domingo, 30 de janeiro de 2011

Yugoslávia, Ruanda, Palestina - As guerras canibais.




David e Golias
"Seja como for, hoje não há como negar a existência de Israel, e este, tal como o sionismo, não possui nenhum fundamento histórico. Antes, é algo que vai em sentido oposto ao de toda a história do povo judeu, desde a época do Império Romano até o final do séc. XIX. A única história que Israel pode usar a fim de justificar sua existência é uma história de no minimo dois milênios atrás. Tudo o mais que aconteceu nesse intervalo é colocado entre parênteses, pois não justifica a fundação de Israel e as guerras travadas por este Estado. A descoberta de que o Templo estava situado em Jerusalém foi transformada em um fato político moderno, como parte do argumento de que a cidade sempre havia sido o centro da religião judaica, e portanto a capital do povo judeu (além disso, fazia pouco sentido falar de capitais em um período anterior ao Império Romano, mas esta é outra questão). De qualquer modo, isso foi usado pelos judeus não só para justificar a fundação de seu Estado, mas a escolha de Jerusalém como sua capital".

"Esse argumento é similar ao usado pelos sérvios em Kosovo. Com isso, uma situação politica atual é justificada por algo que nada tem a ver com o presente, ainda que tenha sido válido seis séculos ou dois milênios atrás, e que funcione como um substituto de tudo o que se passou nesse intervalo, Assim, uma história suficientemente heroica e militante é criada, adaptada ao Israel de 1945 e à Sérvia atual". ( Eric Hobsbawm - O Novo Século - Companhia das Letras - pág. 30 )

"A cooperação inicial entre nazistas e sionistas, que Hannah Arendt chama de “não-criminosa”, estava relacionada ao projeto do estabelecimento de um Estado Judeu na Palestina, “mutuamente benéfico” às partes envolvidas (nessa época, não havia ainda o projeto da Solução Final e os nazistas discutiam diferentes saídas para a “Questão Judaica”, como a emigração forçada, a deportação de milhões de judeus europeus para o Leste ou a criação de um estado judeu na Palestina, Uganda ou em Madagascar, esta última uma ilha de possessão francesa com 4.370.000 habitantes e uma área de 365 mil quilômetros quadrados. “O ‘Estado Judeu’ deveria ter um governador policial sob a jurisdição de Himmler”, escreve Arendt. (O plano não deu certo pela dificuldade óbvia de se transportar 11 milhões de judeus pela via marítima durante a guerra.) Em 21 de setembro de 1939, o chefe do serviço de inteligência (SD) da SS, Heydrich, convocou uma reunião de “chefes de departamento” do RSHA (2) e dos Einsatzgruppen (grupos de extermínio que já operavam na Polônia) na qual anuncia que todos os judeus nos territórios ocupados seriam concentrados em guetos, administrados por Conselhos de Anciãos Judeus escolhidos pelos nazistas. Começa uma nova etapa na solução da “Questão Judaica” e na colaboração entre sionistas e nazistas para a Solução Final. Conforme escreve Hannah Arendt

Eichmann e seus homens informavam aos Conselhos de Anciãos Judeus quantos judeus eram necessários para encher cada trem, e eles elaboravam a lista de deportados. Os judeus se registravam, preenchiam inúmeros formulários, respondiam páginas e páginas de questionários referentes a suas propriedades, de forma que pudessem ser tomadas mais facilmente; depois se reuniam nos pontos de coleta e embarcavam nos trens. Os poucos que tentavam se esconder ou escapar eram recapturados por uma força policial judaica especial. No entender de Eichmann, ninguém protestou, ninguém se recusou a cooperar (Idem, 131)." 


Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia/233162-9      

No final do séc. XIX as ideologias nacionalistas estavam em franca ascensão. O ovo da serpente do sectarismo era chocado pela intolerância religiosa travestida de patriotismo doentio. O sionismo surgiu das constantes perseguições sofridas pelos judeus na Europa que ocorreram por volta de 1880. A palavra foi criada em 1886 por Nathan Birnbaum (Mathias Archer) para designar um movimento nacionalista de retorno dos judeus à Palestina e o estabelecimento de um estado judeu. Seu nome é uma alusão ao Sião, nome que dão o judaísmo e o cristianismo a Jerusalém. Esse ideal encontrou sua justificação nas escrituras do Velho Testamento com as promessas feitas por Javé a Abraão, Isaac e Jacó no sentido de que sua semente herdaria Canaã, onde hoje fica a Palestina. O movimento foi lançado por Theodore Herzl (1860-1904), jornalista húngaro, judeu de nascimento, que organizou em 1897 o primeiro congresso sionista na Basiléia, para obter para o povo judeu uma pátria na Palestina legitimada pelo direito público.

