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O hidrogênio, o elemento químico que possui apenas um próton e um elétron em sua órbita, compõe as estrelas que permeiam o Universo, verdadeiras forjas alquímicas onde, a partir de suas atividades titânicas, todos os elementos que geram as diferentes formas de matéria são produzidos. A emergência do ciclo evolutivo cósmico transforma a energia das explosões estelares em corpos planetários, em alguns planetas da matéria se forma a vida, e da vida sensível evolui a vida senciente. 85 % da história da vida no planeta, isto é, 3 bilhões e 700 milhões de anos foi ocupada unicamente com a evolução de seres unicelulares, dos quais todos descendemos. Esse é o ciclo cosmogônico conhecido.
Podemos negar a existência do Karma caso nossas crenças particulares não incluam a idéia de reencarnação ou não possamos acompanhar seu entendimento. Mas se considerarmos o karma como atributo de nossa carga genética, aquilo que nos faz humanos, ainda carregamos em nossos gens a herança antropofágica de nossos ancestrais hominídeos, condicionamentos que nos mantém na samsara do ciclo evolutivo humano. As pulsões de eros e tânatos, vida e morte enraizadas na humanidade continuam atuantes, em oposição às inibições e tabus criados nos últimos dois mil anos e não foram suficientes para gerar uma mutação de nosso comportamento e inibir a agressividade, pelo contrário somos diretamente responsáveis pelo aumento fenomenal do nosso poder bélico. O arquétipo da guerra persiste na maioria dos continentes cada vez mais superlotados de seres humanos. Ainda são sacrificados nos conflitos multidões de seres em nome de ideais e crenças particulares, O sectarismo humano faz suas vítimas e imola à Moloch milhares de crianças que habitam áreas de conflito. A violência nas grandes cidades em todas as latitudes aumenta junto com a pobreza das suas periferias que abrigam os imigrantes do grande êxodo das populações que fugiram do campo em busca da prosperidade prometida pela revolução tecnológica e pelo consumo. Não utilizam mais os mortos nesses conflitos para rituais antropofágicos sagrados, pelo menos por enquanto.
Podemos negar a existência do Karma caso nossas crenças particulares não incluam a idéia de reencarnação ou não possamos acompanhar seu entendimento. Mas se considerarmos o karma como atributo de nossa carga genética, aquilo que nos faz humanos, ainda carregamos em nossos gens a herança antropofágica de nossos ancestrais hominídeos, condicionamentos que nos mantém na samsara do ciclo evolutivo humano. As pulsões de eros e tânatos, vida e morte enraizadas na humanidade continuam atuantes, em oposição às inibições e tabus criados nos últimos dois mil anos e não foram suficientes para gerar uma mutação de nosso comportamento e inibir a agressividade, pelo contrário somos diretamente responsáveis pelo aumento fenomenal do nosso poder bélico. O arquétipo da guerra persiste na maioria dos continentes cada vez mais superlotados de seres humanos. Ainda são sacrificados nos conflitos multidões de seres em nome de ideais e crenças particulares, O sectarismo humano faz suas vítimas e imola à Moloch milhares de crianças que habitam áreas de conflito. A violência nas grandes cidades em todas as latitudes aumenta junto com a pobreza das suas periferias que abrigam os imigrantes do grande êxodo das populações que fugiram do campo em busca da prosperidade prometida pela revolução tecnológica e pelo consumo. Não utilizam mais os mortos nesses conflitos para rituais antropofágicos sagrados, pelo menos por enquanto.
A negação do karma de que tratamos no título, nesse caso, significa a negação do "eu" personalista, detentor do ciclo interminável da guerra, do conflito interpessoal que possui nossa essência particular animal onívora. Uma mudança de paradigmas de dentro para fora do individuo é necessária, com uma reconstrução do nosso imaginário da figura do herói, que simboliza a existência desse "eu" competitivo e conflituoso. As pistas que dispomos para empreender essa nova jornada estão próximas. Foram veladas com o propósito de que só alguns iniciados tivessem acesso a esse conhecimento. As grandes corporações que controlam os meios de comunicação não tem interesse nessa mudança de paradigmas pois imaginam uma ameaça aos seus lucros já exorbitantes. O conflito permanente movimenta grandes somas de dinheiro e garante um fluxo constante de recursos naturais para os países mais ricos onde as sedes dessas corporações estão localizadas.
