quarta-feira, 22 de junho de 2011

Levantes Islâmicos





É difícil escrever sobre eventos quando ainda estão acontecendo e suas conseqüências são fruto de especulação de parte dos comentaristas e estudiosos, os chamados especialistas de plantão. Mais difícil ainda se torna o esforço quando olhamos os acontecimentos através da mídia globalizada identificada com a sensibilidade  das grandes corporações com suas muitas ofertas irrecusáveis. Portanto deve-se recorrer ao passado histórico para comentar sobre o presente e tentar vislumbrar um futuro inteligível para poder ser objetivo e manter a isenção de julgamento sobre os acontecimentos, por mais difícil que isso possa ser, já que estamos todos sempre submersos em nosso sistema de crenças próximo ditado pelo meio, que envolve aspectos de julgamento parcial de nossa percepção da ética, da estética e do comportamento, e muitas vezes não nos damos conta disso.

O iminente choque de civilizações, tão propalado por cientistas políticos e filósofos ocidentais da atualidade, tanto à esquerda quanto à direita, numa unanimidade perigosa veiculada nos salões acadêmicos, que difunde seus argumentos sobre como o liberalismo econômico e a democracia ocidental são superiores e libertam os homens, ou como as organizações de trabalhadores são fundamentais para o estabelecimento do paraíso socialista, enquanto que, em oposição ao seus ideais libertadores e progressistas, no outro lado do mundo, conspiram aqueles homens e mulheres vestidos de negro que cultuam uma crença cega de adoradores da morte em nome de um deus desconhecido e satânico, e que pretendem implantar sua fé a qualquer custo, esta é a mensagem,  o conceito oficial, o clichê ideológico do momento. Demonstram seus discursos o equívoco maneiroso, a falta de distanciamento crítico e a carência de perspectiva desses intelectuais que habitam e frequentam os sofisticados canais de comunicação do dito primeiro mundo, com sua visão estreitamente eurocêntrica, para não dizer pior. Acreditam no monolitismo de culturas que se chocam e esquecem que intercâmbios naturais entre diferentes civilizações sempre existiram no passado, existem ainda hoje e existirão sempre. Em contrapartida, por trás desse discurso falacioso da libertação do atraso de povos distantes, o cidadão comum, o ocidental, em larga medida, nunca viu suas liberdades individuais serem tão ameaçadas como agora pela influência nefasta das grandes corporações que utilizam-se dos artifícios dos meios de comunicação para criar uma estrutura de dominação onde o conflito permanente e a demonização do "outro" desvia a atenção dos povos sobre suas próprias mazelas e incentiva o sectarismo religioso em nome de uma nova ordem laica que não explica seu fundamento e nem sua adoração fanática pelo deus do consumo, o grande deus canibal de coisas e gentes. Criminalizar o imigrante, o trabalhador em terra estrangeira tem sido a voga  nos países "desenvolvidos", adotar leis de exceção para o cidadão comum, criar guetos e ilhas prisionais onde direitos básicos são suprimidos em nome de uma ordem global, seja lá isso o que for, tem sido a pauta desse comportamento adotado pelas "democracias ocidentais". Querem globalizar seus produtos mas não o trabalho e a cidadania dos seres humanos.

Ditaduras e ditadores sempre existiram em muitos graus, alguns exercem um poder regional, outros um poder nacional e algumas entidades podem ser imperiais, como nos ensina a história, alguns permanecem no poder pelo uso das armas, mas a maioria se estabelece por representar o produto final de sua elite nacional que toma de assalto o poder. No séc. XX no Oriente Próximo, muitos líderes foram forjados à sombra da Guerra Fria. Uns apoiados pelos soviéticos, outros pelos norte americanos e de uma forma ou de outra prometeram aos seus povos a prosperidade e igualdade que no seu imaginário soberbo iriam importar das respectivas metrópoles a custa dos recursos naturais nacionais. O laicismo foi o tópico adotado por essas lideranças inspiradas no Iluminismo racionalista europeu, berço das ideologias materialistas que pareciam ditar um novo caminho para antigas sociedades, que os modernistas acreditavam paradas no tempo.

