Certa vez um príncipe foi instruído por conhecido mestre nas artes bélicas e estudos militares. Recebeu como símbolo de distinção o título de Príncipe das Cinco Armas. Ele recebeu do mestre as cinco armas e partiu em direção ao reino de seu pai, de volta para casa. No caminho se deparou com uma densa floresta. Na entrada da floresta foi advertido pelos moradores que ali vivia um ogro poderoso chamado Cabelo Pegajoso e ele matava todo o homem que encontrava. Mas o príncipe era destemido como um leão adulto. Entrou na floresta assim mesmo. Quando chegou no coração da floresta encontrou o ogro. O monstro possuía o tamanho de uma palmeira, sua cabeça era grande como um pavilhão e seus olhos pareciam tijelas enormes, duas enormes presas saíam de sua boca que parecia um bico de falcão. A barriga era coberta de manchas e as mãos e pés eram verde-escuros. "Para onde vais?" Trovejou ele. "Alto! És minha presa!"
O Príncipe Cinco Armas respondeu cheio de confiança nas artes aprendidas e sem medo: "Ogro, eu sabia que me esperava quando entrei na floresta. É melhor teres cuidado antes de me atacar; pois com uma flecha envenenada perfurarei tua pele e te farei cair num átimo".
O jovem príncipe armou o seu arco e atirou sua flecha embebida em poderoso veneno. A flecha se prendeu indefesa aos cabelos do ogro. E assim uma depois da outra, cinquenta flechas foram desferidas pelo principe sem causar mal ao ogro que se defendeu de todas fazendo-as cair aos seus pés. O monstro avançou em direção ao principe.
O Principe Cinco Armas desembainhou a espada e desferiu exímio golpe contra o inimigo. A espada, de quase um metro de comprimento, ficou presa nos cabelos do ogro. E então o principe tomou sua lança e arremessou contra o ogro e mais uma vez sua arma ficou presa nos cabelos do ogro. Percebendo a falha usou sua poderosa maça que também ficou grudada.
Quando viu sua maça grudada o principe disse: "Mestre ogro, jamais ouviste falar de mim antes. Sou o Principe Cinco Armas. Quando entrei nessa floresta que infestas, não dei importância as armas como arcos e outras coisas desse tipo; confiei apenas em mim mesmo. Agora vou derrotar-te e reduzir-te a pó!" Tendo assim falado desferiu violento golpe com sua mão direita enquanto dava um grito. Sua mão grudou nos cabelos do ogro. Então ele usou sua mão esquerda, que também grudou. Fez o mesmo com o pé direito que igual ficou grudado. Usou o pé esquerdo e também grudou. "Vou derrotá-lo com a cabeça"- pensou. Mas ao golpear o ogro sua cabeça também ficou grudada nos cabelos do monstro.
O Principe Cinco Armas, que tinha sido derrotado cinco vezes, e estava bem preso por cinco lugares viu-se suspenso no corpo do ogro. Mas, apesar de tudo, não tinha medo, nem ficou assustado. O ogro pensou: " Eis um leão humano, um homem de nobre berço - não é um simples homem! Pois embora tenha sido aprisionado por um ogro como eu, ele não demonstra temer ou estremecer! Por todo o tempo que tenho assolado essa floresta, jamais ví outro homem que lhe chegasse aos pés! Por que ele, valha-me o Senhor, não tem medo?" Sem se atrever a comê-lo, o ogro perguntou: "Meu jovem, por que não tens medo? Por que não estás terrificado com o terror da morte?"
"Ogro, por que eu deveria ter medo? Pois, na vida, a morte é absolutamente certa. Além do mais tenho na barriga uma arma, um relâmpago. Se me comeres, não serás capaz de digerir essa arma. Ela fará teu interior em tiras e fragmentos e te matará. Nesse caso, morreremos os dois. Eis por que não tenho medo!"
"O que esse jovem diz é verdade", pensou o ogro terrificado pelo terror da morte. "Meu estomago não seria capaz de digerir nem um pedaço desse leão humano, ainda que fosse do tamanho de um feijão. Vou deixá-lo ir!" E libertou o Principe Cinco Armas.
Seu interior possuía a "Arma do Conhecimento", já que o principe era uma das reencarnações do futuro Buda. Ele pregou a Doutrina ao ogro, fê-lo tomado de compaixão e então tranformou-o num espírito encarregado de receber oferendas na floresta. Assim conta o mito.
Caso a humanidade tivesse utilizado o principio da não violência na Segunda Guerra Mundial, não seríamos senão um imenso rebanho domesticado por um senhor, e toda dignidade humana teria radicalmente deixado de existir, assim o próprio sentido da integridade humana não teria mais valor.
A integridade humana se aplica à integridade física, corporal, já que a integridade moral só é violada se o seu detentor o permitir. Nem ameaças, nem as piores torturas podem triunfar contra a integridade moral.
A dignidade humana, que não pode ser aumentada nem pela força, nem pelo poder, nem pela riqueza, ao contrário, está acima do plano físico, e não pode ser diminuída nem pela miséria, nem pelo sofrimento, nem pela morte. Àquele que a despreza na pessoa do seu próximo é que a perde; a não ser que a vítima voluntariamente aceite sua queda, e assim sendo torna-se cúmplice do agressor.
No enredo do BHAGAVAD Gíta, sagrado livro da tradição yogue, trata na sua epopéia alegórica desta questão aparentemente contraditória:
Arjuna em seu carro de guerra guiado pelo próprio Krishna, comandava seu exercito contra seu tio Bhishma que havia usurpado seu reino. O auriga divino levou o futuro rei ao alto de uma colina de onde se avistavam os dois exércitos em formação de combate. Arjuna foi tomado pelo desespero, em ambas as formações pessoas da mesma etnia e parentes entre si se preparavam para a matança.