Das arenas de gladiadores aos espetáculos televisivos de guerra e morte o ser humano recria sua luta interminável contra o próximo como entretenimento. O culto à violência perpetua o coração do canibal que hoje anda disfarçado nas grandes cidades morando na porta ao lado. Não somos nós mas o outro, essa é a desculpa que o individuo interioriza. Para cada um, o inimigo se esconde nas sombras. O medo da morte provoca a acumulação de bens e produtos de toda a ordem de que nada ou pouco precisamos para alcançar nossa felicidade plena.
A antropofagia ritual é a semente, a origem natural, de todas as religiões humanas, com uma única exceção no budismo. Em seus primórdios os budistas desaconselhavam o sacrifício como forma de devoção e temor ao deus. Com certeza conheciam suas sangrentas origens razão da negação da fé dos deístas. Mas com o passar dos tempos mesmo seu culto sofreu a influência dos credos naturais onde se estabeleceu, sincretizado com as religiões xamânicas asiáticas mais antigas e suas litúrgias com raiz antropofágica.
"Transitórias são todas as coisas. Como é possível que tudo o que nasceu, tudo o que veio a ser e é organizado e perecível, não deva perecer? Essa condição não é possível". Afirmou o Buda nos seus últimos momentos de vida junto aos seus discípulos.
Nosso sistema de crenças promete para o individuo a vida além da morte e portanto esquecemos que a vida, transitória ou não como disse o sábio, e só ela é real no aqui e agora. Só esse planeta gerador da vida proporciona o abrigo para os seres que aqui habitam que evoluíram da matéria bruta para a senciência. Entretanto a humanidade, o ponto mais alto da escala evolutiva do planeta, ainda se debate com seus conflitos e seu sistema de crenças que promete nas religiões oficiais o final dos tempos. Assim a divindade exigente de holocaustos é recorrente e sua adoração justifica suas guerras etnicidas e sua violência.
"Irmãos se combaterão entre sí e se matarão,
E os filhos de irmãs macularão o parentesco;
Difícil será a vida na Terra, tomada por forte corrupção;
Tempo do machado, tempo da espada, de escudos
/partidos
Tempo do vento, tempo do lobo, antes de o mundo
/desabar
E os homens não mais se pouparão uns aos outros
Ensina os versos do Edda sobre o Ragnarok, o final dos tempos da mitologia germânica.
Assim disse Krishna ao matar o tirano, usurpador de seu trono ao ver o choro lamentoso de suas viúvas: "não vos lamenteis. A ninguém é dado viver e não morrer. Imaginar que possuímos alguma coisa é incorrer em erro; ninguém é pai, mãe ou filho. Há apenas o movimento contínuo do nascimento e da morte".
Essas palavras proferidas por Krishna aparentemente assustadoras para nosso sistema de crenças são colocadas na boca do Cristo com mais força ainda: "Eu não vim para trazer a paz, mas a espada. Pois eis que vim para colocar o homem contra o pai, a filha contra a mãe e a nora contra a sogra. E o inimigo do homem será um do seu meio. Aquele que amar mais o pai ou a mãe do que a Mim não é digno de Mim" ( Mateus: 10: 34-37)
A mensagem está velada para entendimento da maioria, somente alguns deixam por momentos a hipnose do cotidiano e vislumbram a verdade de nossa sociedade mergulhada no consumo desenfreado, do culto da destruição do nosso habitat para o lucro imediato de uma geração hedonista que ao alcançar o ponto mais alto de sua prosperidade já vislumbra sua decadência com precisão científica. Por fatalismo ou por acreditarem de fato nos dogmas judaicos cristãos que norteiam sua sociedade a maioria aguarda o fim dos tempos como um fato inexorável negando às futuras gerações uma oportunidade de redenção.
Contam sobre a vida de Krishna quando ainda vivia entre os vaqueiros, esses costumavam cultuar Indra, a divindade ariana que se assemelha a Zeus, senhor dos raios e trovões, rei do céu e da chuva. Um dia, depois que eles tinham feito suas oferendas, Krishna, já moço, disse: "Indra não é divindade suprema, embora seja rei do céu; ele teme os titãs. Além disso, a chuva e a prosperidade que pedis dependem do Sol, que drena as àguas e as deixa cair outra vez. Que pode Indra fazer? Tudo acontece pelas leis da natureza e do espírito". E ele chamou a atenção das pessoas para as florestas, cursos de água e colinas próximos, especialmente para o monte Govardhan, dizendo que eles mereciam mais sua adoração que o remoto mestre do ar. E elas então ofereceram frutos, flores e guloseimas à montanha.