Após décadas de revoluções salvadoras e imposição de ideologias políticas exógenas, a partir de caudilhos que, ao tomar o poder, se tornavam ditadores de seus povos, pouco ou nada mudou e a prosperidade prometida não aconteceu em função do próprio modelo adotado de centralização do poder que independente do viés progressista num primeiro momento, só favorecia a nova elite empossada, verdadeiros intermediários das metrópoles e seus ideários.

Numa retrospectiva histórica obrigatória, já no séc. XIX podemos encontrar os primeiros sinais da adoção do preconceito dos europeus colonialistas em relação ao Islã. Surgiram na época os termos "orientalista" e "orientalismo" para designar os estudiosos da matéria e seus esforços em traduzir textos orientais para o inglês. Os europeus em geral e os ingleses em particular pretendiam conhecer os povos conquistados para melhor exercerem sua dominação. Tentava-se assim traçar uma fronteira entre o pensamento ocidental e o oriental destacando o racionalismo europeu como superior em relação ao subdesenvolvido, aberrante e inferior pensamento dos povos colonizados. Esta sempre foi a justificativa aliás para promover a intervenção da civilização ocidental nos assuntos de outros países além mar e legitimou a ação do imperialismo de todas as épocas.

Ainda hoje esse tipo de pensamento repercute entre os filósofos e cientistas do Ocidente que, de forma oportuna, esquecem que sem a existência da expansão do islamismo possivelmente a Europa estaria condenada ao atraso e isolamento. Pois foram os árabes que conservaram os conhecimentos dos clássicos durante a Idade Média e promoveram seu estudo e aprimoramento enquanto a Europa se arrastava nas trevas da decadência do Império Romano presas às cadeias da superstição católica. Os árabes, tradicionais mercadores, assim absorviam os conhecimentos da antiga Pérsia e do oriente distante em conjunto com a herança helênica. O experimentalismo, a astronomia, a matemática e a filosofia vicejaram no Islã que na época era mais tolerante com as diferenças e tinha construído suas fronteiras na distante Ásia, norte da África, e em boa parte da Europa sendo obrigados a conviver com diferentes povos e etnias. Nessa época, por exemplo, os judeus viviam em paz nos territórios islâmicos enquanto eram perseguidos onde a Igreja Católica dominava.

O legado cultural deixado pelos árabes influenciou diretamente a península européia enriquecendo sua cultura pela inovação de conceitos e sua presença marcante definiu a filosofia dos grandes pensadores europeus no que iria desembocar no Iluminismo. Sem o império árabe a Europa não poderia ter desenvolvido a ideia da Razão Pura, ícone essencial do seu ideário filosófico pós escolástico. No séc. XVII o Islã, diferentemente de hoje, era visto na Europa como o corolário da tolerância e da razão. O ocidente estava fascinado pela ênfase do Islã "no equilíbrio entre a adoração e as necessidades da vida, e entre as necessidades morais e éticas e as necessidades corporais, e entre o respeito ao individuo e a ênfase sobre o bem estar social". A análise da época pode ser parcial, ou até mesmo discutível, mas afasta de qualquer forma o preconceito de que o islamismo observaria um especial desprezo pela individualidade humana em relação às outras religiões monoteístas, o judaísmo e o cristianismo.

Dentro desse contexto o Islã foi um produto positivo da história humana, ferramenta essencial da evolução da civilização. Foi revolucionário ao abalar estruturas criando uma nova relação social que mudou a mente do homem. Mas da mesma forma que ultrapassou e substituiu estruturas apodrecidas pelo curso do tempo, o Islã por sua vez foi também ultrapassado por desenvolvimentos sociais novos, dos quais abriu caminho, para novas ideologias que iriam criar as revoluções subsequentes. Esses novos instrumentos são a ciência experimental e a filosofia racionalista. Com essas ferramentas a ilustre burguesia européia enfrentou a Igreja Católica, enterrou a barbárie medieval e criou o mercantilismo ressuscitando os valores dos sábios da Grécia que haviam sido preservados pelos estudiosos árabes.

Voltando o foco ao final do séc. XX, os países de formação islâmica eram disputados pelos EUA e pela URSS, cada uma das potências querendo ampliar seu campo de influência e garantir com isso o fornecimento de produtos básicos para seus respectivos esforços nacionais, loteando as riquezas naturais desses países com a ajuda de títeres que criaram para garantir o fluxo constante de hidrocarbonetos. Para citar apenas alguns: Kadafi, Nasser, Assad, Saddam Hussein do lado soviético, o rei Faisal na Arábia Saudita, Hussein da Jordânia e o Xá do Irã do lado dos EUA, mantidos em nome de suas políticas particulares de manutenção de poder e de opressão do povo que governavam com mão de ferro, e obviamente, com o apoio irrestrito das potências que apoiavam seus regimes.

