, entre todos, o mais importante, Agamenon, procuravam assim denegrir a
imagem da casa real micênica. Assim pretendiam impor seu poder não só através
da força das armas, mas também pela simpatia do povo a sua causa. Os temas são
comuns e recorrentes às origens de ambos os povos que povoaram a hélade em função de uma raiz comum mais primitiva perdida nos primórdios da pré-história. O roubo de
gado, o rapto de mulheres, a antropofagia, o fratricídio e o parricídio são uma
constante nesses mitos.
A saga se inicia na figura de Tântalo, o rei da Lídia
e filho do monte Tmolo. Certo dia visitaram-no os deuses do Olimpo. Pois quem
tem um pai que é um monte pode dar-se ao luxo de receber tais visitantes
ilustres. Mas na sua qualidade de príncipe bárbaro, Tântalo imaginou ser
conveniente proporcionar aos deuses sacrifícios humanos. E fosse porque sua
despensa estivesse vazia, ou porque quisesse testar a onisciência dos deuses pegou
seu filho Pélope, cortou-o em pedaços, cozinhou-o em um ensopado e serviu-o no
banquete às divindades, seus olímpicos hóspedes. Antes que Zeus e os demais
deuses descobrissem a verdade, Deméter que estava com muita fome comeu um ombro
da vitima. As demais divindades não tocaram no alimento, e após constatar-se o
crime hediondo, Hermes foi incumbido de colocar as partes do menino numa
caldeira mágica de onde Cloto o retirou em perfeita saúde. Mas como parte do seu
ombro foi devorada por Deméter, Zeus deu-lhe outro de uma peça de marfim
confeccionada por Hefáistos como a única lembrança de seu sacrifício. Tântalo
foi cruelmente punido pela refeição canibalesca que servira aos imortais com a sede
e a fome eterna, apesar de estar mergulhado num lago onde a água ao ser tocada
sempre escapava a sua boca e numa floresta cheia de frutos que quando ele
tentava colher escapavam para longe de suas mãos.
Ao final da Idade das Trevas que assolou os povos
mediterrâneos pelas invasões de povos bárbaros que vieram por terra e mar do
Leste, toda a cultura grega, ou melhor, a cultura micênica, entrou em franca
decadência. Até mesmo a escrita foi esquecida e povos que antes habitavam as
cidades foram obrigados a vagar pelos campos devastados, sem comida para
sustentar-se. A antropofagia deve ter sido adotada como fórmula de
sobrevivência dos mais fortes em relação aos mais fracos. O mito de Tântalo,
com um sentido moral, realçava o interdito reestabelecido ao consumo da carne humana.
E mais que isso, punha à vista a questão do sacrifício do primogênito, comum
entre os antigos. Os povos de origem asiática tinham costumes relativos ao
sacrifício de seus reis quando não mais podiam servir aos interesses do Estado.
Por mais forte, inteligente, poderoso e soberano que seja um monarca, chega um
dia que o tempo o atraiçoa, a idade pesa as armas em suas mãos decrépitas e,
por conseguinte, o menininho que antes pulava em seus joelhos, que ele protegia
e alimentava, por fim torna-se um homem adulto, mais forte que o pai, sendo
naturalmente destinado a tomar seu lugar no poder. Só Zeus estava destinado a
reinar eternamente, mas mesmo o deus dos deuses tinha sempre que precaver-se da
própria prole. Assim o rei ao vitimar o primogênito imolado em um sacrifício
aos deuses garantia mais algum tempo de permanência no trono sem sucessores.