O próprio Krishna assumiu a segunda forma: tomou a forma de um deus da montanha e recebeu as oferendas das pessoas, ao mesmo tempo que mantinha entre elas sua forma original, cultuando o deus da montanha. O deus recebeu as oferendas e as comeu para desgosto de Indra. Ao fim do embate inevitável entre as divindades Indra rende homenagem à Krishna personificação da totalidade suprema.
A mensagem milenar que nos alcança do passado expõe a sabedoria perdida em meio a profusão de informação que recebemos todos os dias. O homem do tempo nos anuncia as condições climáticas e reafirma a normalidade das órbitas celestes, garante que teremos mais um dia sobre a face do planeta dentro de condições bióticas suportáveis enquanto desfiguramos nosso mundo com gases e produtos químicos não degradáveis que permanecerão por milhares de anos contaminando a superfície da nossa biosfera. Nada nos preocupa apesar de conhecermos as implicações. Nenhum ser supremo, apóstolo do Cristo, Dalai Lama ou qualquer outro pontífice clama contra os males que acometem o planeta, nosso templo da Criação, mas se preocupam profundamente com seus seguidores em países de onde não recebem seu dízimo.
Crescei-vos e multiplicai-vos dizem, pois precisam encher seus templos de crentes e reafirmar suas cruzadas contra os outros, aqueles que consideram ímpios. Seus altares ainda clamam por sacrificios de carne e sangue. Um mundo superpovoado cultua seu próprio fim em seus mitos e crenças no grande deus canibal formador primevo de todas as religiões. Não estamos aqui falando de imagens do passado distante, mas de ontem pela manhã nas notícias do jormal matutino. As palavras tem poder, os mestres ensinam. Nossas profecias acabam se tornando realidade pela própria fé que temos delas:
"E estando Jesus assentado no monte das Oliveiras, aproximaram-se dele seus discípulos, perguntando-lhe: Dize-nos, quando sucederão essas coisas? E que sinal haverá de tua vinda? E da consumação do mundo?"
"E respondendo, disse-lhes Jesus: Vede, não vos engane alguém. Porque virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou Cristo, e a muitos enganarão. Haveis pois de ouvir de guerras e rumores de guerras: olhai, não vos turbeis: pois importa que assim aconteça, mas ainda não é o fim. Porque se levantará nação contra nação, e reino contra reino, e haverá pestilência, fomes e terremotos em diversos lugares. E todas essas coisas são princípios de dores. Então vos entregarão à tribulação, e vos matarão; e sereis aborrecidos por todas as gentes por causa de meu nome...." (Mateus, 24 3-36)
Assim construímos nosso Karma em direção à extinção com fatalismo. É nosso ato de volição inconsciente. O inconsciente coletivo da humanidade assemelha-se ao gigante primordial Purusha ou ao Ymir dos germanos, não sabe a cabeça o que fazem seus membros que foram decepados e esses não informam seus movimentos ao cérebro e seguem o caminho do louco. Esse desmembramento de corpo e espírito condena a vida sobre o planeta e leva ao abismo o gigante sem rumo das grandes massas. Mas as corporações já perceberam que essa pode ser uma grande oportunidade para novos lucros. Os estudiosos de comportamento querem mitigar a culpa das populações consumidoras, seu principal público alvo, em relação a eminente e constante destruição dos recursos naturais do planeta. Campanhas já foram produzidas sobre produtos inócuos, padrões de excelência que não provocam impacto ao meio ambiente e processos sustentáveis. Seus magos já projetaram bilhões em lucros que obterão desses novos produtos que por serem "verdes" podem ser vendidos com margens de lucro ainda maiores em relação à concorrência e sem problemas para a consciência dos consumidores. Chancelados pelos produtores, os comportamentos tradicionais de consumo permanecem inalterados, sob a nova camuflagem "verde". Enquanto isso milhões de toneladas de dejetos, produtos químicos poluentes, são lançados na natureza pelos processos industriais incontroláveis, os verdadeiros responsáveis pelo grande volume da poluição ao meio ambiente segundo os estudiosos, rejeitos de suas fábricas em algum país distante são despejados todos os dias na natureza. Lugares insuspeitos nos confins do planeta já presenciam a poluição criada pelo homem, o centro das grandes correntes marítimas dos oceanos, longe dos olhos do homem comum, já virou o receptáculo de toneladas de produtos da indústria de hidrocarbonetos, uma imensa maré plástica comprometendo a origem da vida em todos os quadrantes, como denunciam os cientistas. Parece que a humanidade, para manter seu conforto temporário, pretende tornar realidade o sonho de seus profetas, uma "profecia auto realizável", numa aposta de peso para o fim dos tempos.