Testemunha do seu tempo Salomon Reinach escreveu: “Um dos resultados das perseguições tem sido dar vida nova a velha quimera da volta dos judeus à Palestina destinada a ser um Estado judeu de refúgio; é o objetivo especial que seguem os sionistas. Outra sociedade, a dos territorialistas, busca somente um território qualquer em que os judeus perseguidos possam estabelecer-se em massa e constituir um corpo político. Mais práticas e menos ambiciosas, a Aliança Israelita Universal (1860) e outras sociedades análogas de Londres, de Berlim e de Viena se ocupam de melhorar os judeus orientais por meio de criação de escolas; uma sociedade inglesa, fundada pelo rico financista Mauricio de Hirsch, cria colônias para os perseguidos na República Argentina, no Brasil e no Canadá. A emigração aos Estados Unidos tem chegado a ser tão considerável desde 1881 que Nova York é hoje, com seus 850.000 israelitas, a verdadeira metrópole do judaísmo”.


E sobre seus costumes relacionados com a discriminação religiosa em voga na época ele comenta: “Os que se convertem ao cristianismo são ou bem mendigos astutos..., ou bem jovens pobres, mas trabalhadores, a quem as leis restritivas impedem de ingressar nas escolas e ganhar a vida (sobretudo na Rússia), ou, finalmente, ricos que não crendo em nada compram com o batismo o direito de serem mal recebidos nos salões. Seus filhos são geralmente anti-semitas”.


Até a morte de Herzl o movimento sionista foi dirigido de Viena, e então seu quartel general foi transportado para Colônia em 1904 e depois para Berlim em 1911. Durante a I Guerra Mundial Chaim Weizmann, um bioquímico que havia emigrado da Polonia e que desenvolvia explosivos para os britânicos, sendo a cabeça do sionismo inglês, ganhou o apoio britânico para certos objetivos do movimento e obteve a “Declaração Balfour” de 1917 e o mandato da Sociedade das Nações para a Palestina. Na época alguns judeus assimilados se opuseram contra o movimento sionista acreditando que minaria a confiança e a posição nos países em que viviam, mas no período entre guerras o movimento ganhou apoio de quase todas as facções da comunidade judaica. Weizmann acabaria sendo o primeiro presidente de Israel em 1948.


A Palestina formava parte do Império Otomano em 1517. Foi conquistada pelas tropas britânicas dirigidas por Allenby em 1917-1918, e se converteu em mandato britânico em 1920. A “Declaração Balfour”, que prometia aos judeus uma pátria nacional, foi incorporada na atribuição do mandato. Na época a administração britânica ficou paralisada pelas contradições evidentes entre os direitos dos autóctones, isto é, as populações que sempre habitaram a região, árabes de origem semita, e as obrigações assumidas com os judeus. Em 1921 e 1929 se produziram sérios distúrbios anti-judaicos. As tentativas de limitar a imigração crescente provocaram desordens e revoltas por parte dos judeus em 1933. As perseguições nazistas na Europa intensificaram a agitação na Palestina. O informe Peel de 1937, proposição para criação de um Estado Judeu e outro Árabe, ao mesmo tempo em que mantinham uma região sobre mandato britânico foi aceito pela maioria dos sionistas mas foi rechaçado pelos Árabes, descendentes dos que ali viveram por centenas de anos. No mesmo ano uma guerra sectária começou entre as duas populações que continuou até 1938. Um oferecimento dos britânicos de independência definitiva gerou mais distúrbios entre as populações. A iniciativa britânica foi suspensa com o início da II Guerra Mundial. O terrorismo sionista atuou de forma efetiva culminando com a explosão em 1946 do Hotel Rei David, quartel general britânico em Jerusalém, com 91 mortos. Em novembro de 1947 as Nações Unidas votaram pela divisão da Palestina em dois estados: Israel e um Estado árabe que seria mais tarde assimilado ao reino da Jordânia. Uma nova diáspora ocorreu com as populações palestinas deslocadas em massa pelo medo e pela força dos vitoriosos imigrantes judeus.