Pélope, um rei divino, tinha do seu lado as
graças e o amor de Poseidon, que lhe fazia presentes de cavalos alados e o
auxiliava nas batalhas. Mas apesar da grande fortuna que herdara de Tântalo, o
jovem não conseguiu manter-se no poder: invasões de bárbaros o expulsaram do
reino. Cruzou os mares em busca de nova pátria durante longos anos sem
conseguir abrigo. Foi o responsável pela morte do sogro, Enômao, rei da Élida,
que para manter o próprio poder desafiava os pretendentes da filha, Hipodâmia,
a uma corrida de carros, porque, ou estaria apaixonado pela filha ou por causa
de um oráculo que adivinhara seu fim nas mãos de um genro. Ele sacrificava um
carneiro a Zeus e com seu carro puxado com cavalos de Ares sempre vencia a
carreira e como pena estabelecida matava os pretendentes derrotados, depois
cortava a cabeça dos perdedores e pendurava-as na porta do palácio. Pretendia
construir com elas uma pirâmide de crânios. Desta vez, entretanto Hipodâmia apaixonou-se
pelo recém chegado Pélops e para evitar sua morte certa corrompeu Mírtilo, o
conheiro real, que concordou em cortar um dos tirantes do carro. Mesmo com a
ajuda de Poseidon que lhe deu um carro com asas invisíveis aos demais e
conduzido por cavalos imortais Pelópe temeu o resultado final da corrida e
resolveu armar um estratagema. A promessa de Pelópe ao cocheiro através da
amante foi que o humilde jovem teria direito a metade do reino e a primeira
noite com a princesa de quem estava perdidamente apaixonado. Quando o carro ia
já à carreira, em grande velocidade, partiu-se o tirante, o veículo virou e o
rei desafortunado foi arrastado e morto. Quando o cocheiro foi cobrar sua
prenda, a noite de amor com Hipodâmia, com zombarias Pelópe atirou-o sem
piedade de um penhasco ao alto mar. Ao morrer, o cocheiro amaldiçoou-o e a sua
descendência perante os deuses.
Depois dos crimes impunes casou-se com a bela
princesa. De seu casamento com Hipodâmia tiveram muitos filhos, entre os mais
conhecidos são: Atreu, Tieste e Plístenes. Foi viver num palácio ricamente
ornado, cercado de bosques calmos e ricas pastagens. Conseguiu o respeito do
povo e procurou esquecer as nódoas do passado. A Pélope é atribuída a fundação
dos Jogos Olímpicos. De seu nome origina-se o nome Peloponeso.
Aos povos vencidos pelas raças heroicas, isto é, os
conquistadores estrangeiros, que impuseram suas leis e religião afirmavam
descender e ascender aos deuses para impor à pessoas rústicas a piedade e a
tenência ao poder temporal. Diziam os conquistadores serem capazes de dominar
as feras, comover os carvalhos e fazer com que as pedras se empilhassem para
formar as cidades, para assim apagar os ódios da dominação abjeta que impunham
às castas inferiores compostas pelos descendentes dos escravos e prisioneiros
de guerra e assim aceitar melhor o seu jugo brutal. Mas foi o advento de seus
carros de combate e das naus que singravam o Mediterrâneo que basearam sua
superioridade militar sobre os povos autóctones que ainda viviam, como seus
antepassados, no neolítico e desconheciam as forjas de metais. Quando discorrem
sobre governos e de liberdades na Grécia Antiga devemos ter em conta que se
tratam exclusivamente das elites dominantes. O direito de conquista estabelece
entre os antigos a supremacia do poder, a casta mais ou menos ilustrada dá
ordens à outra destinada a servir e a obedecer e detêm os direitos, as leis, os
julgamentos, a religião, as armas, e aos demais resta o trabalho vil nas
lavouras e na indústria.
Logo a maldição da Casa de Atreu iria consubstanciar-se
através dos filhos. Instigados pela mãe, Atreu e Tieste mataram Crisipo, filho
do rei com a ninfa Axioquéia. Assim imaginavam eliminar um possível rival na
sucessão do trono. O crime enfureceu Pélope e a punição não tardou. Os
fratricidas foram banidos e vagaram por uns tempos consumidos pela culpa até
receberem refugio no reino de Micenas, mas ao invés da gratidão ao seu
anfitrião usurparam-lhe o cetro e a coroa.
A vida transcorria sem maiores problemas para
ambos os criminosos. Entretanto os deuses vigilantes resolveram castigá-los com
vigor. Hermes foi incumbido de enviar à terra um carneiro com o dorso dourado,
símbolo de riqueza e poder. Colocou-o entre os rebanhos de Atreu e Tieste. O
resultado da intervenção divina não tardou a prosperar e a disputa entre os
irmão acirrou-se pela posse do animal, que passou a representar o poder de
reinar sobre os demais.