Mas o que é a fé? -
Conforme a doutrina do Zen, uma variação do budismo mahaiana surgida na China taoísta, de onde sofreu grande influência, a fé é um processo individual de iluminação ou conhecimento da Verdade Última do ser. Através de práticas respiratórias e meditação pode-se aos poucos exercitar o desapego das coisas mundanas e perceber nosso inconsciente não como um lado sombrio da mente mas ao contrário como raiz da consciência, a fonte da qual esta provém. A consciência aparece e desaparece continuamente na base inconsciente ou, melhor dizendo, do supraconsciente.
Para aceitarmos essa ideia, não é necessário acreditar em reencarnação, no sentido de possuirmos uma alma ou centro individual permanente, que vem à existência repetidas vezes. Os praticantes do Zen se dividem com relação a isso, pois o objetivo final é o retorno à Fonte Primordial, de preferência sem escalas.
Quando os mestres discorrem sobre o contínuo reaparecimento da individualidade e da consciência a partir da base, referem-se simplesmente àquilo que todos podemos observar. Schopenhauer em seu estudo "Da Morte", utiliza justamente o exemplo budista para consagrar sua teoria: "O terror da morte repousa, em grande parte sobre essa aparência ilusória de que o eu desaparece, enquanto o mundo permanece. Mas é o contrário que é verdadeiro: o mundo desaparece, enquanto a substância intima do eu, o suporte e o criador desse sujeito, em cuja representação constituía toda a existência do mundo, persiste. Com o cérebro cessa de existir o intelecto e, com esse, o mundo objetivo, que não é mais que a sua mera representação. Que em outros cérebros continue, antes como depois, um mundo semelhante a viver e pairar, é algo indiferente no que diz respeito ao intelecto que deixa de existir". Em sua hipótese sobre a existência a vontade do ser é a parcela imanente do espírito universal, a Consciência Cósmica, enquanto o intelecto é passageiro, fluída manifestação, ilusão de breve individualidade.
O filósofo com fina ironia escreve: "O indivíduo vitimado pelas angústias da morte nos oferece um espetáculo verdadeiramente estranho e até mesmo risível: o senhor dos mundos, que preenche tudo com o seu ser, aquele que confere existência a tudo o que é, possui a sua existência, perde a coragem, teme morrer e afundar-se no abismo do nada eterno; e na verdade tudo está cheio dele, e não há lugar algum no qual ele não esteja, ser algum no qual ele não viva; pois não é a existência que o sustém, e sim ele que é o suporte da existência. É ele, no entanto, quem no indivíduo sofre e se desespera com o medo da morte, uma vez que fica sob a influência daquela ilusão produzida pelo principium individuationis, de que a sua existência esteja limitada à do ser que morre neste momento: essa ilusão faz parte do sonho opressivo, no qual ele mergulhou enquanto vontade de vida. Mas se poderia dizer ao moribundo: 'Tu cessas de ser alguma coisa que terias feito melhor nunca ter sido'".
Os monges Zen concordam com boa parte dessa explicação e daí tiram toda a sua audácia registrada pelos historiadores nos países por onde transitaram predicando seus valores no mundo antigo causando forte impressão aos guerreiros com quem tiveram contato. Como os monges eram frequentemente atacados por bandoleiros, Bodhidharma, mestre fundador do budismo de meditação Zen (Ch'an) na China, por volta de 520, ensinou-lhes o combate, um combate de monges frente a um combate de bandidos. Ele ensinava que a "natureza de Buda" é inata a todos os seres, que ela ocorre através de uma brusca tomada de consciência. Ele meditou longamente diante de uma parede branca. Os elementos se esclareceram mutuamente, adivinhou-se que sua meditação não era uma fantasia e que seus combates, longe de representarem simples empurrões, também não eram massacres. Bodhidharma sabia se imobilizar em meditação e imobilizar o adversário em combate; ele conhecia a arte de imobilizar e convencer.