A monarquia saudita surgiu no séc. XVIII com o reformador religioso Abd al-Wahhab na parte central do deserto de Nejd, com o apoio dos As-Saud. Esta aliança, que combinava as guerras entre clãs dos beduínos com o puritanismo religioso, acabou dominando a maioria do território da península árabe. Com a união de Nejd e Hejaz no oeste da península, finalmente, em 1932, foi estabelecido o reino da Arábia Saudita, oficialmente. Isso aconteceu um ano antes do primeiro acordo de exploração do petróleo estabelecido com a Standard Oil da Califórnia, que começou a extrair petróleo dois anos depois. Deste modo o reino adquiriu um crescimento econômico baseado na exploração dos recursos minerais pelos estrangeiros, já em 1942 um primeiro acordo permitiu o estabelecimento de bases aéreas dos EUA e Grã Bretanha em seu território. Esse acordo deixou claro que o mais importante para os governantes sauditas eram seus interesses e a manutenção do seu poder em detrimento dos ideiais islâmicos. Por outro lado implantaram as formas mais conservadoras do Islã no reino para manter o controle sobre o povo, ao mesmo tempo em que a família real desfruta dos prazeres ocidentais, na Europa e América do Norte. Com o crescimento da proeminência saudita, protegida pelas potências ocidentais, o wahhabismo espalhou-se, em especial após o choque do petróleo de 1973, e o consequente crescimento da fortuna da família real. Abrindo um parêntesis dessa história de poder e fortuna temos no centro de atenções o rei Faisal, que tentou introduzir algumas mudanças no sistema conservador saudita e quando ocorreu o conflito árabe israelense, de forma inusitada, promoveu o bloqueio do fornecimento de petróleo para o ocidente que na época apoiou Israel no conflito. Sua liderança mexeu com os interesses das grandes empresas petrolíferas e causou grave crise à economia ocidental e seus respectivos governos. Algum tempo depois, em 1975, quando estava em uma solenidade formal da monarquia, um sobrinho homônimo, recém chegado dos EUA, de forma insuspeita aproximou-se e ao fingir cumprimentá-lo lhe desferiu dois tiros, causando esses ferimentos a morte do rei. Até hoje pouco se sabe de suas motivações, logo depois seria o executor ele mesmo executado por ordem dos familiares.

Na década de 1920, Hassan Al Bana criou a Irmandade Muçulmana com o objetivo de unir o mundo do Islã numa comunidade transnacional (umma). É necessário distinguir "islamismo político" de "fundamentalismo", sendo o primeiro composto pelos movimentos e partidos que tem o Islã como base de uma ideologia política, enquanto o segundo é um movimento teológico que surgiu no Egito no começo do séc. XX, baseado na volta aos fundamentos do Islã, e nos seus textos sagrados. Fundamentalismo é um termo cristão, originado nas crenças protestantes dos EUA que se fundaram nos meados do séc. XIX. Era uma tendência de fiéis e pregadores de tomarem ao pé da letra o texto bíblico. Pensavam que se Deus consignou seu testamento nos escritos sagrados, então cada palavra e cada sentença deveriam ser sagradas e imutáveis. Eram contra a teologia "liberal" que enxergava nos textos bíblicos alegorias morais e que utilizava o método histórico-crítico para interpretar escritos elaborados na antiguidade dos tempos.

Esse procedimento de análise crítica do texto sagrado, para as seitas protestantes era ofensivo ao seu Deus. Portanto até hoje questionam tudo o que se refere à ciência, à história e à biologia, em especial ao evolucionismo de Darwin, conhecimentos que vão de encontro ao texto criacionista da Bíblia conforme a interpretação religiosa parcial dos crentes. Enquanto os fundamentalistas cristãos creem numa divindade metafísica, além da ciência e no arrebatamento apocalíptico dos fins dos tempos, e nos textos literais do Velho Testamento, os fundamentalistas islâmicos são legisladores, normativos, e estabelecem suas regras nos princípios do Alcorão. O que chama atenção é o fato de que nem Jesus, nem Maomé não escreveram sequer uma letra sobre suas crenças que foram decifradas por sucessores, profetas e sábios, ao gosto de suas interpretações pessoais, e posteriormente tiveram esses dogmas sacralizados e transformados em religiões.