Com o fim da II Guerra Mundial imaginava-se que o mundo entraria numa nova fase de paz e harmonia entre os homens. O sofrimento e a destruição infligidos às populações da Europa e a ascensão do poderio bélico dos EUA e URSS pareciam garantir um mundo, mesmo que dividido ideologicamente, sem grandes conflitos. A “guerra fria” como foi chamada parecia significar enfrentamentos pontuais entre as potências onde o número de vítimas era limitado e localizado em algum lugar distante do mundo. Entretanto o próprio conflito mundial havia acionado bombas de tempo localizadas regionalmente, conseqüência direta, na Europa, das forças envolvidas no combate ao nazifascismo, no Oriente Médio, na perseguição das populações judaicas pelos europeus xenófobos e do grande contingente de emigrantes da religião judaica de origem eslava e ariana em busca de uma pátria segura e na África, antes dominada pelas potencias européias e conforme a demarcação artificial dos seus territórios pelos dominadores obrigou nações agora independentes a conviver suas etnias ocupantes com origens culturais diversas


O final do séc. XX foi marcado pelos enfrentamentos, e nem sempre a ideologia foi motivador principal da disputa. Em conflitos provocados pela ocupação do espaço vital e uso dos recursos naturais em espaços geográficos limitados foram ressuscitadas as diferenças religiosas, históricas ou étnicas para determinar as causas dos conflitos entre seus protagonistas como desculpas para justificar sua crueza e mortandade e encobrir suas verdadeiras causas.

O primeiro deles foi deflagrado na Palestina logo após o final do conflito mundial. Baseados na promessa inglesa de um território onde poderiam fundar seu estado, os judeus europeus, antes perseguidos pelas forças sombrias de uma Europa sectária, se abateram sobre o território palestino que era dito como um espaço geográfico com baixa densidade demográfica pelos “especialistas de plantão” e que afirmavam, portanto poderia a região suportar tal colonização. 


Não era essa a realidade. Populações semitas milenares já habitavam a região e tinham sido islamizadas há tempos pelas influencias históricas que tinham sofrido já que o Oriente Médio foi sempre uma via onde exércitos invasores tinham atravessado para conquistar territórios na Ásia e África e onde a influência do Islã estava já arraigada entre os autóctones com uma população judaica semita residual que vivia já culturalmente assimilada com seus vizinhos.

Quando os imigrantes começaram a chegar em levas, primeiro foram recebidos com atenção pelos palestinos. A compra de terras desérticas desvalorizadas dos chefes tribais parecia um negócio atrativo para os naturais que viam uma possibilidade de transformação econômica para uma região esquecida do planeta até então atrasada composta de criadores de ovinos e plantadores de olivais, atividades econômicas milenares comuns aos povos semitas assentados na região desde a época do império romano. 


Aos poucos os palestinos foram percebendo que as multidões de imigrantes não cessavam de chegar. Endurecidos pelas perseguições na Europa e fanatizados pelos seus lideres terroristas atacavam as autoridades inglesas que administravam a região. Já não queriam negociar terras, mas apropriar-se dos seus recursos, as fontes de água potável e expulsar seus moradores com o uso das armas que recebiam ao desembarcar no país de seus aliados do exterior. Simples agricultores e pastores, sem a vivencia da guerra, os palestinos foram facilmente tangidos para longe de suas terras e onde ocorria a resistência era rapidamente sufocada por guerrilheiros armados pelas comunidades sionistas internacionais que enviavam farto material bélico e suprimentos aos invasores.


- A campanha militar com atentados contra os soldados e policiais britânicos se intensificou a partir de 1942. Estima-se que entre 1944 e 1948 quando foi fundado Israel, foram mortos em ações armadas dos “terroristas sionistas” 224 soldados e policiais britânicos.


