domingo, 3 de abril de 2016

Gado, Homens e Ratos

“Fui enviado a diversas missões às nossas colônias, em vários planetas, Crises de todas as espécies me são familiares. Trabalhei em situações de emergência, que constituíam ameaça às espécies, bem como em programas cuidadosamente preparados. Mais de uma vez experimentei o que significa aceitar o fracasso final e irreversível, em tentativas ou experiências relacionadas a criaturas que possuem, no seu íntimo, o potencial de desenvolvimento sonhado, planejam e de súbito – Finis! O fim! O chamado da vida transformando-se aos poucos, em silêncio...”
(Relatório de Johor – Capitulo I – Shikasta, Canopus em Argos: Arquivos – Doris Lessing)    


Os povos indo-arianos tinham como principal atividade econômica o pastoreio. A cultura de pastoreio difundiu-se por onde estes conquistadores avançaram nos últimos 8 mil anos. Após sua expansão pela Eurásia e a posterior conquista pelos seus descendentes europeizados das Américas expandiram-se com sua cultura por todas as latitudes e, a partir dos povos conquistados, absorveram o sedentarismo do cultivo da terra que, de qualquer forma, também servia de forrageira para suas criações. O fim do nomadismo obrigou-os a manter povos cativos que cultivassem os pastos das criações,  que absorviam grande quantidade de áreas cultiváveis para produção de pastagens, sorgo e água e assim transformar os rebanhos em proteína animal para os seus criadores. A beligerância natural destes povos sobreviveu em seus mitemas sobre roubo de gado e sequestro de mulheres, que poderiam ser o estopim de sangrentos conflitos permanentes entre clãs, tribos ou até mesmo nações.

Do ponto de vista biológico estabeleceu-se uma simbiose interespecífica entre estes povos seminômades e suas criações de rebanhos e especifica entre dominadores e dominados integrantes da mesma espécie humana que iria evoluir para a atual estrutura social de castas móveis, que perdura até hoje, resultado decadente das conquistas do passado. A cultura ocidental nada mais é do que o apaziguamento entre presa e predador em uma escala global, e seu verdadeiro sentido subliminar de sociedade ultrapassa em complexidade o conceito padrão de relacionamento intergrupal e ou interespecífico.

Simbiose é um termo relativamente antigo, atribuído ao micologista alemão Anton de Bary (1879), Esse termo assim como proposto por Bary, envolve qualquer tipo de associação íntima entre espécies e por vezes entre indivíduos da mesma espécie. Entre os tipos de associações simbióticas temos: parasitismo, mutualismo, comensalismo e forese. Outros conceitos são incluídos por ecólogos, para relacionamentos não simbióticos. Neste grupo estão incluídos os conceitos de amensalismo, neutralismo, competição e predação.

Definições Tradicionais de Associações

- Mutualismo
– ambas as espécies parceiras beneficiam-se da associação.


- Comensalismo
– um parceiro, o comensal, se beneficia, enquanto o outro, o hospedeiro, não é prejudicado nem beneficiado.

- Parasitismo
– um parceiro, o parasito, prejudica ou vive à custa do outro parceiro, o hospedeiro.

- Competição
– quando duas espécies disputam um mesmo recurso, resultando em impactos negativos para ambas.

- Predação
– consumo de um organismo vivo por outro com a remoção da presa da população original.

- Amensalismo
– uma espécie é prejudicada ou inibida e a outra espécie não é afetada.

- Neutralismo
– nenhuma espécie é afetada de modo significativo.






























(fonte: O Tapete de Penélope – Walter A. Boeger – Ed. Unesp – 2004)

A classificação tradicional procura organizar, de forma sistemática, todas as formas de associações, mas é evidente que uma associação entre duas espécies apresenta características que as coloca na transição entre um conceito e outro. É uma classificação artificial pois os limites entre elas não são claros. Devemos evitar cair na armadilha, sem saber como qualificar uma associação, podemos ignorar suas verdadeiras características biológicas e classificá-la conforme atenda às expectativas do grupo ao qual uma das espécies pertence. Isto é muito frequente quando os estudiosos tratam da associação do ser humano com o seu meio.