Citamos de forma abreviada a passagem onde Arjuna dirige palavras de aflição ao amigo divino:
“Oh!Krishna, vendo meus pares abrasados pelo desejo do combate, meu corpo treme e minha boca se resseca. Não gostaria de matá-los mesmo se com isso viesse a possuir o reino do mundo. Se matarmos estes que são parentes cometeremos grave crime. Seria melhor para mim ser morto pois não quero a eles resistir. Tomado pela dúvida não mais percebo meu dever. Suplico-te Krishna, instrui-me”.
Arjuna não tem em vista senão a integridade física dos combatentes. Krishna contesta que esta integridade é ilusória, pois os corpos são só aparências efêmeras, enquanto que a alma que os habita de forma passageira é indestrutível.
“Aquele que acredita que pode matar e aquele que acredita que pode ser morto, são ambos ignorantes: ninguém pode matar e ninguém pode ser morto”.
“Aquele que sabe que é indestrutível, permanente, pode cometer um assassinato? Do mesmo modo que um homem rejeita suas roupas velhas para se vestir de novas, do mesmo modo a alma rejeita seus corpos gastos para se revestir de novos. As armas não podem penetrá-la, nem o fogo queimá-la, nem a água molhá-la, nem o vento ressecá-la”.
Krishna explica à Arjuna que para cumprir seu dever (Dharma), é necessário, sem paixão, medo ou ódio, que desempenhe seu papel da melhor forma possível como chefe guerreiro.
“Reconhecendo como de importância igual o prazer e a dor, o ganho e a perda, a vitória e a derrota, assim cumprirás teu dever”.
O Eu individual parece ser aqui misturado, por Krishna, com Brahma, o Eu último, Universal, mas o que a mente Ocidental toma por uma confusão ou amálgama parece claro para o semideus Krishna que proclama a doutrina do Atman, o Ente indivizível, ou Eu que não pode matar nem ser morto, filosofia basilar do bramanismo até hoje, herança filosófica dos antigos povos indo arianos na crença da transmigração da alma. A morte significava para Hindús, Mestres do Xintoísmo, Taoísmo e para os antigos zoroastrianos que influenciaram o pensamento dos hebreus cabalistas, e as idéias do catolicismo primitivo e do sufismo xiíta, em particular a seita dos Batinis e o "Velho da Montanha", apenas uma passagem, uma transformação do ser para uma ascenção espiritual de retorno à Fonte. O Eu é indestrutível. Esta foi uma evolução filosófica fundamental para helenos e hebreus que nos primórdios acreditavam que a vida após a morte era uma existência nas sombras do Hades ou do Scheol semita para todos àqueles que não desfrutavam das graças dos deuses ou não tinham sido mortos em batalha.
Enquanto no bramanismo a criação do Universo é atribuída ao sacrifício de Prajapati e as oferendas de humanos e de animais eram incentivadas pelos cléricos, o budismo antigo se absteve do sacrifício e, em relação à cosmogonia, ateve-se ao mais estrito agnosticismo.
Sidarta Gautama tinha se pronunciado contra o ato sacrificial; o Carma traduz a inutilidade como ilusão de atingir um fim de expiação à custa de destruição, mas a violência em si é impura e o desejo intelectual do fim um fardo escravizante. O budismo não pretende nenhum fim terreno, nem mesmo a salvação da alma, nada nega, nada destrói, nada quer a não ser o despertar para o real como ele é além do mundo sensível.
Doutrina moderada em seus primórdios foi aos poucos assaltada pelas emoções religiosas arquetípicas humanas, os gestos de sacrifício ressurgiram com sua difusão entre várias culturas de origem xamânica, como um sincretismo, como estranha forma de interpretar as palavras do Bhuda.
Nos muitos relatos míticos criados após sua morte, sobre suas vidas passadas ele é incorporado como o príncipe Maasatva. Conforme contam, encontrando uma tigresa faminta com seus filhotes resolve sacrificar-se como ato sublime. Fica, no entanto, a dúvida sobre o ato: Será compaixão o que move o iluminado ou preocupação com a própria salvação? Entretanto, sem vacilar ele se sacrifica. Joga-se aos pés da tigresa. Mas ela enfraquecida pela fome não esboça reação. O Bodisatva percebe a fraqueza do animal, incapaz até mesmo de seguir seu instinto natural. Corta então, o piedoso, a própria garganta com uma lasca de bambu. Ao sentir o cheiro de sangue que jorra do ferimento e o animal o devora deixando apenas os ossos
Acreditando em tão belos exemplos os conselhos de moderação não eram mais ouvidos. A volta da idéia sacrificial, que normalmente permeia as crenças humanas e a obsessão das especulações metafísicas após cinco séculos da morte do fundador da doutrina, particularmente no sutra do Lótus da Verdadeira Lei (Saddharmapundarika-sutra) onde é descrita a cremação voluntária do Bodhisatva Bhaisajyaraja com a irradiação solar vira novo tema recorrente no budismo e evoca o tema religioso asteca que deu origem aos seus ritos mais cruéis: “o sol provem do sacrifício, portanto a vida dele se nutre, e a ele deve se submeter”. É com o sacrifício de sangue que contavam os astecas aplacar seu deus e manter o equilíbrio universal, nascido o astro de um sacrifício voluntário da divindade, devia ser mantido em sua trajetória regular e sustentado em sua irradiação por outros sacrifícios tão generosamente ofertados como o dele, e assim seus sacerdotes levantavam o coração fumegante de suas vítimas para aquele que propicia a vida.
Que sociedade humana pode existir que não exija um gesto sacrificial real ou simbólico? Os deuses têm sede, eles querem servir-se de vidas humanas.
No Japão uma antiga lenda da região de Akita fala de uma jovem oferecida ao deus-dragão da chuva, para cessar a inundação. É o sacrifício de Ifigênia revivido. Lá persistiu por séculos o costume propiciatório do pilar humano, “Hitobashira”: para aplacar e conciliar os deuses do lugar onde seria erguida uma estrutura e garantir forças vitais à obra enterrava-se vivas (sem sangue) uma ou várias vítimas impúberes nas fundações de pontes, diques e fortalezas.