Tieste seduziu a esposa de Atreu, pela posse do
carneiro dourado. Aérope auxiliou Tiestes em suprimir o animal, símbolo de
poder. Como vingança Atreu, após fingir perdoar as faltas do irmão, um dia
perseguiu seus três filhos, que apesar de terem buscado a proteção do santuário
no altar sagrado do templo de Zeus foram trucidados pelo tio. Para evitar uma
guerra com seu irmão pelos direitos ao trono de Micenas, Tieste aceitou
comparecer ao banquete. Atreu mandou preparar os corpos dilacerados dos
sobrinhos como carne de caça e foram
assim servidos num banquete para o pai, que nada desconfiou. Findo o repasto
Atreu mostrou para o horrorizado Tieste as três cabeças e as mãos de suas
vitimas. Tieste vomitou os filhos e rogou uma terrível praga ao irmão.
Desesperado e na miséria ele exilou-se em Sícion
com sua filha Pelópia e de uma união incestuosa teve um filho com ela que
chamou Egisto. Mandou-a posteriormente para a corte do irmão, onde ela desposou
o tio. Quando o menino atingiu a idade madura Atreu ordenou-lhe que matasse o
pai. Mas Egisto descobriu a tempo sua origem e por fim atraiçoou o tio e
matou-o entregando o reino a Tieste.
Agamenon e Menelau eram filhos de Atreu, e após o
assassinato do pai fugiram para Esparta onde foram recebidos de braços abertos
por Tíndaro. O rei de Esparta deu as
filhas Helena e Clitemnestra como esposas. Segundo contam Cliemnestra já era
casada na época, mas Agamenon assassinou seu esposo e seu filho recém nascido
para poder desposa-la. Após a morte dos Dióscuros, Castor e Pólux, filhos de
Tíndaro e Leda, Menelau casado com Helena tornou-se o rei por direito de
Esparta. Agamenon resolveu voltar para Micenas e vingar a morte do pai.
Agamenon retornou para Micenas e disfarçado aos
poucos sublevou o povo que derrubou o tirano Tieste e assumiu o poder
definitivo da cidade. Egisto e Tieste exilaram-se no Épiro. Agora ambos os
irmãos Atridas controlavam o poder das confederações das cidades estado.
Durante dez anos Menelau e Helena reinaram
tranquilamente em Esparta no fausto da corte. Tinham dois filhos. Quando Menelau foi assistir os funerais do padastro Catreu, apareceu Páris em
Esparta e deu-se então o rapto de Helena, a justificativa alegada para a guerra
contra a cidade de Tróia de onde Páris era um dos príncipes. Menelau avisado da
traição apressou-se a deixar Creta e convocou em Esparta todos os chefes que
haviam prestado juramento de aliança com Tíndaro. Após ser criada uma imensa
frota que reuniu-se em Áulis. O conselho de guerra deu para Agamenon por sua
descendência ou por seu valor, o comando supremo das naus dos Aqueus. De acordo
com poemas posteriores a Ilíada, os gregos as rotas de acesso à Tróia,
abordaram em Mísia e, depois de diversos combates esparsos, dispersaram-se,
voltando cada um ao seu país. Oito anos após retornaram novamente à Áulis. O
mar permaneceu sem possibilidade de navegação em função da calmaria. Os
sacerdotes exigiram então um sacrifício de sangue à deusa Artemis. Deveria ser
Ifigênia, a filha de Agamenon, a ser imolada. Ele mandou buscá-la para o
sacrifício. Dessa passagem temos na Tragédia de Ésquilo a versão poética:
Assim Agamenon não quis
fugir
E ofereceu a vida de sua filha
Em prol da guerra
desencadeada
Pela infidelidade de
Helena
E pagou o tributo pela
frota
Retida pelos ventos
malfazejos
Desatentos às lágrimas da
jovem
Aos seus gritos de ‘Pai
!’ e aos tenros anos
Prezaram muito mais os
seus juízes
A sua própria glória e a
sua guerra
Recitou-se uma prece. O
próprio pai
Ordena o sacrifício. Os
assistentes
Do sacerdote a erguem
sobre o altar
Como se tratasse de um
cabrito
O pai fala de novo. Uma
mordaça
Um homem traz, e a boca
da donzela
É amarrada com uma rude corda
Afim de que, em seu
último momento,
Não gritasse, e seu grito
derradeiro não trouxesse
Contra a casa de Atreu a
maldição
Rudes mãos lhe arrancam
da cintura
A faixa que segura suas
virginais vestes
Rola a seda no chão. Os
lindos olhos
Da donzela procuram os
matadores,
E vendo-lhe a beleza,
todos eles
Ainda assim mostraram-se
inclementes,
Mesmo vendo seus olhos
que imploravam
Que a deixassem falar,
com a mesma voz
Que nos paços do pai, nos
velhos dias,
Muitas vezes cantando era
ouvida,
Melodiosa como os sons da
flauta,
Honrando a libação junto
ao trono...