Quando surgiram no Japão encaravam de frente os samurais. Esses guerreiros se orgulhavam de suas qualidades viris e belicosas, mas não conseguiam amedrontar os monges Zen, por que estes não temiam a morte. Os samurais, perplexos, viam os monges como uma espécie de magos. No período Kamakura o Zen tinha grande influência sobre essa casta. Nessa época o Japão estava dilacerado por disputas de clãs, com os diversos senhores feudais em guerra pelo controle do poder imperial.
Como soldados, os samurais começaram a estudar o Zen com o objetivo de aprender com os monges sobre a mente alerta e o autocontrole para manter a coragem e a eficiência nos combates. Pediam-lhes que os ensinassem seus segredos, por que sentiam que, se tivessem a mesma coragem não seriam jamais derrotados. Os samurais, como alunos gratos, garantiram aos monges Zen grandes espaços bem localizados nas montanhas para construírem seus templos. Eles ensinavam que aquilo que sentimos como individualidade é na verdade algo passageiro, como as folhas de uma árvore. No outono elas secam e caem. O Zen é como a nascente da montanha. Ela não fluí para matar a sede dos viajantes, mas se ele quiser beber de sua fonte não há problema algum. Cabe a cada um decidir o que fará com a água; o trabalho da fonte é apenas fluir.
O Zen nos ensina através de conceitos de negação. Ele não explica a fé mas nos diz o que ela certamente não é. A fé não é fanatismo, nem serve a algum dogma em particular, Deus, se de fato existir, não é um ente sectário, com sede de sangue que promove povos e destrói com raios seus desafetos. A Consciência Cósmica não necessita de sacrifícios de qualquer ordem. O universo não é uma extensão do ser humano, mas o todo do qual pertencemos como ínfima condição de energia. Não é a energia do Criador mas a da criatura que deve buscar a Fonte que é inexaurível.
Enquanto o corpo é prisioneiro do espaço a mente se percebe prisioneira do tempo. Os eventos se sucedem conforme nossos sentidos nos indicam, como um fluxo constante, uma sucessão de dias e noites, um empilhar de acontecimentos passados e projeções futuras. Mas o Zen nos ensina que só o sempre agora existe. Os demais eventos estão subjacentes, milhares de anos ou segundos são apenas conceitos relativos criados pela mente do homem aprisionada na estrutura de sua própria tênue existência. O passado e o futuro estão tão longe como sempre pois são alvos inatingíveis da mente que se acredita consciente, presa no eterno presente, que nada mais é do que o infinito em movimento. Portanto estamos ainda vivendo a consequência direta da Criação, do alvorecer do dia de Brahman, do Big Bang que ocorreu bilhões de anos ou apenas alguns segundos atrás.
Willian Blake - Dragão |
Homem cibernético -
"Somos todos robôs quando envolvidos sem consciência crítica com nossas tecnologias"
(Marshall Macluhan - Guerra e Paz na Aldeia Global)
A internet foi a responsável pela grande transformação de costumes ocorrida nos últimos 10 anos. A humanidade deu os primeiros passos para a comunhão global. Hoje a conectividade, as redes sociais, e os avanços tecnológicos quase diários do meios eletrônicos vão criando uma nova realidade para o indivíduo comum que passa a ser quase uma extensão, um terminal periférico sensível da rede global. As implicações dessas transformações ainda se fazem sentir. Estudiosos acreditam que esse é o primeiro passo para a transferência de nossa humanidade para sistemas sensíveis virtuais, cada vez mais avançados, que substituirão a necessidade da nossa existência no planeta como estruturas de carbono perecíveis em um processo de evolução inexorável que nos promete a imortalidade. A tecnologia para o ser humano é uma extensão de suas capacidades. Como a carapaça para o caranguejo, o caracol da lesma, nossas máquinas são adaptações, extensões e próteses com que nos vestimos e que auxiliam nossa sobrevivência no planeta e a atual dominação dos seus recursos. Já previa Macluhan na década de setenta sobre o ambiente tecnológico da rede mundial: "é, em sí mesmo, um fenômeno de auto amputação sobre a ordem de nossas sensibilidades vitais". Segundo o mestre da comunicação: "Toda a inovação tecnológica é literalmente uma amputação que praticamos em nós mesmos para que possa ser amplificada e manipulada para ação e poder social".