A violência contra vítimas inocentes como é o caso de Isaac na narrativa bíblica dos hebreus e a imolação de Ifigênia nos mitos gregos possuem similares no mundo todo. Numerosas são as lendas sobre o devotamento e abnegação de mulheres que se entregaram ao sacrifício que podemos supor que as práticas rituais de propiciar fertilidade a terra, bons ventos e mar calmo para a navegação estejam associados diretamente a glorificação e morte de uma eleita. Quando não sacrificadas eram confinadas nos templos como as vestais em Roma ou as Miko no Japão, colocadas ao serviço de um deus e condenadas ao celibato perpétuo. Segundo alguns estudiosos, maneira menos violenta para evitar-se o infanticídio no nascimento ou a venda de meninas em época de miséria e como controle da fecundidade da mulher sempre associada com a fecundidade da terra.
Para outros matar-se era a suprema liberação espiritual. Na seita digambara, composta de piedosos jainistas, incapazes de esmagar sequer um inseto por descuido, seu desprendimento com a vida, que consideravam um fardo, era total. Podiam simplesmente suprimi-la pela inanição auto imposta. Alguns chegaram até mesmo a autocremação. Um desses ascetas indianos, que os gregos chamavam “ginosofistas”, isto é, sábios nus, mandou preparar uma pira e imolou-se diante de Alexandre, o Grande. Outro asceta fez o mesmo diante de Cesar. Perante o Senhor do Mundo, o senhor de si, não menos orgulhoso demonstra seu poder. O homem que cede a própria força de vontade não tem necessidade de outro carrasco além de si próprio.
Já o guerreiro dá a morte e a recebe, se necessário ele a dá a si – mas não pensa nela. A morte é o objeto, a curto ou longo prazo, de todos os seus atos, jamais de sua reflexão. Ela não passa de um meio que ele emprega, sem jamais se deter nela. Quando ela está ali, ele tem medo como qualquer outro, mas passado o perigo, obriga-se a esquecê-la. Tanta paixão pela guerra pode levar ao temor de renascer na condição daqueles Ashuras que contam as lendas búdicas, encarniçados num eterno combate sem repouso:
“Uma vez caído
Na via dos Ashuras
Ao longe, bem perto
As árvores não passam de inimigos
A chuva, pontas de flechas
O solo, lâminas bem temperadas
Os montes, cidadelas de ferro
As nuvens, pendões, broquéis que se chocam
Cruza-se o sabre do orgulho
A loucura faz brilharem as pupilas
Tudo é paixão, desejo, inveja, cólera, cegueira”...
Só a graça do Bhuda, dizem os monges, podem libertá-los do eterno reviver das batalhas no mundo negro do inferno.
O budismo é portanto impiedoso quanto ao desejo humano de durar, que ele não estimula com alguma esperança de eternidade. Mas também não encoraja o desejo de desaparecer. Pois o homem não desaparece. Morrer é dar lugar a outras vidas. Só a vontade de despertar para a justa visão do real interessa para além dos pares de opostos do mundo sensível. No enunciado do antigo cânone, em páli, da segunda das Quatro Nobres Verdades é igualmente condenado “1 – A sede pelos prazeres dos sentidos, 2 – A sede pela existência e pelo devir e 3 – A sede pela não existência. As propensões suicidas, as paixões melancólicas não acham sustento nessa doutrina que se situa para além das pulsões de vida e das pulsões de morte e propõe o Caminho do Meio das práticas: nem o amor nem o ódio a vida, nem o horror nem a atração do nada. A sabedoria do budismo inicial evitava as práticas sacrificiais e todas as mortais austeridades dos ascetas indianos. Desconhecia a doutrina também a culpa e o pecado.
"O conhecimento, ao contrário, bem longe de ser causa do apego à vida, atua em sentido oposto; ele revela o pouco valor da vida, e combate, desse modo, o medo da morte. Quando prevalece o conhecimento o homem avança ao encontro da morte com o coração firme e tranquilo, e daí honramos sua conduta como grandiosa e nobre; celebramos então o triunfo do conhecimento sobre a vontade de vida cega, sobre aquela vontade que nada mais é do que o princípio da nossa própria existência". (Arthur Schopenhauer - Da Morte)
Schopenhauer propunha que se a morte é o fim das sensações, a aniquilação total, já que a vida se resume ao período da existência do ser sobre a Terra, não devemos temer o não-ser, pois seria apenas uma suspensão da existência sensorial, e portanto, por mais temida que seja, a morte não pode ser um mal. Nada somos então antes de nascer e nada seremos após a morte. Então porque nos preocuparmos pelos milhares de anos passados que não existimos e os infinitos anos vindouros em que nada seremos? Por outro lado ele argumentava usando o budismo e o bramanismo como referência, afirmam ambas as crenças ao lado de uma existência após a morte, uma existência antes do nascimento. Essas religiões milenares tem uma consciência muito clara da relação necessária entre essas duas idéias. No sistema de crença do Bhagavatas, a parte onde é atribuído seu maior peso é a de que a alma se fosse uma coisa criada e por consequência tivesse um princípio não seria eterna. Na doutrina do Buda de Upham diz ainda: os que rejeitam seu testemunho aderem à doutrina herética de que todos os seres viventes tem o seu começo no ventre da mãe e alcançam seu fim na morte. Quem concebe sua existência como simples efeito do acaso, sem dúvida deve temer perdê-la pela morte. O filósofo alemão reafirma ainda a sabedoria milenar ao postular que o "eu" é uma abstração ilusória do ser como individuo perante a estrutura holística do Universo. "Não sou mais que uma parte infinitamente pequena do mundo, assim como também minha forma pessoal não é mais que uma parcela igualmente pequena de meu ser verdadeiro". E também: "Eu serei sempre" e "Eu sempre fui". Assim é definida a totalidade que transcende a lógica da razão pura e apreende a intuição da existência de nossa imortalidade no aqui e agora como o fio condutor da vida em contato direto com a Fonte da Criação.