Ao analisarmos estas relações com os outros seres vivos da biosfera do ponto de vista humano podemos considerar o homem como um predador fenomenal. Sua condição de onívoro permite-lhe absorver qualquer animal ou planta existente no planeta em qualquer ambiente, quase sem distinções e com poucas exceções. A maioria dos interditos em relação a determinados alimentos estão associados às condições culturais vigentes em cada sociedade e não a restrições biológicas. Mas também com seus animais de estimação, os canídeos, o homem estabeleceu em priscas eras o mutualismo que evoluiu depois para o comensalismo ao dividirmos nossos lares com estes animais que consideramos familiares. Existe no Ocidente o preconceito de alimentar-se com a carne de cães, sua ingestão é vista com horror até mesmo pelos que não os possuem ou criam. Com as demais criações, os animais que os homens domesticaram a partir de oito mil anos atrás, o relacionamento evoluiu da predação pura e simples, quando eram caçados nas estepes, para o parasitismo, se considerarmos que os animais para corte e produção de lacticínios sofrem a exploração continua para a associação em direção ao amensalismo, quando uma espécie é prejudicada, no caso os grandes rebanhos criados para o abate atualmente tratados com técnicas de inseminação cruéis, experiências genéticas e ingestão de hormônios e outros químicos para produzirem proteína animal com cada vez mais lucratividade em menos tempo para seus criadores, em detrimento da sua natureza biológica e do ambiente.

Infanticídio Bíblico - Frontispício da Igreja Sagrada Familia - Barcelona
As associações simbióticas inter-humanas possuem uma crescente complexidade social que inicia-se com o mutualismo no tempo das tribos neolíticas da pré-história evoluindo até às grandes estruturas corporativas e urbanas que existem hoje. Os primatas superiores possuem estruturas sociais piramidais onde um macho ou uma fêmea alfa controla e comanda as relações do bando. Este alfa destaca-se pela força ou inteligência superior, mas tem a incumbência bem definida em proteger o bando contra agressores e predadores quando este é atacado. O homem divergiu aos poucos deste tipo de associação. Na  pré-história e até mesmo com o advento das civilizações agrícolas o rei ou chefe da tribo também cumpria o papel de protagonista principal ao enfrentar o combate contra qualquer grupo ou nação agressora. Até a Idade Média existiam nas tribos germânicas a função do barão, ou lord que garantia a segurança de seus vassalos contra inimigos externos. Era quase sempre um guerreiro experiente que fazia a frente na luta quando era exigido enquanto cobrava tributos e oprimia os servos da gleba do feudo onde era destacado pelo rei para governar. Mas com a evolução das relações sociais e políticas, a partir do século XVIII, o comandante, ou chefe passou a permanecer na retaguarda, em confortáveis gabinetes de estado maior, enquanto seus comandados subalternos enfrentavam diretamente os inimigos em batalha. Do mutualismo das tribos neolíticas evoluiu-se para o parasitismo das classes dominantes, que já não querem cumprir sua função de ponta de lança nos combates, preferindo as relações de inteiração de mão única e dominação pura e simples, sem a correspondente responsabilidade social de proporcionar segurança ou invectivar os comandados, assim com a decadência da nobreza e a ascensão da burguesia, substituiu-se a força das armas pela força do poder econômico nas relações sociais, onde a mais valia do trabalhador é explorada, e da servidão do escravismo evoluiu-se para a proletarização do antigo vassalo, que foi retirado do campo e tangido para os grandes centros urbanos, onde até hoje trabalha por uma ínfima parcela do que produz numa planta industrial de produção em série. O dominador não possui mais preocupação alguma na qualidade de vida e alimentação do dominado, pois paga o trabalhador com um salário para abrir mão desta responsabilidade e assim vigora a relação parasita da casta dominante em relação ao dominado que cumpre suas funções através do controle social, da disciplina, da lei e da cultura da meritocracia que o aprisiona através do viés ideológico. O conflito armado institucionalizado pelos estados corporações também evoluiu e, em certa medida, complementa e copia o processo econômico de exploração, como atividade industrial em produção de escala, graças ao poder cada vez mais destrutivo e crescente dos armamentos. Por outro lado as classes burguesas, dominantes e parasitárias, estimulam a competição entre as classes dominadas e assim evita que elas possam articular uma resistência coerente à exploração de sua força de trabalho preservando assim seu poder cultural e ideológico sobre as demais classes sociais inferiores, simples massa de manobra na escala imposta pelo sistema, que de forma ilusória almeja também ascender os escalões mais elevados da sociedade capitalista, graças a uma relação perversa com as castas dominantes. 