Como podemos encarar essa nova realidade tecnológica, que parecia, até pouco tempo atrás, fruto de obras de ficção cientifica? Quais as implicações dessa revolução digital para nossas liberdades individuais?
Platão, na sua obra "Diálogos", utiliza o termo cibernética para denominar a arte de navegar e de administrar províncias. No livro "Górgias", diz: "A cibernética salva dos maiores perigos não apenas as almas, mas também os corpos e os bens". Pôs a palavra na boca de Sócrates, também como substantivo, com o sentido de "ciência da pilotagem". Atualmente a cibernética e a robótica tratam de aperfeiçoar a percepção visual e o controlo motor dos robots e de encontrar linguagens de programação que permitam uma melhor comunicação ou interface entre homem-máquina, máquina-máquina e máquina-homem.
Andrés Maria Ampère, no vasto "Ensaio sobre a Filosofia das Ciências", obra inacabada que ele dizia ser "uma exposição natural dos conhecimentos humanos", colocou a cibernética no capítulo da política, definindo-a como a parte da política que trata dos meios de governar, criando a palavra kybernesis.
A internet criada no início para auxiliar as forças armadas dos EUA nas suas comunicações em seu domínio global e depois franqueada para universidades e entidades de estudos científicos é com certeza a maior invenção da humanidade no campo cibernético. A rede como é apresentada hoje expressa o melhor e o pior do ser humano, foi construída à nossa semelhança e compreende uma imagem antropocêntrica, reflexo de nossas estruturas econômicas e políticas, nossa sexualidade, nossa agressividade e nossa forma de perceber o mundo ao redor.
Os interfaces entre homem e máquina estão se tornando cada vez mais sofisticados e eficientes permitindo uma interação cada vez maior de ambos os organismos, ao ponto de, no futuro próximo não possamos distinguir quem é quem. Os sistemas de controle criados pelos governos com o apoio das grandes corporações de informação buscam aprimorar a vigilância sobre os indivíduos com crescente eficiência e alcançá-los com seus tentáculos onde quer que estejam. Governos e corporações sabem que a curto prazo terão que controlar massas cada vez mais revoltadas com as crises econômicas endêmicas, num regime de lucro para poucos, provocadas por sistemas econômicos cada vez mais automatizados onde a mão de obra vem perdendo seu valor pela difusão do obsoletismo forçado humano. Pequenos grupos de técnicos substituem multidões de trabalhadores em uma nova visão da cibernética como senhora e serva da cultura humana cada vez mais complexa e informatizada. Superpopulação x automação é uma equação mortal com um fim trágico para a humanidade. Estamos partindo da visão adocicada de uma vida de conforto prometida pela tecnologia nos desenhos animados dos Jetsons nos anos 60 para um filme de terror classe B onde o homem será o servo da máquina em um mundo com sua biodiversidade reduzida.
Então se por um lado a evolução técnica deu um salto exponencial, o ser humano nunca esteve tão ameaçado pela tecnologia que virou um fim em sí. Conforme Ampére escreveu a tecnologia de informação é uma forma de politica, um meio para governar os homens e difundir idéias. É disso que se trata a cibernética. A automação é uma consequência direta dessa ciência que integra o ser humano como um novo iniciado de um esoterismo com sua fé cega no deus ex-machina que virá para resolver todos os problemas que afetam a humanidade. Associada ao progresso humano atual negar sua necessidade hoje já é um ato de apostasia sacrílega que poderá no futuro próximo ser tratado, até mesmo, como crime grave. Na revolução industrial se criminalizava quem destruía maquinas nas linhas de produção, foi de onde surgiu o termo sabotador.
Os seres cibernéticos serão as divindades do futuro como resultado final da evolução do soma? Nada mais somos HOJE que uma fase de evolução intermediária, um estado larval fadado à extinção? O homem em sua busca insana da imortalidade e sobrevida da sua personalidade e do seu intelecto criará golems com suas impressões pessoais visando a sua perpetuidade? Veremos esses seres superlativos conquistar outros sistemas e planetas do Universo, como nossos antepassados, com suas armaduras e pólvora, fizeram ao planeta Terra destruindo onde chegaram seus habitantes e meio ambientes?