- Além de usarem de métodos terroristas contra as forças de ocupação britânicas, os sionistas praticaram diversos atentados terroristas contra a população Palestina. Pouco tempo antes da proclamação do Estado de Israel, a Irgun e a Stern passaram a ter os palestinos como seus principais alvos de seus ataques terroristas.

- A 10 de abril de 1948, a população de Nasr el Din foi massacrada. A 5 de maio de 1948, foi a vez de homens, mulheres e crianças da aldeia de Khoury. No último dia de mandato os aldeões de Beit Drass foram chacinados. Na aldeia de Deir Yassin foram chacinados 250 árabes. Esses massacres sucessivos foram apenas o início da campanha de extermínio que os sionistas utilizaram para expulsar a população árabe da Palestina. Esta campanha se intensificou a pós a fundação do Estado de Israel em 1948.


Deir Yassin

- Em 1945 com vitória dos aliados, o imperialismo norte-americano estabeleceu com a burocracia soviética um acordo que permitiu a criação do Estado de Israel. O acordo previa a constituição de um Estado judeu com 57% do território e um Palestino com 43%, os árabes rejeitaram a proposta. Naquele momento viviam no território da palestina, 1,3 milhões de árabes e 600 mil judeus. Frente ao impasse a Grã-Bretanha apelou para a intervenção da ONU.


- Em 29 de novembro de 1947, a assembléia geral da ONU presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha, o plano britânico de divisão da palestina é aprovado. Os países da Liga Árabe (Egito, Líbano, Síria e Jordânia), rejeitaram o plano.

- Em 30 de novembro de 1947 se iniciou o conflito entre forças sionistas e as palestinas, ao mesmo tempo em as forças britânicas se retiravam do território. Com a derrota das forças palestinas cerca de 400 mil palestinos foram expulsos iniciando o êxodo que continua até os dias de hoje.


- Em 14 de maio de 1948, termina o mandato britânico sobre a Palestina, sendo proclamado o Estado de Israel, com o reconhecimento imediato do imperialismo e da burocracia soviética. Os países árabes não reconhecem a decisão e se inicia o conflito entre as forças de Israel e os exércitos do Egito, Síria, Jordânia e Líbano. É a primeira guerra entre Israel e os países árabes. A guerra de 1948-1949 termina com a vitória de Israel que passa a controlar 20mil km² (75% do território da Palestina), o restante do território foi controlado pela Jordânia, que anexou a Cisjordânia, e o Egito que anexou a região de Gaza. 900 mil palestinos foram expulsos da Palestina, iniciando o êxodo que persiste até hoje.


- A criação do Estado de Israel mostra que os sionistas utilizaram largamente os métodos que hoje chamam de terroristas. Assaltos a bancos, atentados a bomba contra cafés, automóveis, mercados, hotéis e embaixadas. São os mesmos métodos que hoje condenam no Hamas, foram largamente utilizadas pelos sionistas contra os ocupantes britânicos e a população árabe da palestina.


O resto da história é bem conhecida. Várias guerras foram deflagradas contra a invasão, de ambas as frentes questões religiosas e territoriais foram evocadas para determinar a razão do confronto da cada lado e o povo palestino sucumbe hoje no exílio, dependendo das condições políticas e favores dos países hospedeiros, e sofrendo uma sangria constante da ação do muito bem armado ocupante, que possuí o apoio irrestrito dos poderosos países do Ocidente, onde vivem suas ricas comunidades exógenas, livre para o cometimento de seus atos belicosos contra os palestinos. O enclave, verdadeira cabeça de ponte das comunidades arianas européias na região estabeleceu um apartheid social baseado em questões raciais criando um estado religioso onde a cidadania é baseada na origem e no culto do cidadão. Ironicamente, o que os arianos germânicos não conseguiram implementar em seu “Reich dos Mil Anos”, os judeus de origem ariana e eslava estabeleceram como lei no antes território livre da Palestina, e graças ao insucesso militar de seus vizinhos forçados, grandes nacos de território foram adicionados ao seu pequeno império religioso. Rabinos fundamentalistas entenderam então que as "profecias bíblicas" estavam se tornando realidade.