Esse pensamento tem permeado a cultura indo européia desde seus primórdios e permite em seu núcleo a idéia do sacrifício dos reis e de que os heróis tem direito a posição privilegiada junto aos deuses, como também assim pensavam os tupinambás no Novo Mundo. Influenciaram de forma fundamental as religiões que se formaram posteriormente, a partir do zoroastrimo persa, incluindo o judaísmo e seus derivativos o cristianismo e o islamismo e evoluíram como promessa de vida post morten aos comuns. A distorção da idéia visou adaptá-la aos povos que foram domesticados pelos cavaleiros arianos em suas muitas conquistas como alento à uma vida de servidão e uma promessa de redenção além túmulo para os imolados em uma vida de trabalho e escravidão.
"O conhecimento, ao contrário, bem longe de ser causa do apego à vida, atua em sentido oposto; ele revela o pouco valor da vida, e combate, desse modo, o medo da morte. Quando prevalece o conhecimento o homem avança ao encontro da morte com o coração firme e tranquilo, e daí honramos sua conduta como grandiosa e nobre; celebramos então o triunfo do conhecimento sobre a vontade de vida cega, sobre aquela vontade que nada mais é do que o princípio da nossa própria existência". (Arthur Schopenhauer - Da Morte)
Schopenhauer propunha que se a morte é o fim das sensações, a aniquilação total, já que a vida se resume ao período da existência do ser sobre a Terra, não devemos temer o não-ser, pois seria apenas uma suspensão da existência sensorial, e portanto, por mais temida que seja, a morte não pode ser um mal. Nada somos então antes de nascer e nada seremos após a morte. Então porque nos preocuparmos pelos milhares de anos passados que não existimos e os infinitos anos vindouros em que nada seremos? Por outro lado ele argumentava usando o budismo e o bramanismo como referência, afirmam ambas as crenças ao lado de uma existência após a morte, uma existência antes do nascimento. Essas religiões milenares tem uma consciência muito clara da relação necessária entre essas duas idéias. No sistema de crença do Bhagavatas, a parte onde é atribuído seu maior peso é a de que a alma se fosse uma coisa criada e por consequência tivesse um princípio não seria eterna. Na doutrina do Buda de Upham diz ainda: os que rejeitam seu testemunho aderem à doutrina herética de que todos os seres viventes tem o seu começo no ventre da mãe e alcançam seu fim na morte. Quem concebe sua existência como simples efeito do acaso, sem dúvida deve temer perdê-la pela morte. O filósofo alemão reafirma ainda a sabedoria milenar ao postular que o "eu" é uma abstração ilusória do ser como individuo perante a estrutura holística do Universo. "Não sou mais que uma parte infinitamente pequena do mundo, assim como também minha forma pessoal não é mais que uma parcela igualmente pequena de meu ser verdadeiro". E também: "Eu serei sempre" e "Eu sempre fui". Assim é definida a totalidade que transcende a lógica da razão pura e apreende a intuição da existência de nossa imortalidade no aqui e agora como o fio condutor da vida em contato direto com a Fonte da Criação.
Esse pensamento tem permeado a cultura indo européia desde seus primórdios e permite em seu núcleo a idéia do sacrifício dos reis e de que os heróis tem direito a posição privilegiada junto aos deuses, como também assim pensavam os tupinambás no Novo Mundo. Influenciaram de forma fundamental as religiões que se formaram posteriormente, a partir do zoroastrimo persa, incluindo o judaísmo e seus derivativos o cristianismo e o islamismo e evoluíram como promessa de vida post morten aos comuns. A distorção da idéia visou adaptá-la aos povos que foram domesticados pelos cavaleiros arianos em suas muitas conquistas como alento à uma vida de servidão e uma promessa de redenção além túmulo para os imolados em uma vida de trabalho e escravidão.
O conceito clássico grego de herói está relacionado com uma personagem mítica vinculada às potencias telúricas, é um homem filho de deuses, que foi rei, mas está morto, e que possui personalidade humana e não atingiu a deidade por pequeno detalhe, uma falha de percurso. Seu culto como o dos antepassados familiares, os manes, era privilegiado entre os antigos na Grécia e na Índia.
Semelhante conceito do ente familiar, a idéia do “bem amado” também adotada pelos ameríndios, o inimigo que é imolado e se deixa imolar como ponto de honra, já que sua fuga representaria uma vergonha para seu clã particular e sujeitaria seus familiares ao opróbrio da sua comunidade lhes privando do direito da vingança certa dos seus era uma instituição que possivelmente regulava o controle social entre as tribos humanas na pré-história dentro de sua humanidade como espécie animal. A entrega de sí ocorre para manter o “status quo”. Os estudiosos se dividem: de um lado, para acinte de antropólogos pacifistas escandalizados que ainda querem acreditar no "bom selvagem" em harmonia com seu meio ambiente, e do outro, analistas militares contemporâneos que negam o carácter sangrento da guerra civilizada e por diferentes razões impõem sua visão pseudo humanista, política e civilizadora nos conflitos humanos e afirmam a partir de seu viés ocidental esteriotipado ser esta tradição antropofágica pior, uma atitude primitiva, como se a morte no conflito ainda não fosse o objetivo final. Ambos estão equivocados.
Os yanomani como já vimos são muito dados a rivalidades, crimes de morte, negócios de honra e viver em paz não dá mérito, nem atrai seguidores nessas sociedades. O tuxaua ambicioso quer fama e fiéis. Assim anos atrás um chefe chamado Fusiwe, que tinha fama de guerreiro bravio, tornou-se tão zeloso da própria reputação que matou vários dos seus partidários por questões menores de honra. Nem amigo, nem inimigo ousou atacá-lo depois disso, mas um dia foi convidado a dar a questão por encerrada num grande festival na aldeia vizinha. Aceitou, comparecendo no dia marcado e como era de se esperar foi morto pelos anfitriões.