E assim foi cumprida a fatal sentença. São muitas
as versões que foram criadas para justificar a necessidade de Artêmis ao exigir
o sacrifício de Ifigênia, mas era costume entre os antigos assim proceder para
garantir suas ações mundanas perante os deuses. Quis o adivinho Calcas invocar
o sacrifício justificando a falta de bons ventos pela cólera da deusa porque
Agamenon ao matar um veado jactou-se que nem Artêmis faria melhor, ou teria o
veado sido abatido em um bosque consagrado a deusa. Também a cólera da deusa
foi atribuída ao fato de Atreu não ter imolado o carneiro dourado, fruto da
discórdia entre os irmãos, em sua honra. Outra versão garante que Agamenon
havia prometido sacrificar-lhe o produto mais belo do ano, que acontecera ser a
própria filha. As deusas da terra eram exigentes em seus sacrifícios de sangue.
Clitemnestra que já havia perdido o marido pelas mãos assassinas de Agamenon
nunca mais o perdoou após o sacrifício da enteada, que ela amava como se fosse
a própria filha.
Dez anos se passaram na guerra de Tróia e os
heróis dos Aqueus com muito custo e a partir de estratagemas conseguiram
conquistar e destruir a cidade e matar quase a totalidade de seus habitantes
segundo nos contam as lendas sobre a cidade. Muitas são as versões sobre o fim
fatídico da polis troiana. Mas na Ilíada temos que Agamenon participou de
várias expedições e razias com Aquiles contra as localidades vizinhas e quando
reuniram o botim de uma delas acabaram se desentendendo na divisão por causa de
uma cativa denominada Briseida por quem o herói filho de Tétis havia se
encantado. Essa disputa gerou todo o enredo inicial da obra de Homero. Os
poemas contam que ao embarcar para casa Agamenon viu a sombra do herói morto a
lhe predizer desgraças sem conta e cobrou dele o sacrifício da pobre Polixena,
a filha mais nova de Príamo, o rei vencido de Tróia. Muitas também são as
versões sobre o sacrifício da inocente, que despertara a paixão de Aquiles, aos
manes do herói morto, por instigação de Ulisses, para garantir junto aos deuses
uma boa travessia para o retorno da frota helênica.
Avisada pelos fachos, as fogueiras acesas nas
montanhas que comunicavam a vitória dos gregos contra os troianos Clitemnestra
aguardava o retorno do marido para executar sua vingança. Sabendo que Agamenon
se ausentara Egisto, seu primo exilado, retornou do Épiro para conquistar o
poder perdido. Associou-se como amante da rainha e usurpou o quanto pode o
poder do Atrida enquanto ele se encontrava guerreando no país distante.
Quando o rei retornou Clitemnestra fingiu
contentamento e preparou seu banho. Tinha arranjado para o rei vestes sem
abertura para os braços nem para a cabeça e após banhar o marido entregou-as
para ele que atrapalhado na armadilha mortal foi assassinado pela esposa. Ela
também matou por despeito, a adivinha Cassandra, filha de Príamo, que tinha
sido presa de guerra e amante do rei. Perseguiu os próprios filhos com medo que
buscassem vingança. O golpe de estado se consumou e Egisto sobiu ao trono.
Electra, a filha do rei assassinado, foi obrigada a casar-se com um homem pobre
da plebe e assim despojada da sua nobreza. Orestes com a ajuda de seu preceptor
buscou o exilio. Nenhum dos descendentes de Agamenon ficaria seguro com a
usurpação do poder cometida pela própria mãe e seu amante que temiam ser
confrontados e condenados pelos filhos dela quando tivessem alcançado a
maioridade mais tarde.
Orestes ainda menino se salvara das garras do tio
que adivinhara ser um possível obstáculo aos seus planos de poder. Tinha sido
predito por um oráculo que o usurpador seria vitimado pelo filho de Agamenon
quando esse crescesse. O menino refugiou-se na Fócida, na corte de Estrófio e
de Anaxibia, irmã de Agamenon.