Na Yugoslávia, país criado por Tito, um partisan comunista, que na II Guerra Mundial com seus guerrilheiros expulsou os nazistas daquele território sem o apoio militar direto das forças aliadas, várias etnias conviviam até a década de noventa de forma pacifica, sob o regime imposto pelo seu líder, que pretendia além das diferenças religiosas e culturais dos cantões criar uma grande nação com um objetivo nacional comum. Parte da população dos Balcãs, os sérvios, segue a tradição religiosa da Igreja Ortodoxa e as comunidades Bósnio-Croatas possuem uma influência religiosa do Islã introduzido pelo império Otomano nas invasões turcas que ocorreram na região. Durante a ocupação alemã pelo menos uma divisão SS foi formada com voluntários croatas, e quando os nazistas foram expulsos seus efetivos foram completamente chacinados pelos vitoriosos comunistas. Nos campos de concentração nazista, com a ajuda dos Bósnios-Croatas, 750.000 sérvios, judeus e ciganos foram mortos pelos invasores e seus aliados fascistas dos Balcãs.

Croatas SS 

Com a morte de Tito em 1980, que governava com mão de ferro seu povo, e com o declínio e fragmentação da URSS, antigos rancores religiosos e questões territoriais foram invocadas entre católicos ortodoxos e muçulmanos. Mais uma vez o espaço vital e os recursos naturais em um território limitado pelo crescimento populacional ocasionado pelo pós-guerra foi o estopim do conflito. Cenas que pareciam sepultadas nos tempos da invasão nazista ressurgiram. Vilas destruídas, populações chacinadas por milicianos, campos de concentração, o circo de horrores foi novamente encenado resultando na desagregação final de um sonho de nação eslava forte e independente soterrado nas valas comuns dos morticínios e execuções sumárias de prisioneiros, com o beneplácito de uma Europa que via na destruição da Yugoslávia o atingimento de seus objetivos inconfessáveis.

Partisan Sérvia

A OTAN usou de toda a sua força destrutiva para reduzir os sérvios. Bombardeios massivos sobre alvos de infraestrutura deixaram a Sérvia em ruínas e assim a estrutura nacional daquele povo fragmentou-se de forma quase definitiva. Na época razões humanitárias foram utilizadas como argumento pelas potências européias e EUA para justificar a morte e destruição levada a cabo com seus avões e armas de alta tecnologia e capacidade de destruição. Na nova linguagem, com matriz orwelliana, guerra é paz.





Em 1994 numa pequena nação africana chamada Ruanda onde duas etnias conviviam até então em paz as disputas étnicas foram sendo exacerbadas pelos lideres e formadores de opinião hutus que pretendiam tomar o poder da nação. Os meios de comunicação e instituições promoveram a idéia de uma limpeza étnica, machetes foram distribuídos pelos simpatizantes do movimento hutu para milicianos ensandecidos que recebiam apoio integral do exército local e eram incentivados ao genocídio todos os dias pelos meios de comunicação. 800 mil tutsis e hutus moderados foram mortos em chacinas organizadas nas comunidades. 

Em Abril de 1994 a morte num atentado ao avião do presidente Juvenal Habyarimana e o avanço da Frente Patriótica Ruandesa produziu uma série de massacres no país contra os tutsis, e causou um deslocamento maciço de pessoas para campos de refugiados situados na fronteira com os países vizinhos, em especial o Zaire (hoje República Democrática do Congo). Em Agosto de 1995 tropas do Zaire tentam expulsar estes refugiados para Ruanda. Quatorze mil pessoas são devolvidas a Ruanda, enquanto que outras 150.000 se refugiam nas montanhas. Mais de 500.000 pessoas foram assassinadas e quase cada uma das mulheres que sobreviveram ao genocídio foram violentadas. Muitos dos 5.000 meninos nascidos dessas violações foram assassinados. O Tribunal criminal internacional, teve voto unanime contra o Dr. Gerard Ntakirutimana, médico missionário que exercia a medicina no hospital pertencente a Igreja Adventista do Sétimo Dia de Mungonero, o qual foi condenado por genocídio e por crimes contra a humanidade e sentenciado a 25 anos de prisão por assassinato e por atirar em refugiados Tutsis em vários locais. Ele foi condenado por fazer parte de ataques contra Tutsis na Colina de Murambi e Colina de Muyira em várias datas. Elizaphan Ntakirutimana, pai do Dr. Gerard Ntakirutimana e pastor presidente da associação da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Mugonero, no oeste de Ruanda, foi também condenado a 10 anos de prisão por crimes menores. Elizaphan levou os atacantes para Igreja Adventista de Murambi em Bisesero onde era pastor presidente e ordenou a remoção do telhado do edifício, a fim de localizar os Tutsis que lá estavam abrigados. O ato conduziu às mortes de muitos dos que estavam no local. Ele também levou os atacantes a vários locais para localizar e matar Tutsis.