O mais curioso desse relato não é a traição, que é comum nesses casos, mas o fato de Fusiwe saber de antemão que o festim era uma cilada. Avisado com antecedencia achou plausível a traição e teve o cuidado de levar com ele o filho predileto, pois a vida de um orfão é muito triste. Seu filho foi morto sem dificuldade mas Fusiwe deu trabalho. Não que tivesse se defendido. Ficou de pé, desafiador, silente e implacável enquanto seus inimigos atiravam flechas em sua direção. Atiraram-lhe tantas flechas que ele ficou espetado como um ouriço-cacheiro.
Tombou não sem antes emitir um ronco terrificante. Seu prodigio de resistência causou profunda impressão nos seus inimigos que tiveram medo até mesmo de arrastá-lo depois para fora da aldeia. Fusiwe conhecia os costumes de seus algozes que lhe eram afins e em função de seu virtual suicidio sabia que iria assombrar-lhes a imaginação ainda por muito tempo. Esta é a astúcia do guerreiro que sabe imprimir o terror absoluto ao inimigo, quando esse percebe o menosprezo do outro pela própria vida. Dentro de seu sistema de crenças particular talvez acreditasse ser o desafio grande demais para que seu sentido de honra deixasse passar. Talvez entendesse que o destino de um guerreiro verdadeiro só se completa quanto ele morre voluntariamente, em terra inimiga, cumprindo sua missão com a Paixão correta para sua alma ser transladada para o outro mundo. Com sua atitude destemida e de menosprezo aos adversários concentrou contra sí todo o potencial deles em seu aniquilamento garantindo a própria absolvição final que só o herói atinge.
No Ocidente apesar das crenças de origem cristã afirmarem um paraíso após a morte para os que são isentos de pecado, que seguem para o éden como cordeiros santificados, o individuo comum em seu inconsciente particular percebe a morte como um castigo divino ou no mínimo azar, pois representa o fim de sua existência na terra onde poderia ainda usufruir suas vantagens sensoriais e de consumo. Quase sempre o homem ocidental se apega com todas as forças a sua vitalidade, muitas vezes vivendo uma vida abjeta e sem sentido em alguma atividade similar a uma máquina ou seqüência de processos.
A principal motivação que leva, como já vimos, o herói cumprir seu paradigma ou destino, na acepção do conceito grego da palavra, ao doar o seu corpo físico por um ideal ou por sua nação contém e repete os mesmos elementos antropofágicos do sacrifício humano que os povos alguma vez já cultuaram em seus primórdios, para aplacar a ira dos seus deuses e em rituais de devoramento. Faz parte desse ritual esta prática da doação do herói para seu grupo social de forma subjetiva ou objetiva na busca do auto-extermínio para beneficio do todo ou como renúncia de um poder maior sobre sí. Entre àqueles que por alguma razão, por medo ou falta de oportunidade lhes é vetado o direito de auto imolação, como nos casos dos poucos kamikazes que sobreviveram ao ataque ou não puderam cumprir sua missão, passaram anos amargando sua vergonha perante os seus na síndrome conhecida de sobreviventes de grandes conflitos. Muitos preferiram o suicídio cerimonial. O mesmo acontece com vítimas de genocídios em massa que conseguiram escapar e passam o resto dos seus dias cheios de culpa por terem sobrevivido ao morticínio. A idéia de que alguém deva por-se à prova e morrer, como Fusiwe, a fim de ganhar o céu, é então correta nesse contexto.
A principal motivação que leva, como já vimos, o herói cumprir seu paradigma ou destino, na acepção do conceito grego da palavra, ao doar o seu corpo físico por um ideal ou por sua nação contém e repete os mesmos elementos antropofágicos do sacrifício humano que os povos alguma vez já cultuaram em seus primórdios, para aplacar a ira dos seus deuses e em rituais de devoramento. Faz parte desse ritual esta prática da doação do herói para seu grupo social de forma subjetiva ou objetiva na busca do auto-extermínio para beneficio do todo ou como renúncia de um poder maior sobre sí. Entre àqueles que por alguma razão, por medo ou falta de oportunidade lhes é vetado o direito de auto imolação, como nos casos dos poucos kamikazes que sobreviveram ao ataque ou não puderam cumprir sua missão, passaram anos amargando sua vergonha perante os seus na síndrome conhecida de sobreviventes de grandes conflitos. Muitos preferiram o suicídio cerimonial. O mesmo acontece com vítimas de genocídios em massa que conseguiram escapar e passam o resto dos seus dias cheios de culpa por terem sobrevivido ao morticínio. A idéia de que alguém deva por-se à prova e morrer, como Fusiwe, a fim de ganhar o céu, é então correta nesse contexto.
Em sociedades onde a religião é o controle social e o poder secular se confunde com o sagrado, suas regras de convivência podem valorizar a vida do individuo ou condicionar seu término e regrar seu comportamento num plano mais profundo da psique. Correto ou não do ponto de vista ético do ponto de vista materialista ocidental, pois isso agora não está em julgamento, esse controle subliminar da crença sobre o individuo sempre estabeleceu a verdadeira força de uma civilização, pois a liberdade consagrada ao individuo nem sempre é garantia absoluta da sobrevivência de uma nação ou tribo.
Na medida deste raciocínio encontramos dois fatos históricos que ilustram tal afirmação: os autos de fé da Santa Inquisição e o sacrifício de jovens japoneses em seus ataques suicidas na II Guerra Mundial. Os primeiros com seus dogmas religiosos influenciaram as hordas de fanáticos religiosos que desbarataram civilizações inteiras dos povos ameríndios no Novo Mundo, em certa medida muito mais livres que os invasores. E os segundos com seu sacrifício pessoal, disciplina e determinação tornaram prudente o vencedor que buscou evitar uma custosa invasão ao país nipônico.