Sete anos após a morte de Agamenon chega um
mensageiro da Fócida. A mensagem que trás trata da morte de Orestes numa
corrida de carros. Clitemnestra finge sofrimento e pede garantias ao
mensageiro. Ele assegura-lhe que uma urna com as cinzas do filho está a
caminho. A mensagem cobre de luto Electra que ansiava vingar a morte do pai.
Mas o mensageiro na verdade é Orestes disfarçado.
Orestes através do oráculo de Delfos recebeu a
ordem de Apolo de vingar a morte do pai, para o que teria que matar o tio
traidor e a mãe. Com a ajuda da irmã Electra. Ela atraiu a mãe ao casebre onde
vivia ao mentir que havia dado a luz enquanto o irmão cumpriu seu desígnio
sagrado ao matar Egisto que se encontrava só no palácio. Seus gritos não foram
ouvidos pelos guardas. Após matar o tio, Orestes se dirigiu até onde a mãe se
encontrava e apesar de seus rogos de clemencia ele a matou para satisfação da
irmã. Acometido de loucura pelo matricídio e perseguido pelas Erínias desde os
funerais da mãe foi buscar refúgio no oráculo de Delfos, onde foi purificado
pelo próprio Apolo. No entanto esta purificação não o libertou das Fúrias, que
sempre perseguem os que cometem atos de violência contra a própria família. Foi
necessário um julgamento para poder isentá-lo de culpa. Foi escolhido o lugar
que mais tarde ia ser chamado Aerópago. O julgamento terminou empatado, pois os
juízes não chegavam a um acordo até que Atena deu seu voto favorável a
absolvição. Em agradecimento Orestes consagrou um altar à deusa nesta colina.
Assim que recebeu a absolvição Orestes foi
consultar Apolo em Delfos e recebeu da pítia para curar de vez a loucura
induzida pelo remorso buscar a estatua de Artêmis que se encontrava na Táurida,
região às margens do Mar Negro ou Ponto Euxino, como chamavam os antigos.
Chegou ao seu destino com o amigo Pílades, filho de Estrófio e foram ambos
capturados pelo rei Toas, que tinha como costume sacrificar os estrangeiros a
sua deusa. Foram conduzidos até a sacerdotisa do templo que era nada mais nada
menos que Ifigênia que foi salva por Artêmis do fim cruel imposto pelo pai.
Teria sido substituída pela deusa por um cervo no momento da imolação. Ela
mandou soltar as cordas que prendiam os dois e os interrogou sobre a pátria de
onde vinham. Descobriu então que Orestes era seu irmão e qual missão tinha
recebido de Apolo. Ifigênia resolveu então partir com Orestes e facilitar o
roubo da estatua da qual era ela guardiã. Persuadiu o rei Toas da necessidade
de antes do sacrifício purificar as vitimas e principalmente Orestes que era um
matricida confesso e da necessidade de lavar para o mesmo fim nas águas salgadas
do mar a estátua da deusa. Toas aceitou seus argumentos sem duvidar e assim Ifigênia
levou os dois e a estátua para longe dos guardas citas sob o argumento de
manter segredo dos rituais sagrados. Ao tomarem distância embarcaram no navio
de Orestes que não se encontrava longe dali. Após contratempos com as correntes
prejudiciais e ventos contrários proporcionados por Poseidon, graças a
intervenção de Atena que impediu que o deus continuasse sua perseguição
conseguiram retornar a salvo.
Ao retornar, Orestes que era prometido desde
menino de Hermíone, filha de Menelau e Helena, soube que durante a guerra de
Tróia Menelau prometera a filha a Neoptólemo. Orestes aproveitou a ida de
Neoptolemo à Delfos e juntou-se a Hermíone. Raptou-a e posteriormente matou o
pretendente. Foi rei de Argos, onde sucedeu seu rei que não tinha descendentes,
e depois também reinou em Esparta, após a morte de Menelau. Pouco antes de sua
morte uma grande peste devastou o reino. Ao ser invocado o oráculo foi revelado
que o flagelo seria conjurado caso fossem reconstruídas as cidades destruídas
durante a guerra de Tróia, seus templos mais uma vez erigidos, e as honras de
que estavam privados seus deuses, novamente atendidas. Orestes então enviou colonizadores
e construtores e estabeleceu novas colônias na Ásia Menor. Morreu velho, com
mais de noventa anos e setenta de reinado, pondo fim a uma sina de traição e
morte.