Vitimas dos Facões

De acordo com a BBC, centenas de Tutsis que procuraram refúgio na igreja e no hospital Adventista enviaram uma carta a Elizaphan pedindo socorro. A carta, segundo a BBC incluia a frase: " Nos desejamos informar-lhe que amanhã seremos mortos juntamente com nossas famílias". A resposta de Elizaphan Ntakirutimana foi de que eles deviam se preparar para morrer. As Milícias de Hutu, segundo as testemunhas chegaram pouco tempo depois com ambos os Ntakirutimanas. Só alguns Tutsis sobreviveram. Os Ntakirutimanas disseram no tribunal que eles tinham deixado a área antes das matanças. Elizaphan Ntakirutimana fugiu para os Estados Unidos depois das matanças, mas foi extraditado para a Tânzania. Seu defensor foi um dos mais caros advogados dos Estados Unidos, Dr. Ramsay Clark. O ICTR já realizou nove julgamentos, com 10 condenações e uma absolvição. Oito casos envolvendo 20 suspeitos. A expectativa é que mais seis casos deveriam ser concluídos até o ano de 2003. Foram mortos pelo menos meio milhão de pessoas, a maior parte da minoria étnica Tutsi, em atos de violência praticados pela maioria Hutu que estava governando o pais. No entanto, outro adventista foi o responsável pela salvação de 1268 tutsis e hutus abrigando-os no Hotel Mille Collines em Kigali. Paul Rusesabagina ficou mundialmente conhecido ao ser retratado no filme Hotel Ruanda. Paul Rusesabagina, hoje residente na Bélgica, afirma que se não forem tomadas posturas duras contra o Tribalismo em Ruanda o genocídio poderá ocorrer novamente, desta vez pelas mãos dos tutsis, governantes do país desde o fim da matança.

Ruanda tinha em 1993 uma população de 8,1 milhões de habitantes. Feito o censo de 2003, 9 anos após o bárbaro assassinato em massa feito em 1994, o país contava com apenas 7,8 milhões de habitantes. Realmente, houve um descenso, um decrescimento da população e, certamente, o genocídio foi a causa. Mas as coisas não aconteceram por acaso. A Rádio e Televisão Livre de Mil Colinas (RTLM), através de seu proprietário, Ferdinand Nahimana, e o jornal “Kangura”, por intermédio também de seu dono, Hassan Ngeze, extremista hutu, fizeram diversas reportagens conclamando os hutus à vingança. Outro articulador que foi responsabilizado diretamente pelo genocídio, conforme julgamento realizado na própria ONU, foi o jornalista Jean-Bosco Barayagwiza, co-proprietário da RTLM. As transmissões da TV eram feitas sob toques marciais de tambores para incitar o ódio dos hutus contra os tutsis. Os jornalistas, em suas reportagens, exortavam abertamente a população ao massacre. Um ex-repórter da RTLM, Georges Ruggin, declarou que a emissora recebia informações de milicianos hutus sobre operações que pretendiam desencadear e emitia boletins radiofônicos que ajudavam a localizar e capturar as vítimas, a grande maioria civis, e até mesmo padres e freiras. (dados tirados da “Folha de São Paulo”, 04.12.2003, A-13)
Cranios Exumados

Os relatos das atrocidades são diversos. Um dos testemunhos de sobreviventes mostra uma impressionante história de uma menina que assistiu à morte do pai. O assassino cortou um dedo do seu pai e obrigou-a a comê-lo. Uma angustiante constatação: os assassinos eram pessoas comuns, sem traços de ferocidade. Pais de família, jogadores de futebol, professores e lavradores que deceparam os corpos de amigos íntimos sem constrangimento algum diariamente por mais de cem dias. Ao fim de cada “expediente” iam tomar cervejas com os amigos e comentar sobre os acontecimentos do dia, suas pequenas trivialidades. Matar pessoas era melhor do que plantar a terra diziam.