A mídia ocidental resolveu adotar o termo "fundamentalista" para designar os combatentes islâmicos das várias nações sem explicar exatamente ao que se refere e por extensão adotou essa visão paroquial do Islã esquecendo que atualmente justamente são, do seu lado, esses grupos fundamentalistas cristãos os que mais militam na rejeição ao islamismo no mundo e cerram fileiras com as mais obscuras forças para promover a ideia de um apocalipse iminente, o arrebatamento divino do fim dos tempos, a demonização de Maomé e Alá e a necessidade religiosa urgente de intervir nas nações muçulmanas para erradicar o mal. Muitos pensadores ocidentais de peso, formadores de opinião são conscientes dessa dicotomia exacerbada, mas escolheram fazer vistas grossas, embarcaram na mesma canoa,  e querem com esse comportamento leviano assim promover a "superioridade" da sociedade ocidental criando o imaginário do "novo inimigo" a ser enfrentado pelas forças do "bem" e da "luz", seja lá o que isso signifique.

Durante os anos 1940-1950, a Irmandade Muçulmana penou seu declínio na luta pela libertação da Palestina. O nacionalismo árabe de Gamal Abdel Nasser, que em sua juventude tinha militado na suas fileiras, ao implantar um regime de origem laica, proibiu no Egito suas atividades. O pan-arabismo promovido pelo líder egípcio derrubou a monarquia daquele país que se apoiava nas potências estrangeiras para manter seu poder. Os oficiais nacionalistas do exército egípcio, capitaneados por Nasser, em oposição ao domínio britânico, não deixaram de demonstrar no início simpatias pelas forças do eixo, com o apoio de milhares de trabalhadores e pobres que na época tomaram as ruas para dar vivas ao exército alemão que aparecia como uma força libertadora do jugo inglês. Em 1952 uma sublevação dessas forças derrubou o rei Farouk abrindo uma nova era desenvolvimentista, deixando esses grupos nacionalistas como lideres na luta anti-imperialista na região. Mais de uma geração foi necessária para que se experimentassem as limitações desse nacionalismo laico, com grande apelo popular, ao preço de várias derrotas banhadas em sangue.

O pan-arabismo, que acabou dando forma posterior ao grupo dos países não alinhados, pretendia uma via alternativa entre capitalismo e comunismo, na busca de uma identidade árabe e na perseguição de um estado coeso que integraria povos com culturas, tradição e língua comuns. Não se tratava de um movimento religioso. A sua maior realização foi a República Árabe Unida, fusão do Egito e da Síria, na década de 1950, mas que teve duração curta.

Enquanto isso, acontecia uma discussão interna no movimento da Irmandade Muçulmana, levou a confrontação de duas vertentes, uma delas "neo-tradicionalista", cuja via de ação política era a "não violência" e a "islamização das bases da sociedade", e outra mais "radical" propunha uma "islamização a partir da conquista do poder". Em 1958-1959, a corrente "radical" se aliou, na Palestina, ao movimento Al-Fatah (laico), liderado por Yasser Arafat.

O Xá Rehza Pahlevi foi colocado no poder do Irã pelos interesses das corporações petroleiras inglesas. Necessitavam de um governo títere para manter a secular exploração dos recursos petrolíferos daquele país e manter o custo baixo da extração negando divisas ao país e salários justos aos trabalhadores dos campos petrolíferos iranianos. A nacionalização dos recursos minerais promovidas por Mossadegh para a ira dos britânicos em 1951, leva o país pela primeira vez a sofrer sanções externas e um embargo mundial, sendo proibida a compra do petróleo iraniano, ação levada a cabo pelos ingleses com apoio incondicional dos EUA que se recusava a emprestar fundos ao Irã até que o litigio fosse resolvido. A conspiração promovida pela CIA e pelo M16 tem início e um país antes democrático, em pouco tempo, sucumbiu ao golpe militar com prisões, torturas e milhares de mortos e o assassinato de Mossadegh. Não se pode compreender o atual Irã sem recuar até o golpe de estado de 1953. Incentivado pelas corporações do petróleo, ele abortou as reformas em curso, fortaleceu a tirania do Xá e abriu caminho para a revolução islâmica de 1978-1979.