Mas mesmo este tipo de relação de exploração de classe está com seus dias contados e também o processo de mais valia que possui esta dinâmica perversa própria na antiga relação associativa de predador e presa, pois a partir da automação dos meios de produção e de serviços no século XXI a grande massa humana desempregada, reguladora do valor de mão de obra no mercado de trabalho e de serviços braçais e manuais, já não é mais necessária, nem sua oferta abundante serve como fator de achatamento do valor salarial e do aumento da carga de trabalho, que perde assim sua utilidade estratégica, como massa laboral que tornou-se obsoleta pelo sistema. Dentro da lei de oferta e procura comum ao capitalismo e da revolução dos meios de produção o mercado de trabalho hoje vive em crise induzida permanente e as grandes corporações já não prometem e nem têm compromisso social algum em absorver os grupos excedentes de mão de obra nas suas linhas de produção ou nas pontas do processo mercadológico, cada vez mais virtual. Até mesmo o parasitismo da classe dominante sobre a classe proletária se tornará desnecessário e obsoleto nas próximas décadas. As grandes corporações não mais necessitam de contingentes excedentes de trabalhadores de nível médio ou inferior. Só o trabalho técnico altamente especializado tem valor na futura sociedade de mercado automatizada. O operário padrão, o vendedor porta a porta e o homem do guichê estão com suas atividades com dias contados.

!Kung (Bosquímanos)
Numa retrospectiva da filogenia das associações de exploração do homem pelo homem e o aumento correspondente da carga de trabalho, estudos recentes realizado pelos cientistas da antropologia descobriram, por exemplo, que os bosquímanos (!kung) do sul da África trabalham para sua subsistência no Kalahaari de 10 a 15 horas por semana. Este estudo destrói de forma eficaz um dos mitos anunciados pelos donos das grandes corporações industriais de que o homem possui mais tempo livre hoje do que no passado remoto. Os caçadores coletores primitivos trabalham menos que nós, sem a ajuda de nenhum sindicato de classe, porque seus ecossistemas não poderiam suportar semanas e meses de exploração intensiva. Entre os bosquímanos, na sua visão mutualista de sociedade, os indivíduos que vão de um lado para outro convencendo seus parentes e amigos para que trabalhem mais lhes prometendo um grande festim, constituiriam uma clara ameaça à sociedade em que vivem. Se conseguisse que seus seguidores trabalhassem iguais a um kaoka da Namíbia durante um mês, o bosquímano que almejasse a converter-se em “grande homem” exterminaria e afugentaria a quilômetros de distância toda a caça, e todo o seu povo morreria de fome antes de finalizar o ano. Desta relação, que predomina entre os bosquímanos, a reciprocidade especifica mutualista torna o caçador mais prestigiado naquela sociedade no individuo mais discreto e seguro, que nunca se jacta de suas façanhas ao tentar uma proeminência indevida no grupo e que evita qualquer insinuação que transforme a sua caça em algum tipo de presente para os demais quando divide o animal caçado na comunidade, por tratar-se apenas de sua obrigação comunal como caçador.

Assurbaníbal - Alto Relevo de Propaganda
A existência de festins de redistribuição competitivos só tornou-se viável quando foi possível aumentar a duração do trabalho sem infligir um dano irreversível a capacidade de sustentação do habitat. Isto só ocorreu com o advento da domesticação de animais e o plantio que substituiu os recursos alimentares naturais. Em linhas gerais, quanto mais animais e plantas são domesticados e mais trabalho é dedicado na sua criação, mais alimento é produzido. Desta nova relação de poder entre os homens, isto é, do prestigio alcançado em redistribuir o alimento, que transformou o líder em rei, que se tornou então conquistador dos seus vizinhos, em busca de mão obra excedente para aumentar a produção e assim gerar a abundância de alimentos necessária para competir e defender-se entre os demais chefes do entorno foi o salto fundamental que deu origem à civilização.