A religião e a etnia são aspectos relevantes para a deflagração desses conflitos recentes num mundo cada vez menor. O caldeirão fervilhante das crenças é fervido em fogo brando até que transborda o terror genocida com força avassaladora e os traços da antropofagia se manifestam com a naturalidade que só seres humanos podem manifestar. Enquanto pessoas indefesas eram mortas a golpes de facão os países mais poderosos do mundo faziam vista grossa pois não havia interesse imediato que justificasse uma ação ou intervenção. A humanidade foi e continua sendo cúmplice desse e de outros eventos semelhantes. A ocupação do solo, a explosão demográfica, o conflito de interesses e a luta pelo poder são as verdadeiras causas desses conflitos que passam a fazer parte da história recente num mundo que já foi denominado uma “aldeia global”. A globalização como vem sendo adotada, imposta dos mais ricos para os mais pobres não parece ser a solução. Quando esses conflitos “de baixa intensidade” ocorreram a União Européia estava exercitando seus primeiros passos e o ataque às torres gêmeas ainda não havia ocorrido. De lá para cá a prosperidade anunciada pelo mundo às vésperas da globalização não ocorreu e a crise econômica e o desemprego assolam países antes prósperos no hemisfério norte, sendo suas soluções de desenvolvimento colocadas em cheque todos os dias. 

Apesar de terem ocorrido na segunda metade do século vinte essas guerras possuem todas as características dos conflitos primários que envolvem personalismo e que não pretendem a escravização do inimigo para trabalhos forçados, mas seu total extermínio como faziam nossos agressivos antepassados das estepes no paleolítico. Apesar de não ficar evidente o canibalismo, os relatos dos acontecimentos em Ruanda identificam essas práticas e nos outros lugares o consumo da carne humana foi substituído pelo assassinato impune como foi em Sabra e Chatila onde milícias de cristãos maronitas com o apoio do exército de ocupação judeu no Libano assassinaram mulheres, velhos e crianças palestinas indefesas. Não terem consumido suas carnes é apenas um mero detalhe.


Encontramos nessas manifestações desveladas do comportamento predador do ser humano todos os elementos que definem o antropofagismo: a religião e o apelo ao Deus vivificador como desculpa para ocupação da terra, o menosprezo pelo outro, o inimigo que deve ser ultrajado, o uso indiscriminado de qualquer forma para premeditar o genocídio. A aceitação da comunidade dos agressores sobre as violências cometidas com aprovação das respectivas mídias regionais que até mesmo incentivam os matadores com discursos ufanistas e racistas.


A guerra santa como motivação hoje divide a comunidade judaica na Palestina. De um lado humanistas pregam a convivência pacifica com os vizinhos e do outro, grupos radicais buscam ressuscitar a idéia de “Herem”, isto é, a oferenda do inimigo e seus bens para Deus como relata a Bíblia, prática usual de Josué, o líder militar hebreu ao invadir Canaã, o genocídio puro e simples das populações vencidas e de suas cidades e ofertório de seus bens ao seu deus da guerra. Essa palavra de cunho votivo significava que tinham de ser completamente destruídos e queimados os despojos de guerra e os habitantes deviam ser imolados no fogo, com exceção "o ouro e a prata, e os artigos de bronze e ferro", que deveriam ir para o tesouro de Javé. Os estudiosos no assunto afirmam que ainda hoje os sionistas militantes identificam os palestinos com os cananeus e filisteus que foram chacinados pelos hebreus no passado, e, portanto, como alvos eternos da violência étnica conforme mandato divino dado aos descendentes do povo de judá, tendo como referencia a leitura literal de seu livro sagrado. Tal referencia religiosa serviu também aos católicos para provocar o genocídio dos povos indígenas nas Américas. O colonialismo europeu apropriou-se ideologicamente do texto judaico para justificar suas ações de dominação e extermínio de povos que eles consideravam pagãos. 


Criança Rendida