Mossadegh na Capa da Time
http://vertigensdiarias.blogspot.com.br/2013/08/no-coracao-das-trevas-cia-admite-golpe.html
Com a crise da URSS, sua derrota militar no Afeganistão patrocinada pelos sauditas e pelos EUA com as vultuosas somas de dinheiro enviadas aos "combatentes da liberdade" de maneira ilegal e antes disso, a Revolução islâmica que derrubou o Xá Reza Pahlevi, novas peças entraram em jogo no tabuleiro de interesses globais. Os EUA e suas corporações se viram prejudicadas com a perda de influência no Irã e estabeleceram uma estratégia de cercamento daquele novo regime que desafiava o poderio norte americano na região e criava uma nova variável desconhecida e incontrolável. A presença militar dos EUA na Arábia Saudita, lugar sagrado do Islã foi o estopim de uma nova faceta inesperada do conflito. Os antes aliados no Afeganistão, os conhecidos "combatentes da liberdade" passaram a tramar contra seus instigadores e foi quando, com suas ações militares contra os interesses norte americanos passaram a ser taxados de terroristas pela imprensa ocidental, já que não mais atendiam os interesses das corporações dos EUA e da UE. Personagens como Bush e Bin Laden possuem muito mais ligações do que se pode imaginar e uma origem comum que antecede aos atentados do WTC. Eram ambos filhos de famílias religiosas fundamentalistas e conservadoras, responsáveis por grandes corporações que tinham na exploração do petróleo e na construção civil uma fachada para imiscuir-se nas zonas de poder dos seus respectivos países e estavam intimamente ligadas por interesses.

Os atentados de 11 de Setembro serviram para uma nova cruzada estabelecida pelos fundamentalistas norte americanos. Bush filho aproveitou o atentado para voltar suas armas para o Iraque, comandado então por Saddam Hussein, que nada tinha a ver com o atentado mas possuía sob seu controle grandes reservas de petróleo e mesmo com as sanções impostas pela Guerra do Golfo, vinha mantendo o seu país fora da influência da Al Qaeda e outras organizações terroristas congêneres. As invasões no Iraque e no Afeganistão foram realizadas com grande carnificina a partir da superioridade de poder aéreo dos atacantes. Toda a estrutura logística desses países, já carentes, propriedades e vidas humanas foram destruídas em nome da democracia a partir da Doutrina Powell ( "Nós atiramos e eles morrem" ) Assim os norte americanos evitaram as grandes perdas de soldados como as ocorridas no Vietnam onde encontraram feroz e constante resistência de seus habitantes durante a ocupação. A repressão armada que se seguiu pode combater os sintomas, porém não poderia combater suas causas. Essas causas se encontram nas desigualdades, nas injustiças, nas negações históricas ocorridas nos países atacados. Assim como as resistências dos povos oprimidos são qualificadas de terroristas pelas mídias dos opressores, a "guerra ao terrorismo" determinou uma aliança das hegemonias globais das potências nucleares contra as resistências nacionais. A palavra terrorismo usada de forma genérica camufla os terrorismos de Estado, do Iraque ao Afeganistão, na Chechênia pela Federação Russa de Putin e principalmente em Israel, onde favoreceu os atentados impunes dos respectivos regimes contra as populações civis autóctones. Assim, mais uma vez, o termo utilizado pelos nazistas para se referir aos resistentes europeus foi redutor, e ele é hoje aplicado com mesmo sentido pelas potências em relação a luta armada que se processa contra seus interesses estratégicos no mundo todo.     