Gado
A atividade do pastoreio teve sua adoção por vários povos do mundo aproximadamente há 4000 a. C. quando o homem deixou de ser apenas um predador das manadas, mas tornou-se um parasita eficiente destes animais que domesticou ao encurralá-las em desfiladeiros de onde não podiam fugir ou prender indivíduos em armadilhas não letais. Nesta época, na Eurásia já se criava os “cinco grandes” ainda consumidos hoje: ovelhas, cabras, porcos, vacas e cavalos. No extremo da Ásia ocorreu a domesticação de outras quatro espécies: o iaque, o búfalo, o gauro e o batengue.  Não só a carne, mas a pele, o leite e demais subprodutos servem de sustento, vestimenta e artefatos para seus criadores, além do incalculável valor militar do cavalo que serviu de animal de tração e combate por milênios. “Mais gente já morreu por causa de uma vaca do que por qualquer outra razão”: dizem os nuer na África Oriental. Os mitemas humanos estão recheados de menções ao roubo de gado como um dos principais motivos de conflitos e assassinatos entre tribos e clãs. Se não forem vacas, serão cavalos ou porcos os outros animais de criação roubados entre os clãs as principais causas das guerras entre os povos da antiguidade. Outra causa grave de provocação ao litígio representa o rapto de mulheres ou crianças nas disputas intergrupais. A posse de grandes rebanhos assinalava sinal de grande riqueza e poder entre os antigos povos eurasianos, pois utilizavam suas reses como moeda de troca de outras mercadorias que necessitavam, armas, ferramentas e inclusive mulheres escravas. Os indo-arianos consideravam o touro como símbolo de virilidade, e sua fêmea, a vaca, como de fertilidade. Esta temática está presente em algumas das principais cosmogonias dos povos das estepes e seus descendentes, como também é um tema universal para os homens em todo o globo, seus mitos sempre atribuíram poderes mágicos às suas criações de animais domesticados que são imolados na condição de simulacros expiatórios nos rituais de sacrifício. Rituais onde touros são mortos ainda ocorrem sob o disfarce de competições ou festas populares, como no Brasil meridional, onde descendentes de açorianos residentes no litoral, na semana santa, perseguem um novilho e o maltratam até a sua morte, possivelmente reminiscência de um rito que era realizado na sua origem nas ilhas com um ser humano, mas foi "atenuado" com a morte de um simulacro vivo. Atualmente o consumo de carne bovina é um adereço cultural das civilizações desenvolvidas, um costume atávico e ainda símbolo de prosperidade, junto com as demais criações de animais que também fazem parte do cardápio de bilhões de seres humanos influenciados pelos costumes ocidentais cristalizados no seu passado ancestral que se impregnou na cultura mundial em quase toda a sua totalidade.

 Farra do Boi - Brasil-SC
Apesar do choque ambiental razoável causado pelo gado com a destruição de solos, desertificação e alto consumo da água potável existente no mundo e da grande emissão de gases efeito estufa provenientes dos super rebanhos,  com baixo resultado da relação custo/benefício em termos da produção de proteína animal, em comparação aos cultivos de alimentos de origem vegetal, a atividade pecuária hoje mesmo assim subsiste na contra mão da necessidade de conservação dos habitats do planeta,  como uma ameaça aos biomas de florestas e serrados, que são paulatinamente destruídos para a formação de novas pastagens artificiais, de forma intensiva, e reafirma-se na origem como fonte primária do aquecimento planetário. O consumo de carne pelos que dependem ainda da cultura comportamental de pastoreio dos antigos povos indo-ariano, propagandeada como sinal de prosperidade pela mídia oficial, nas nações mais ricas do planeta e entre as suas respectivas classes privilegiadas detentoras do setor de agroindústria, são a fonte principal de vários problemas sanitários e ecológicos que obriga dedicar 33% das terras aráveis do planeta à cultura de forragens, além dos 30% das superfícies emersas que constituem pastagens naturais.