De novo surge a polemica da eterna questão entre os estudiosos sobre o confronto entre Atenas e Esparta, ambas as civilizações com semelhanças viscerais nas suas primitivas origens e mitos, mas que adotaram modelos distintos de civilização e valores diversos em sua evolução mesmo possuindo um passado antropofágico comum.
Nesta eterna confrontação das nações quem é Atenas e quem representa Esparta hoje?
"Há uma reação humana que, mais que nenhuma outra, afirma Konrad Lorenz, pode demonstrar quão imprescindível pode ser uma pauta de comportamento inequívocadamente 'animal', herdada de nossos antepassados os antropóides, precisamente para ações que não somente consideramos humanas e muito morais, mas que efetivamente o são. É a reação chamada entusiasmo ou inspiração. Esta palavra por sí só expressa o alto sentido de origem absolutamente humano, que significa: o espírito que domina o homem. Enquanto entusiasmo, termo que se origina no grego, significa que um deus se apossou do homem. Mas em realidade é nossa antiga e novíssima inimiga, a agressão intraespecífica, quem domina o inspirado, e na forma de uma primitiva e nada sublimada reação de defesa social".
"Essa reação se desencadeia, de forma reflexa perfeitamente previsível, por situações externas que exigem combater por algo de interesse social, em especial se a tradição cultural o tem como consagrado. Isso pode estar representado pela familia, pela nação, pela universidade ou pelo clube desportivo, ou também por conceitos abstratos, como os bons tempos de estudante, a probidade da criação artística ou a ética da investigação indutiva".
Esse comportamento de origem filogenética primordial, define segundo Lorenz, a reação de entusiasmo militante, graças a qual um grupo defende suas normas e ritos sociais próprios contra outro grupo que possua outros diferentes. A sociedade humana sem esse apoio baseado no amor as normas tradicionais programado pela filogenesis ficaria sem sua indispensável estrutura no passado para estabelecer seus núcleos sociais. Outro comportamento de origem filogenético de particular importancia é a "cruel sevicia" com que o grupo trata aquele membro que não obedece as "boas normas" de comportamento aceitas pelos demais.
Uma classe de estudantes ou uma companhia de soldados, ambas modelos de estruturas grupais primitivas, são perfeitamente capazes de crueldade coletiva contra alguém estranho ao grupo. As reações puramente instintivas ante um indivíduo fisicamente diferente, por exemplo, um rapaz obeso, são totalmente as mesmas para a discriminação contra uma pessoa cujas normas sociais de origem cultural diferem do grupo. Por exemplo um estrangeiro que pode ser considerado como um inimigo, mesmo que faça parte do mesmo esforço de guerra e lute pela mesma facção ou trabalhe na mesma linha de produção.
O entusiasmo que significa estar "cheio de Deus", palavra que no século passado impregnou-se de um cunho ideológico e politico marcante que paradoxalmente questionava o culto às divindades transcendentes e afirmava o império do homem sobre a religião e o culto à dialética materialista, o que levou milhares de jovens para o sacrifício das câmaras de tortura do "mundo livre" e da "cortina de ferro". O esgotamento das ideias utópicas, consequência direta da falta de evolução da humanidade e de suas lideranças, sempre em busca do conforto imediato, levaram ao declínio do ideologismo e já no novo milênio o velho deus canibal ressurgiu com um furor renovado, incentivado pelos novos recursos de uma sociedade tecnológica que ele promete no fim dos tempos derrotar. Com novas roupagens e novas armas o fundamentalismo religioso cresce de forma vertiginosa tanto em países com tradição religiosa renomada quanto em regiões onde as populações em certa medida estão laicizadas pelo culto ao mercado. Países onde a liberdade antes relativamente vicejava passaram a fazer do controle social uma forma para conter as multidões de imigrantes com seus credos exógenos que foram em busca da prosperidade prometida, como contingentes de mão de obra barata, já que a fé possui em sí um apelo preponderante de firmar raízes para o indivíduo acima de qualquer outra questão politica ou social, que sentindo-se banalizado pelo sistema de produção busca na religião o "entusiasmo" para transcender uma sociedade onde é apenas a extensão de uma máquina ou de um terminal de rede. É a afirmação cultural do ser em busca de suas origens ante a imposição de sua anulação forçada pelo sistema produtivo cada vez mais automatizado e menos multiculturalista.
No dicionário de ciência social o termo “controle social” possui uma primeira definição: se baseia na ação individual que preenche funções sociais para o grupo de que faz parte o individuo, enquanto uma segunda definição de cunho marxista ortodoxo define: que os meios sociais podem ser usados como poder coercitivo ao individuo desde que seja para uma vantagem da sociedade em geral, ou para vantagem de um grupo de exploradores individuais. “O controle que é social em seus mecanismos, pode não ser social ou societário em suas funções e muito do controle que parece ser societário em suas funções pode, na realidade, estar servindo aos interesses dos grupos dominantes", como agora acontece, pela ascenção das grandes corporações como ditadores dos interesses politicos mundiais de exploração de recursos e mão de obra cativa dócil e a decadência do controle estatal.
Em larga medida, nas sociedades ameríndias e entre os caçadores do paleolítico, é o individuo que estabelece o controle social, pois a justiça primitiva estava estabelecida essencialmente pelos costumes, convenções e tradições estratificados desde tempos imemoriais. O poder do Tuxaua é basicamente nominal e emana de sua função na tribo como individuo. A convivência e a cooperação entre os indivíduos eram de uma naturalidade óbvia, para cuja regulação bastava a força e a eficácia dos costumes e da tradição. Em suma, as sociedades caçadoras coletoras do paleolítico e seus similares entre os ameríndios eram uma sociedade homogênea, sem diferenciação de classes e estranha a qualquer tipo de poder político coercitivo que se orientasse à base de critérios ideológicos, o que não impedia a prática das discussões em conjunto para tomada de decisões sobre os problemas do interesse da comunidade.