No Afeganistão, para firmar seu poder, os EUA apoiaram os Senhores da Guerra locais que a partir da ocupação norte americana voltaram a plantar sem problemas o ópio exportado para todo o mundo com o auxílio e a proteção dos ocupantes. Esse plantio, proscrito pelos Talibans em 2000, voltou com toda a força após a ocupação. Hoje suas produções ocupam quase todo o país e são novamente as maiores do mundo. Enquanto isso o povo afegão está a mercê do grupo mafioso usado pelos ocupantes como testas de ferro no poder. Quem luta contra essas forças é considerado criminoso e inimigo do país.

http://vertigensdiarias.blogspot.com.br/2014/02/o-opio-como-politica-de-estado-no.html

A questão palestina permaneceu intocada. Grupos de resistência à ocupação sionista, taxados de terroristas pela mídia ocidental, botaram à mostra a questão de que terrorismo refere-se ao ataque do mais fraco sobre o mais forte. Se os palestinos dispusessem dos mesmos recursos bélicos que seus inimigos, isto é, aviões de combate F16, helicópteros Apache, mísseis teleguiados e outros armamentos fornecidos pelos EUA à Israel poderiam ser considerados de outra forma? Usar armamentos artesanais e comandos suicidas são as únicas armas que os palestinos dispõe, isto é, seus próprios corpos. Os seus antagonistas mesmo assim pretendem ditar as regras do combate ao seu favor.

O apoio incondicional dos EUA à Israel, sua cabeça de ponte na região, leva seus vizinhos a considerar essa nação mais um instrumento de dominação dos EUA, bem como a colocar a América do Norte como instrumento político de Israel, isso quer dizer, dos judeus. É uma simbiose nefasta de interesses de colonização do O. Médio promovida pelos judeus com o apoio de grupos fundamentalistas cristãos do país ocidental, que veem nessa dominação a introdução e manutenção de um elemento civilizatório de crenças comum. Agravada a situação pelo extremismo nacionalista de direita dos seus atuais governantes, essa identificação é fatal tanto para os EUA quanto para Israel. 

A atual conduta desses dirigentes nacionalistas israelenses não é apenas abominável, ainda mais para um povo que sobreviveu aos suplícios de um holocausto, mas conduz sua nação a um beco sem saída onde só a força militar constante e ajuda externa impede sua total aniquilação. Israel como é hoje está fadada ao suicídio final, mesmo que proporcionado pela força de muitos quilotons de duzentos artefatos nucleares guardados em seus porões, ao arrepio das leis internacionais de não proliferação dessas armas. As poucas distâncias entre seu povo e outras nações vizinhas não permite mais que um tiro a queima roupa de consequências militares imprevisíveis para uma nação pequena e densamente povoada.

Desde 1995, o sonho de uma nação soberana palestina sofreu um recuo, pela ocupação territorial sem limites promovida pelos ocupantes. Milhares de mortos, milhares da casas demolidas, seus locais de cultos cristãos e muçulmanos profanados de forma contumaz só aumentaram a revolta e fomentaram o radicalismo daqueles que estão dando suas vidas contra a opressão estrangeira asfixiante. Mesmo que os ocupantes devolvessem hoje grandes áreas conquistadas, boa parte de seus recursos naturais, principalmente os recursos hídricos foram e continuam sendo exauridos pelo aumento exponencial das populações de imigrantes europeus e seus descendentes e uma exploração econômica desmedida, transformando a Palestina, a longo prazo, numa terra arrasada e infértil. 

A região erroneamente denominada de O. Médio já que sua situação geopolítica encontra-se situada na esfera econômica do Ocidente desde a época do Império Romano e que já foi denominada Crescente Fértil por ser lá o local do surgimento da agricultura, atravessa uma fase politica e econômica de grandes transformações ditadas pelo meio ambiente. A ocupação sem controle das terras, as antigas invasões asiáticas de hordas de cavaleiros que no passado esgotaram a terra com suas manadas de equinos e rebanhos, e o mau uso dos recursos naturais desertificou grandes áreas e afetou de forma fundamental as condições de crescimento econômico dos povos que ali habitam. O petróleo trouxe um alento temporário e uma falsa prosperidade para as nações que surgiram após a II Guerra Mundial, mas é uma prosperidade com os dias contados, pois os hidrocarbonetos não são recursos renováveis. Como não são renováveis as águas que são extraídas do subsolo desses países, nem as reservas hídricas usadas na Palestina para os plantios de frutas exóticas de exportação dos agricultores israelenses que transformaram a região num "paraíso" com data de validade. Os israelenses estão exportando a água de sua região transformada em frutas exóticas. Grandes extensões de bacias fluviais estão sendo comprometidas irremediavelmente e o lucro dessa exploração não está sendo socializado, sendo apenas propriedade de alguns.