A Lida no Campo
Não é por acaso que as expressões que definem “cultura” e “propaganda” tenham em sua etimologia uma origem agrária natural de povos conquistadores sobre seus conquistados. O controle do rebanho e seu pastoreio sempre foi uma tecnologia cara para seus criadores. Hoje a cibernética, com seu amplo suporte eletrônico em desenvolvimento constante, cada vez mais eficiente, e a mídia oficial globalizada garantem temporariamente a paz relativa dentro do imenso rebanho, curral de massas humanas confinadas principalmente nos grandes centros urbanos do planeta. Essas massas nada produzem de alimentos para si, só podem consumir o que é produzido e embalado pela estrutura industrial, cada vez mais automatizada, e como vimos antes, já não cumprem sua função de massa de manobra excedente para barateamento do custo da mão de obra operária. A terceirização, isto é, o trabalho, sem direitos trabalhistas, e pago a partir de atendimento de metas estabelecidas, cada vez mais elevadas, e da meritocracia adotada pelas grandes corporações é a nova tendência de mercantilização da mão de obra na urbe superlotada. A meritocracia nada mais é do que a afirmação do mais apto, do mais forte sobre os demais, numa nova visão darwinista e busca a afirmação de uma associedade, isto é, uma contradição do sentido de comunidade associativa, pois a ideia de sociedade compreende mutualismo especifico e não competição entre indivíduos. O fim da civilização como a conhecemos se aproxima.

Que um dia os grandes rebanhos serão destruídos não temos dúvida. O custo de manutenção do gado e seu impacto ambiental ultrapassam em muito o lucro declinante resultante da sua superprodução. Como toda a atividade econômica inviável será substituída por outras práticas de produção de alimento através da sua destruição pura e simples. A proteína animal em futuro próximo será uma iguaria cara, para acesso de poucos, pois até mesmo os mananciais de peixes de grande porte marinhos estão prestes a serem esgotados até 2045 pela extração industrial sem controle. A biodiversidade planetária está com seus dias contados. No antropoceno só um tipo de proteína animal será farto para consumo de exigentes e exóticos degustadores. Esta proteína já se encontra confinada num grande curral e pronta para ser cortada e embalada para ser entregue ao mercado para uns poucos privilegiados.


Cena do Fast Food no Filme "A Viagem"
Apesar de tal cenário parecer mais um conto de ficção cientifica bizarro, ou teoria de conspiração de terror, ao perceber friamente e com atenção a atual condição humana iremos encontrar já em fase embrionária esta condição de canibalização do próximo:tráfico ilegal de órgãos para milionários aumentarem seus anos de vida, sequestros de crianças e adultos desconhecidos, aparentemente sem importância, ocorrem aos milhares no mundo todo sem nunca serem localizados seus autores ou suas vitimas, nos conflitos de baixa intensidade grande número de mulheres e crianças sofrem sequestros e violência nas mãos dos seus captores. O tráfico de seres humanos é uma das atividades que mais cresce no mundo todo. Num planeta com mais de sete bilhões de habitantes este tipo de situação se tornará ainda mais comum numa sociedade onde o homem comum estará perdido no meio da multidão. A evolução vertiginosa da biotecnologia torna esta distopia sombria mais real do que imaginamos, com consequências inimagináveis e que aguarda a humanidade em futuro próximo, não muito além, ao dobrar a esquina da próxima rua.

Banquete Antropofágico Tupinambá
A extinção final da humanidade possui cinco panoramas possíveis: o suicídio pela violência intergrupal, talvez uma guerra nuclear após a eclosão de vários conflitos regionais, o surgimento de pandemias mortais em um mundo cada vez mais superlotado que afete a capacidade biológica de recuperação e procriação da humanidade, o esgotamento dos recursos naturais, principalmente da água potável necessária para a manutenção da vida, a destruição da biodiversidade, processo já em amplo andamento ou qualquer outra mudança físico-química que afete nosso meio ambiente cada vez mais deteriorado e por fim o aquecimento global que afetará diretamente todas as demais situações já mencionadas.

Com o agravamento do aquecimento global, a violência dos conflitos regionais será intensificada e também os movimentos migratórios em direção aos decadentes refúgios de prosperidade ainda existentes nos países mais desenvolvidos do planeta, as perdas de grandes áreas agricultáveis aumentará a fome e pressionará ainda mais as reservas de biomas da vida selvagem existentes, as pandemias serão mais frequentes pela movimentação das populações, os países do hemisfério norte em crise poderão acreditar ser possível vencer uma guerra nuclear localizada para resolver seus problemas econômicos e a crescente imigração das populações para suas fronteiras resultando num quadro desesperador que já possui uma sinergia própria em nossa atualidade. Como podemos perceber todo o planeta está interligado e as fronteiras muradas estabelecidas pelos mais ricos não serão suficientes para conter as multidões de desterrados famintos em busca de salvação.