Qual a herança da Casa de Atreu?
O registro do tempo fala para nós de uma época
onde o abandono da civilização perturbada pelas muitas invasões do território
grego por povos considerados bárbaros promovia uma luta incessante nos
bastidores pelo poder, conflito que estava sempre presente no seio das famílias
da classe dominante. Um mundo em transformação que repercute através dos
milênios e chega até nós através de suas memórias na condição de ensinamento
moral, mas ao mesmo tempo de forma figurada explica a expansão do povo grego
sobre o mundo Antigo. Seus valores que davam proeminência ao valor na guerra de
conquista e ocupação de territórios, mas também sobre ardilosas traições que até mesmo Aquiles não escapou de
tramar contra os Aqueus com seus inimigos os troianos em função da paixão por Polixena.
Quando falamos na Grécia não estamos falando
apenas de um povo, mas de povos, cujos hábitos, costumes e crenças comuns
formaram na Antiguidade o que se denominou Grécia. Ocuparam três continentes
onde adotaram uma técnica de viver comum. Assim era grego o troiano, na Ásia, o
macedônio, e nas noites dos tempos eram o sírio Cadmo ou o Lídio Tântalo, bem
ou mal, conhecidos heróis fundadores e civilizadores da Hélade.
Dizem que Diógenes, um dos mais proeminentes
cínicos, apesar do seu profundo amor ao próximo, de seu caráter íntegro e
humanamente compreensivo, atacava arrasadoramente tudo o que era sagrado para
os homens do seu tempo. Ria-se do estremecimento de horror que produzia nos
espectadores de teatro a representação do banquete tiestético e da tragédia do incesto de Édipo, pois a
antropofagia nada têm de mal, já que a carne humana não pode reivindicar
privilégios de exceção sobre qualquer outra carne, nem o percalço de uma
relação incestuosa é assim tão grande desgraça, segundo nos demonstra o
eloquente exemplo de nossos animais domésticos.
Podemos deduzir dessas observações que como
definiu Freud, o tabu, ou interdito se faz sobre aquilo que representa um
instinto natural do ser humano e que necessita ser proibido visando a garantia
da segurança da comunidade. É desse exemplo moral que surgiram os temas dos
mitos, pois que antes a humanidade seguia outros caminhos onde sacrificar e até
mesmo comer seres humanos era costume aceito pelos antigos em seu ordenamento.
A mitologia tem sido tratada pelos estudiosos
modernos e contemporâneos ora como um primitivo e desastrado esforço para
explicar o mundo da natureza (Frazer); como um produto de fantasia poética de
resquícios da era pré-histórica, mal compreendidos pelas gerações posteriores (Müller);
como um repositório de instruções
alegóricas, destinadas a adaptar o individuo ao seu grupo (Durkheim); como
sonho grupal, sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no interior da
psique humana (Jung); como veículo tradicional das mais profundas percepções
metafísicas do homem (Coomaraswamy); e como Revelação de Deus aos Seus filhos
(a Igreja). A mitologia é tudo isso. Os vários julgamentos são determinados
pelo ponto de vista de seus juízes, como bem observou Joseph Campbell. E muito
mais.
Vivemos hoje um tempo que o consciente impera e
acreditamos que o mundo exterior compreende a nossa realidade imediata. Nossos
instintos, que acreditamos primitivos, estão camuflados em uma fina camada de
civilização com suas miríades de interditos, os quais damos vazão plena apenas
nas obras ficcionais e nos audiovisuais, de forma indireta, velada, e para
nosso particular e secreto deleite.
Essa representa com certeza a herança dessa cultura
de outros tempos que nos fala da nossa pré-história e que devemos olhar com
atenção nas imagens dos conflitos que presenciamos hoje pelo mundo todo, uma
grande hélade, circunscrito às relações diretas de causa e efeito, cada vez
mais inter-relacionadas, para não perdermos nossa humanidade em algum abismo
que está ali, talvez na próxima esquina do tempo, de nosso retorno
inexorável à barbárie, uma nova Idade das Trevas.