Nas civilizações européias e asiáticas sedentarizadas, onde nações foram estabelecidas a ferro e fogo são os grupos sociais dominantes descendentes dos povos indo-arianos, antes nômades, que por etnia e descendência firmaram suas raízes e estabeleceram o controle social sobre os povos agrícolas dominados para atingimento dos seus fins formando uma elite guerreira. Celtas, teutões, dórios na Europa, turcos e mongóis na Índia e China, onde se estabeleceram e como possuidores de bom instinto de caçadores se mimetizaram com a paisagem, camuflaram suas crenças, eles são e sempre foram predadores antropófagos que observam os movimentos de seus rebanhos. São lobos em pele de ovelha
Foram estes predicados que serviram de sustentáculo para a escalada deste prédio, verdadeiro templo para alguns estudiosos insuspeitos, que foi construído sobre os crânios e os ossos dos vencidos, e a partir dele os grupos vencedores desenvolveram suas leis e crenças para criar a figura do cidadão da cidade estado, com seus compromissos inalienáveis, para um “bem maior”. É o homem servindo à máquina, da frátria tribal para a pátria onde o pai eterno é o grande deus canibal devorador de almas
Como são formados estes combatentes? A civilização tem um importante papel pois deslegitimiza a violência no convívio social, mas mantém através da formação militar de grupos de jovens a idéia belicista do cavaleiro nomade como ideal para proteger sua soberania e seus interesses e nesta instrução bloqueia os freios naturais e inibições destes grupos e assim libera a agressão ao próximo sempre justificada pela bandeira, raça ou religião do inimigo. Os seres humanos na puberdade e logo após esse período tem uma facilidade maior para desprender-se das normas e ritos de sua cultura, sendo presas fáceis ao novo adestramento com objetivo marcial. Influenciado pela liderança da caserna, o jovem antes sem objetivo e candidato a delinquencia pode ser moldado para criar uma nova fixação voltada aos objetivos políticos onde possa canalizar seu "entusiasmo militante".
“Quando ratos em condições naturais lutam, suas reações emocionais consistem principalmente em arrepiar o pelo e fazer vibrar a cauda. Quando se colocam juntos dois ratões machos, freqüentemente os vemos aproximarem-se um do outro cautelosamente, empolando o pelo e sacudindo o rabo, para logo, repentinamente, iniciar a lutar. Contudo, se o rato é treinado a lutar, concedendo-lhe uma série de vitórias fáceis, este nunca demonstrará sua conduta emocional costumeira, mas saltará sobre sua vítima seguinte em frações de segundo”. (Scott,1958, pág 59)
A conclusão de Scott é que o “comportamento emocional não é uma parte necessária da luta”. Pelo contrário, o ponto é que estes desdobramentos (que podem ser emocionais no sentido de ser gerados por conflitos) são uma parte integral da luta, que podem ser suprimidos por meio de um adestramento. Tudo isto é o mesmo como dizer que os controles sociais da agressão nos animais, e por extensão, nos humanos podem ser destruídos, modificando as ações antes ritualizadas que regularmente acompanham a luta, e que muitas vezes podem ser substituídos por gestos e manifestações apaziguadoras de cessação do conflito.
As danças rituais dos guerreiros, as marchas, hinos e desfiles militares são uma preparação para a agressividade que precisa ser despertada entre as massas visando liberar no inconsciente dos grupos a chama de caçadores que nas sociedades “civilizadas” fica sepultada numa tênue camada, uma veste leve que é jogada na fogueira de archotes para queimar na chama da xenofobia e do etnocentrismo já tão conhecido dos homens. As pinturas de guerra e os uniformes promovem a transformação necessária para desencadear, muito mais que nas bestas mais ferozes a violência incontida de um onívoro caçador liberto afinal de seus tabus da vida mansa na capoeira. Do rebanho de animais do cercado para a matilha de predadores livres para matar e trucidar seus inimigos basta os toques de clarins e os chamados para o supremo sacrifício alardeados sempre por homens insuspeitos que clamam pela vingança e se mantém sempre a distancia confortável dos conflitos. Diz um velho provérbio ucraniano: "Quando tremula a bandeira, a razão está no clarim".
Nesse tipo de comportamento já objetivamente observado entre os humanos, o tônus de todos os músculos estriados se eleva, o corpo se põe tenso, os braços se afastam um pouco do corpo e giram para o centro ficando os cotovelos para fora. A cabeça se ergue orgulhosamente, o queixo para adiante, e os músculos faciais assumem a expressão do herói, essa cara que conhecemos dos filmes de cinema. Nas costas e na parte exterior dos braços se arrepiam os pelos num "estremecimento sagrado".
Em relação ao caráter "sagrado" desse estremecimento e ao "espiritual" desse entusiasmo, qualquer um que já tenha visto o comportamento correspondente em um chipamzé macho quando se lança com bravura sem igual para defender sua familia ou seu clã, ficará em dúvida. Porque o chipamzé também coloca seu queixo para frente, tensiona o corpo e eleva os cotovelos; também nele se eriçam os pelos do corpo, coisa que o faz parecer maior visto de frente, com um imponente efeito de intimidação. O movimento para dentro dos seus braços objetiva expor sua parte mais peluda para fora, para reforçar o efeito aterrorizante. Todas essas atitudes de eriçamento dos pelos tem a mesma função , como o eriçamento dos pelos de um gato que se protege de um ataque, um blefe, para parecer maior e mais perigoso do que realmente pode ser. Igual ao nosso "estremecimento sagrado" não é outra coisa que o natural eriçar da pele e a penugem que ainda permanece, atrofiada pela evolução.
Sobre esse comportamento Lorenz ensina: "Quando ao ouvir velhas canções ou música militar sinto que um "estremecimento sagrado" percorre minha espinha dorsal, me defendo do sentimento dizendo-me que também os chipamzés quando querem incitar-se ao combate social, emitem sons ritmícos. Nesse caso, cantar no coro é fazer ouvido ao diabo" O ritmo é o elemento mais primitivo da música. As bandas militares tocam num compasso mais rápido que o batimento cardíaco normal e, com isso, fazem os corações baterem mais depressa.