Os ratos acompanham a humanidade desde o começo dos tempos e vivem com o homem numa associação parasitária e recíproca. Dividem muitas semelhanças e uma origem comum com os seres humanos. São animais mamíferos, onívoros, sectários e com uma capacidade de adaptação na maioria dos meio ambientes existentes no planeta. Viajaram com os primeiros navegantes entre continentes desde a pré-história, acompanharam as conquistas dos descendentes dos indo- arianos provenientes do continente europeu nas Américas e embarcaram junto com os conquistadores até o Pacifico e ajudaram os homens no extermínio de vários espécimes nativos de regiões que nunca antes ambas as espécies tinham alcançado. A semelhança de topologia e similaridade de órgãos com a dos humanos e sua fertilidade pródiga que alcança muitas gerações em pequeno lapso de tempo são as principais razões para o uso dos ratos em experimentos científicos para o desenvolvimento de novas drogas nos laboratórios.

Orelha enxertada em um Rato Cobaia
A dispersão de ratos e camundongos alcançou a maioria das ilhas do Pacifico completou-se no último milênio. Acompanharam facilmente destroços flutuantes naturais ou de naufrágios e são até hoje passageiros clandestinos de qualquer embarcação que os seres humanos teimem em colocar na água. As ilhas Galápagos já abrigavam espécies nativas quando os europeus trouxeram no bojo de seus navios o rato preto (Rattus rattus). As Filipinas abrigam um gênero exclusivo de ratos e mais quarenta outras espécies de roedores. Na Austrália e na Tasmânia tem o seu rato dentuço e no continente austral vivem milhares de camundongos saltitantes. Nova Guiné e Madagascar tem seu próprio tipo de rato gigante. A Polinésia está repleta com sua própria espécie conhecida como rato da Polinésia ou rato-do-pacifico, e no Caribe, antes da invasão dos humanos, abundavam espécies de hutias, roedores que lembram preás. Um estudo recente sobre a ilha da Páscoa afirma que foram os ratos e não os homens os responsáveis pelo desflorestamento da paisagem. As palmeiras nativas não foram capazes de produzir sementes em quantidade suficiente para suprir a crescente população de ratos cinzentos.

Alguns estudiosos acreditam que um dia dominarão o planeta. Afirmam que a partir do processo evolucionário alguns permanecerão pequenos, mas outros poderão encolher e alguns poderão crescer principalmente se houver uma extinção epidêmica ou uma diminuição drástica da biodiversidade planetária e então os ratos estarão numa posição confortável para tirar vantagem do meio ambiente despovoado. Quando os europeus chegaram às Américas e depois continuaram para o Pacifico, até as ilhas habitadas por nativos levaram consigo uma espécie de rato norueguês ainda mais adaptável, o Rattus novergicus. Em muitos lugares, os ratos da Noruega, que na verdade vem da China, superaram os ratos invasores que os antecederam e devastaram as populações de aves e répteis que os ratos-do-pacífico não tiveram tempo de destruir. Desta forma podemos afirmar que os ratos criaram o seu próprio ambiente e que sua prole tem superioridade para dominá-lo dentro da escala alimentar. Os atuais descendentes irão se expandir ocupando os nichos que o rato-do-pacífico e o rato norueguês ajudaram a esvaziar. Os estudiosos imaginam que irão progredir para diferentes tamanhos e formas, alguns serão menores que musaranhos, outros, grandes como elefantes. Pode-se incluir dentro desta projeção, imagina o cientista, como curiosidade e para manter abertas as opções, uma ou duas espécies de grandes roedores pelados vivendo dentro de cavernas, fabricando instrumentos de pedra e vestindo peles de outros mamíferos que mataram e comeram, seus iguais ou talvez outras espécies de ratos evoluídos para tornar-se presas.