As verdadeiras causas dos levantes islâmicos, muito mais que políticas ou religiosas, estão diretamente associadas a um crescimento populacional descontrolado ocasionado por uma prosperidade passageira, melhores índices de saúde, diminuição da mortalidade infantil, e que gerou um grande excedente de mão de obra que impedido de emigrar para os grandes centros europeus superlotados, onde já não necessitam de sua força barata de trabalho braçal, se comprimem nas favelas das cidades do norte da África e Península Arábica, sem ocupação e sem horizonte. O chamado à Jihad, ou a revolta pura e simples contra seus governantes corruptos e incompetentes possui um poder de atração irresistível. Enquanto isso contingentes de mão de obra qualificada européia e asiática invadem esses países para ocupar as vagas de trabalho ainda existentes das grandes corporações com o beneplácito desses governantes, cada vez mais ricos e corruptos, e assim ajudam a mitigar a grande crise de empregos nos países desenvolvidos que se avoluma motivada pela automação crescente dos meios de produção. O problema é basicamente ambiental, como aliás são todos os problemas da macroeconomia mundial, cada vez mais interdependente. As grandes potências incentivam conflitos locais em busca de riquezas e os governos antidemocráticos e corrompidos dos países são prestigiados ou derrubados conforme os interesses delas e das corporações extranacionais. Assim grandes arsenais são desovados e armamentos que estavam condenados ao sucateamento são distribuídos no terceiro mundo, em vez de comida e trabalho.

O risco econômico gerado pela interdependência do mercado globalizado, é o calcanhar de aquiles da Europa e dos EUA. O abismo provocado pelo insucesso das políticas intervencionistas gerou um déficit de 14 trilhões de dólares no balanço da dívida dos EUA e abalou os mercados europeus altamente subsidiados pelos seus Estados. A crise generalizada é caldo fértil para os totalitarismos e ditaduras emergentes. "Todo o regime tirânico é antropofágico" - nos lembra Frank Lestringant em sua memorável obra: "O Canibal". Os gregos, a começar por Homero, já denominavam os tiranos de "démoboroi", demóvoros, comedores de gente, é assim que Philon de Alexandria mais tarde denominaria Calígula, o saguinário imperador romano.    

Nos dez anos transcorridos desde que os soldados norte-americanos desembarcaram no Afeganistão para perseguir os líderes da Al-Qaeda, responsáveis pelos atentados de 11 de setembro de 2001, em sua "cruzada", os gastos nos conflitos totalizaram uma soma de US$ 2,3 a US$ 2,7 trilhões. Mas a cifra promete continuar aumentando, pois precisa levar em conta custos muitas vezes ignorados, como as pensões vitalícias para veteranos feridos e os gastos futuros estimados para o período de 2012 a 2020. A estimativa não inclui pelo menos outro US$ 1 trilhão decorrente de juros  a serem honrados da dívida bélica, e bilhões de dólares em gastos impossíveis de contabilizar de custos indiretos.

Em termos humanos, as atuais guerras dos EUA causaram 224 a 258 mil mortes diretas, o que inclui 125 mil civis no Iraque. Muitas outras pessoas morreram em consequência direta dos conflitos, por desnutrição e falta de acesso à atendimento médico e água potável. Outras 365 mil pessoas ficaram feridas, e 7,8 milhões de pessoas precisaram deixar suas casas.

A pesquisa elaborada sobre custos de guerras e perdas dos EUA acima mencionada reuniu mais de 20 acadêmicos para tentar destrinchar informações veladas, que nunca aparecem na mídia. O povo norte americano está pagando um alto preço para garantir os interesses de suas elites governantes, em termos de desconforto, recessão  e falta de estabilidade econômica. Por outro lado os bombardeios contínuos de áreas habitadas, antes no Iraque e na Sérvia, e agora no Afeganistão e na Líbia demonstram que houve um desvio estratégico dos reais objetivos do conflito, revelam um outro tipo de terrorismo contra populações civis inocentes, vítimas não apenas das bombas "inteligentes" e dos mísseis lançados de naves robots, de muito alto e de muito longe, vendetta sangrenta pelo 11/07 proporcionada pela alta tecnologia do Ocidente, que condena milhares de seres humanos ao êxodo e a fome. Seus gritos e choros em países distantes, que consideramos lugares exóticos  não serão conhecidos, e dificilmente podem ser devidamente mensurados. 

Quem são os verdadeiros terroristas?