No adestramento militar moderno o soldado aprende a matar a distancia e assim evita qualquer ação apaziguadora que porventura pudesse ocorrer no conflito. Mesmo na Antiguidade os exércitos “civilizados” adotaram as formações em falange para evitar a luta corpo a corpo que adquire aspectos mais pessoais. É o exemplo da legião romana que permanece até hoje, homens de estatura baixa, atarracados enfrentavam bandos de grupos tribais que possuíam estatura superior e na maioria das vezes atingiam a vitória pela capacidade de manter a disciplina e o sangue frio sem deixar que a barreira de escudos e lanças fosse rompida pelo forte impacto dos “bárbaros” que buscavam o combate singular mais primitivo e agressivo mas ineficiente. Estas estratégias de formações cerradas são utilizadas pelas policias anti-motim contra as multidões até nossos dias. É na impessoalidade que reside a guerra total, o franco atirador evita o contato direto com a presa centenas de metros distante. Pode ser um combatente inimigo que se aproxima, um velho, uma criança, nada impede ao profissional da guerra exercer seu ofício pois a razão maior inculcada pelo treinamento torna subjetivo qualquer compromisso emocional com o ato.
Independente das seqüelas que tais treinamentos trazem para a psique do individuo como podemos observar nos veteranos retornados de guerras recentes, estes métodos são eficientes para despertar no intimo do homem seu lado bestial que quando uma vez é despertado não pode ser mais contido. Por outro lado sua porção reptiliana ainda existente no cérebro lhe garante uma pronta resposta ao estímulo do ataque voraz e até mesmo a capacidade da iniciativa em qualquer evento onde porventura se sinta vulnerável.
Ao tentarmos interpretar a eficiência da seita dos Assassinos em atingir seus objetivos de sangue podemos considerar que a visão simplista de seus adeptos estarem sob o efeitos de drogas é em certa medida preconceituosa pelo simples fato de que a maioria das drogas conhecidas criam confusão mental e dificuldade de concentração no individuo e perda de eficiência para atingir seu objetivo. Na II Guerra Mundial, vários estudos foram realizados pela resistência para que fossem usadas drogas que dificultassem aos captores nazistas descobrir segredos dos cativos. Buscavam uma droga que impedisse e insensibilizasse o capturado para qualquer tipo de tortura possível. Logo perceberam que a maioria das drogas conhecidas, ao contrário, deixava o prisioneiro mais facilmente suscetível de ser confundido para fornecer qualquer tipo de informação sigilosa. Por outro lado seu uso, como o pentatol, por exemplo, facilitava para o captor quebrar a moral do cativo e com mais facilidade obter seus segredos.
Só um treinamento rígido associado a uma profunda educação ideológica pode formar o bom combatente. Exemplos não nos faltam. Mas é com certeza entre os Assassinos que podemos encontrar a origem deste novo tipo de educação onde o sagrado se mistura com o profano para conseguir forjar-se um soldado que não necessita da formação do campo de batalha para manter-se nas fileiras e cumprir de forma solitária sua missão que após cumprida, como razão de vida, o adepto se entrega ao suplício com um sorriso nos lábios e a certeza da missão cumprida.
Mais uma vez a religião é o fundamento onde se forja o individuo, como pedra angular, e o malho ideológico tempera seu treinamento físico e mental, semelhante aos ensinamentos do Zen, vistos no Ocidente como teoria exótica de monges fora da realidade, mas que tanto influenciaram os Samurais do Japão medieval e seus seguidores do séc. XX, aviadores que destruíram grandes objetivos militares sem vacilar, certos de estar cumprindo com seu mandato pessoal de vida que era uma extensão do objetivo de sua comunidade, manter a soberania de sua nação. O sacrifício humano se evidencia tanto entre os kamikazes como entre os Assassinos, a vítima se entrega ao seu deus-nação ou ao seu deus-visão interior.
Não fosse o ser humano um antropófago latente orientado pelo seu instinto de onívoro seria talvez mais difícil transformar um lavrador ou pastor numa fera ou em um suicida pertinaz e desencadear sua fúria interior assassina. Transformar Abel em Caim é nosso grande dilema e a razão deste estudo realizado com afinco. Não somos mais facilmente influenciáveis pelo grande número de informações dirigidas pelos meios de comunicação, mensagens de ódio subliminar contra outras etnias e culturas, para nos impor convicções de rejeição, e de bons pacifistas nos tornarmos máquinas assassinas ou até mesmo insensíveis à violência que cada vez mais nos cerca a volta?
O único ponto em comum entre o prisioneiro Tupi ou Asteca que aguarda sua imolação pacientemente, o Assassino, o Kamikaze e o homem bomba é a certeza que após suas mortes terão abertas as portas do paraíso para si, onde viverão na eternidade uma existência divina. O controle a eles imposto do ponto de vista cultural e formativo não lhes permitem perceber o quanto tal certeza lhes foi inculcada através de fatores de assimilação exógenos que permitem dar um sentido predestinado às suas efêmeras vidas. O herói, verdadeiro manes da nação neste caso é mana e tabu, figura sagrada que se oferece para morte como sacrifício ao deus antropófago da guerra como mártir contra o mal supremo.
Será mesmo possível ainda acreditar que pessoas em outros países com formas diversas de cultura sejam inferiores a nós e suas crenças menos significativas ou arcaicas, e que a maldade habite alhures de nossas fronteiras, pois não são semelhantes eles e aquelas as ideias que elegemos como prioritárias? A história nos ensina que os mais perseverantes vencem, sejam eles pacifistas ou guerreiros cruéis. A moral vale muito mais que o material como nós do ocidente estamos a cada dia mais a aprender. Não devemos cometer os mesmos erros que acusamos os outros, a lição a ser aprendida é não deixar nossas liberdades nas mãos de uns poucos ou a serviço de suas tecnologias e evitar o fanatismo obscurecedor de falsas crenças.