Camundongo      
Nossos companheiros indesejados de jornada evolutiva, ora parasitas, ora predadores, no passado foram indiretamente responsáveis por uma das maiores pandemias que assolou a humanidade, a peste negra. Como vetores da doença através de suas pulgas que transmitiam aos homens provocaram uma redução substancial da população humana na eurásia. Como nossos cúmplices da sexta grande extinção, a mais recente em andamento, em comum com os humanos têm uma grande capacidade de adaptação em vários meio ambientes. Os ratos são canibais, outra característica biológica que tem em comum com os humanos. Entre os homens a antropofagia transformou-se em tabu justamente por tratar-se de um instinto natural, impedido unicamente com a força cultural, da lei imposta e da religião. Mas quando homens estão obrigados em condições extremas de fome, por causa de um naufrágio, ou num cerco de uma cidade sitiada por inimigos, os interditos são facilmente derrubados e acabam perdendo seu valor cultural e então a lei da sobrevivência fala mais alto. Os ratos não possuem as mesmas barreiras artificiais para impedir comer algum individuo da própria espécie. Seus clãs são bem definidos e conseguem distinguir seus iguais ou invasores de outro clã através do olfato, pois cada núcleo familiar possui um odor próprio que o credencia. Os pais são bastante carinhosos, cuidadosos e pacientes com suas proles, mas não tem o mesmo pudor quando se trata de trucidar e comer os filhotes estranhos gerados por clãs diferentes. Verdadeiras guerras foram identificadas pelos estudiosos de comportamento animal, onde o território é disputado entre dois ou mais clãs literalmente com unhas e dentes e sem perdão.

Elo Comum entre os mamíferos placentários
O nexo entre gado, homens e ratos é seu elo genético comum de mamíferos placentários que se perde na aurora dos tempos e sua óbvia associação simbiótica de interconexão para sobrevivência. Uma das recentes surpresas do estudo da filogenia molecular é o aparente parentesco próximo entre os primatas e os roedores. Os estudos moleculares confirmaram que os primatas são membros do Archonta , o clado que inclui também o Scandentia e o Dermoptera.  Em cladística, um clado ou clade (do grego klados, ramo) é um grupo de organismos originados de um único ancestral comum exclusivo de cada um dos ramos da árvore filogenética e portanto um clado é um grupo de espécies com um ancestral comum exclusivo. Os escandêncios são os musaranhos, ordem de pequenos animais de dezenove espécies de trepadores arborícolas do sudeste da Ásia. Os dermoptera, ou esquilos- voadores, são apenas exemplos de espécie que possuem em comum uma membrana de pele entre as patas traseiras e dianteiras, de cada lado do corpo que possibilita planarem entre uma árvore e outra. As ordens pertencentes aos Archonta têm características morfológicas em comum: a região da orelha, no crânio, bem como um pênis pendular suspenso por uma bainha reduzida entre a bolsa genital e o abdômen. Outro clado que foi reconhecido há muito tempo pelos morfologistas é o Glires composto por rodentos e lagomorfos de todas as espécies. Os lagomorfos são os coelhos e lebres. Os rodentos, isto é, os roedores são de longe a maior ordem dos mamíferos plancentários, que compreende 2200 espécies catalogadas, cerca de 40% de todos os mamíferos, graças a sua grande adaptabilidade aos habitats existentes no planeta, e incluem ratos, camundongos, castores, esquilos, preás, capivaras e porcos-espinho, entre outros. As evidências moleculares confirmaram o parentesco de ambos os clados , a partir de um amplo clado ancestral denominado Euarchontoglires.  Este clado é uma das principais subdivisões da superordem nórdica dos mamíferos, os Boreoeutheria, e por isso devemos situar no hemisfério norte a busca da origem destes grupos. O mais antigo fóssil encontrado até agora de primatas e roedores foi localizado na América do Norte e na Europa do Paleoceno.

Um planeta finito é incompatível com uma população infinita nos adverte Malthus. Se, de agora até 2050, não modificarmos a atual trajetória, a dívida ecológica, ou seja, a soma dos déficits acumulados, corresponderá a 34 anos de produtividade biológica do planeta inteiro. Tanto o capitalismo selvagem como as teorias marxistas estajanovistas e suas consequentes teorias econômicas subjacentes partem do principio da necessidade crescente de exploração do meio através do constante aumento da produção, como promessa de aprimoramento do sistema de bem estar social. Mas o aumento desmedido da população torna inviável a manutenção de um “welfare state” de forma indefinida. Se um país como os Estados Unidos da América necessita de mais de um planeta Terra inteiro para manter seu equilíbrio econômico de consumo imaginem como será uma China próspera, que recentemente aboliu a política de filho único, onde um terço da população do mundo terá plenas condições de consumir as riquezas naturais do planeta em futuro próximo, caso adote o modelo consumista. Quantos planetas serão necessários no futuro próximo para suprir a ganância e o conforto dos homens? Os paradoxos evidentes deste raciocínio lógico, onde a conta ao final não fecha, são a certeza de uma ameaça iminente à existência da vida humana sobre o planeta.

Mudar paradigmas tornou-se urgente. O modelo adotado pela humanidade que se assemelha a de ratazanas num navio naufragado em alto mar deve ser modificado com urgência. O relógio da existência humana está começando a dar suas badaladas finais. Keneth Boulding foi um dos poucos economistas que formulou um caminho diverso dos seus colegas em relação ao crescimento da economia como padrão de estabilização da sociedade do futuro. Num artigo de 1973, opôs a economia de “cowboy” em que a maximização de consumo se apoia na predação e na pilhagem dos recursos naturais à economia do “cosmonauta”, “para qual a terra se tornou uma nave espacial única, desprovida de reservas ilimitadas, seja para dela extrair, seja para nela verter poluentes” . Quem acredita que um crescimento infinito é possível num mundo finito, conclui ele, ou é louco ou é economista.

As soluções ainda podem ser adotadas para tentarmos minimizar os efeitos dos danos causados pelo homem ao meio e dar uma sobrevida à humanidade no planeta: decrescimento programado da economia com substituição do trabalho braçal pelo trabalho intelectual e aumento de produção de desenvolvimento tecnológico sustentável com impacto ambiental mínimo, redução das horas de trabalho repetitivo, redução universal da natalidade de forma igualitária e democrática, esterilização paulatina dos animais de criação dos super rebanhos, com prazo estabelecido visando o fim deste tipo de exploração cruenta, só permitindo sua permanência entre grupos étnicos que sobrevivem desta atividade e não possuem outros recursos em função do habitat em que vivem, investimento e promoção maciça em educação ambiental em termos planetários através dos órgãos mundiais já existentes, criminalização com penas severas e multas elevadas daquela corporação ou individuo que cometa algum tipo de atentado ao meio ambiente, se for necessário com julgado em corte internacional, da mesma forma como é punido o genocídio. Com certeza a alocação ou deslocamento de recursos para estas áreas de conhecimento, em longo prazo, proporcionará um crescimento econômico lento e gradual e uma distribuição de renda maior para todos os envolvidos com as mudanças de atividade e o mais importante de tudo, uma melhor qualidade de vida ao individuo, que terá mais tempo para seu desenvolvimento pessoal e intelectual. Enfim a volta do mutualismo na sociedade humana e o fim da predação do homem pelo homem.Talvez estas mudanças estejam chegando com algum atraso, deviam ter sido já implementadas há décadas atrás, nos anos 70, quando os cientistas ligados às grandes corporações perceberam os efeitos nocivos do aquecimento global, para que hoje alguma esperança pudesse já ter sido vislumbrada. Apostar no bom senso da humanidade é com certeza o pior palpite para um bom jogador.



 Bibliografia:
           
1)      Vacas, Cerdos, Guerras e Brujas – Marvin Harris – Alianza Editorial – Madrid – 2011
2)      O Terceiro Chimpanzé – Jared Diamond – Ed. Record – Rio de Janeiro – 2010
3)      Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno – Serge Latouche – Ed. Martins Fontes – São Paulo – 2009
4)      Bueno Para Comer – Marvin Harris – Alianza Editorial – Madrid – 1985
5)      A Sexta Extinção, Uma História Natural - Elizabeth Kolbert - 2015
6)      O Canto do Dodô – David Quammen – 2008 – Ed. Companhia das Letras
         

2 comentários:

  1. Muito interessante a análise. Das conclusões, uma me chama atenção pelo fato de ter em mim reflexo na forma de pensar. O homem vai reduzir seus conflitos quando sua relação produtiva com o outro for contemplada com renda mais equânime e amenize os conflitos relacionais.

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    1. OI PLINIO Ainda temos algum tempo para tentar virar o jogo no bom sentido, mas a ampulheta que define a existência da humanidade neste planeta está chegando ao fim caso nada seja feito. A ideia destes ensaios é justamente ampliar o debate para novas soluções possíveis de substituição do atual modelo. Ou isso ou a bárbarie da guerra.

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